Erik Satie, o compositor fora da curva

O francês Erik Satie é um daqueles compositores dos quais só se conhece uma música..

Esta música é a Gymnopedie nº 1, conhecida até mesmo por aqueles que não se interessam nem um pouco por música de concerto. É uma dessas melodias que eu classifico como um “achado”, algo que gruda imediatamente na memória de todos.

Para saber que música é, clique no link abaixo.

Você certamente vai reconhecê-la.

Como aconteceu com tantos outros compositores, as outras obras de Satie são pouquíssimo conhecidas

Então que tal conhecermos mais alguma coisa do autor dessa peça? É o que faremos aqui e agora. Vamos conhecer um pouco mais da obra e da vida de Erik Satie.

Erik Satie em pintura de Suzanne Valadon.
Retrato de Satie por Suzanne Valadon (1865-1938)

Satie, um gerador de polêmica

Erik Satie foi e ainda é um compositor polêmico.

Para muitos, sua obra não tem importância alguma; é uma música fraca, infantil, fruto de um artista sem competência e sem inspiração.

Para outros, ele foi um gênio, um visionário.

Essa é uma polêmica eterna e nem de longe eu acho que posso resolvê-la. Mas se há algo que me faz pender para a segunda hipótese é conhecer um pouco da estranha personalidade do artista.

Satie, o estranho…

Stranvisky certa vez declarou que Satie era a pessoa mais excêntrica que ele jamais conhecera, com uma incrível presença de espírito.

Um exemplo:  contam que ele tinha vários ternos em seu guarda roupa – todos absolutamente iguais em modelo e cor.

Erik Satie ingressou no importantíssimo Conservatório de Paris com 13 anos de idade, mas logo percebeu que teria dificuldades para adaptar-se àquela instituição – coisa que, aliás, aconteceu com outros compositores renomados, como  Hector Berlioz ou Claude Debussy.

Saiu do Conservatório e pouco tempo depois buscou o misticismo, entrando   na Ordem Rosa Cruz.

Em 1892, após deixar a Ordem, Satie fundou sua própria religião, à qual deu o nome de Igreja Metropolitana da Arte de Jesus, o Maestro.

Intitulou-se  mestre de capela de sua religião, e  aproveitou para publicar uma revista … que usava para investir furiosamente contra pessoas que ele desaprovava.

Satie e a Idade Média

Bem, seja como for, a pasagem pela Ordem Roza Cruz o fez  interessar-se seriamente pela música da Idade Média; então lá foi Erik Satie estudar o Canto Gregoriano e a  antiga música polifónica vocal….

Erik Satie quando jovem.
Foto de Satie quando jovem.

Esse estudo da polifonia da idade média certamente foi importantíssimo para a desenvolvimento de seu estilo e de sua estética.

Na época em que Satie viveu, o estilo de Richard Wagner dominava a Europa – uma música muitas vezes grandiloquente, seríssima, sentimental, desprovida de humor e harmonicamente muito complexa.

Richard Wagner
Richard Wagner

Se você acha que não conhece o estilo de Wagner, clique aqui e ouça “A Cavalgada as Walquías”.

O cansaço Wagneriano

Só que naquele final de século XIX,  a música Wagneriana já estava cansando muitos compositores, que procuravam uma alternativa para ela.

E foram os compositores franceses que pouco a pouco encontraram saídas interessantes, como Debussy, Ravel, e … o próprio Satie.

Por ser autodidata, excêntrico, e por ter se embrenhado pelos caminhos da música medieval,  Satie acabou por criar uma música  passava muito, muito longe da música de Wagner.

Um crítico musical alemão chamado Hans-Klaus Jugeinrich, tem um artigo muito interessante sobre o compositor, no qual ele diz que …

” o  que parecia falta de seriedade, provocação ou esquisitice sonhadora contém o germe de inúmeras inovações do século XX, como o dadaísmo ou a arte pop. ”

Satie era um revolucionário sem violência e sem sistematização, que deixava para outros a exploração das descobertas feitas por ele.”

Satie e a simplicidade das peras

Satie fez uma deliberada e consciente opção pela extrema simplicidade – coisa estranha na época da extrema sofisticação Wagneriana.

Criava melodias simples, usava acordes simples, optava por uma fluência musical sem sobressaltos e sobretudo gostava de humor e de pequenas provocações.

Quando disseram que ele não conhecia forma musical, não titubeou em escrever “Três peças em forma de pera”

Ouça uma delas, clicando aqui embaixo.

Percebeu, caro leitor, a nitidíssima forma de pera da peça?

Não? Bem, eu também não, mas isso não é grave…

Mas voltemos à sua famosa Gymnopedie, que abriu este post.

Satie, O Gato Negro e os Gregos Nus

Conta-se que em dezembro de 1887, Satie visitou um célebre cabaré francês chamado “Le Chat Noir”, ou o Gato Negro.

P{oster do cabaré "Le Chat Noir".

Poster do cabaré “Le Chat Noir”.

Lá Satie foi apresentado ao diretor da casa, fomoso por suas provocações.

Perguntando insistentemente a Satie qual era sua profissão, ele – que a rigor não tinha nenhuma – respondeu, provocativamente: “Sou Gymnopedista”.

Meses depois, compôs três peças curtas para piano às quais deu o título de “Gymnopedies”.

A esta altura o leitor pode estar perguntando: o que é, afinal, uma gymnopedie?

No século VII antes de Cristo, em Esparta, na Grécia, as Gymnopedies eram celebrações anuais nas quais jovens guerreiros exibiam suas habilidades marciais, dançando nus, com seus corpos atléticos besuntados em óleo.

A relação entre essa prática e as Gimnopedies de Satie é algo que eu deixo a cargo de vocês, caros ouvintes, pois ele mesmo nunca explicou…

Erik Satie na maturidade
Erik Satie, já um homem maduro

Os Balés de Satie

Mas ele também escreveu para orquestra, e entre suas obras orquestrais, a mais conhecida é o balé Parade – ou Parada, em português.

Parade foi escrito em estreita colaboração com dois dos mais geniais artistas da virada do  século XIX para o XX: Jean Cocteau e Pablo Picasso.

Cocteau, um dos mais importantes poetas, dramaturgos e cineastas franceses, foi o idealizador do balé, que procurou criar um espetáculo cênico cubista.   

Contou com figurinos e cenário de Pablo Picasso e coreografia de Leonid Massin.

Parade streou em 1917, fazendo parte dos Balés Russos de Dyagilev. Satie não podia estar em melhor companhia…

Veja um trechinho aqui:

A História de “Parade”

A história se passa numa feira de variedades, ao ar livre, onde artistas performáticos e pregoeiros tentam a qualquer custo atrair a multidão.

A música procura descrever esse ambiente até a chegada do primeiro artista, o prestidigitador chinês, que faz truques com um ovo e engole fogo, pondo em perigo as pessoas ao redor, até ser impedido de continuar…

A segunda parte, que se chama La Fille Americaine, ou a jovem americana, é uma alusão aos filmes de Charles Chaplin, e nele Satie introduz sonoridades absolutamente impensáveis para a   época, como sons de máquinas de escrever, sirenes, bacias com água, e até tiros de revólver.

Na terceira parte do balé Parade surgem acrobatas e palhaços  tristes.

De repente ouve-se o som de uma sirene que encerra o show, levando todos de volta à vida cotidiana…

Em 1924, um ano antes de morrer, Satie escreveu o Balé Relache, em conjunto com o pintor francês Francis Picabia, um dos primeiros representantes  do movimento dadaísta.

Francis Picabia
Francis Picabia (1879-1953)

Relache em francês significa o fechamento do teatro após o final do espetáculo. O balé Relache era também totalmente dadaísta e a música de Satie cheia de melodias populares – uma provocação para a época.

A provocação é a tônica, a começar pelas palavras de Picabia:

“Relache não quer dizer nada, não significa nada… é o polen de nossa época. Um pouco de pó nas pontas de nossos dedos e a figura desaparece… Deve-se pensar nele à distância e não tentar tocá-lo…”

Satie esquecido no final da vida

No início do século XX Satie era praticamente ignorado pelo público, e viveu o final de sua vida  pobre, e em extrema simplicidade.

Por outro lado era cultuado pelos artistas progressistas e inovadores.

O célebre Grupo dos Seis, do qual faziam parte os compositores Milhaud, Honegger, Auric, Tailleferre, Poulenc e Dourey, o venerava.

Pablo Picasso era seu amigo e declarou que foi uma das mais importantes influências de sua vida.

Claude Debussy também o admirava e foi seu amigo pessoal.

Mais um compositor com obra a ser descoberta por todos nós.

Espero que tenha gostado da leitura!

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7 comentários em “Erik Satie, o compositor fora da curva”

  1. Olá maestro.
    Satie foi um marginal 100 anos atrás, que vicia no subterrâneo, venerado pela vanguarda e desprezado pelos de fora desta vanguarda. Hoje, 100 anos depois, ainda é lembrado, ou seja, a sua contribuição é enorme, senão estaria esquecido.
    Onde estão os Saties de hoje que serão venerados em 2122? Onde estão os subterrâneos?

    1. Olá Luiz!

      Obrigado pelo comentário.

      Resposta difícil, não é?

      Será que ainda temos “vanguardas”, como as daquela época?

      Se existem, estão, sim, nos subterrâneos….

      Um abraço!

  2. Descobri Erik Satie quando pesquisei mais profundamente o modernismo, para escrever uma peça de teatro sobre os modernistas brasileiros, principalmente Osvald de Andrade. Para mim, sua música tem o que se chama de falsa simplicidade: esconde um grande esforço de imaginação e técnica. Dos aspectos folclóricos de sua vida, soube que escrevia em guardanapos de papel, sentado às mesas dos cafés que frequentava. Enfim, um cara muito, muito interessante. Parabéns, maestro, pelo post.

  3. Conhecer a biografia destes artistas é um deleite. A arte por si, para si e que sai e mexe com a gente. Arte pela arte. E que incrível, tão singular e abrir novos encontros e despertar novas ideias. Bem não se explica, se vivi. Obrigada maestro, por compartilhar seus estudos.

  4. Conhecia o Satie graças a uma gymnopedie que dancei .
    Seu trabalho é muito interessante , instrutivo , e super bem documentado , muito obrigada !
    Nathalie

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