José Maurício Nunes Garcia

Retrato de José Maurício Nunes Garcia.

Hoje vamos falar sobre um compositor brasileiro que foi contemporâneo de Mozart e Haydn, e dedicou toda sua vida àmusica: o padre José Maurício Nunes Garcia.

O Padre José Maurício passou por três fases bem distintas em sua carreira. Até os 32 anos viveu numa colônia; dos 32 aos 46, numa corte europeia – embora deslocada da Europa; e dos 46 aos 62, quando morreu, numa ex-colônia liberta que se intitulava um Império. Gostaria portanto de tratar com um pouco mais de atenção cada um dessas fases.

Apesar de ser descendente de escravos por parte de mãe, José Maurício conseguiu ter acesso a uma boa educação. Estudou música com um mineiro de nome Salvador José de Almeida Faria. É espantoso imaginar como o Brasil daquela época podia gerar compositores e professores de música.

Apesar da precariedade em que se vivia, as partituras europeias aqui chegavam pelas caravelas portuguesas e eram a fonte de estudo dos compositores. Isso acontecia principalmente nas Minas Gerais, onde circulava o ouro. Onde havia ouro, havia novos ricos. E com eles havia o desejo de ostentação, que não dispensava a música. Casamentos, batizados, missas fúnebres, eram enriquecidas com música inédita e tocada por profissionais.

Estudos

Mas voltemos ao padre José Maurício. Além de música, ele também estudou filosofia, retórica e gramática latina com Manoel Inácio da Silva Alvarenga, também mineiro, formado pela Universidade de Coimbra.

José Maurício provavelmente já atuava como músico profissional no Rio de Janeiro desde a adolescência. O que leva a pensar assim é o fato de ter composto sua primeira obra aos 16 anos de idade; e por tratar-se de uma peça sacra, não a escreveu para seu próprio deleite: foi com certeza uma encomenda para algum serviço religioso.

Tota Pulchra es Maria – José Mauricio Nunes Garcia.

Primeira Fase

Um indício seguro de que José Maurício atuava como músico profissional já na adolescência é o fato de sua assinatura constar na ata de criação da Irmandade de Santa Cecília, confraria que reunia os “professores da arte da música” da cidade.

Em 1792, com 25 anos de idade, José Maurício ordenou-se padre. Os estudiosos são unânimes em afirmar que tomou essa decisão menos por vocação e mais por um desejo de afirmação social, pois esse era um dos poucos caminhos abertos para alguém com ascendência negra.

A decisão produziu seus frutos: em 1798, com 31 anos de idade, foi nomeado mestre de Capela do Rio de Janeiro. Deveria, entre outras coisas, escrever música para os serviços religiosos. Estes, diga-se de passagem, eram muitos e frequentes; a tradição católica portuguesa incluía um grande número de festas e cerimônias religiosas durante o ano, muitas das quais toda a cidade se envolvia, e sempre com muita música.

Vamos ouvir uma obra dessa fase da vida de José Maurício: o madrigal Dies Santificatus, cujo texto fala do dia de Natal. A peça foi escrita para coro e orquestra.

Dies Sanctificatus.

Segunda Fase

A segunda fase da vida de José Maurício começa em 1808, com a chegada ao Brasil de D. João VI e sua numerosa corte. Pode-se imaginar que com isso a situação do Padre J. Maurício melhorou. Infelizmente, não. É verdade que D. João reconheceu seu talento e o estimava, tanto que ele chegou a ser condecorado com a Ordem de Cristo, em 1809.

Contudo, J. Maurício foi ofuscado por Marcos Portugal, compositor português que na época desfrutava de fama internacional, tendo várias de suas óperas encenadas na Itália. Ofuscado, diga-se de passagem, não porque Portugal fosse melhor músico, mas por se tratar de alguém muito adulado pelos portugueses à época.

José Maurício enfrentou a inveja de Portugal, o que dificultou muito o seu reconhecimento. Mas por outro lado, estava com 41 anos, no auge da criatividade, e esse período não deixou de ser muito produtivo.

Desse período consta a Missa em Mi bemol também conhecida como Missa Diamantina. Sabe-se que essa obra foi muito tocada durante o século XIX mesmo depois da morte do compositor. Isso porque foram encontradas várias cópias de diferentes no Rio, em Minas Gerais e em São Paulo. Numa época em que não existia xerox, ninguém se empenharia em copiar partituras, se não fosse para efetivamente executar a obra.

Glória – Missa em Mi bemol Maior – de Padre José Maurício Nunes Garcia (1767/1830).

Sigismund Neukomm

Ao mesmo tempo em que notamos a influência italiana, pode-se perceber também a admiração que J. Maurício tinha pelos compositores vienenses, notadamente J. Haydn. Com a chegada da corte portuguesa havia aportado no Rio de Janeiro Sigismund Neukomm, compositor austríaco que havia sido aluno de Haydn.

Diferente do que aconteceu com Marcos Portugal, Neukomm aproximou-se de J. Maurício e entre eles desenvolveu-se uma relação muito cordial. Aliás, de volta a Viena, Neukomm escreveu um artigo para um jornal citando o padre brasileiro como um músico à altura dos grandes de seu tempo.

Réquiem

Com a morte da mãe de D. João VI, D. Maria, conhecida como a Rainha Louca, que aconteceu em 20 de março de 1816, o compositor recebeu a ordem para escrever duas obras em homenagem `a Rainha, um ofício e uma missa de Réquiem. Ocorre porém que no mesmo dia falecia também a mãe do compositor. Não há dúvidas de que foi para esta que J. Maurício escreveu essas duas obras que estão entre as mais belas e expressivas de toda sua produção.

Missa de Réquiem e Oficio faziam parte da liturgia do dia de Finados, ou de um serviço religioso em memória de alguém. No ofício havia as chamadas “Lições”, textos sacros cantados em estilo gregoriano. Após cada “Lição”, vinha uma resposta cantada pelo coro profissional. Essas repostas eram chamadas de “Responsórios”.

O ofício tinha sempre 9 lições e 9 responsórios. E cada responsório tinha uma forma musical muito bem definida: uma primeira parte em andamento lento ou moderado, uma segunda parte em andamento vivo, uma terceira parte novamente em andamento lento ou moderado, e uma quarta parte que era a repetição da segunda.

Como a forma já estava pré-determinada, a principal tarefa do compositor era criar música que sublinhasse adequadamente o texto religioso. E esse ofício 1816 é pleno de momentos de grande expressividade, verdadeiramente pungentes. É uma notável obra de maturidade, quando José Maurício já havia depurado toda a informação que havia recebido tanto do estilo italiano quanto do estilo Vienense.

José Maurício Nunes Garcia, REQUIEM 1816, PHOENIX, Myrna Herzog.

E uma informação: a Missa de Réquiem e o Oficio encomendados às pressas para José Maurício não foram ouvidos na missa de 30 dias de morte Rainha D. Maria I. Essa honra coube ao compositor lusitano Marcos Portugal.

Terceira Fase

A terceira fase da vida do Padre foi um tanto triste. Com a volta de João VI para Lisboa, foram-se com a ele os cantores, os músicos que formavam a orquestra da corte, e o público. Ao mesmo tempo que obtinha sua independência, o novo país contraía dívidas, envolvia-se em guerras, e a decadência musical da corte foi inevitável.

José Maurício entrou em um período de grandes dificuldades financeiras, e chegou a fechar o curso de música gratuito que mantinha em sua casa havia décadas.

Sua última composição, a última encomenda que recebeu, foi a Missa de Santa Cecília, escrita em 1826. É uma obra fabulosa, grandiosa e dificilíssima para os cantores, de quem é exigido alto grau de virtuosismo.

José Maurício Nunes Garcia (1767 – 1830) – Missa de Santa Cecília (1826).

Esta foi a última obra do padre compositor, que viveria ainda mais quatro anos.

Espero que tenha gostado deste post.

E aqui vai uma dica de leitura. Clique na imagem abaixo, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Cláudio Santoro

Olá amigos. Neste post continuo o trabalho da divulgação dos grandes compositores brasileiros. Vamos conhecer um pouco da vida e obra de Cláudio Santoro.

Claudio Santoro
Cláudio Santoro ao piano

Formação inicial

Cláudio Santoro nasceu em Manaus em 1919, e faleceu em Brasília em 1989.

Começou seus estudos musicais com o violino, e se destacou tão rapidamente que ganhou do governo amazonense uma bolsa de estudos para estudar no Rio de Janeiro.

No Conservatório de Música do então Distrito Federal Santoro continuou a estudar violino, e iniciou-se nas matérias teóricas. Terminou o curso com 17 anos, e destacou-se tanto que foi imediatamente convidado para assumir o cargo de professor adjunto de violino da mesma escola.

Logo em seguida Claudio Santoro tornou-se também professor de harmonia.

Claudio Santoro e a vanguarda

Começou então a compor, antes de completar 20 anos de idade. Havia escrito algumas poucas peças quando tornou-se aluno de Hans Joachim Koellreutter, com quem aprendeu a técnica dodecafônica.

Hans Joachin Koellreutter
Hans Joachin Koeullretter

Embora tenha se ligado plenamente à música mais moderna e experimental de sua época, Santoro nunca abandonou a escrita musical mais tradicional. Em muitas de suas primeiras obras mesclou o estilo tradicional com a modernidade do dodecafonismo, e isto viria a ser uma marca em toda sua obra.

Os anos passavam e Cláudio Santoro além de compor trabalhava como violinista na Orquestra Sinfônica Brasileira. Já havia escrito várias obras, com destaque para seu 1º quarteto de cordas, que foi a premiado em um concurso em Washington.

Santoro também já tinha completado duas sinfonias, das quais a segunda era admirada pelo célebre regente alemão Erich Kleiber, que na época vivia na América do Sul.

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Erich Kleiber

Cláudio Santoro na Europa

Em 1947, Santoro foi premiado com uma bolsa de estudos da Fundação Guggenheim. Contudo, não pode dela usufruir, pois teve seu visto de entrada nos Estados Unidos da América do Norte negado.

Foi então para a França, onde estudou com Nadia Boulanger, uma das mais importantes e requisitadas professoras de composição do século XX. Boulanger teve entre seus alunos ninguém menos que Astor Piazzolla, Igor Stravinsky, Leonard Bernstein, Aaron Copland, entre tantos outros.

Nadia Boulanger, professora de Claudio Santoro em Paris
Nadia Boulanger

De Paris, Santoro foi para Varsóvia e Praga, estabelecendo uma forte ligação com a cultura dos países da então Cortina de Ferro.

Em 1948 foi o delegado Brasileiro no 20. Congresso de Compositores Progressistas de Praga.

Esse congresso condenou a música dodecafônica como “Burguesa e Decadente”. Isso causou grande impacto sobre Cláudio Santoro, que vinha trabalhando uma espécie de mistura entre os estilos dodecafônico e nacionalista.

Cláudio Santoro, o fazendeiro da paz.

Voltando ao Rio em 1949, não conseguiu nenhum trabalho na área musical, e para ganhar a vida aceitou o emprego de administrador de uma fazenda em Minas Gerais.

Compôs muito pouco nesse período, até que em 1950 surge uma obra que marca o final de sua crise: o Canto de Amor e Paz, para orquestra de cordas.

Santoro, que já havia composto 3 sinfonias, 3 sonatas para violino e piano, 3 quartetos de cordas, entre outras peças, alcança com o Canto de Amor e Paz uma expressão musical da maior sinceridade, ainda não encontrada em suas obras anteriores.

O grande compositor armênio Aram Katchaturiam declarou que esta peça se assemelhava a uma grande canção em forma de Sinfonia.

Cláudio Santoro (1919-1989): Canto de Amor e Paz. Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, de Brasília, dirigida Sérgio Kuhlmann.

De volta ao Rio de Janeiro

A partir da década de 50, Cláudio Santoro estabeleceu-se no Rio de Janeiro e trabalhou em várias frentes. Elaborou um programa infantil na Rádio Tupi e escreveu partituras para cinema que lhe fizeram merecer um prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Arte.

Com o Canto de Amor e Paz a música de Santoro se tornava mais lírica. E em 1954, dentro desse espírito, surge uma série que eu considero especial: são as “Paulistanas”, para piano solo, pequenas peças de grande beleza e simplicidade.

Cláudio Santoro – Paulistana n.5 Abnader Domingues, piano.

Canções de Amor

Uma bela surpresa no catálogo de Cláudio Santoro são suas “Canções de Amor”, feitas em parceria com ninguém menos Vinícius de Moraes. Como seria de se esperar, nesta coleção e a música de Santoro se aproxima bastante de nossa música popular.

E aqui vai um depoimento pessoal: eu tive a oportunidade de conviver um mês com Cláudio Santoro em 1983, durante o Festival de Música Pró-Arte, realizado na cidade de Teresópolis. Na ocasião tive com ele aulas de regência.

Toda noite havia recitais e concertos. Numa delas as canções foram apresentadas e me impressionaram muito. Ao conversar sobre elas com o mestre ele me disse: “essas canções eu compus quando estava perdidamente apaixonado….” Por quem, ele não revelou….

A obra mais conhecida de Cláudio Santoro

Vamos agora a uma pequena peça que talvz seja a obra mais popular de Santoro, o Ponteio. Escrito também nos anos 50, para orquestra de Cordas, o Ponteio é uma peça nacionalista, como viriam a ser muitas de sua última fase. Agrada a qualquer público e não é de difícil execução; por isso é muito difundida.

Cláudio Santoro: Ponteio. Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Maestro John Neschling.

As Sinfonias

Num texto sobre as obras de Claudio Santoro, não podemos deixar de falar de suas sinfonias. Santoro escreveu nada menos que 14 delas, que formam uma parte portentosa de sua obra.

Por ter sido músico de orquestra por muitos anos, Santoro compreendia a fundo a linguagem e sonoridade sinfônicas, de modo que todas suas sinfonias são no mínimo maravilhosamente orquestradas.

Muitas foram executadas por orquestras européias, como o Filarmônica de Leningrado e a Sinfônica da Rádio de Berlim.

Ainda naquele Festival de Música da Pró-Arte, em 1983, houve uma noite em que Cláudio Santoro fez uma conferência, falando sobre sua vida e obra. Ao final, ele fez tocar um CD, em que a Orquestra de Leningrado executava a sua 5a. Sinfonia.

Ao final, houve uma verdadeira ovação, com todos nós, alunos e colegas, aplaudindo em pé por vários minutos.

Na capa deste CD, há uma frase de Santoro que eu considero um verdadeiro resumo de sua vida. Ei-la:

Eu faço música como quem faz sapato. Cada um tem um dom. Deus me deu esse dom e é isto que eu faço. Vou fazer música até o fim”.

Finalizemos com este link para o youtube, onde nosso leitor poderá ouvir sua 4a. Sinfonia, em um belíssimo registro feito pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, dirigida pelo maestro John Neschling.

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Osvaldo Lacerda

Osvaldo Lacerda ao piano.
Osvaldo Lacerda ao piano

Osvaldo Lacerda foi um dos mais importantes compositores brasileiros, nascido em São Paulo a 23 de março de 1927 e falecido também em São Paulo, em 18 de julho de 2011.

Ao falar de Osvaldo Lacerda, me ocorre falar primeiro de outro importante compositor brasileiro: Camargo Guarnieri.

Uma escola de composição

Guarnieri foi, além de notável compositor, um dos poucos a criar uma verdadeira escola de composição.

Não se tratava de uma escola no sentido físico, um prédio, com salas de aula. Digo escola no sentido de ser uma referência nacional, tendo sido professor de muitos dos mais importantes compositores brasileiros da geração posterior à sua.

Marlos Nobre e Almeida Prado, por exemplo, dois destacados compositores brasileiros, foram seus alunos.

E aí entra Osvaldo Lacerda, que também foi aluno de Guarnieri, e talvez aquele que mais tenha se mantido fiel ao estilo do mestre.

Osvaldo Lacerda e Guarnieri

Osvaldo Lacerda procurou Guarnieri em 1952, quando estava com 25 anos de idade.

Já tinha boa formação musical. Começara a estudar piano aos 9 anos de idade. Pretendia tornar-se pianista concertista, e foi Guarnieri quem o dissuadiu da idéia, convencendo-o a dedicar-se à composição.

Assim, durante 10 anos, Osvaldo Lacerda manteve-se como discípulo de Guarnieri, de quem absorveu plenamente a técnica e o estilo.

Camargo Guarnieri, o mestre brasileiro de Osvaldo Lacerda.
Camargo Guarnieri.

O Quarteto de Cordas no. 1 de Osvaldo Lacerda

Já de início convido-os, caro leitor, cara leitora, para conhecer uma obra de Osvaldo Lacerda que eu acho particularmente inspirada: o “Quarteto de Cordas no. 1”

Ele tem três movimentos, de formas bem definidas.

1o. movimento

O primeiro movimento é um prelúdio seguido de uma fuga.

O prelúdio é em ritmo de toada. Sobre esse ritmo obstinado, Osvaldo Lacerda criou melodia muito lírica, de imensa beleza.

É muito fácil identificar o momento em que o Prelúdio termina e a Fuga começa, pois a Fuga tem um ritmo vivo, que contrastata bastante com o lirismo do prelúdio.

Camargo Guarnieri gabava-se de seu domínio da técnica do contraponto – a arte de entrelaçar melodias. Ao ouvir essa fuga, podemos perceber que Lacerda absorveu perfeitamente a sabedoria de seu mestre.

2o. movimento

O segundo movimento leva o nome de Aria. Sua melhor tradução para o português seria “canção”.

É um movimento lento, no qual se percebe novamente a grande facilidade de Lacerda para criar belas melodias.

Logo no início temos uma, executada na região grave pelo violoncelo.

Uma outra melodia aparece no meio do movimento, executada pelo 1º violino

Este segundo movimento transcorre todo assim; é um derramar de belas melodias, uma depois da outra.

De caráter intuitivo, ele estabelece um belo contraste com a racionalidade da fuga anterior, fiel, portanto, ao modelo clássico das obras constituídas em vários movimentos.

30. movimento

No terceiro movimento deste Quarteto no. 1 de Osvaldo Lacerda temos o envolvente ritmo do baião.

E temos também uma coisa curiosa: o ritmo de baião nada mais é que aquele mesmo ritmo de toada do primeiro movimento, porém tocado bem mais rápido.

Este terceiro movimento confirma que Lacerda se mantém fiel ao modelo clássico: ele é em ritmo de dança e contrasta com o segundo movimento por ser em andamento vivo. Além disso, é mais curto que os anteriores, como acontecia nos quartetos do período clássico.

Um sólido modelo clássico

Porém, o mais importante é notar que, sobre esse sólido modelo clássico reina, do começo ao fim, o caráter da música popular brasileira, ideal estético também herdado de Camargo Guarnieri.

Convido-o agora a clicar no link abaixo, e assistir a um ótimo vídeo do Quarteto da Cidade de São Paulo, executando essa belíssima obra de Osvaldo Lacerda.

Os integrantes do Quarteto são:

Betina Stegmann, violino; Nelson Rios, violino; Marcelo Jaffé, viola; Rafael Cesario, violoncelo.

Osvaldo Lacerda e a Escola Nacionalista

Voltemos àquilo que falávamos antes: a mescla da forma clássica com o conteúdo nacionalista. Essa era a essência da estética de Guarnieri que Osvaldo Lacerda adotou, cultivou e defendeu até o fim de sua vida.

Muitos compositores oscilaram entre esta estética e outra que procurava beber nas experiências mais radicais do modernismo.

Foi assim com Marlos Nobre, já citado, bem como com outros grandes compositores como Cláudio Santoro ou Guerra Peixe. Todos estes tiveram uma fase nacionalista e outra experimental.

Osvaldo Lacerda, contudo, foi nacionalista convicto por toda sua vida.

Osvaldo Lacerda pelo mundo

Voltemos um pouco à sua biografia. Depois de estudar composição com Guarnieri por 10 anos – de 1952 a 1962 – Osvaldo Lacerda foi para os Estados Unidos, como bolsista da Johan Simmon Guggenheim Memorial Foundation de Nova Iorque.

Lá estudou composição com Vittorio Giannini e Aaron Copland, dois compositores norte-americanos de expressão internacional.

Aaron Copland, um dos professores de Osvaldo Lacerda
Aaron Copland. Foto picryl.com.

Em 1965 foi representante brasileiro no Seminário Internacional de Compositores na Universidade de Indiana, e no 3º Festival Interamericano de Música de Washington D.C..

Osvaldo Lacerda professor

De volta ao Brasil, dedicou-se à atividade pedagógica, ministrando aulas de contraponto, harmonia, análise, composição, orquestração e até de teoria musical elementar.

Aliás, muitos colegas meus estudaram teoria pelo livro escrito por Lacerda, que se tornou referência para muitas gerações de músicos.

Clicando na foto abaixo, você o acessa no site da Amazon!

Lacerda era um estudioso de nossa música popular, e refletia como ela podia ser aproveitada como matéria prima para a criação erudita.

Dessa atividade intelectual surgiram textos interessantes, como “Constâncias harmônicas e polifônicas e na música popular brasileira e seu aproveitamento na música sacra”, e “A criação do recitativo brasileiro”.

Experiências

Á luz desses estudos de Osvado Lacerda, como ficaria, por exemplo, a transposição de um ponto de candomblé da cultura popular para a erudita?

Ficaria assim:

Osvaldo Lacerda: “Ponto de Oxalá”; soprano Lenice Prioli, acompanhada por Maria José Carrasqueira ao piano.

Obras orquestrais de Osvaldo Lacerda

Osvaldo Lacerda também deixou várias obras orquestrais:

-Suite Piratininga, de 1962, que ganhou o 1º prêmio do Concurso de Composição da Cidade de São Paulo

– 2 aberturas sinfônicas

-Cromos, para piano e orquestra

-Concerto para Flautim e Cordas

Esta obra eu considero muito interessante pelo seguinte: o flautim moderno é um instrumento bastante difícil de tocar, para o qual existe um pequeno repertório solista. Mesmo na orquestra sinfônica ele é usado com moderação, pois sua sonoridade ultra aguda tende a ser cansativa.

Nesse concerto, Lacerda conseguiu manejar sua sonoridade com muita sabedoria.

Osvaldo Lacerda: Concerto para Flautim, 1o. movimento. Michel De Paula – Piccolo.
LIME Luzern International Music Ensemble

Osvaldo Lacerda brincalhão

Uma outra característica de Osvaldo Lacerda é o caráter jocoso, brincalhão, que ele confere a muitas de suas peças. Este é o caso do 1º movimento da sua suíte para xilofone e piano, ao qual ele deu o título de “Arrasta Pé”.

Osvaldo Lacerda: Arrasta-Pé, para xilofone e piano. “Arrasta-pé” Xilofone, David Friederich. Piano, Stephanos Katsaros.

Cromos

Por fim, quero falar de uma obra de Lacerda que considero muitíssimo especial. De grande envergadura, com cerca de 30 minutos de duração, “Cromos”, para piano e orquestra é absolutamente admirável.

No canal do youtube de Wandrei Braga, há uma belíssima gravação da obra. Peço licença ao autor do texto que lá encontramos, para reproduzi-lo aqui:

Esta obra data de 1992, e é dedicada a Eudóxia de Barros.

O compositor faz questão de salientar que “Cromos” não é um Concerto para piano e orquestra, no sentido tradicional da palavra “Concerto”.

Conforme o dicionário, “cromo” é “uma estampa colorida”. E é nesse sentido que se deve entender esta obra de Lacerda, que consiste numa série de 8 pequenos quadros musicais, onde o piano é muito mais a voz principal da orquestra, do que um solista que a ela se contrapõe.

A ênfase não é dada à técnica, porém, à sonoridade e à interpretação.

Do ponto de vista formal, “Cromos” é uma Suite em oito movimentos, que oferece uma curiosa particularidade instrumental: nos movimentos de números 1, 3, 5 e 8, é utilizada toda a Orquestra (tutti), enquanto nos de números 2, 4, 6 e 7, os naipes orquestrais são tratados separadamente.

Cromos recebeu da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), em 1994, o prêmio de melhor obra orquestra.

Eudoxia de Barros

Ao falarmos de Osvaldo Lacerda não podemos de modo algum deixar de falar da pianista Eudóxia de Barros

Eudóxia de Barros, piansta e esposa de Osvaldo Lacerda
Eudoxia de Barros.

Nascida em São Paulo em 18 de setembro de 1937, é uma das mais importantes figuras da música de concerto do Brasil.

Seus principais professores foram Guilherme Fontainha, Magda Tagliaferro, Nellie Braga e Lina Pires de Campos.

Aperfeiçoou-se na França, Estados Unidos e Alemanha.

Venceu por unanimidade o concurso para solista da North Carolina Symphony, e foi solista da Cleveland Philharmonic Orchestra

Apresentou-se nas principais capitais do mundo e inúmeras cidades de todo o Brasil.

Em 1979, publicou o livro Técnica Pianística.

Gravou 31 discos. Recebeu o Prêmio Nacional da Música outorgado pela Funarte em 1995.

Ocupa a cadeira número 14 da Academia Brasileira de Música.

Eudoxia foi aluna de Osvaldo Lacerda e viria a se casar com ele em 3 de setembro de 1982.

Tem contribuído magnificamente para divulgar a obra musical de seu marido.

Finalizo esta postagem com Eudoxia interpretando um trecho desta bela obra que é “Cromos”, para piano e orquestra.

Osvaldo Lacerda: Cromos. Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro. Maestro Henrique Morelenbaum. Eudoxia de Barros, solista.

Por ora é isso, caros leitores.

Até a próxima postagem!

Francisco Mignone

Francisco Mignone, um músico completo.

“Francisco Mignone é talvez o músico mais completo que possuímos.
Compositor de primeira plana, excelente professor, experimentado regente, virtuoso do piano, acompanhador insuperável, hábil orquestrador, notável intérprete de música de câmara, poeta aceitável, escritor cheio de verve, intelectual de grande cultura geral, tornou-se uma das figuras mais importantes da história da música brasileira.”

É com essas palavras que o escritor Vasco Mariz começa, em seu livro História da Música no Brasil, o capítulo dedicado a Francisco Mignone.

Francisco Mignone na juventude.
Francisco Mignone na juventude.

Meu incômodo sobre Mignone.

Sempre que penso em Francisco Mignone sinto um incômodo.

Explico: eu era criança e me lembro de tê-lo visto uma vez falando sobre sua obra em um programa de TV.

Importantíssimo detalhe: tratava-se de um programa de fantástica audiência, de um importante canal de TV comercial.

O incômodo é justamente o fato de que atualmente eu não vejo qualquer grande emissora de TV comercial dedicar um pouquinho que seja de sua programação aos compositores eruditos brasileiros.

Cada vez mais gente como Francisco Mignone, Guerra-Peixe ou Camargo Guarnieri vão sendo esquecidos, sendo lembrados apenas por uma pequena parcela do público interessado em música erudita.

Então nós, aqui em nosso blog seguiremos fazendo nossa parte: com freqüência falaremos sobre nossos grandes compositores, e sempre com dicas de audição suas obras.

Mignone: vida e início de carreira

Francisco Mignone nasceu em São Paulo em 3 de setembro de 1897.
Iniciou seus estudos musicais com o próprio pai, Alferio Mignone, músico italiano que chegara no Brasil um ano antes de seu nascimento.

O pai de Francisco Mignone, Alferio.
Alferio Mignone

Aos 13 anos Francisco Mignone já tocava piano em pequenas orquestras de baile e em outras situações semelhantes, a fim de ganhar algum dinheiro, para pagar seus estudos.

Tornou-se um excelente pianista, e além desse instrumento tocava flauta muito bem.

Estudou também harmonia desde muito cedo, e com apenas 16 venceu um concurso de composição com uma valsa chamada “Manon”.

Francisco Mignone: Manon. Maria Josefina Mignone, piano.

O primeiro concerto de Mignone

Em 1917, com 20 anos, Francisco Mignone diplomou-se em flauta, piano e composição no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.

No ano seguinte apresentou algumas de suas obras em um concerto sinfônico, e isso lhe valeu uma bolsa de estudos para se aperfeiçoar na Europa, concedida pelo Governo Paulista, graças ao apoio do senador Freitas Valle.

Em 1920 Mignone partiu para a cidade italiana de Milão, onde estudou com o professor Vincenzo Ferroni, que havia sido colega de classe de outro compositor brasileiro, Francisco Braga.

Ambos haviam estudado em Paris com o célebre compositor Jules Massenet.

Jules Massenet, a influência francesa de Francisco Mignone
Jules Massenet (1842-1912)

As três influências

O estilo de Francisco Mignone foi portanto moldado a partir de 3 influências básicas.

A 1ª delas foi a italiana, não só pelo fato de Mignone ter estudado em Milão, mas também pela forte influência que a cultura italiana exerceu na cidade de São Paulo na 1ª metade do século XX.

A 2ª influência foi a francesa, pois os métodos de harmonia e contraponto usados por seu mestre em Milão eram franceses, como vimos, por influência de Massenet.

A 3ªa influência foi da corrente nacionalista brasileira.

Música popular

Mignone havia tido uma boa experiência como músico popular na juventude, tocando flauta em grupos paulistanos de choro e seresta. Isso mais o fato de ter tido Mário de Andrade como colega no Conservatório em São Paulo certamente foram os grandes responsáveis por esta influência.

Sugiro a audição de uma pequena peça de Francisco Mignone na qual as influências européias e brasileiras são muito bem mescladas.

É o “Lundu em forma de rondó”, escrito originalmente para dois violões, em 1947.

A peça posteriormente foi arranjada para piano.

Impossível não gostar dessa pequena jóia musical!

Francisco Mignone: Lundu em forma de rondó. Marcia Dipoldi, piano.

Nos anos 1930, Francisco Mignone criou o pseudônimo Chico Bororó para escrever peças de caráter popular, que seriam interpretadas por grandes nomes como o cantor Francisco Alves.

Aloysio de Alencar Pinto, notável músico, colecionador e estudioso da música popular brasileira, falecido em 2007, tinha em seu acervo registros de várias dessas canções, gravadas em fita cassete a partir de antigos discos de 78 rpm.

Essas gravações estão hoje no acervo do Instituto Piano Brasileiro.

A qualidade do som não é alta, evidentemente, mas para quem aprecia gravações históricas, ouvir algumas delas é um deleite verdadeiro.

Aliás, o deleite com se certeza se estenderá também àqueles que porventura se incomodem com a falta de qualidade técnica, porque as canções são de inspiração do mais alto nível!

Canções de Chico Bororó no Instituto do Piano Brasileiro.

As grande obras

Francisco Mignone foi compositor de obras de grande envergadura.

Ainda sob a orientação do professor Ferroni, em Milão, ele escreveu sua 1ª ópera, O Contratador de Diamantes, baseada no drama homônimo de Afonso Arinos.

Ela foi apresentada pela 1ª vez no Brasil em 1924, no Rio de Janeiro, com bastante sucesso.

Faz parte desta sua 1ª ópera a “Congada“, que passou a ser tocada como peça sinfônica independente com muita freqüência, e faz sempre muito sucesso.

Aliás, em 1923, ou seja, um ano antes da ópera ser estreada, a Congada foi tocada no Rio de Janeiro pela Filarmônica de Viena, que fazia uma turnê pela América do Sul.

A regência na ocasião foi de ninguém menos que Richard Strauss, uma das maiores celebridas da música de concerto daquele tempo.

Graças a esse fato o nome de Migone passou a se tornar amplamente conhecido no meio musical de nosso país.

Francisco Mignone: Congada. Orquestra Sinfônica de Campinas, maestro Benito Juarez.

Mignone no Rio de Janeiro

Em 1933 Mignone mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu até o fim de sua vida.

Este ano também marca o início da sua fase afro-brasileira.
Foram várias obras escritas deste gênero escrita neste período:

-os painéis sinfônicos Batucajé e Babaloxá, que prococuram descrever danças e rituais do candomblé

-o bailado Leilão, que evoca um mercado de escravos

-o Maracatú de Chico-Rei

Esta última é sem dúvida a mais conhecida e apreciada obra desse período é sem dúvida.

Ela é também um bailado inspirado em histórias ligadas à construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Ouro Preto, que tem por notável o fato de ter sido construída no século XVIII por escravos libertos.


É dividida em 9 trechos:

-Introdução

-Chegada do Maracatú

-Dança das Mucambas

-O Príncipe dança

-Dança dos Três Macotas

-Dança de Chico Rei e da Rainha N’Ginga

-Dança dos Seis Escravos

-Dança dos Príncipes Brancos

-Libertação dos Escravos

A obra foi composta em 1933 e só foi apresentada como bailado em 1939, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

O sucesso foi imenso!

Francisco Mignone: Maracatu de Chico Rei
Orquestra Sinfônica de Minas Gerais
Coral Lírico da Fundação Clóvis Salgado
David Machado

Compositor, regente, professor.

A partir de sua mudança para o Rio de Janeiro Mignone tornou-se professor de regência no Instituto Nacional de Música, cargo que manteve até aposentar-se.

Como regente atuou em Roma, Berlim e nos Estados-Unidos.

Paralelamente à atividade como regente e compositor, Mignone continuou compondo.

O período afro-brasileiro se encerrou e Mignone sentiu-se livre para experimentar outros caminhos.

Escreveu mais óperas, bailados, obras sinfônicas, música sacra, música de câmara, muitas canções e peças piano.

Um exemplo desse estilo, ainda nacionalista porém menos explícito e muito sofisticado, é sua notável Sinfonia Tropical.

O clima, a exuberância, o bem-estar brasileiro estão todos lá, em uma linguagem musical refinadíssima.

Há uma gravação histórica, com o próprio Francisco Mignone regendo a Orquestra Sinfônica Brasileira, em 1958.

Francisco Mignone: Sinfonia Tropical. Orquestra Sinfônica Brasileira, regência de Francisco Mignone .1958.

Um tesouro de pequenas jóias

As grandes obras de Francisco Mignoe não devem de modo algum ofuscar as muitíssimas pequenas jóias que este também delicado ourives dos sons nos deixou: as Valsas de Esquina, as Valsas-Choro para piano, as canções, os estudos para violão ou a surpreendentemente grande obra para fagote solista.

Francisco Mignone- Seresta para fagote e piano
Duo Da Matta Fagerlande

Maria Josefina Mignone.

Ao se falar de Francisco Mignone, é simplesmente obrigatório falar de sua esposa, Maria Josefina Mignone.

Ela nasceu em 1923, em Belém do Pará, e teve seu contato com a música ainda muito pequena, através do piano de sua avó.

Estudou no Conservatório Carlos Gomes de Belém, e mais tarde transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou as estudar com a nata dos pianistas brasileiros: Magda Tagliaferro e Arnaldo Estrella.

Maria Josephina conheceu o Maestro Francisco Mignone urante um Recital na Academia Lorenzo Fernandez, onde lecionava.

Logo estariam casados.

Já uma concertista renomada, deixou de lado seu repertório dedicado a Schumann e Chopin, para divulgar com afinco a obra de seu marido.

Maria Josefina Mignone e Francisco Mignone.

Em 1991 foi fundado o Centro Cultural Francisco Mignone, que ela dirige até hoje!

O Brasil agradece muito a ela por tudo isso!

Enquanto escrevo esse artigo, em março de 2021, Maria Josefina completava 98 anos de idade!


Volume 43 – Acervo Francisco Mignone . Maria Josefina Mignone, piano.

Sanando o incômodo.

No início deste programa eu falei de como me sinto incomodado pelo fato de compositores da estatura de Francisco Mignone estarem caindo no esquecimento.

Como eu disse, houve até um tempo em que os grandes canais de TV se interessavam em mostrar o trabalho desses artistas… e hoje infelizmente isso não mais acontece.

Francisco Mignone, Guerra-Peixe, Camargo Guarnieri, Claudio Santoro e muitos outros compositores brasileiros do século XX construíram obras admiráveis que não merecem o esquecimento.

Aqui no nosso blog seguiremos contribuindo para mantê-los vivos em nossa memória.

Para terminar, deixo-o, caro leitor, em contato direto com este músico gigante e soberbo.

Clique no link abaixo:

Francisco Mignone por ele mesmo.

Post Scriptum:

Pessoal, depois de terminar e publicar o post, descobri uma coisa fantástica: a Amazon tem à venda 3 exemplares (um novo e dois usados) do livro “Francisco Mignone, o Homem e a Obra”, de Vasco Mariz, editado em 1997.

Este livro estava desaparecido, esgotado há muito tempo.

Está muito barato na Amazon!

Deixo aqui um link direto para lá.

É só clicar na foto abaixo!

César Guerra-Peixe

Guerra-Peixe foi um desses músicos soberbos que transitou por diversos caminhos, como a música de tradição erudita, a popular e a folclórica.

Em cada um desses caminhos Guerra-Peixe aprendeu muito para em seguida contribuir, abrindo novas frentes.

Mas antes de falarmos de suas escolhas estéticas, vamos conhecer um pouco de sua vida.

César Guerra-Peixe. Compositor brasileiro.
César Guerra-Peixe. Foto wikimedia commons.

O aprendizado de Guerra-Peixe

Guerra-Peixe nasceu em março de 1914, em Petrópolis, e nesta cidade começou seus estudos musicais.

Assim que pode, começou a ter aulas no Rio de Janeiro, para onde se mudou definitivamente aos 20 anos de idade.

No Rio de Janeiro Guerra-Peixe ingressou no Instituto Nacional de Música e posteriormente no Conservatório Brasileiro de Música.

Dentre os muitos professores que teve destacou-se a violinista Paulina Dambrósio. Graças a ela, Guerra-Peixe tornou-se um exímio violinista.

Além do estudo formal, ele aprendeu muito tocando em confeitarias, bares e cafés da antiga capital federal.

A destruição das primeiras composições

Durante este período de estudos, Guerra-Peixe compôs muita música de sabor popular, além de peças baseadas na tradição erudita.

Em 1944 Guerra-Peixe tornou-se discípulo do professor Hans Joachim Koellreutter, tendo aulas e militando no Grupo Música Viva.

Feito isso, Guerra-Peixe decidiu destruir tudo o que havia feito até então.

Perderam-se para sempre, dentre outras obras, dois quartetos de cordas, um trio, um quinteto de sopros, e até mesmo uma sinfonia.

Este envolvimento de Guerra-Peixe com a música dodecafônica e atonal, através do contato com o Professor Koellreuter, durou 5 anos, entre 1944 e 1949.

A partir de então Guerra-Peixe deixou-se levar pela grande atração que sentia pela música popular e folclórica.

Guerra-Peixe e a decisão estética.

Muito atraído pelo folclore brasileiro, Guerra-Peixe logo tentou algum tipo de conciliação entre as duas correntes estéticas, mas desistiu da idéia em 1949: abandonou de vez a música dodecafônica para dedicar-se ao estudo do folclore.

Isso pode ser constatado por um fato marcante em sua vida.

Nesta época sua música começava a ser executada na Europa.

A 1º Sinfonia, toda dodecafônica, fora tocada pela orquestra das BBC de Londres, e posteriormente transmitida pela Rádio de Bruxelas.

Em 1948 a Rádio de Zurique levou ao ar seu Noneto. E neste mesmo ano veio um convite que poderia ter mudado totalmente sua carreira.

O grande maestro e professor Hemann Scherchen convidou Guerra-Peixe para ser viver em Zurique e ser seu aluno.

Hermann Scherchen. Compositor.
Maestro Hermann Scherchen.
Foto wikimedia commons.

Contudo, ele preferiu ficar no Brasil para estudar a fundo o folclore nacional. Assinou contrato com uma emissora de rádio de Recife, e lá começou um intenso trabalho de pesquisa da música folclórica, visitando as cidades de Olinda, Paulista, Igarassu, Jaboatão, São Lourenço da Mata, Limoeiro, Garanhuns e Caruarú.

O resultado disso foi absolutamente precisoso: dois livros fundamentais para a compreensão da evolução da música brasileira: “Um século de Música no Recife”, de 1952, “Maracatus do Recife”, de 1955.

O folclore de São Paulo

Depois de viver alguns anos em Recife, Guerra-Peixe mudou-se para São Paulo, onde manteve seu interesse pelo folclore.

Continuou suas pesquisas em várias cidades do interior paulista.

Coletou jongos, sambas, cateretês, cururus, danças-de-santa-cruz, folias de reis, congadas e modas de viola em Taubaté, Pindamonhangaba, Tatuí, São José do Rio Pardo e Carapicuíba.

Em 1954 publicou muitos artigos sobre folclore em jornais paulistas, e em 1959 foi nomeado chefe da Comissão Paulista de Folclore.

Há muitas obras maravilhosas de Guerra-Peixe que são fruto desta investigação do folclore somada ao seu talento e metiér.

Eu gostaria de destacar duas, duas suítes sinfônicas: A Suíte Sinfônica no.1, “Paulista”, e a Suíte Sinfônica no. 2 “Nordestina”.

Suíte Sinfônica nº1 ‘Paulista’ (1955)
I. Cateretê
II. Jongo
III. Recomenda de almas
IV. Tambu
Orquestra Sinfônica Estatal de Moscou
Edoardo de Guarnieri, regente Complementa o álbum o Ponteado (1955), para orquestra
CÉSAR GUERRA-PEIXE: Suite Sinfônica n.2 “Pernambucana”
I. Maracatu
II. Dança de caboclinhos
III. Aboiado
IV. Frevo
Orquestra Sinfônica Nacional – UFF
Maestrina: Ligia Amadio

A música para cinema

Nos anos 50 Guerra-Peixe começa também a compor música para o cinema.

Guerra Peixe compôs trilhas para os filmes Terra É sempre Terra , filme de 1951, dirigido por Tom Payne, e O Canto do Mar, de 1953, dirigido por Alberto Cavalcanti.

E vale lembrar aqui que o primeiro emprego de Guerra-Peixe, aos 14 anos de idade, foi justimente o de instrumentista em salas de cinema mudo.

Guerra-Peixe arranjador

Guerra-Peixe também se dedicou à música – o que aliás nunca foi incomum em toda a história da música erudita. Até Beethoven interessou-se pela música popular de seu tempo!

Isso começou no final da década de 40, quando foi contratado como arranjador da Rádio Jornal do Commércio, do Recife.

Era a era de ouro das rádios brasileiras, quando muitas tinhas orquestras e os programas eram feitos ao vivo. Nessa época, a figura do arranjador era fundamental.

Guerra-Peixe também dirigiu uma série chamada “A Grande Música do Brasil”.

Foi uma coleção de quatro LPs, cada um dedicado a um compositor: Noel Rosa, Chico Buarque, Luiz Gonzaga e Tom Jobim. O volume dedicado a Noel Rosa foi um trabalh0 de Radamés Gnattali. Nos demais, as orquestrações foram feitas por Guerra-Peixe.

Guerra-Peixe e a música de câmara

O gênero musical em que o compositor se sentia mais à vontade era sem dúvida a música de câmara.

Um exemplo que eu considero delicioso e mostra o lado bem humorado do compositor é uma peça que se chama “Roda de Amigos” .

O primeiro é o amigo rabugento, representado pelo fagote; em seguida vem o amigo teimoso, simbolizado pela clarineta; o amigo melancólico fica a cargo do oboé, e finalmente temos o amigo travesso, que é a flauta.

Os quatro solistas são acompanhados por um pequeno conjunto de cordas.

Roda de amigos – César Guerra-Peixe I – O Rabugento (Fagote) II – O Teimoso (Clarineta) III – O Melancólico (Oboé) IV – O Travesso (Flauta) Fagote – Elione Medeiros Clarineta – José Botelho Oboé – Kleber de Souza Flauta – Lenir Siqueira Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC Maestro – Maestro Ernani Aguiar

Guerra-Peixe, intérprete e professor.

A partir da década de 70, Guerra-Peixe atua em vários pontos do país como regente e recitalista, sempre divulgando obras de compositores brasileiros.

Também leciona muito. Muitos músicos importantíssimos tanto do mundo erudito quanto do popular estudaram com Guerra-Peixe.

A lista é longa e surpreendente: Juca Chaves, Chiquinho de Moraes, Sivuca, Capiba, Baden Powell, Roberto Menescal, Ernani Aguiar, Jorge Antunes, Paulo Moura, entre outros.

Entre 1972 e 1980 Guerra-Peixe foi professor de diversas instituições como o Centro de Estudos Musicais do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade de São paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e na Pró-Arte também do Rio.

Mas não parou de compor. De 1972 é uma de suas obras mais executadas: o Concertino para Violino e Orquestra de Cordas.

CESAR GUERRA-PEIXE Concertino para violino e orquestra.
Felipe Prazeres, regente Ricardo Amado, violino

Reconhecimento

Guerra-Peixe foi, felizmente, reconhecido e celebrado em vida; ganhou muitos prêmios, mas o mais tocante talvez seja o de “Maior Compositor Brasileiro Vivo”, recebido em novembro de 1993, dias antes de falecer.

Mais do que um grande compositor, Guerra-Peixe foi um músico que escolheu ficar no Brasil e fazer algo pela nossa vida musical.

Pois fez muitíssimo!

Sua obra é uma riquíssima fonte de estudo para músicos e pesquisadores de diversas àreas.

Para saber mais, minha dica é esta aqui em baixo: basta clicar na foto!

Espero que você tenha apreciado este post. Deixe seu comentário!

Saudações Musicais do maestro Galindo!