César Guerra-Peixe

Guerra-Peixe foi um desses músicos soberbos que transitou por diversos caminhos, como a música de tradição erudita, a popular e a folclórica.

Em cada um desses caminhos Guerra-Peixe aprendeu muito para em seguida contribuir, abrindo novas frentes.

Mas antes de falarmos de suas escolhas estéticas, vamos conhecer um pouco de sua vida.

César Guerra-Peixe. Compositor brasileiro.
César Guerra-Peixe. Foto wikimedia commons.

O aprendizado de Guerra-Peixe

Guerra-Peixe nasceu em março de 1914, em Petrópolis, e nesta cidade começou seus estudos musicais.

Assim que pode, começou a ter aulas no Rio de Janeiro, para onde se mudou definitivamente aos 20 anos de idade.

No Rio de Janeiro Guerra-Peixe ingressou no Instituto Nacional de Música e posteriormente no Conservatório Brasileiro de Música.

Dentre os muitos professores que teve destacou-se a violinista Paulina Dambrósio. Graças a ela, Guerra-Peixe tornou-se um exímio violinista.

Além do estudo formal, ele aprendeu muito tocando em confeitarias, bares e cafés da antiga capital federal.

A destruição das primeiras composições

Durante este período de estudos, Guerra-Peixe compôs muita música de sabor popular, além de peças baseadas na tradição erudita.

Em 1944 Guerra-Peixe tornou-se discípulo do professor Hans Joachim Koellreutter, tendo aulas e militando no Grupo Música Viva.

Feito isso, Guerra-Peixe decidiu destruir tudo o que havia feito até então.

Perderam-se para sempre, dentre outras obras, dois quartetos de cordas, um trio, um quinteto de sopros, e até mesmo uma sinfonia.

Este envolvimento de Guerra-Peixe com a música dodecafônica e atonal, através do contato com o Professor Koellreuter, durou 5 anos, entre 1944 e 1949.

A partir de então Guerra-Peixe deixou-se levar pela grande atração que sentia pela música popular e folclórica.

Guerra-Peixe e a decisão estética.

Muito atraído pelo folclore brasileiro, Guerra-Peixe logo tentou algum tipo de conciliação entre as duas correntes estéticas, mas desistiu da idéia em 1949: abandonou de vez a música dodecafônica para dedicar-se ao estudo do folclore.

Isso pode ser constatado por um fato marcante em sua vida.

Nesta época sua música começava a ser executada na Europa.

A 1º Sinfonia, toda dodecafônica, fora tocada pela orquestra das BBC de Londres, e posteriormente transmitida pela Rádio de Bruxelas.

Em 1948 a Rádio de Zurique levou ao ar seu Noneto. E neste mesmo ano veio um convite que poderia ter mudado totalmente sua carreira.

O grande maestro e professor Hemann Scherchen convidou Guerra-Peixe para ser viver em Zurique e ser seu aluno.

Hermann Scherchen. Compositor.
Maestro Hermann Scherchen.
Foto wikimedia commons.

Contudo, ele preferiu ficar no Brasil para estudar a fundo o folclore nacional. Assinou contrato com uma emissora de rádio de Recife, e lá começou um intenso trabalho de pesquisa da música folclórica, visitando as cidades de Olinda, Paulista, Igarassu, Jaboatão, São Lourenço da Mata, Limoeiro, Garanhuns e Caruarú.

O resultado disso foi absolutamente precisoso: dois livros fundamentais para a compreensão da evolução da música brasileira: “Um século de Música no Recife”, de 1952, “Maracatus do Recife”, de 1955.

O folclore de São Paulo

Depois de viver alguns anos em Recife, Guerra-Peixe mudou-se para São Paulo, onde manteve seu interesse pelo folclore.

Continuou suas pesquisas em várias cidades do interior paulista.

Coletou jongos, sambas, cateretês, cururus, danças-de-santa-cruz, folias de reis, congadas e modas de viola em Taubaté, Pindamonhangaba, Tatuí, São José do Rio Pardo e Carapicuíba.

Em 1954 publicou muitos artigos sobre folclore em jornais paulistas, e em 1959 foi nomeado chefe da Comissão Paulista de Folclore.

Há muitas obras maravilhosas de Guerra-Peixe que são fruto desta investigação do folclore somada ao seu talento e metiér.

Eu gostaria de destacar duas, duas suítes sinfônicas: A Suíte Sinfônica no.1, “Paulista”, e a Suíte Sinfônica no. 2 “Nordestina”.

Suíte Sinfônica nº1 ‘Paulista’ (1955)
I. Cateretê
II. Jongo
III. Recomenda de almas
IV. Tambu
Orquestra Sinfônica Estatal de Moscou
Edoardo de Guarnieri, regente Complementa o álbum o Ponteado (1955), para orquestra
CÉSAR GUERRA-PEIXE: Suite Sinfônica n.2 “Pernambucana”
I. Maracatu
II. Dança de caboclinhos
III. Aboiado
IV. Frevo
Orquestra Sinfônica Nacional – UFF
Maestrina: Ligia Amadio

A música para cinema

Nos anos 50 Guerra-Peixe começa também a compor música para o cinema.

Guerra Peixe compôs trilhas para os filmes Terra É sempre Terra , filme de 1951, dirigido por Tom Payne, e O Canto do Mar, de 1953, dirigido por Alberto Cavalcanti.

E vale lembrar aqui que o primeiro emprego de Guerra-Peixe, aos 14 anos de idade, foi justimente o de instrumentista em salas de cinema mudo.

Guerra-Peixe arranjador

Guerra-Peixe também se dedicou à música – o que aliás nunca foi incomum em toda a história da música erudita. Até Beethoven interessou-se pela música popular de seu tempo!

Isso começou no final da década de 40, quando foi contratado como arranjador da Rádio Jornal do Commércio, do Recife.

Era a era de ouro das rádios brasileiras, quando muitas tinhas orquestras e os programas eram feitos ao vivo. Nessa época, a figura do arranjador era fundamental.

Guerra-Peixe também dirigiu uma série chamada “A Grande Música do Brasil”.

Foi uma coleção de quatro LPs, cada um dedicado a um compositor: Noel Rosa, Chico Buarque, Luiz Gonzaga e Tom Jobim. O volume dedicado a Noel Rosa foi um trabalh0 de Radamés Gnattali. Nos demais, as orquestrações foram feitas por Guerra-Peixe.

Guerra-Peixe e a música de câmara

O gênero musical em que o compositor se sentia mais à vontade era sem dúvida a música de câmara.

Um exemplo que eu considero delicioso e mostra o lado bem humorado do compositor é uma peça que se chama “Roda de Amigos” .

O primeiro é o amigo rabugento, representado pelo fagote; em seguida vem o amigo teimoso, simbolizado pela clarineta; o amigo melancólico fica a cargo do oboé, e finalmente temos o amigo travesso, que é a flauta.

Os quatro solistas são acompanhados por um pequeno conjunto de cordas.

Roda de amigos – César Guerra-Peixe I – O Rabugento (Fagote) II – O Teimoso (Clarineta) III – O Melancólico (Oboé) IV – O Travesso (Flauta) Fagote – Elione Medeiros Clarineta – José Botelho Oboé – Kleber de Souza Flauta – Lenir Siqueira Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC Maestro – Maestro Ernani Aguiar

Guerra-Peixe, intérprete e professor.

A partir da década de 70, Guerra-Peixe atua em vários pontos do país como regente e recitalista, sempre divulgando obras de compositores brasileiros.

Também leciona muito. Muitos músicos importantíssimos tanto do mundo erudito quanto do popular estudaram com Guerra-Peixe.

A lista é longa e surpreendente: Juca Chaves, Chiquinho de Moraes, Sivuca, Capiba, Baden Powell, Roberto Menescal, Ernani Aguiar, Jorge Antunes, Paulo Moura, entre outros.

Entre 1972 e 1980 Guerra-Peixe foi professor de diversas instituições como o Centro de Estudos Musicais do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade de São paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e na Pró-Arte também do Rio.

Mas não parou de compor. De 1972 é uma de suas obras mais executadas: o Concertino para Violino e Orquestra de Cordas.

CESAR GUERRA-PEIXE Concertino para violino e orquestra.
Felipe Prazeres, regente Ricardo Amado, violino

Reconhecimento

Guerra-Peixe foi, felizmente, reconhecido e celebrado em vida; ganhou muitos prêmios, mas o mais tocante talvez seja o de “Maior Compositor Brasileiro Vivo”, recebido em novembro de 1993, dias antes de falecer.

Mais do que um grande compositor, Guerra-Peixe foi um músico que escolheu ficar no Brasil e fazer algo pela nossa vida musical.

Pois fez muitíssimo!

Sua obra é uma riquíssima fonte de estudo para músicos e pesquisadores de diversas àreas.

Para saber mais, minha dica é esta aqui em baixo: basta clicar na foto!

Espero que você tenha apreciado este post. Deixe seu comentário!

Saudações Musicais do maestro Galindo!

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4 comentários em “César Guerra-Peixe”

  1. Anecdota; O meu primeiro contato com a música de Guerra-Peixe foi na toque de um bis no concerto dos Trondheim Soloists na Sala São Paulo alguns anos atrás. Eles tocaram o Mourão, completo com um pulo de pé estrondoso no meio da peça. A plateia não se conteve e deu um aplauso ruidoso e ainda mais no final para agradecer a honra prestada a um compositor Brasileiro.

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