Moto Perpétuo

Estudos de Leonardo da Vinci sobre movimento perpétuo.

Caro leitor, imagine um pequeno funil: uma extremidade larga, na qual se pode verter algum líquido, e a outra extremidade fina, por onde esse líquido sai. Até aí, nada de mais.

Agora imagine encompridar essa segunda extremidade, dobrá-la para cima e inseri-la dentro da outra extremidade do próprio funil. Assim, ao verter o líquido esse voltaria para a extremidade maior, gerando um movimento contínuo que nunca cessaria.

Seria o princípio de uma máquina que jamais pararia de funcionar, com consumo de energia zero: é o sonho dourado de muitos cientistas.

Algo que revolucionaria o mundo, acabaria com a poluição e o desgaste de recursos naturais.

Os cientistas já têm até um nome para ela: Perpetuum Mobile, em latim, que significa Movimento Perpétuo em português.

Infelizmente, a comunidade científica tem como certo que isso é totalmente impossível – pelo menos com os conhecimentos de que dispomos hoje.

Já na música a coisa não é bem assim; muitos compositores se inspiraram nos cientistas e criaram peças às quais deram justamente o nome de Perpetuum Mobile, ou Moto Perpétuo.

Podem não ter criado algo que salvaria o planeta, mas quem sabe não ajudaram muita gente – incluindo os cientistas – a serem mais felizes?

O frasco com auto-fluxo de Robert Boyle.

Niccolò Paganini

Pois bem, caro leitor, nossa postagem de hoje terá como tema o moto perpétuo em música, e começaremos com … música!

O Moto Perpétuo, para violino e orquestra, opus 11, de Niccoló Paganini:

Paganini: Moto perpetuo, Op. 11 · Academy of St Martin in the Fields · Sir Neville Marriner · Niccolò Paganini

Esse Moto Perpétuo de Paganini é muito célebre, a ponto de muita gente pensar que se trata de uma obra exclusiva, a única do gênero. A verdade, contudo, é que muitos outros compositores escreveram obras desse tipo, e com esse título, até muito antes de Paganini.

Vejamos alguns.

Georg Philipp Telemann

Uma delas é a peça intitulada Perpetuum Mobile, 2º movimento da Suíte para cordas e baixo contínuo em Re maior de Georg Philipp Telemann. Essa obra está catalogada com o nº TWV 55:D12.

Claro que se trata de uma música bem mais simples que a de Paganini, pois na época de Telemann não havia ainda o alto virtuosismo desenvolvido melo mestre italiano.

Telemann viveu entre 1681 e 1767, enquanto Paganini nasceu em 1782, vindo a falecer em 1840. Foi a época do início do romantismo e do culto às personalidades dos grandes solistas, como Liszt e Chopin.

O Moto Perpétuo de Paganini se tornou célebre por ser o primeiro muito longo para o gênero – 4’30” de música ininterrupta – exigindo grande fôlego do executante.

Já a peça de Telemann é fiel à ideia de um movimento rítmico contínuo, mas sem qualquer virtuosismo.

Camille Saint-Säens

Como você já deve ter pensado, o grande desafio de tocar uma peça desse gênero é não tropeçar, digamos assim, não errar nenhuma nota. E isso dá muito trabalho: tem-se que estudar trechinho por trechinho, e pouco a pouco juntá-los, primeiro devagar e depois ir aumentando a dificuldade.

Na hora de tocar em público, é preciso ter um enorme sangue frio. Esse sangue frio dificilmente se aprende: é uma característica de personalidade indispensável a um solista.

Caminhando no tempo, encontramo-nos com um compositor que nasceu na primeira metade do século XIX: o francês Camille Saint-Säens (1835 e 1921).

Ele tem uma interessante coleção de estudos para piano, para serem tocados apenas pela mão esquerda do pianista. Um desses estudos é justamente um moto perpétuo.

Saint-Säens deu o nome de Moto Perpétuo ao terceiro de seus seis estudos para mão esquerda, opus 135.

Este estudo mostra que uma peça deste gênero não precisa ser virtuosística nem frenética – basta que tenha um ritmo constante e ininterrupto.

6 Études pour la main gauche seule, Op. 135: No. 3. Moto perpetuo: Allegretto-Doux et tranquille · Geoffrey Burleson

Os violinistas que desejam ter um moto perpétuo em seu repertório não têm à disposição apenas a célebre obra de Paganini.

Há um outro muito bonito – talvez até mais que o de Paganini – que é muito apreciado. Trata-se do Concerto Capricho Opus 5 nº 4 do compositor Ottokar Novacek.

Novacek nasceu em 1866 numa cidade que hoje pertence à Sérvia, mas que à época fazia parte do Império Austro-Húngaro. Foi um grande violinista e violista, integrante da Orquestra do Gewandhaus de Leipzig. Emigrou para os Estados Unidos, tornando-se membro da Sinfônica de Boston. Faleceu nesse país em 1900.

Por ter falecido muito jovem, Novacek deixou uma obra pequena.

Ela inclui canções, peças para violino e um concerto para piano, que foi dedicado ao grande compositor e pianista italiano Ferruccio Busoni.

Ralph Vaughan-Williams

Aliás, Busoni também escreveu um moto perpetuo, o Perpetuum Mobile para piano. Como estamos vendo, encontramos obras do gênero de compositores de diversas épocas e nacionalidades, mas é de se notar como os compositores britânicos parecem ter uma especial predileção por ele.

Vamos ouvir o primeiro um movimento da Suíte para Viola e Orquestra de Ralph Vaughan-Williams, em que sob as melodias que vão e vêm, tocadas pela orquestra, está ali, sempre firme, um frenético movimento do solista.

Ralph Vaughan Williams: Suite for Viola & Orchestra – I. Prelude. Allegro moderato / Timothy Ridout

Outros compositores britânicos que escreveram “motos perpétuos” foram Frank Bridge, York Bowen, Malcolm Arnold e Benjamin Britten

Com isso tudo, caro leitor, quis lhe mostrar como esse gênero, diferente de muitos outros, tem uma característica bem simples e definida: um movimento rítmico ininterrupto. E é tão versátil que pode ser usado como obra avulsa, ou inserido nos mais diversos gêneros como sonatas, concertos ou suítes.

Para terminar, volto a Paganini, para deixar uma dica de leitura.

É o livro escrito pelo conceituado crítico brasileiro João Marcos Coelho.

Clique na imagem abaixo, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Espero que tenha gostado deste post.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais do maestro J. M. Galindo.

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13 comentários em “Moto Perpétuo”

  1. B do autoroa noite, maestro.
    Aquela composição “Typewright Machine”, não me lembro bem o nome e nem posso dizer o mesmo do título da obra, pode ser consideradsa, também, um moto perpetuo/moto continuo,estou certo?

  2. Maestro.
    Obrigada com 🎵 !
    Sigo-o sempre. No outro dia tive a oportunidade de vê-lo “ao vivo” (Luciano Huck) e ver como, além de tudo, és uma simpatia.

  3. De fato Maestro, deve ter uma dedicação extraordinária o solista que encara um desafio Moto Perpétuo.
    Matéria muito interessante.
    Parabéns.

  4. Conteúdo de grande relevância e o tema vem de encontro com os meus estudos musicais atuais, aliás já compartilhei com a minha classe. Muitíssimo obrigado!

  5. Obrigado maestro. Muito interessantes as suas informações. Realmente nunca me ocorreu que havia obras semelhantes de outros autores. E aproveito para perguntar-lhe o famosos “Voo do besouro” de Rimsky Korsakoff não é também um moto perpétuo? Abraços, J.Roberto.

    1. Caro José Roberto, sim, você tem razão! O “Vôo do Besouro” é mesmo, na prática, um moto perpétuo!
      Não tinha me dado conta!
      Obrigado pelo comentário, e um abraço!

  6. Bravo Maestro, que artigo enriquecedor!
    Gostei muito da suíte para viola de RV Williams… Já vai para minha lista de repertório violistico.

    Forte Abraço,

    1. Eu como violista, lhe garanto: o repertório da viola é grande e interessante. Se gostou da Suíte do Vaughan-Williamns, pergunto: conhece o Concerto do William Walton? Um abraço.

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