Música na casa de Bach

Lazer noturno no século XVIII

Caro leitor: antes de falar sobre a música na casa de Bach, proponho um exercício de imaginação..

Imagine que você vive na Europa, digamos no interior da França ou da Alemanha, na 1ª metade do século XVIII.

Não existe luz elétrica, nem TV, rádio ou internet.

Então pergunto: quais seriam suas opções de lazer noturno?

Pense bem: não seriam muitas: sair para tomar uma cerveja, se vc fosse homem, ou ficar em casa, lendo um livro ou…. fazendo música em casa, com a famíla ou amigos.

Juntar a amigos e familiares para tocar ou cantar juntos era naquela época o equivalente de juntar a famíla na frente da TV.

Esse cultivo caseiro amadorístico da música foi corriqueiro na Europa por muito tempo.

A disseminação desse hábito resultou com o passar do tempo no surgimento de grandes conjuntos musicais que sobrevivem até hoje.

Orquestra do Gewandhaus de Leipzig

Um do melhores exemplos é a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig.

Sua história está de certa forma conectada com a música na casa de Bach.

Esta orquestra fabulosa, que tem sido uma das maiores do mundo, é um dos maiores exemplos da importância da atividade musical amadora.

No site oficial da Orquestra na Internet podemos ler o seguinte:

“A Orquestra do Gewandhaus pode olhar para trás com orgulho sobre seus 250 anos de história.”

Dezesseis comerciantes da cidade fundaram e financiaram uma sociedade de concertos que desde então fez história e se tornou uma das mais renomadas orquestras do mundo.”

Música doméstica

No início tratava-se de uma atividade doméstica, que começou em 1743.

Os encontros eram feitos em residências.

A música feita na casa de Bach fazia parte desses encontros.

Alguns anos depois os encontros musicais passaram a ser feitos em uma taverna.

Finalmente, em 1781, as autoridades municipais ofereceram à orquestra o Gewandhaus, ou seja, o prédio usado pelos comerciantes de tecidos.

Gewand: tecido

Haus: casa

E um dos maiores compositores de todos os tempos chegou a participar de alguns desses encontros musicais em Leipzig: Johann Sebastian Bach

Bach estava lá

Eu poderia continuar contando a história da Orquestra de Leipzig, mas o objetivo deste texto é falar da boa música que se fazia na casa de Bach.

Isso está bem documentado em dois cadernos escritos pelo mestre, um em 1722 e outro em 1725.

São conhecidos hoje em dia pelo título de “O livro de Anna Magdalena Bach”.

Capa do 1o. volume do Livro de Anna Magdalena Bach

O livro de Anna Magdalena Bach

Pelo estudo desses dois volumes, fica bastante claro que Anna Magdalena participava ativamente da música feita em sua casa.

Esses cadernos contém as 1ªs versões de importantes obras de Bach: 5 de suas 6 Suítes Francesas estão lá copiadas, em primeiras versões.

As partitas para cravo também são obras de grande importância na produção do Mestre, e duas delas estão registradas em seus cadernos.

As suítes Francesas e as Partitas são peças de maior envergadura e exigem uma técnica bastante evoluída de quem as interpreta.

Provavelmente estavam lá para serem tocadas pelo prório Bach.

Lições para os filhos

Além dessas peças difíceis, encontramos nos cadernos algumas peças avulsas, como prelúdios e minuetos.

Ao que tudo indica, essas pequenas peças serviam como lições de cravo para sua esposa Anna Magdalena, bem como a alguns de seus filhos.

Esses dois cadernos não contém exclusivamente peças de Johann Sebastian, mas também de outros autores, inclusive de um de seus filhos, Carl Phillipp Emmanuel Bach, que à época tinha 11 anos de idade.

Bach, Karl Philipp Emanuel - PICRYL Public Domain Search
Carl Philip Emmanuel Bach

O filho mais velho de Bach, Wilhelm Friedemann Bach também tinha aulas com o pai.

Wilhelm Friedmann Bach

Para ele Johann Sebastian preparou um outro caderno, com várias peças para estudo.

Acredita-se que trechos do 1º volume do cravo bem temperado tenha sido escrito para Wilhelm.

Canções Sacras

Mas a música feita na casa dos Bach não se restringia só ao cravo.

Ali, com certeza, todos cantavam.

O hábito de cantar no cultos luteranos foi uma das melhores bases musicais que ajudou a formar a formidável cultura musical alemã.

Além disso, Bach era um exímio executante de violino e viola.

Um exemplo que junta tudo isso é a canção sacra intitulada “Dir Dir, Jehova will ich singen”, índice BWV 299.

J.S. Bach – Dir, dir Jehova, will ich singen BWV 299 – Daniels | Netherlands Bach Society

Outro exemplo de música na casa de Bach é o Recitativo e Aria para soprano “Ich Habe Genug- Schlummert ein, ihr matten Augen”.

Esta peça foi completamente adaptada por Anna Magdalena Bach para sua própra extensão vocal.

Ela mudou a tonalidade e eliminou várias repetições.

Sim, a esposa de Bach também conhecia música muito bem!

Canções Seculares

Canções não religiosas também estão na coletânea de Bach, como “So Oft ich meine Tobacks-Pfeife”, índice BWV 515a.

O autor dessa peça permanece anônimo.

Canções de Amor

Canções de amor também estavam presentes nos cadernos de Anna Magdalena Bach. “Bist du bei mir” – Fique comigo – é um exemplo.

Sua autoria é atribuída ao compositor Gottfried Stölzel.

Os Instrumentos da casa de Bach

Um inventário feito na casa de Bach logo após sua morte detalhou os instrumentos musicais lá encontrados.

Além dos que já foram citados até aqui, constava um instrumento exótico, contruído pelo próprio Johann Sebastian: um cravo-alaúde.

Este instrumento está desaparecido.

Mas para aguçarmos nossa imaginação no sentido de como teriam sido as sonoridades ouvidas na casa de Bach, ouça um de seus prelúdios para cravo, tocado ao alaúde.

Eram essas algumas das peças que se ouviam na casa de Bach há mais de 250 anos.

Naquela era pré-industrial a música era um bem compartilhado por muita gente, em casa, com família e amigos.

Dessa intensa atividade surgiram grandes orquestras sinfônicas que brilham até hoje.

Eu costumo dizer que falta isso em nosso pais.

Mais música feita por amadores.

Mais gente estudando música, não com o objetivo da profissionalização, mas para enriquecimento pessoal.

E dessa base surgirão as grandes orquestras.

Contudo, a prática musical caseira foi substituída pela TV, pela internet, pelo celular e por aí afora..

Melhor parar por aqui, antes que eu seja chamado de antiquado e dinossáurico….

Saudações Musicais a todos.

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4 comentários em “Música na casa de Bach”

  1. Ah as facilidades da vida moderna! A oferta de música ficou tão presente e avassaladora, tão fácil de se conseguir, que a atenção e a capacidade de concentração estão diminuindo nas gerações mais no novas. Fazendo analogia com um morador de uma cidade turística, que por ter os pontos turísticos sempre próximos e cotidianos nunca os visita. Assim está a música na era do streaming. Mas sempre haverá resistentes e abnegados, para os quais a música nunca será um mero adereço ou pano de fundo e sim uma força mágica e essencial à vida. Eu, orgulhosamente, me inclui aí.

  2. Caro mo. João Maurício Galindo,
    Postagem impecável !
    Um afago à alma.
    Não sei se a música realmente seja um alimento do espírito -como já ouvi dizer por aí, mas que ela é “deliciosamente nutritiva” e faz-nos muito bem… isso não posso negar.
    A propósito, não creio que suas considerações sobre “a prática musical caseira” o torna “antiquado e dinossáurico”, pelo contrário, nos dias de hoje sua fala seria considerada vanguardista… transgressora

  3. Pingback: Os Rivais de Bach

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