Música Clássica para Crianças

A postagem de hoje é dedicada às crianças. E quando o assunto é música clássica para crianças, duas obras vêm logo à mente da maioria das pessoas: Pedro e o Lobo, de Prokofieff, e O Carnaval dos Animais, de Camille Saint-Säens.

Mas eu gostaria de chamar a atenção de vocês para uma crença minha: a de que podemos apresentar ao público infantil a música de praticamente todos os compositores eruditos.

Tudo depende de como apresentá-las. Não podemos, por exemplo, esperar que crianças ouçam atentamente uma sinfonia completa de Mahler – até mesmo os adultos têm dificuldade em acompanhar tamanha quantidade de informação musical.

Mas pode ser muito fácil apresentar a elas alguns trechos de Mahler, trechos bem escolhidos, e de uma maneira informal e descontraída. Tenho feito isso há muitos anos dentro da Série de Concertos “O Aprendiz de Maestro“, realizada na Sala São Paulo.

Posto isso, devemos também observar que alguns compositores se ocuparam em escrever obras mais adequadas ao público infantil, de modo que esse repertório vai muito além de Pedro e o Lobo – e quanto ao Carnaval dos Animais, podemos afirmar com certeza que Saint-Säens em nenhum momento pensou em crianças ao escrevê-lo.

Como eu dizia, existem alguns caminhos para chamar a atenção das crianças, e um deles é o fascínio dos instrumentos musicais. Em concertos infantis, mostrar ao público os instrumentos, explicar brevemente como eles funcionam, quais são suas partes, de que são feitos é sempre muito agradável.

Guia da Orquestra para os Jovens

Pois, além de Pedro e o Lobo, há uma célebre obra sinfônica já organizada nesse sentido: é o Guia da Orquestra para os Jovens, do compositor inglês Benjamin Britten. Trata-se de uma série de variações sobre um tema de Henry Purcell, e cada variação é executada por um dos instrumentos da orquestra.

Além de didática, a obra tem alta qualidade musical, e pode ser tocada também para os públicos mais sofisticados.

B. Britten – Guia da Orquestra para os Jovens – NY Phil., L. Bernstein, Paulo Santos, narrador (BR)

Fascínio por Animais

Além dos instrumentos, os animais também fascinam as crianças. Aliás, o sucesso de Pedro e o Lobo e do Carnaval dos Animais se deve muitíssimo à combinação desses dois ingredientes. Mas existem muitas outras obras que “brincam” com os animais, e podem ser apresentadas às crianças, como o Voo do besouro de Rimsky-Korsakov.

Rimsky-Korsakov: The Tale of Tsar Saltan – The Flight of the Bumble-Bee

A Bailarina

Outra coisa que fascina as crianças, principalmente as meninas, é a figura da bailarina. E se a obra em questão for o Quebra Nozes, de Tchaikovsky, melhor ainda, com seu enredo que trata de crianças ganhando brinquedos em uma noite de Natal.

Por diversas vezes eu apresentei trechos deste Balé, com orquestra e bailarinos no palco, e garanto a vocês: as crianças ficam sempre encantadas!

FLOCOS DE NEVE – “O Quebra Nozes”

Fantasia

Até agora estou falando apenas em concertos; mas se pensarmos numa cena doméstica, na qual um pai ou uma mãe queiram despertar o interesse dos filhos para a música de concerto, uma boa dica é recorrer a obra prima de Walt Disney chamada Fantasia.

E pensar que existem muitos adultos que ainda não a conhecem! Se esse é o seu caso, caro leitor, escute meu conselho: veja o quanto antes esse desenho animado. É absolutamente delicioso de se assistir, e garanto que pais e filhos vão se maravilhar juntos!

Goethe: Der Zauberlehrling Dukas: L’Apprenti sorcier Disney: The Sorcerer’s Apprentice (1940)

Villa-Lobos escreveu diversas obras pensando nas crianças: o Guia Prático, coleção de melodias folclóricas para ser usada na escola pública; e peças para piano admiráveis como as cirandas, as cirandinhas, as suítes “prole do bebê”, e o Carnaval das Crianças Brasileiras.

Desta suíte extremamente delicada e inspirada vamos destacar os seguintes trechos: O ginete do Pierrozinho, em que o compositor descreve um pequenino fantasiado de Pierrô, cavalgando seu cavalo de brinquedo.

O Ginete do Pierrozinho • Villa-Lobos • Nelson Freire

Children’s Corner

Terminaremos com Claude Debussy que em 1908 escreveu uma suíte para piano dedicada à sua filha Claude-Emma, que na época tinha 3 anos de idade. A essa suíte Debussy deu o nome de Children’s corner, e a construiu em 6 movimentos:

  • Doctor Gradus ad Parnasum, uma referência a um importante didática de Muzio Clementi. A tradução é passos para o paraíso – paraíso, no sentido do domínio técnico do piano.
  • Jimbos Lullaby, uma cantiga de ninar irônica, pois é toda escrita nos registros graves do piano, coisa bastante inusual para esse gênero de música.
  • Serenade for the Doll, ou serenata para uma boneca.
  • The Snow is Dancing, ou a neve está dançando.
  • The Little Shepard, ou o pequeno pastor.
  • Golliwoggs’s Cakewalk, onde cakewalk é uma dança afro-norte americana, contemporânea do ragtime, e Golliwogg era um personagem muito conhecido da literatura infantil no século XIX.
Debussy: Children’s Corner, L. 113 – III. Serenade for the Doll

Espero que tenha gostado deste post.

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Saudações Musicais!

A Suíte Barroca

Nicolas Lancret – La Camargo Dancing

Um importante gênero instrumental é a suíte barroca. É um dos gêneros instrumentais mais antigos, e conhecê-lo nos ajuda muito a compreender melhor os gêneros que vieram depois.

Vamos começar por algo bem simples, mas que muita gente não sabe: o significado da palavra suíte. Suíte vem do francês e quer dizer sequência. Então uma suíte é uma sequência de peças musicais.

As primeiras suítes que surgiram eram sequências de danças praticadas nas cortes e palácios aristocráticos. Conhecemos hoje belíssimas compostas por grandes mestres como J. S. Bach. Mas nem sempre foi assim.

Houve uma época em que os músicos não compunham suítes; eles simplesmente organizavam em sequência uma série de danças avulsas já conhecidas. É o mesmo que fazem hoje em dia os músicos que tocam em bailes e festas.

Danças

E essas danças avulsas? De onde vinham? De toda a parte. Dançar é uma atividade tão antiga quanto a humanidade. Eu quero crer que não deve ter havido uma civilização ou um grupo humano em toda a nossa história que não tenha cultivado o hábito de dançar, fosse em rituais ou por pura diversão.

E o hábito ou desejo de dançar também se faziam presentes em todas as classes sociais. Assim, no final da Idade Média, na Europa, dançavam os camponeses em suas aldeias, e dançavam os nobres, protegidos em seus castelos. Dentro deles foram plantadas as sementes da suíte instrumental.

Origens

Durante a Idade Média a Europa sofreu guerra atrás de guerra. Os árabes invadiam pelo Sul, os vikings vinham do Norte e tribos do leste europeu também ameaçavam. Viver dentro de um castelo era uma das melhores garantias de segurança.

Alguns castelos abrigavam muita gente, que em períodos belicosos ficavam ali trancados, e em períodos de tranquilidade recebiam visitas de outros membros da nobreza, fosse para fazer arranjos políticos, contratos de casamentos etc. Em qualquer uma dessas situações, dançar era uma das poucas formas de diversão possíveis. Não saber dançar corretamente era uma falha grave, tamanha a importância desses bailes e festas.

Para essas ocasiões, escreviam-se muitas danças avulsas, cujas partituras circulavam pelas cortes em cópias manuscritas. Então em dois castelos distantes seria possível ouvir uma mesma dança, como essa:

La Bouree · Westra Aros Pipers

Essa foi uma bourrée, de autor anônimo, dança francesa de origem camponesa, mas que acabou sendo adotada pelas cortes. Aqui ela foi executada pelo conjunto sueco Westra Aros Pijpare, ou os Gaiteiros de Westra Aros.

Michael Praetorius

Michael Praetorius

É um belo exemplo da música de dança que se fazia no final da Idade média na Europa. E se nós estamos aqui ouvindo a gravação dessa peça, devemos a agradecer a um músico alemão que viveu entre 1571 e 1621 e se chamava Michael Praetorius.

Ele foi muito prolífico como compositor e também como teórico. Deixou entre seus escritos um volume no qual compilou mais de 300 danças francesas avulsas que circulavam pelo continente. Esse trabalho nos serve como uma mostra da imensa atividade musical ligada à dança daquele tempo.

Pavana e Galharda

Eu gostaria de destacar mais duas peças dessa coleção de Praetorius. Primeiramente uma Pavana. A Pavana é uma dança lenta, em ritmo de dois tempos, com caráter processional. Seus passos eram muito simples. As pessoas caminhavam lentamente, de uma maneira semelhante àquela que uma noiva faz hoje em dia ao entrar na igreja. Era a oportunidade que os cortesãos tinham para mostrar suas ricas vestimentas, desfilando diante do nobre anfitrião. Alguém nota alguma semelhança com os atuais desfiles de moda?…

Pavane de Spaigne · Westra Aros Pipers

A Pavana, como essa que ouvimos, fazia dobradinha com a Galharda, que tinha caráter oposto. Era rápida, em ritmo de três tempos, e tinha passos difíceis e cansativos, porém divertidos. As pessoas tinham de saltar e, enquanto estavam no ar, cruzavam. Dançar galhardas equivalia na época a ir a uma academia de ginástica.

Gaillarde · Westra Aros Pipers

A Pavana e a Galharda eram frequentemente tocadas uma depois da outra. Em sequência, diríamos nós hoje. Ou “en suite”, diriam os franceses. E essa dobradinha Pavana/Galharda, parece ter sido mesmo a origem da suíte de danças.

O que aconteceu foi algo bastante simples. Os instrumentos musicais foram evoluindo lentamente ao longo de séculos. Depois do apogeu da música vocal polifônica, no século XVI, os compositores do século XVII já se sentiam à vontade pra se dedicar mais e mais à música puramente instrumental.

Parecia uma boa ideia compor obras instrumentais usando como base os ritmos daquelas danças que eram tão apreciadas. Assim surgiram das mãos de vários compositores sequências de danças para serem tocadas e apreciadas pelos ouvintes. Eram sequências de alemandas, sarabandas, burrées, gigas, etc, que não seriam mais dançadas, apenas apreciadas. Nascia assim a suíte barroca, uma sequência de danças.

Ela poderia ser composta para qualquer meio de expressão: uma pequena orquestra, um alaúde solo, uma flauta acompanhada de instrumentos de cordas… qualquer combinação seria possível.

Jean-Philippe Rameau

Clicando abaixo você poderá ouvir uma típica suíte barroca composta para ser tocada ao cravo. É a suíte em la menor do compositor francês Jean-Philippe Rameau, que faz parte do seu livro Pièces de Clavecin, ou peças para cravo, de 1706.

Rameau – Suite n°1 en la mineur

Ela é composta por um prelúdio, 2 alemandas, que são danças alemãs, uma courante, dança francesa, 2 sarabandas, espanholas, uma giga, inglesa, uma “venetiènne”, que como o nome diz, é veneziana, e finalmente uma gavota e um minueto, francesas.

O compositor tinha liberdade para montar a suíte como quisesse, e aqui vemos que Rameau fez uma suíte verdadeiramente internacional. Esse modelo se tornou um padrão no século XVIII. No repertório da época vamos encontrar um número muito grande de suítes que tem como esqueleto a Alemanda, a Corrente, Sarabanda, e a Giga.

Além do caráter internacional, esse esqueleto mantém o padrão lento-rápido da antiga dobradinha Pavana-Galharda. A Alemanda tem andamento lento, a Courante é rápida; a Sarabanda é lenta e a Giga, rápida.

Além dessas 4 danças básicas, o compositor poderia acrescentar outras conhecidas como “galanterias”. Danças galantes que tinham caráter mais leve, como o minueto, a gavota, a bourré, passepied, polonaise, etc. O compositor estava livre para deixar sua fantasia fluir. E muitas vezes, nem mesmo o esqueleto básico era mantido.

Aria da 4ª Corda

J. S. Bach, por exemplo, considerado um compositor austero, escreveu quatro suítes para orquestra e em nenhuma delas respeitou o esqueleto. Deixou apenas alguma reminiscência dele. E uma das obras mais conhecidas de Bach, faz parte de uma de suas suítes.

Muita gente conhece essa peça pelo nome de Aria da 4ª corda. Esse apelido vem do fato de um violinista do século XIX ter feito um arranjo dela para ser tocado apenas em uma das cordas do violino, a 4ª corda. Esse arranjo está quase esquecido hoje em dia. Na versão original, essa aria é o 2º movimento da 3ª suíte orquestral de Bach.

E é interessante notar que Bach se deu a liberdade de incluir uma peça com caráter de canção – pois a aria é efetivamente uma canção – numa sequência que deveria ser só de danças. Gênios estão sempre quebrando regras, por mais austeros que pareçam ser.

Bach – Orchestral Suite no. 3 in D major BWV 1068 – Mortensen | Netherlands Bach Society

A suíte barroca foi um dos mais importantes gêneros instrumentais do século XVII e da 1ª metade do século XVIII. Um número imenso de suítes foi escrito nessa época para as mais variadas formações instrumentais, por compositores de diversas regiões. Com o final do período barroco, a suíte perde espaço para outros gêneros. como a Sinfonia, a Sonata, ou o Quarteto de Cordas.

No século XIX a palavra suíte volta a ser usada, mas a suíte dessa época é distinta da suíte barroca. Temos a suíte da ópera Carmen, de Bizet, ou a suíte do Ballet Quebra Nozes, de Tchaikovsky. Essas suítes, no entanto, não têm relação direta com a suíte de danças barroca. Mas são um assunto interessante, e nós vamos falar dela em uma próxima postagem.

Espero que tenha gostado deste post.

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Saudações Musicais!

O Poema Sinfônico

Durante os muitos séculos de evolução da música de concerto europeia, coexistiram duas grandes tendências: a primeira, procura usar a música para descrever coisas ou estados de espírito; a segunda, ao contrário, via a obra musical como algo abstrato, um grande jogo de sons em movimento.

Essas duas tendências raramente foram encaradas dogmaticamente, ou seja, a grande maioria dos compositores escreveu música a partir dos dois princípios. Um nunca excluiu o outro.

A ideia da música não abstrata levou ao surgimento no século XIX de um gênero musical de grande importância: o poema sinfônico.

Antes de falarmos do poema sinfônico, vamos conhecer algumas obras que já continham o seu embrião. E para isso vamos voltar ao tempo em que os instrumentos musicais já haviam alcançado um grande avanço técnico: o início do século XVII.

Naquela época os compositores se divertiam com as possibilidades imitativas dos instrumentos.

“Il Gardelino”

Vivaldi usou as flautas que podiam imitar os sons de pássaros, como num concerto chamado “Il Gardellino”.

William Bennett – il Gardellino – Vivaldi. Flöte.

Este é um exemplo de como é possível fazer os instrumentos imitarem explicitamente um som qualquer da natureza. Afinal, a flauta em sua região aguda tem mesmo um som semelhante ao de um pássaro.

O compositor pode usar esse som para tocar melodias com notas muito rápidas e repetidas, e com isso a semelhança com o trinado de um passarinho torna-se mesmo muito grande.

Heinrich Biber

Fiquemos um pouco mais no período barroco, com uma obra descritiva surpreendente: a suíte “Batalha” de Heinrich Biber.

Biber viveu entre 1644 e 1704, e foi considerado por muitos estudiosos como o mais importante compositor alemão antes de J. S. Bach.

Foi também um violinista virtuoso e compositor de grande imaginação, utilizando afinações inusuais para o violino e extraindo dele sons percutidos.

Vamos então à Suíte “Battallia” de Biber, escrita para um conjunto de 10 instrumentos de cordas.

“Battallia”

1º movimento: toques de clarins e tambores que conclamam todos à guerra.

2º movimento é intitulado “a torpe sociedade do humor comum”.

O próprio autor escreve: “aqui a música é dissonante, pois várias canções diferentes são cantadas ao mesmo tempo por soldados , como um bando de mosqueteiros bêbados berrando”.

Os mosqueteiros aqui não têm nada a ver com a visão romântica de nobres guerreiros leais ao rei.

Ao contrário, são mercenários de comportamento reprovável, vindos de várias partes da Europa, cada um cantando em sua própria língua.

No próximo movimento, as notas curtas que compõem o tema procuram descrever as estocadas de esgrimistas, não em situação de batalha, mas provavelmente em treinamento. Há ordem, e não a desordem do movimento anterior.

O 4º movimento, intitulado “A Marcha”, utiliza o contrabaixo imitando o tambor militar e o violino imitando o flautim, instrumentos típicos das marchas militares.

O 5º movimento tem um ritmo típico de galope, procurando descrever uma cavalgada. Esse ritmo serve de base para um tema que nos sugere o toque de clarim do primeiro movimento.

No 6º movimento a alegria e animação dos movimentos anteriores começa a se esvair. É a angústia que precede a batalha…

No 7º movimento, finalmente, a batalha acontece. Biber escreve na parte dos contrabaixos: “a batalha não deve ser tocada com o arco, mas com os dedos da mão direita, estalando as cordas como tiros de canhão”.

No 8º movimento, que encerra a suíte, ouvimos os lamentos dos mosqueteiros feridos.

Heinrich Biber – Battalia à 10 (1673) Voices of Music.

Como essa obra, há muitíssimas outras que poderiam servir para ilustrar o conceito de música descritiva. Mas vamos deixar o barroco e seguir adiante no tempo.

“A Criação”

O período musical que se segue ao barroco é o classicismo, e nele os compositores chegaram a um grande refinamento na forma musical.

Foi justamente o momento supremo das tendências contrárias à música descritiva.

Apesar disso, podemos encontrar nesse período alguns exemplos surpreendentes desse gênero, como a introdução do grande oratório “A Criação”, de Joseph Haydn, à qual ele deu o título de “A Representação do Caos”.

Aqui, todas as normas de composição vigentes são contrariadas, para representar aquilo que teria antecedido a criação do universo. É a desordem, coisa impensável na arte do século XVIII.

Orquestra Sinfônica e Coro del Gran Teatre del Liceu.

Nem podemos chamar essa obra de descritiva; não há como descrever os sons do caos que precedeu a formação do universo.

Haydn se vale aqui do subjetivo, do conotativo, e obtém um resultado surpreendente.

Com Beethoven, que chegou a ser aluno de Haydn, chegamos mais próximos do poema sinfônico romântico.

“Egmont”

Muitas de suas obras podem ser consideradas genuínas precursoras do gênero, como as aberturas Leonora nº3, Coriolano ou Egmont. Vamos nos ater um pouco a essa última.

“Egmont” é o título de uma peça teatral escrita em 1788 por Johann von Goethe.

Na trama o Conde Egmont é um famoso guerreiro holandês, que luta contra a dominação exercida em seu país pelos espanhóis.

Ameaçado de prisão, Egmont recusa-se a fugir e a desistir do seu ideal de libertação. É preso, condenado à morte e executado, mas a mensagem final da obra é que mesmo com a morte de um herói o ideal de liberdade continua.

Beethoven escreveu música incidental para esta peça, e a abertura sobrevive até hoje como obra de concerto independente.

E é uma pena que muita gente ouça essa magnífica abertura em concertos, sem ter qualquer ideia dos muitos símbolos que ela encerra.

Símbolos encontrados na Abertura Egmont

Já de início percebemos o caráter trágico da obra.

E temos já um símbolo muito forte: o ritmo inicial é exatamente o da sarabanda, a dança espanhola que havia se tornado internacional durante o século XVIII. Uma nota longa, uma mais longa, uma curta e uma longa, como na Sarabanda de Bach.

Mas é uma sarabanda pesada, trágica, angustiada.

Após esse longo trecho em que Beethoven procura simbolizar a amargura e angústia do povo holandês submetido à tirania espanhola, acontece a morte de Egmont.

Temos duas notas descendentes que simbolizam o golpe da espada, silêncio e em seguida um coro fúnebre feito pelos instrumentos de sopro.

Segue-seentão o trecho final da obra, que é alegre e triunfante.

Essa alegria pode parecer paradoxal, mas trata-se do ideal de liberdade, que não morre, e até se fortalece após a morte do mártir.

Efetivamente, a morte de Egmont levantou o povo holandês, que finalmente se rebelou e livrou-se da dominação espanhola

OSEMBAP | Beethoven: Abertura Egmont op.84

Beethoven não chamou essa obra de Poema Sinfônico, e faleceu antes que o termo fosse criado. Mas sem dúvida já estava abrindo caminho para sua invenção, não só com essa, mas com outras obras.

O nome Poema Sinfônico foi criado por Franz Liszt. Liszt escreveu 12 deles, o primeiro em 1848, ou seja, cerca de 20 anos após a morte de Beethoven.

Seu poema sinfônico mais conhecido é o 3º da série, intitulado “Os Prelúdios”.

“Os Prelúdios”

Foi composto a partir de uma Ode do poeta francês Alphonse de Lamartine, que viveu entre 1790 e 1869.

Embora haja entre musicólogos muita discussão sobre até que ponto Liszt teria seguido realmente a obra de Lamartine, é certo que essa obra não é abstrata como uma sinfonia clássica.

A primeira edição da partitura incluiu um prefácio – que não foi escrito por Lamartine – mas que ilustra bem o enredo que Liszt desejou representar com sua música. Aliás, um prefácio que o próprio Liszt aprovou.

Ele diz:

“Que mais é a vida, senão uma série de prelúdios para aquele hino desconhecido, cuja primeira e solene nota é entoada pela Morte?

O amor é o admirável amanhecer de toda a existência;

Mas o destino pode fazer com que o deleite da felicidade seja interrompido por alguma tempestade, cujas mortais rajadas dissipam as ilusões.

E não vemos a alma cruelmente ferida, lançada fora de uma dessas tempestades, se esforçar para repousar suas memórias na calma serenidade da vida no campo?

Apesar de tudo, o homem dificilmente abandona-se por muito tempo ao prazer que pode desfrutar no seio da natureza.

Quando os trompetes soam o alarme, ele apressa-se para o local de perigo, seja qual for a guerra que a chama para assumir seu posto, a fim de finalmente recuperar no combate a completa consciência de si mesmo e de sua total energia.”

F.Liszt – Les Préludes (Poema Sinfonico No. 3).

Não preciso falar mais, caros leitores.

Vocês já perceberam que nesse gênero de música um som vale mais que mil palavras.

Espero que tenha gostado deste post!

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Saudações Musicais do maestro J. M. Galindo.

Ritmo na Música de Bach.

Neste post falo de um tema que eu considero fascinante: o ritmo na música de Bach!

Ritmo remete a dança.

Quando falamos em ritmo, algo que vem logo a nossa mente é a dança.

E dança é algo que sempre teve um papel importantíssimo na assim chamada música clássica, pois durante séculos elas animaram as festas nas cortes do velho mundo.

Dança Barroca.
Ritmo na Música de Bach.

La Ronde, from Les Caprices Series B, The Nancy Set
. https://picryl.com

Mais tarde as danças foram estilizadas pelos compositores do século XVIII, inclusive J. S. Bach.

Johann Sebastian Bach.
O ritmo na música de Bach.

Assim, transformaram-se em música pura, música para ser tocada e apreciada, e não mais para ser dançada.

J. S. Bach criou muitas danças que são verdadeiras obras primas. As danças são os melhores exemplos da forte presença do ritmo na música de Bach.

Aliás, para muita gente, um dos grandes atrativos na música de Bach é o Ritmo!

Os elementos do ritmo.

Antes de ouvirmos exemplos de Bach, vamos conhecer um pouco melhor o ritmo, começando pelos ritmos básicos, que são o binário e o ternário.

O ritmo binário é aquele em que sentimos uma acentuação a cada duas batidas. 1,2; 1,2; 1,2; etc …

Ouça:

E o ritmo ternário é aquele em que sentimos a acentuação a cada três batidas.

É este aqui:

Perceber essa diferença é fácil e ao mesmo tempo muito importante.

Apesar disso, é surpreendente como muitas pessoas que ouvem música com freqüência não se dão conta disso.

Que tal fazermos alguns testes?

Ainda mais uma coisa, antes de chegarmos à música de Bach.

Vamos tocar alguns trechinhos musicais, e eu proponho que você, caro leitor ou leitira, arrisque dizer se se trata de uma música ternária ou binária.

Você responde e em seguida eu dou a resposta.

Vamos lá!

Teste 1

Binário ou ternário?

Se estiver difícil, procure marcar o ritmo com a mão ou o pé.

Teste 2

Teste 3

Teste 4

Vamos às respostas:

Teste 1: Parabéns a você. Ritmo Ternário.

Teste 2: Asa Branca. Ritmo Binário.

Teste 3: Marcha Soldado. Ritmo Binário

Teste 4: Uma melodia folclórica alemã. Ritmo Ternário.

Se você não acertou, não faz mal!

De qualquer maneira, a partir de agora, quando ouvir música, procure sentir a sua pulsação!

Andamento ou Velocidade do Ritmo.

O segundo elemento ligado ao ritmo, e que tem também grande importância na música é o andamento.

Quanto a isso não há segredo; tem a ver com a música ser mais rápida ou mais lenta.

Com esses dois elementos, ou seja a pulsação binária ou ternária e o andamento, já podemos definir várias danças.

Valsa.

Uma valsa, por exemplo, é sempre em ritmo ternário e andamento rápido.

Este exemplo não é de Bach, mas pudera … no seu tempo a valsa ainda não existia!

Minueto.

Já um minueto é sempre em ritmo ternário e em andamento moderado.

Aqui, um exemplo de Haendel, compositor que viveu na mesma época que Bach.

Padrões rítmicos.

Vamos em frente. Além do ritmo básico e do andamento, há também os padrões ritmicos.

Por exemplo: um choro será sempre binário e com uma sucessão de notas iguais, assim:

Apanhei-te Cavaquinho!

Já o samba também é binário, mas tem um padrão ritmico todo recortado:

Eu vou prá Maracangalha, eu vou …

Palavrões!

Prá finalizar, há ainda os ritmos téticos e os anacrúsicos.

Caro leitor, não se assute com esses palavrões! É fácil.

Pense em Marcha Soldado. Ela começa com um acento:

Mar– cha soldado

Já Asa Branca começa com um impulso para o acento:

Quando-lhei

Quando uma melodia começa na nota acentuada – ou como nós músicos costumamos dizer, no tempo forte do compasso, nós dizemos que ela é tética.

E quando ela começa num impulso para o tempo forte – ou como os músicos costumam dizer, num tempo fraco – nós dizemos que ela é anacrúsica.

Finalmente, o ritmo na música de Bach.

Dito tudo isso, vamos conhecer algumas das danças que estavam em voga no século XVIII e que Bach usou em muitas de suas suítes.

Louré

A Louré era uma dança francesa, usada com freqüencia nos espetáculos teatrais já no século XVII.

Seu ritmo é ternário e seu andamento lento.

No exemplo abaixo, uma Louré da Partita n0. 3 para violino solo de Bach.

Bach: Loure da Partita No. 3 para Solo Violin. Leonidas Kavakos, violino.

Gavota.

A Gavota também é uma dança francesa, mas de origem popular, posteriormente levada às cortes.

Tem andamento moderado e ritmo binário.

Ela é anacrúsica!

Agora um exemplo orquestral: a Gavota da Suíte Orquestral no. 3 de Bach.

Bach. Gavota da Suíte Orquestral no. 3. Orquestra Barroca de Amsterdam, maestro Ton Koopman,

Bach costumava usar pedais – notas longas de sustentação – em suas gavotas, criando com isso uma sonoridade típica das gaitas de fole, como que para lembrar-nos sua origem popular.

Isso pode ser facilmente percebido na gavota da Partita no. 3 para violino.

Mais um exemplo de uma Partita para violino solo de Bach.

https://www.youtube.com/watch?v=3gi0r1lLM9E
Bach. Gavota da Partita no. 3 para violino solo. Gidon Kremer, violino.

Minueto.

O minueto também é uma dança francesa , instituida na época de Luis XIV. Foi a mais popular dança das cortes européias, e a que mais tempo sobreviveu.

Quando ninguém mais fazia executar gavotas ou lourés, o ritmo do minueto continuava sendo ouvido, até o comecinho do século XIX.

É uma dança de ritmo ternário, e de andamento moderado.

Na Itália, contudo, passou a ser tocado consideravelmente mais rápido, e foi muito usada em aberturas de óperas.

Bach, no exemplo que ouviremos em seguida, mostra-se fiel ao padrão francês.

Nele ele faz algo muito comum na época: uma forma A B A, em que A é um minueto, e B é outro, que contrasta com o primeiro.

Bourré

A Bourré também é uma dança francesa. É em ritmo binário, tem andamento rápido, e caráter vivo, alegre.

Começa sempre com uma anacruse.

Bach compôs Suítes para Alaúde, um instrumento magnífico.

Abaixo um exemplo.

Bach : Bourrée BWV 996 . Evangelina Mascardi, alaúde barroco.

Giga.

Agora deixemos as danças francesas para conhecer a Giga, uma dança que se popularizou em toda a Europa, mas teve sua origem na Grã-Bretanha.

É sempre ritmo ternário, e de andamento bem rápido.

Era uma dança que, no século XVIII, foi usada pelos compositores com muita liberdade. Havia tipos mais ou menos rápidos, com frases irregulares ou regulares, em estilo contrapontístico ou homofônico.

O que não variava era o ritmo ternário e o andamento vivo, alegre e muitas vezes saltitante.

Todas as suítes para violoncelo solo de Bach terminam com uma Giga.

Bach. Giga da Suíte para violoncello solo no. 1. Micha Maisky.

Sarabanda.

Da Grã-Bretanha vamos para a Espanha, terra natal de uma das mais queridas danças dos séculos XVII e XVIII: a Sarabanda

Muitos musicólogos defendem a tese de que ela surgiu na América latina, chegando posteriormente à Espanha.

De qualquer maneira, da Espanha ela foi para a Itália, e de lá espalhou-se pela Europa.

A sarabanda é uma dança lenta e em ritmo ternário.

No exemplo seguinte, a Sarabanda da Partita para cravo BWV 830, de Bach.

Bach: Sarabanda da Partita BWV 830. – Jean-Christophe Dijoux, cravo.

Corrente.

Uma dança em qua as notas fluem soltas, deslizando livremente é a Corrente, ou Courante.

É uma dança rápida, viva, em ritmo é ternário.

No século XVIII havia uma variante italiana, com ritmo mais uniforme, e uma francesa, com maior variedade ritmica, e com textura contrapontística.

Bach, neste exemplo que ouviremos, opta pelo estilo italiano.

Bach: Corrente da Suite Francesa No. 2. Courante. Angela Hewitt, piano.

Bach compôs 3 partitas para violino solo e um número muito maior de suites e partitas para cravo.

São verdadeiros mananciais de danças do século XVIII. Esse é um repertório muito rico, e muitas danças ficaram de fora deste artigo, como a Alemanda, o Passepied, o Hornpipe, entre outras.

Bach escreveu lindos exemplos de todas elas.

Será assunto para uma próxima portagem!

Espero que tenham gostado da leitura e dos exemplos musicais!

Saudações do maestro J. M. Galindo.

Formas musicais

O domínio das formas musicais é parte importante do métier do compositor.

Mas é também útil ao ouvinte!

Nas artes visuais a forma acontece no espaço, mas as formas musicais organizam-se no tempo.

FORMAS MUSICAIS.
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Formas Musicais: úteis para todos.

Do ponto de vista do compositor, uma obra mais longa requer muito mais domínio das formas musicais do que uma obra curta.

E o mais interessante é que do ponto de vista do ouvinte acontece algo semelhante.

Ouvir uma obra mais longa requer muito mais atenção do que uma mais curta, e esta é uma das dificuldades da música erudita.

Muita gente diz que não gosta, mas na verdade apenas tem dificuldade em manter a atenção na música por muito tempo.

Uma canção popular simples dura apenas três ou quatro minutos e é formada por uma ou duas melodias.

Já uma sinfonia pode durar uma hora, e é sempre constituída de várias melodias, temas e ritmos diferentes e pode incluir várias formas musicais no seu todo!

Formas Musicais Básicas.

A-B-A

Imagine um compositor especulativo, curioso, que em seu processo criativo procure construir uma obra maior.

Ele não se contentaria com uma melodia simples e curta, por mais bonita que ela fosse, e por isso ele pensaria:

“mas o que é que eu posso fazer para estender, ampliar essa melodia, usando-a como ponto de partida para algo verdadeiramente grande?”

Um dos recursos mais simples seria acrescentar uma outra melodia logo após a primeira.

Esta é uma das formas musicais mais elementares que existem, e nós músicos a chamamos de A-B-A.

A é um primeiro tema, B é um segundo tema, e A é a repetição deste 1º tema.

A forma A-B-A é usada tanto na música erudita quanto na música popular.

No final deste artigo, deixarei dois exemplos pra você ouvir.

Mas prossiga a leitura!

Rondó.

Compreendida a forma A-B-A, é fácil imaginarmos que esse padrão pode ser estendido.

Por exemplo, um compositor pode fazer uma música com a forma:

A-B-A-C-A-D-A.

Pela “fórmula” acima podemos notar que há um tema principal que se repete, e outros temas, secundários, que dão amplitude e diversidade à música.

Essa forma também se consagrou e foi muito utilizada por praticamente todos os compositores dos séculos XVIII e XIX.

Ela é conhecida pelo nome de Rondó, no qual um tema principal, o tema A, surge várias vezes, intercalado com outros temas.

No final do artigo há também exemplos de Rondó para você ouvir.

O Rondó pode ser uma peça avulsa, ou então um movimento de uma Suíte, Sonata, Concerto ou Sinfonia.

MOZART. RONDO.

Tema e Variações.

Vejamos outra possibilidade.

O compositor pode decidir usar apenas uma melodia, mas repetindo-a várias vezes, sempre variada.

Pronto: temos aí outra forma consagrada pelos compositores eruditos: o “Tema com Variações”.

BEETHOVEN. TEMA COM VARIAÇÕES

Conhecer, ainda que basicamente, as principais formas como: A-B-A, o Rondó e o Tema com Variações, nos ajuda muito a manter a atenção durante o desenrolar de uma obra de maior duração e com isso usufruir melhor da boa música!

Exemplos.

Agora, você já pode começar a se divertir!

Ouça os exemplos abaixo:

  1. Um exemplo de forma A-B-A simples na música popular: Garota de Ipanema, de Tom Jobim.
  2. Um exemplo de forma A-B-A simples na música erudita: A Cantilena, 1o. movimento, das Bachianas Brasileiras no. 5, de Heitor Villa-Lobos.
  3. Um exemplo de Rondó na música popular: Odeon, de Ernesto Nazareth.
  4. Um exemplo de Rondó na música erudita: “Gavotte en Rondeau” de J. S. Bach.
  5. Um exemplo de Tema e Variações: 4o. movimento do Quinteto “A Truta”, de Franz Schubert.

Boa audição!

https://www.youtube.com/watch?v=maQ8t8mJkTM

ABERTURAS

Pobres aberturas; em geral elas antecedem os concertos, que antecedem as sinfonias; funcionam como uma espécie de aperitivo musical, e quase sempre são lembradas como obras de pequena importância.

Mas algumas…. são verdadeiras obras primas.

Eu me lembro de quando era estudante e costumava freqüentar os concertos dominicais da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo.

Naquela época eu vibrava principalmente com as aberturas dos concertos. Eu ainda não tinha treino auditivo suficiente para acompanhar as longas sinfonias, que às vezes me cansavam; mas com as aberturas era diferente!

Por isso este gênero é tão importante: para aquela pessoa que está se iniciando no mundo música de concerto, aberturas são fundamentais.

Pois bem, uma delas ficou para sempre em meu coração, como uma música deliciosa que me traz boas lembranças, e que eu gosto de ouvir até hoje.

Antes que nosso ouvinte diga que estou sendo egoísta, que estou pensando apenas em mim, eu digo: ela é presença constante no repertório de todas as orquestras sinfônicas. Além disso, é impossível não gostar dela.

Alegre, vibrante, inspirada, é Abertura da ópera As Bodas de Fígaro, de Wolfgang Amadeus Mozart.

https://www.youtube.com/watch?v=SvyA2t8A2uk&t=87s
Orquestra Filarmônica de Viena; Mariss Jansons

Há muita coisa interessante a ser dita sobre as aberturas ouvidas hoje em dia. Muitas têm origem e estrutura completamente diferentes.

Vamos comparar essa abertura de Mozart com uma outra, escrita 180 anos antes: é a abertura da Ópera Orfeu de Monteverdi, composta em 1607.

Jordi Savall e La Capella Reial de Catalunya no Gran Teatro del Liceo de Barcelona.

Mal pode ser considerada uma abertura, se comparada com a de Mozart. A de Mozart dura mais de nove minutos; esta de Monteverdi não chega a dois.

Os compositores experimentaram vários tipos de abertura, até chegarem a alguns padrões que se consagraram.

Um deles foi criado em Paris, ainda no século XVII; ele foi aceito, disseminado e copiado por compositores de toda a Europa: ficou conhecido como Abertura Francesa, e foi criada pelo compositor Jean-Baptiste Lully

Ela tinha duas partes muito contrastantes: uma em um andamento lento, de caráter solene, e um padrão ritmico bem marcado, incisivo, e outra de andamento rápido e escrita contrapontística, muitas vezes uma verdadeira fuga.

La Chapelle Royale, dirigida por Philippe Herreweghe.

Lully foi o mais importante compositor francês do século XVII. Viveu ente 1632 e 1687, e é tido como o fundador da ópera nacional francesa. O modelo definido por ele para a abertura de suas óperas se tornou tão marcante que vários outros compositores o imitaram – no melhor sentido da palavra, é claro.

Um exemplo vem da Inglaterra, com Henry Purcell, considerado um dos maiores compositores ingleses de todos os tempos.

Ele foi praticamente contemporâneo de Lully, tendo vivido entre 1659 e 1695.

The English Concert · Trevor Pinnock

Mesmo após a morte de Lully, seu modelo continuou sendo seguido, e já extrapolava o mundo da ópera.

Um exemplo interessantíssimo é a música que Georg Friedrich Handel escreveu para acompanhar uma exibição de fogos de artifício, num dia de grande festa em Londres.

Trata-se de uma suíte de danças, encabeçada por uma bela abertura francesa.

O padrão de Lully é seguido à risca!

Minnesota Orchestra . Maestro Stanislaw Skrowaczewski.

Paralelamente à abertura francesa, existia a abertura italiana. E a abertura que os italianos usavam em suas óperas eram totalmente opostas à abertura francesa.

No que diz respeito ao andamento, tudo era ao contrário: ela começava rápida, tinha um trecho central lento, e voltava ao andamento rápido para terminar. Não usava os ritmos solenes e pontuados, e também não adotava a escrita contrapontística.

O ritmo pontuado e o estilo fugato traziam pompa e complexidade para a abertura francesa. Pudera, ela se desenvolveu dentro do Palácio de Versalhes, sob a cuidadosa fiscalização do mais vaidoso e pomposo dos monarcas: Luis XIV, o rei sol.

Já a abertura italiana, ao contrário, refletia o fato de que a opera na Itália se tornava cada vez mais popular.

Um exemplo a ser citado é a Abertura da ópera Farnace de Antonio Vivaldi.

Freiburger Barockorchester

Um fato curioso é que em muitas situações não se dava grande importância para as aberturas de ópera. Elas eram na verdade usadas – isso mesmo, usadas – apenas como um aviso de que o espetáculo ia começar. Assim as pessoas ficavam sabendo que era hora de parar de conversar e tomar seus lugares. Por isso, muitos compositores escreviam aberturas cujos ritmos e melodias não tinham rigorosamente nada a ver com a música que seria ouvida durante a ópera – ninguém iria perceber!

Contudo isso foi mudando aos poucos, e as aberturas passaram a ser vistas com mais interesse.

Sobre isso, há alguns exemplos interessantes.

Um deles é do compositor Christoph Willibald Gluck, que apesar de alemão, teve um papel muito importante na ópera francesa.

Para sua ópera Ifigênia em Táurida, que é cantada em francês, Gluck cria uma abertura que tem tudo a ver com o que vai acontecer no início do primeiro ato da obra.

Neste início, Ifigênia, que na mitologia grega é filha de Agamenon e Clitemnestra, enfrenta um furioso ataque das forças da natureza. Ela e as sacerdotisas que a acompanham pedem aos deuses que cessem a tempestade, e que a tranquilidade seja restabelecida….. o que efetivamente acontece.

A abertura da ópera descreve perfeitamente essa situação…. como Ifigênia começa a cantar antes que a abertura acabe. A abertura aqui deixa de ser uma peça musical avulsa; ao contrário, ela prepara o ambiente e se entrelaça com a primeira ária da ópera.

Les Musiciens du Louvre · Maestro Marc Minkowski

Numa época em que muitas pessoas assistiam ópera apenas para ouvir as habilidades e piruetas vocais dos cantores, Gluck insiste numa harmoniosa interação entre a música e teatro, recusando os malabarismos vocais em favor de um canto mais simples, e de texturas orquestrais sintonizadas com a trama.

Por isso ele ocupa um papel importantíssimo no desenvolvimento da ópera.

Seu discípulo mais importante foi Antonio Salieri, professor de Beethoven, grande compositor que até hoje é imensamente subestimado.

Sua abertura da ópera Les Danaïdes. Não é uma simples música de entretenimento, mas uma peça que antecipa as situações dramáticas que virão.

Heidelberg Symphony Orchestra. Maestro Thomas Fey

Essa abertura já nos traz os ventos do romantismo musical, que seria definitivamente deflagrado por seu aluno mais notável: Ludwig van Beethoven.

Mas as aberturas românticas ficarão para outra postagem!

Até lá!

DICA DE LEITURA.

Em se falando de Aberturas de Ópera, fica uma dica para um espetacular livro sobre a ópera: uma das formas de arte mais extraordinárias dos últimos quatro séculos. O livro de Carolyn Abbate e Roger Parker já nasce como clássico: talvez o gênero não tenha recebido um tratamento tão ambicioso. Se o leitor especializado encontrará neste ensaio análises profundas, o leigo terá um guia que o conduzirá às várias facetas e períodos da ópera. Da corte dos Médici na Florença do século XVI até o presente, passando por Monteverdi, Händel, Mozart, Verdi, Puccini, Berg e Britten, os autores traçam análises profundas dos contextos sociais, políticos e literários, das circunstâncias econômicas e das quase constantes polêmicas que acompanharam o desenvolvimento do gênero nos últimos quatro séculos. Isso sem se descuidar da apreciação propriamente estética das óperas estudadas e do aspecto central e talvez definidor dessa forma de arte: as tensões entre palavra e música, personagem e intérprete. Apesar dos problemas atuais, notadamente a cruel concorrência dos espetáculo de massa, de jogos de futebol a mega shows em estádios, a audiência, no entanto, cresce e a ópera permanece criativa e florescente, com encenações originais e intérpretes talvez tecnicamente melhores do que jamais foram.

Você pode encontrar esse livro na Amazon Brasileira, clicando no llink abaixo:

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OS DIVERTIMENTOS DE MOZART

A cena que descrevo a seguir era muito comum no século XVIII: um aristocrata rico e poderoso recebe em seu palácio um certo número de convidados. Além dos vinhos, do champagne, excelente comida e agradáveis conversas, ele proporciona a seus amigos algumas horas de boa música. E se a ocasião for muito especial, música composta especialmente para ela.

Provavelmente, ninguém parava para prestar atenção; a música ficava ao fundo, exatamente como acontece hoje em qualquer festa ou reunião de amigos. A diferença é que hoje em dia usa-se um bom aparelho de som, e naquela época, como ainda não havia tomadas nas paredes, o jeito era fazer tudo ao vivo.

Todos conhecem uma obra de W. A. Mozart chamada “Pequena Serenata Noturna” Ela foi composta para uma dessas ocasiões.

Mozart: Eine kleine Nachtmusik in G major, KV 525 Concertgebouw Chamber Orchestra

Enquanto esta é muito conhecida, as outras serenatas e divertimentos que ele escreveu são pouco tocadas. É o caso da Serenata Noturna nº Köchel 239. Ela foi composta em 1775, quando Mozart tinha 19 anos, e ainda vivia em Salzburgo.

São três movimentos: Maestoso; Minueto; e Rondó: Allegro, Adagio, Allegro.

Para os contemporâneos de Mozart, peças como essa eram totalmente descartáveis. Contudo, nas décadas seguintes à morte do compositor, elas foram recuperadas e preservadas; hoje são tocadas em concertos freqüentados por amantes da música atentos e silenciosos, e estão gravadas em inúmeras versões.

A maioria delas não são obras de grande valor artístico; mas são música deliciosa de se ouvir!

É interessante pesquisarmos como era incluida a música nesses eventos sociais do século XVIII. Uma boa parte das serenatas de Mozart foi escrita para ser tocada em Salzburgo, ao ar livre , durante o verão. Em geral eram requisitadas para algum evento social de grande importância. Um exemplo era o fim do ano letivo universitário. Em geral acontecia assim: no início da noite os músicos se reuniam e tocavam marchando até a residência de verão do Arcebispo de Salzburgo. Ali tocavam sua serenata, voltavam até a praça da universidade e aí tocavam novamente a serenata, desta vez para os estudantes e os professores.

Algumas obras eram compostas para celebrar o dia onomástico de alguma personalidade – um tipo de celebração muito comum naquela época.

Mas o que é um dia onomástico?

Simples: eu me chamo João; então o dia de São João é o meu dia onomástico.

Mozart compôs um divertimento, catalogado como KV 247, para celebrar o dia onomástico de uma condessa, chamada Antonia Lodron, cuja residência era frequentemente usada para encontros musicais.

Os instrumentos de sopro ocupam um papel especial nesse repertório de músicas de ocasião.

A combinação desses instrumentos sempre se mostrou mais complicada que a das de cordas. Grupos de sopros formados por instrumentos diferentes, como trompa, fagote, clarineta, flauta e oboé, ofereciam uma boa variedade de timbres, mas muita dificuldade quando se desejava um som mais homogêneo. O contrário, um grupo formado por instrumentos iguais, como um quarteto só de trompas, podia oferecer muita homogeneidade, mas pouco contraste. Depois de muitas experiências, os compositores chegaram a uma combinação razoavelmente equilibrada: 2 fagotes, 2 trompas e 2 clarinetas. Num ponto esse grupo de sopros ganhava das cordas: oferecia uma sonoridade mais forte, mais adequada aos grandes jardins e outros espaços ao ar livre da aristocracia.

Em Viena, onde Mozart se instalou ainda jovem, os grupos de sopro deste tipo se limitavam a tocar em tavernas e nos quartéis, até que um membro da corte vienense, o príncipe Schwarzenberg se interessou por eles. Mozart ouviu dizer que o próprio imperador estava se influenciando pelo gosto de Schwarzenberg, e imediatamente compôs uma serenata para sexteto de sopros, catalogada hoje como nø KV 375.

The Scottish National Orchestra Wind Ensemble, dir. Paavo Järvi (1985)

Uma vez eu li uma biografia de W. Amadeus Mozart escrita pelo historiador Peter Gay. Uma frase do livro não saiu mais da minha cabeça. Ele diz: Mozart era incapaz de escrever música ruim; mesmo quando tinha de compor obras de ocasião, que ele sabia que seriam tocadas enquanto os ouvintes comiam, bebiam e conversavam.

Por isso em geral seus divertimentos e serenatas são no mínimo, como eu já disse, música deliciosa de se ouvir, cheia de lirismo e imaginação. E nos melhores casos atingem níveis altíssimos de requinte, inpiração e bom gosto.

É o caso do Divertimento para cordas em Fa maior, índice KV 138, em três movimentos: Allegro, Andante e Presto.

Amsterdam Baroque Orchestra Ton Koopman

Esses divertimentos são verdadeiras jóias mozartianas – obras consideradas menores, mas que , em minha opinião além de agradabilíssimas são uma maravilhosa porta de entrada para quem ainda não conhece a música desse maravilhoso compositor.

Até a próxima vez!

CONCERTO GROSSO

Muita gente estranha este nome, afinal, a palavra grosso em português tem uma certa conotação negativa. Alguém grosso é alguém sem educação….mas em italiano, esse sentido não existe. Em italiano a palavra grosso quer dizer simplesmente “grande”. Portanto concerto grosso é um concerto grande.

Elucidado o nome, a estranheza continua. Já fui procurado por pessoas que me perguntaram: maestro, fui a um espetáculo musical onde tocaram um concerto grosso. De grande ele não tinha nada havia: só 12 pessoas no palco e a música não durou mais que 15 minutos.

Pois é, para nos, acostumados com orquestras de 90, 100 musicos, e concertos que duram mais de 40 minutos, o nome grosso ou grande não parece adequado nesse caso.

Concerto Orquestra

Porém, tudo fica mais fácil de entender se tentarmos nos transportar para o século XVII, época em que o concerto grosso foi criado.

Em primeiro lugar, naquela época, um grupo de 12 , 15 musicos não era considerado pequeno. Não havia ainda espetáculos públicos de música instrumental, e na maioria das vezes esses concertos eram tocados em salas de palácios pertencentes a membros da nobreza. As orquestras sinfônicas ainda iriam surgir e se desenvolver .

Em segundo lugar, o nome concerto grosso está relacionado com a principal característica desse tipo de musica, que é a alternância entre dois grupos instrumentais, um maior e um menor. O compositor escrevia a música como se esses dois grupos estivessem dialogando.

Esse diálogo é muito mais fácil de ser percebido ao vivo que em uma gravação, mas mesmo assim, vamos a um exemplo, o Concerto Grosso opus 8 no. 4 de Arcangelo Corelli.

Early Music Ensemble Voices of Music.

Vários compositores escreveram musica dividindo o conjunto musical em dois grupos e os fazendo dialogar. É o caso dos italianos Giovanni Gabrieli e Alessandro Stradella. Mas o primeiro grande compositor associado ao gênero concerto grosso, e um dos primeiros a usar este título foi Corelli.

Ele nasceu em Ravena, em 1653 e faleceu em Roma em 1713. Viveu por algum tempo na Alemanha, e foi uma das mais importantes personalidades da musica européia em sua época. Foi grande violinista e professor. Como compositor dedicou-se quase que exclusivamente ao seu instrumento, o violino, e aos demais instrumentos de arco. Sua obra é pequena, mas tudo é de um finíssimo artesanato.

Corelli também foi um importante professor, e dentre seus alunos alguns se destacarm como grandes violinistas e compositores. É o caso de Pietro Locatelli, e Francesco Geminiani. Esses e outros compositores da época viram no Concerto Grosso de Corelli um fabuloso modelo a ser seguido. Por volta de 1700, quando houve na Europa uma explosão na impressão e venda de partituras, as obras de Corelli foram impressas e reimpressas numa quantidade que só seria suplantada pelas obras de Haydn, décadas mais tarde. Por exemplo, o opus 1 de Corelli, uma coleção de sonatas, teve 35 edições entre 1681 e 1785. Isso sem contar coletâneas, e arranjos variados.

Vamos ouvir um concerto grosso de um de seus seguidores, seu aluno Francesco Geminiani, compositor que nasceu em Lucca em 1687 e faleceu em Dublin, em 1762.

Concerto Köln. Evgeny Sviridov, violin e direção).

Como já vimos, uma das características do Concerto Grosso era a alternância entre dois grupos musicais distintitos, um pequeno e um maior.

O grupo pequeno era em geral formado por 3 músicos apenas: 2 violinistas e 1 violoncelista, apoiado por um cravo quando necessário. E o grupo maior era em geral uma seção de cordas, sem um número necessariamente definido, e que podia ser por exemplo de três 1ºs violinos, três 2ºs violinos,duas violas, um violoncelo, um contrabaixo e um cravo. Podia ser até maior, desde que essa proporção entre os naipes fosse mantida. Ao grupo pequeno dava-se o nome de concertino – eles eram os concertistas, os solistas da obra. E ao grupo maior dava-se o nome de ripieno, que pode ser traduzido por repleto, cheio.

Com disseminacão das partituras de Corelli pela Europa, não tardou para que outros compositores começassem a modificar a estrutura básica do Concerto Grosso. E se há alguém que fez isso com maestria foi Georg Friedrich Händel.

O opus 3 nº 4 de Händel é um concerto grosso. Foi esse o título que ele deu à obra. Mas já estamos distantes de Corelli. Primeiramente Händel não se restringiu somente aos instrumentos de cordas. Acrescentou ao concertino dois oboés. Só isso já nos apresenta uma cor completamente diferente. Além disso , Händel abre a obra com uma típica abertura em estilo francês, coisa que Corelli provavelmente nunca imaginou.

Mas a marca principal do concerto grosso está lá: a alternância entre o concertino e o ripeno, e a estruturação em movimentos contrastantes.


Orquestra “LORENZO DA PONTE” Direção de ROBERTO ZARPELLON

Corelli definiu o gênero; muitos outros compositores, como Geminiani, seguiram esse modelo, ou o imitaram, no melhor sentido da palavra. Com Handel, esse modelo definido por Corelli foi levado adiante, com a introdução de novidades. Neste caminho que levou ao desenvolvimento do Concerto Grosso, se falamos de Händel, não podemos deixar de falar em J. S. Bach

Bach foi ainda mais adiante. Ele não verdade não escreveu nenhuma obra com o título de concerto grosso. Mas muita gente está de acordo que os seus Concertos de Brandemburgo são de fato “concerti grossi” levados à mais alta elaboracão.

Essas 6 obras foram dedicadas a Christian Ludwig, Margrave de Brandemburgo, que corresponderia hoje ao governador da região de Brandemburgo. Por isso eles têm esse apelido.

Mas o título que o próprio Bach deu a eles foi “Concert avec plusiers instruments”, ou Concerto com Muitos Intrumentos. E essa é efetivamente uma característica marcante da coleção.

Cada um dos 6 concertos possui uma diferente combinação instrumental; alguns são verdadeiros concerti grossi, outros se afastam do padrão original.

É bastante difícil dizer qual é o mais belo, ou mais criativo. São 6 obras primas que coroam o gênero inaugurado por Corelli.

E nos causa ainda mais surpresa saber que não há uma grande distância de tempo entre eles. Corelli escreveu seus primeiros concerti grossi por volta de 1712 e Bach completou sua coleção dos concertos de Brandemburgo não mais que dez anos depois.

J. S. Bach, Concerto de Brandenburgo no. 3. Conjunto Voices of Music.

Com o final do barroco, o concerto grosso vai caindo em desuso. No classicismo, ninguém mais usava a expressão concerto grosso; o cravo vai sendo aos poucos deixado de lado, e o concerto para um único solista e orquestra toma seu lugar. Mas dentre as obras deixadas por Corelli e seus seguidores italianos, e pelos alemães Händel e Bach, há verdadeiras preciosidades que merecem ser conhecidas.

Sou grato pela atencão e até nossa proxima postagem!

CONCERTOS ESPIRITUAIS 2a. parte

Na postagem anterior, vimos o surgimento da série “Concert Spirituel” em Paris, e quais foram os primeiros compositores a ter suas obras executadas. Nos atemos a compositores do período barroco.

Agora vamos aos clássicos.

Começamos com Simon Le Duc, que viveu entre 1742 e 1777. Le Duc foi também violinista e diretor dos Concertos Espirituais por alguns anos.

Le Duc foi elogiado por Leopold Mozart, pai de Wolfgang Amadeus Mozart. Leopold deixou registrado que ele era um violinista muito bom.

Le Duc compôs três concertos para violino e orquestra, algumas sonatas para violino, música de câmara em geral e algumas sinfonias.

Sinfonia no. 1 de Simon Le Duc. Orchestra de Chambre de Versailles; maestro Bernard Wahl.

Esta sinfonia é um exemplo do típico estilo galante ou pré-clássico que havia surgido no início do século XVIII e pouco a pouco ganhava a preferência do púbico.

E se estamos falando de música clássica francesa, um nome não pode ficar de fora: François Gossec, que viveu entre 1734 e 1829.

Infelizmente Gossec é raríssimamete lembrado nos dias de hoje.

A única peça de sua autoria que é tocada, ainda assim muito de vez em quando, é uma pequenina gavota:

Gavota de Gossec executada pelo grande violinista Mischa Elman, acompanhdo ao piano por Joseph Seiger.

É uma pena que Gossec seja lembrado apenas por essa peça que, embora graciosa, não absolutamente nada de especial.

Vale a pena ouvir dele uma obra mais expessiva: a Sinfonia Concertante para violino, violoncello e orquestra em re maior.

Violino: Patrick Cohën-Akenine. Cello: François Poly Orchestra Les Agrémens. Maestro Guy van Waas

Esse tipo de obra, a sinfonia concertante, foi marca registrada dos Concertos Espirituais Parisienses.

A Sinfonia Concertante é, na verdade, uma espécie concerto.

Um concerto é uma obra em mais de um movimento, em que uma orquestra acompanha um solista.

A principal característica da Sinfonia Concertante é o fato de haver quase sempre mais de um solista.

Além disso, a sinfonia concertante parisiense é sempre leve; a música nunca traz grandes cargas de dramaticidade.

A sinfonia, por sua vez, não tem solistas.

Gossec escreveu belas sinfonias. A” Sinfonie à 17 parties” tem o mesmo nível artistico das melhores sinfonias de Joseph Haydn.

Orchestre Symphonique de Liège. Maestro Jacques Houtmann

CONCERTOS ESPIRITUAIS 1a. parte

O surgimento dos concertos púbicos é um tema que raramente passa pela mente dos apreciadores de música clássica.

Existe uma impressão de geral de que os concertos públicos sempre existiram …. evidentemente isso não é verdade.

Vamos então a uma viagem no tempo-espaço, para a época e local onde foi criada a primeira série duradoura de concertos por assinatura, como as que temos hoje: Paris, no início do século XVIII

Durante o século XVII, a França viveu um espetacular processo de centralização do poder, com a figura daquele homem que dizia ser, ele mesmo, a encarnação do estado: Luis XIV.

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L’etat, c’est moi – o estado sou eu!

Há quem diga que Luis XIV pronunciou essa frase em 1655, diante de todos os parlamentares franceses. E há quem diga que ele nunca o fez!

De qualquer modo, uma coisa é certa: alguns anos mais tarde, instalado no gigantesco palácio de Versalhes, fez dele o centro de poder de toda a França.

O Rei Sol cercou-se de uma gigantesca corte, que vigiava e controlava, usando de diversas artimanhas, entre elas, o teatro, a dança e a ópera!

Mas nada de concertos sinfônicos: eles ainda não existiam!

Enquanto isso, em Paris, que fica a quase 30 quilômetros de distância, coisas diferentes aconteciam.

Foi lá que um dia surgiu a idéia de usar os músicos da Orquestra da Ópera – que era bem grande para a época, com seus 48 integrantes – em apresentações puramente musicais.

Esta série de concertos parisiense tem até data certa de nascimento: 18 de março de 1725, 10 anos depois da morte de Luis XIV.

Eram os “Concertos Espirituais”.

A primeira pergunta que vem à mente é: por que esse nome?

Porque a série começou com o objetivo de promover trabalho para os músicos durante o período da quaresma, quando os grandes teatros da cidade ficavam fechados.

Nos primeiros concertos da série a idéia era fazer música sacra, justamente por causa da quaresma.

Um dos compositores que tinha suas obras executadas com frequência era Jean-Joseph de Mondonville.

Mondonville, além de um exímio violinista e compositor de obras para esse instrumento, escreveu óperas e Grandes Motetos, um gênero muito querido dos parisienses.

Jean-Joseph Cassanéa de Mondonville: “Gloria Patri” , parte do Grande Moteto Venite Exultemus.
Quire Cleveland and Les Délices. Maestro Scott Metcalfe.
Solistas: Sarah Coffman e Elena Mullins.

Outro grande compositor francês daquele tempo, cujas obras eram ouvidas nos “Concertos Espirituais” foi Marc-Antoine Charpentier.

Charpentier foi um compositor extremanente prolífico, tendo deixado uma enorme quantidade de obras em diversos gêneros: óperas, Pastorales, música incidental para teatro, balés, peças instrumentais, e música sacra.

Além da quantidade, chama a atenção a qualidade. É mesmo música de primeira.

Charpentier trabalhou com o maior dramaturgo françês de seu tempo, Jean-Baptiste Molière. Foi ele quem compôs a “trilha-sonora”, digamos assim, para uma de seus textos mais conhecidos: O Doente Imaginário.

São muitos os trabalhos para teatro feitos por Charpentier.

Marc-Antoine Charpentier – Intermèdes nouveaux du Mariage forcé (1672). Execução do conjunto “Les Arts Florissants, dirigido por William Christie.

Os Concertos Espirituais faziam sucesso e tornou-se uma série duradoura. Mas mudanças eram necessárias, e elas aconteceram em 1762.

Um novo diretor assumiu e teve uma idéia brilhante: introduzir na programação competições musicais!

Isso criou enorme entusiasmo no público.

Esse novo diretor chamava-se Antoine Dauvergne.

Ele também era compositor da corte de Versalhes, tendo composto óperas e balés. Mas era também exímio violinista e escreveu muita música instrumental. Desta produçao destaca-se um gênero que ele chamou de “Concert de Sinphonies” – que eram na verdade suítes, ou seja, sequências de peças instrumentais. Com essas peças chegamos finalmente à música puramente intrumental executada em concertos públicos!

Dauvergen: Concert de simphonies a IV parties, Op. 3 No. in F Major: VI. Allegro I & II · Cappella Coloniensis · William Christie

Na próxima postagem continuaremos a falar dos Concertos Espirituais parisienses, saindo do barroco e entrando no período clássico!