Osvaldo Lacerda

Osvaldo Lacerda ao piano.
Osvaldo Lacerda ao piano

Osvaldo Lacerda foi um dos mais importantes compositores brasileiros, nascido em São Paulo a 23 de março de 1927 e falecido também em São Paulo, em 18 de julho de 2011.

Ao falar de Osvaldo Lacerda, me ocorre falar primeiro de outro importante compositor brasileiro: Camargo Guarnieri.

Uma escola de composição

Guarnieri foi, além de notável compositor, um dos poucos a criar uma verdadeira escola de composição.

Não se tratava de uma escola no sentido físico, um prédio, com salas de aula. Digo escola no sentido de ser uma referência nacional, tendo sido professor de muitos dos mais importantes compositores brasileiros da geração posterior à sua.

Marlos Nobre e Almeida Prado, por exemplo, dois destacados compositores brasileiros, foram seus alunos.

E aí entra Osvaldo Lacerda, que também foi aluno de Guarnieri, e talvez aquele que mais tenha se mantido fiel ao estilo do mestre.

Osvaldo Lacerda e Guarnieri

Osvaldo Lacerda procurou Guarnieri em 1952, quando estava com 25 anos de idade.

Já tinha boa formação musical. Começara a estudar piano aos 9 anos de idade. Pretendia tornar-se pianista concertista, e foi Guarnieri quem o dissuadiu da idéia, convencendo-o a dedicar-se à composição.

Assim, durante 10 anos, Osvaldo Lacerda manteve-se como discípulo de Guarnieri, de quem absorveu plenamente a técnica e o estilo.

Camargo Guarnieri, o mestre brasileiro de Osvaldo Lacerda.
Camargo Guarnieri.

O Quarteto de Cordas no. 1 de Osvaldo Lacerda

Já de início convido-os, caro leitor, cara leitora, para conhecer uma obra de Osvaldo Lacerda que eu acho particularmente inspirada: o “Quarteto de Cordas no. 1”

Ele tem três movimentos, de formas bem definidas.

1o. movimento

O primeiro movimento é um prelúdio seguido de uma fuga.

O prelúdio é em ritmo de toada. Sobre esse ritmo obstinado, Osvaldo Lacerda criou melodia muito lírica, de imensa beleza.

É muito fácil identificar o momento em que o Prelúdio termina e a Fuga começa, pois a Fuga tem um ritmo vivo, que contrastata bastante com o lirismo do prelúdio.

Camargo Guarnieri gabava-se de seu domínio da técnica do contraponto – a arte de entrelaçar melodias. Ao ouvir essa fuga, podemos perceber que Lacerda absorveu perfeitamente a sabedoria de seu mestre.

2o. movimento

O segundo movimento leva o nome de Aria. Sua melhor tradução para o português seria “canção”.

É um movimento lento, no qual se percebe novamente a grande facilidade de Lacerda para criar belas melodias.

Logo no início temos uma, executada na região grave pelo violoncelo.

Uma outra melodia aparece no meio do movimento, executada pelo 1º violino

Este segundo movimento transcorre todo assim; é um derramar de belas melodias, uma depois da outra.

De caráter intuitivo, ele estabelece um belo contraste com a racionalidade da fuga anterior, fiel, portanto, ao modelo clássico das obras constituídas em vários movimentos.

30. movimento

No terceiro movimento deste Quarteto no. 1 de Osvaldo Lacerda temos o envolvente ritmo do baião.

E temos também uma coisa curiosa: o ritmo de baião nada mais é que aquele mesmo ritmo de toada do primeiro movimento, porém tocado bem mais rápido.

Este terceiro movimento confirma que Lacerda se mantém fiel ao modelo clássico: ele é em ritmo de dança e contrasta com o segundo movimento por ser em andamento vivo. Além disso, é mais curto que os anteriores, como acontecia nos quartetos do período clássico.

Um sólido modelo clássico

Porém, o mais importante é notar que, sobre esse sólido modelo clássico reina, do começo ao fim, o caráter da música popular brasileira, ideal estético também herdado de Camargo Guarnieri.

Convido-o agora a clicar no link abaixo, e assistir a um ótimo vídeo do Quarteto da Cidade de São Paulo, executando essa belíssima obra de Osvaldo Lacerda.

Os integrantes do Quarteto são:

Betina Stegmann, violino; Nelson Rios, violino; Marcelo Jaffé, viola; Rafael Cesario, violoncelo.

Osvaldo Lacerda e a Escola Nacionalista

Voltemos àquilo que falávamos antes: a mescla da forma clássica com o conteúdo nacionalista. Essa era a essência da estética de Guarnieri que Osvaldo Lacerda adotou, cultivou e defendeu até o fim de sua vida.

Muitos compositores oscilaram entre esta estética e outra que procurava beber nas experiências mais radicais do modernismo.

Foi assim com Marlos Nobre, já citado, bem como com outros grandes compositores como Cláudio Santoro ou Guerra Peixe. Todos estes tiveram uma fase nacionalista e outra experimental.

Osvaldo Lacerda, contudo, foi nacionalista convicto por toda sua vida.

Osvaldo Lacerda pelo mundo

Voltemos um pouco à sua biografia. Depois de estudar composição com Guarnieri por 10 anos – de 1952 a 1962 – Osvaldo Lacerda foi para os Estados Unidos, como bolsista da Johan Simmon Guggenheim Memorial Foundation de Nova Iorque.

Lá estudou composição com Vittorio Giannini e Aaron Copland, dois compositores norte-americanos de expressão internacional.

Aaron Copland, um dos professores de Osvaldo Lacerda
Aaron Copland. Foto picryl.com.

Em 1965 foi representante brasileiro no Seminário Internacional de Compositores na Universidade de Indiana, e no 3º Festival Interamericano de Música de Washington D.C..

Osvaldo Lacerda professor

De volta ao Brasil, dedicou-se à atividade pedagógica, ministrando aulas de contraponto, harmonia, análise, composição, orquestração e até de teoria musical elementar.

Aliás, muitos colegas meus estudaram teoria pelo livro escrito por Lacerda, que se tornou referência para muitas gerações de músicos.

Clicando na foto abaixo, você o acessa no site da Amazon!

Lacerda era um estudioso de nossa música popular, e refletia como ela podia ser aproveitada como matéria prima para a criação erudita.

Dessa atividade intelectual surgiram textos interessantes, como “Constâncias harmônicas e polifônicas e na música popular brasileira e seu aproveitamento na música sacra”, e “A criação do recitativo brasileiro”.

Experiências

Á luz desses estudos de Osvado Lacerda, como ficaria, por exemplo, a transposição de um ponto de candomblé da cultura popular para a erudita?

Ficaria assim:

Osvaldo Lacerda: “Ponto de Oxalá”; soprano Lenice Prioli, acompanhada por Maria José Carrasqueira ao piano.

Obras orquestrais de Osvaldo Lacerda

Osvaldo Lacerda também deixou várias obras orquestrais:

-Suite Piratininga, de 1962, que ganhou o 1º prêmio do Concurso de Composição da Cidade de São Paulo

– 2 aberturas sinfônicas

-Cromos, para piano e orquestra

-Concerto para Flautim e Cordas

Esta obra eu considero muito interessante pelo seguinte: o flautim moderno é um instrumento bastante difícil de tocar, para o qual existe um pequeno repertório solista. Mesmo na orquestra sinfônica ele é usado com moderação, pois sua sonoridade ultra aguda tende a ser cansativa.

Nesse concerto, Lacerda conseguiu manejar sua sonoridade com muita sabedoria.

Osvaldo Lacerda: Concerto para Flautim, 1o. movimento. Michel De Paula – Piccolo.
LIME Luzern International Music Ensemble

Osvaldo Lacerda brincalhão

Uma outra característica de Osvaldo Lacerda é o caráter jocoso, brincalhão, que ele confere a muitas de suas peças. Este é o caso do 1º movimento da sua suíte para xilofone e piano, ao qual ele deu o título de “Arrasta Pé”.

Osvaldo Lacerda: Arrasta-Pé, para xilofone e piano. “Arrasta-pé” Xilofone, David Friederich. Piano, Stephanos Katsaros.

Cromos

Por fim, quero falar de uma obra de Lacerda que considero muitíssimo especial. De grande envergadura, com cerca de 30 minutos de duração, “Cromos”, para piano e orquestra é absolutamente admirável.

No canal do youtube de Wandrei Braga, há uma belíssima gravação da obra. Peço licença ao autor do texto que lá encontramos, para reproduzi-lo aqui:

Esta obra data de 1992, e é dedicada a Eudóxia de Barros.

O compositor faz questão de salientar que “Cromos” não é um Concerto para piano e orquestra, no sentido tradicional da palavra “Concerto”.

Conforme o dicionário, “cromo” é “uma estampa colorida”. E é nesse sentido que se deve entender esta obra de Lacerda, que consiste numa série de 8 pequenos quadros musicais, onde o piano é muito mais a voz principal da orquestra, do que um solista que a ela se contrapõe.

A ênfase não é dada à técnica, porém, à sonoridade e à interpretação.

Do ponto de vista formal, “Cromos” é uma Suite em oito movimentos, que oferece uma curiosa particularidade instrumental: nos movimentos de números 1, 3, 5 e 8, é utilizada toda a Orquestra (tutti), enquanto nos de números 2, 4, 6 e 7, os naipes orquestrais são tratados separadamente.

Cromos recebeu da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), em 1994, o prêmio de melhor obra orquestra.

Eudoxia de Barros

Ao falarmos de Osvaldo Lacerda não podemos de modo algum deixar de falar da pianista Eudóxia de Barros

Eudóxia de Barros, piansta e esposa de Osvaldo Lacerda
Eudoxia de Barros.

Nascida em São Paulo em 18 de setembro de 1937, é uma das mais importantes figuras da música de concerto do Brasil.

Seus principais professores foram Guilherme Fontainha, Magda Tagliaferro, Nellie Braga e Lina Pires de Campos.

Aperfeiçoou-se na França, Estados Unidos e Alemanha.

Venceu por unanimidade o concurso para solista da North Carolina Symphony, e foi solista da Cleveland Philharmonic Orchestra

Apresentou-se nas principais capitais do mundo e inúmeras cidades de todo o Brasil.

Em 1979, publicou o livro Técnica Pianística.

Gravou 31 discos. Recebeu o Prêmio Nacional da Música outorgado pela Funarte em 1995.

Ocupa a cadeira número 14 da Academia Brasileira de Música.

Eudoxia foi aluna de Osvaldo Lacerda e viria a se casar com ele em 3 de setembro de 1982.

Tem contribuído magnificamente para divulgar a obra musical de seu marido.

Finalizo esta postagem com Eudoxia interpretando um trecho desta bela obra que é “Cromos”, para piano e orquestra.

Osvaldo Lacerda: Cromos. Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro. Maestro Henrique Morelenbaum. Eudoxia de Barros, solista.

Por ora é isso, caros leitores.

Até a próxima postagem!

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2 comentários em “Osvaldo Lacerda”

  1. Maestro, e sempre bom ler e ouvir o que você nos mostra no seu site. Parabéns pelo magnífico trabalho que tem feito.

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