A verdade sobre Salieri

Em 1984 foi lançado com grande estardalhaço em todo o mundo o filme Amadeus, dirigido pelo tcheco Milos Forman, baseado em uma peça do dramaturgo inglês Peter Shaffer.

O história lançava quantidades incalculáveis de incenso sobre a genialidade musical de W. A. Mozart; contudo, aparentemente para garantir o sucesso fácil, apresentava-o por outro lado como um imbecil social.

Não satisfeito com isso, o autor também apresentava ao grande público o compositor Antonio Salieri, também retratado como um imbecil; mas um imbecil musical.

Em uma cena que nunca me saiu da memória, vemos Salieri compondo uma peça para cravo que entregaria de presente ao imperador José II da Áustria.

A peça é um monumento à já citada imbecilidade musical.

A cena dá então a entender que esse era o tipo de música que Salieri compunha usualmente.

Convenhamos, caro leitor: numa das mais poderosas cortes do mundo, na cidade que era uma das maiores capitais musicais do planeta na época, alguém que escrevesse música daquele tipo jamais conseguiria se tornar compositor da corte, nem regente da ópera, nem nada!

Isso sem falar na importantes tarefas que Salieri recebeu, como esboçar os estatutos do Imperial Conservatório de Viena, ou preparar o programa musical do Congresso de Viena; e nos títulos com os quais foi agraciado: Medalhão de Ouro e Chave da Cidade de Viena e Cavaleiro da Legião de Honra da França.

Além disso Salieri, de quebra, foi membro do Instituto Nacional Francês, do Conservatório.

Portanto, é preciso conhecer algumas verdades sobre esse notável compositor, e esquecer – caso vc tenha assistido – as bobagens registradas em Amadeus, de Milos Forman e Peter Schaffer.

Salieri era italiano, mas viveu a maior parte de sya vida em Viena. Chegou a dominar a cena operística de Paris entre 1784 e 1788. Não era pouca coisa…

A sua música era essencialmente dramática.

Diferente de muitos de seus contemporâneos, cujas óperas eram seqüências de arias destinadas apenas a demonstrar o virtuosismo dos cantores, a música de Salieri era a verdadeira condutora da ação dramática.

Para termos uma boa idéia disso nem precisamos assistir uma de suas óperas; basta ouvir uma abertura como a de “Les Danïdes”, que você pode ver no youtube, clicando no link abaixo.

Nesta abertura, em poucos minutos de música somos levados de uma emoção a outra; e assim são as suas óperas..

Na partitura da ópera “Armida”, por exemplo, Salieri escreveu:

“opera di stile magico-eroico-amorosa toccante il tragico.”

Ou seja, ele não tinha nenhuma dificuldade em combinar estilos, gêneros e técnicas, e sempre com bom gosto.

Segundo o musicólogo Rudolph Angermüler, “em cada cena que contribui para o caminhar da trama, o recitativo é sempre acompanhado pela orquestra – e não apenas pelo cravo, como era usual entre muitos compositores – e o coro nunca é passivo, tomando parte essencial na ação dramática”.

Salieri foi essencialmente um compositor de óperas, tendo produzido mais de quarenta.

Além disso deixou uma imensa produção de música sacra, e um grande número de peças vocais de texto não-religioso.

Sua contribuição para o repertório puramente instrumental foi pequena: cinco concertos, uma sinfonia , uma série de variacões para orquestra, e cerca de trinta peças para música de câmara em diversas formações. Mas assim acontecia com grande parte dos compositores da época. Se conseguiam sucesso no mundo da ópera – como foi o caso de Salieri – a música puramente instrumental ficava em segundo plano.

Se não tivesse devotado a maior parte de sua energia à ópera, certamente teria nos deixado uma bela coleção de concertos.

No filme Amadeus de Milos Forman e Peter Schaffer é relembrada a lenda de que Salieri seria grande inimigo de Mozart e o teria envenenado, mais um capítulo do extenso e variado folclore que circunda a música clásica.

A verdade está muito longe disso: Salieri era um ser humano generoso e de bom caráter. Acima de tudo tinha a cabeça no lugar e não era dotado de ambição desmedida.

Em 1804, quando estava com 54 anos de idade, parou de compor óperas. Anos mais tarde escreveria: “Já naquela época eu observei que o gosto musical estava mudando gradualmente para algo completamente contrário àquilo dos meus velhos tempos. Extravagância e confusão de estilos substituíram a racionalidade e a simplicidade.”.

Eram os ventos do romantismo que começavam a soprar, e Salieri, ciente de que já estava velho para mudar, preferiu sair de cena.

Deixou o cargo de compositor oficial da corte, mas não o de mestre capela, ou seja, continuava a reger e administrar a orquestra e os cantores. Neste posto, manteve-se sempre encorajando as experiências dos jovens compositores, da melhor maneira que podia.

Neste mesmo ano de 1804 compôs uma missa de requiem, para marcar sua retirada da vida pública como compositor.

Numa situação financeira confortável – coisa rara para um músico daquele tempo – Salieri tornou-se um ativo patrocinador da sociedade beneficente que atendia os músicos vienenses.

Sobretudo continuou muito requisitado como professor. Uma grande quantidade de jovens que se tornariam importantes personagens da vida musical do futuro estudaram com ele: Carl Czerny, grande pianista, compositor e autor de obras didáticas; Johann Nepomuk Hummel, outro importante compositor e pianista; e três verdadeiros “monstros sagrados” do século XIX: Franz Schubert, Franz Liszt e Ludwig van Beethoven fotam seus discípulos.

Felizmente Salieri está sendo reabilitado e muitas de suas obras vem sendo gravadas por grandes artistas. Destaque para o CD intitulado “The Salieri Albun”, iniciativa da grande mezzo-soprano Cecilia Bartoli. Ela é acompanhada pela Orchestra of the Age of Enlightenment, dirigida por Adam Fischer. Um trabalho maravilhoso.

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