OUTROS BOLEROS

Já me perguntaram diversas vezes: existem na música erudita outros boleros além do de Ravel?

E se existem, qual a diferença entre eles, e os boleros cubanos?

Esse é um tema interessante! Vamos a ele, portanto!

Para começar digo que o Bolero Cubano não tem mesmo nada a ver com o Bolero Espanhol. A diferença é em essência, ritmica.

O Bolero Espanhol é em ritmo ternário, ou seja, de três tempos, enquanto o bolero cubano é em ritmo binário, de dois tempos.

Vejamos primeiro o bolero cubano, que é muito conhecido. Ele surgiu na américa latina, em Cuba e no México, derivado da Habanera.

A Habanera foi importada pelos compositores eruditos, e seu exemplo mais conhecido é, sem dúvida, aquela que faz parte da ópera Carnem, de Georges Bizet.

Carmen – Habanera (Bizet; Anna Caterina Antonacci, The Royal Opera)

Se fizermos uma pequena alteração no ritmo básico da Habanera, temos o ritmo do Bolero Latino Americano.

Essa pequena alteração feita no ritmo original aconteceu provavelmente por influência africana. Associando-se a ela um outro espírito, geralmente uma canção sentimental, com melodia suave e flexível, estava criado o Bolero da América Latina.

Eis um delicioso exemplo …

Bolero “Total”, de autoria de Ricardo Garcia Perdomo, cantado aqui por Bienvenido Gandra.

Vejamos agora o ritmo do bolero espanhol. Ele é completamente diferente daquele do bolero latino-americano.

O autêntico bolero espanhol nasceu no final do século XVIII. Para conhecê-lo podemos recorrer a um compositor espanhol dessa época, Fernando Sor, que viveu entre 1778 e 1839, ouvindo de sua autoria uma pequena cancão de espírito popular. Seu acompanhamento ao violão faz nitidamente o ritmo do bolero.

Fernando Sor, “Se dices que mis ojos”. Marta Almajano, Soprano. J.M. Moreno, Guitarra.

O bolero rapidamente se disseminou pela Europa e influenciou compositores de outros países. Eu acho especialmente interesante ouvir compositores de outras nacionalidades experimentando com este gênero espanhol.

O compositor francês Daniel Auber, embora esteja esquecido hoje, fez muito sucesso em Paris no início do século XIX, e era muito admirado por Rossini.

A abertura da sua ópera “Le Domino Noir” começa com um delicioso bolero, que depois desemboca em uma valsa. É um excelente exemplo para compararmos os dois gêneros.

Auber: Le Domino noir, Overture · English Chamber Orchestra · Richard Bonynge

Frèdèric Chopin viveu m Paris, na 1ª metade do século XIX, e também é autor de um bolero. Pouca gente sabe disso, visto que esta é uma de suas peças menos conhecidas.

Chopin a compôs em 1833, e há quem diga que ele se inspirou num Bolero composto por Auber alguns anos antes para uma outra ópera.

Os boleros que ouvimos até aqui estão bem próximos do espírito da música popular, mas o de Chopin é bastante diferente. O seu ritmo típico está lá… mas a obra, em seu todo, é de um espírito sofisticado, bem distante da dança popular original.

Chopin: Bolero in A minor, Op. 19. Nicolay Khozyainov.

Franz Liszt era húngaro, também viveu em Paris e foi amigo de Chopin.

Como o Bolero de Chopin, o de LIszt também é muito pessoal, sofisticado, distante do espírito popular, e certamente servia para que ele mostrasse sua assombrosa técnica ao piano.

A peça faz parte de uma obra maior: 6 Soirées Italiennes, ou em Português, 6 noitadas italianas. São 6 movimentos, e o sexto – A cigana espanhola – é justamente um bolero.

Soirees italiennes, S. 411/R. 220: No. 6, La zingarella spagnola: Bolero · Gianluca Luisi

Fiquemos ainda em Paris, para ouvir um bolero de Hector Berlioz. Trata-se de Zaïde, uma peça para soprano, castanholas e orquestra, escrita em 1845. As décadas se passavam e o bolero continuava interessando os compositores da França

Zaïde-Bolero para Soprano e Orquestra. Laura Aikin, Soprano SWR Sinfonieorchester Baden Baden und Freiburg, maestro Sylvain Cambreling.

Agora vamos sair da França, para constatarmos o sucesso do bolero em outros países.

Na Alemanha Carl Maria von Weber havia composto em 1821 a ópera O Franco Atirador, que se tornou um imenso sucesso. Nesta obra tão tipicamente alemã, Weber não deixou de incluir uma belíssima aria em ritmo de bolero…

Carl Maria von Weber: “Ein schlanker Bursch gegangen”, da ópera O Franco Atirador.
Lucia Popp, Orquestra da Rádio de Munique, maestro Hans Zanotelli.

Os Russos também se encantavam pela música espanhola.

Tchaikovsky, por exemplo, incluiu este bolero no seu balé “O Lago dos Cisnes”.

Tchaikovski, “Dança Espanhola”, terceiro ato do balé “O Lago dos Cisnes”.
Nva Filarmônica de Moscou.

Aquelas típicas canções russas para voz masculina super grave ganharam uma belíssima versão em ritmo de bolero, pelas mãos de Mikhail Ivanovich Glinka (1804-1857)

Mikhail Ivanovich Glinka : “Ó, minha linda donzela”
Dmitri Hvorostovsky, baritono. Mikhail Arkadiev, piano.

Até o italianíssimo Giuseppe Verdi gostava de boleros. Um exemplo é aquele que encontramos em uma de suas óperas mais célebres, “I Vespri Sicilian”. É uma aria chamada “Mercè, dilette amiche”.

Giuseppe Verdi: Mercè, dilette amiche, da ópera I Vespri Siciliani.
Maria Calas, Orquestra Filarmonia dirigida pelo maestro Tulio Serafim.

Esses boleros são obras pouco tocadas e nos dão uma boa idéia da evolução e importância desse gênero que inspirou a obra mais conhecida de Ravel!

A sonata barroca

No século XVII, ainda não havia as salas de concerto como conhecemos hoje. Ouvia-se música na Igreja, ou então, em casa. E quem podia – ou seja, o aristocrata rico que morava em um palácio -tinha sua própria orquestra.

Cara leitora, caro leitor, a música doméstica era realmente um luxo, algo para poucos. Mas era efetivamente cultivada, de modo que a prática de manter um grupo de músicos em casa, contratados como parte da criadagem, disseminou-se rapidamente entre as famílias prósperas de diversos países.

Por exemplo, em 1601, o Duque da cidade de Mantua contratou, com o título de “maestro de la camera e de la chiesa”, um dos maiores músicos de todos os tempos: Claudio Monteverdi.

Vejam só: maestro da igreja, e do palácio. Foi nesses dois ambientes que se produziu a música mais sofisticada daquele tempo.

Existia, portanto a música feita para ser tocada nas igrejas, e a música para ser tocada nas casas, nos palácios.

Estamos falando do século XVII, e não custa relembrar que, até o comecinho deste século a música mais sofisticada era vocal; a música instrumental estava apenas começando a se desenvolver.

Naquele tempo as palavras toccata e sonata eram usadas genericamente para se referir a obras puramente instrumentais. Evidentemente, à medida que a música instrumental evoluia, foram surgindo gêneros mais específicos. Dois se destacaram: a sonata da chiesa e a sonata da camera.

Se a música puramente vocal da época se dividia em dois gêneros, a feita para a igreja e a feita para o ambiente doméstico, nada mais natural que o mesmo acontecesse com a música instrumental.

Muitos compositores escreveram sonatas dos dois tipos, de modo que 100 anos depois, no início do século XVIII, chegou-se ao ápice do gênero, com as sonatas de Arcangelo Corelli.

Música barroca Música do Período Barroco Corelli

Nós hoje consideramos o violino com um dos instrumentos musicais mais nobres, mas sofisticados. O líder de toda a orquestra, o spalla, é sempre um violinista; alguns violinos chegam ser tratados como verdadeiras obras de arte, com seus preços chegando a mais de um milhão de dólares.

É difícil portanto, imaginar um tempo em que o violino era um instrumento rústico, usado somente na música folclórica européia. Mas de fato era assim, e no seu admirável processo de amadurecimento, é fundamental a figura de Corelli. Ele foi o primeiro compositor cuja notoriedade foi construída a partir de música instrumental, em especial para o violino. Foi o grande primeiro mestre da sonata barroca, de câmara e de igreja.

A essa altura é preciso responder à pergunta que certamente está agora na cabeça de vários leitores: qual é, ao final das contas, a diferença entre a sonata de câmara e de igreja?

Bem, a idéia geral é simples: a sonata de igreja é mais séria, mais austera que a sonata de câmara.

Muito bem, mas como o compositor estabelece esta diferença?

Em primeiro lugar, usando ritmos de dança na sonata de câmara …. e não os usando na de igreja.

Tomemos então como exemplo a sonata opus 5 no. 9 de Corelli. Ela começa com um movimeto lento de caráter leve, delicado. Em seguida temos duas danças, uma giga, e uma gavotta Entre elas, um breve movimento lento, que dura menos de um minuto. É uma autêntica Sonata da Camera!

Grzegorz Lalek – violino barroco Lilianna Stawarz – cravo

Se a sonata de câmara têm um elemento característico – a presença das danças – é de se deduzir que algo análogo aconteça com a sonata de igreja. E o elemento característico desta é o contraponto, a polifonia

Um dos gêneros musicais mais antigos, que vem dos primeiros tempos da evolução da música instrumental é a dobradinha prelúdio-fuga. Ela está fortemente associada música religiosa tocada ao órgão.

Pois bem, na Sonata opus 5 no. 1 de Corelli há duas dobradinhas prelúdio-fuga. E essas dobradinhas estão separadas por um breve movimento rápido, de apenas um minuto, de caráter brilhante e virtuosístico, em que o violinista demosntra suas habilidades.

Intérpretes: Rémy Baudet, Jaap ter Linden & Pieter-Jan Belder .

Espero que você tenha apreciado essa postagem. Ficarei feliz se você deixar seu comentário!

Saudações Sonoras do maestro João Maurcio Galindo.

Sonata: o que é?

O que é uma Sonata?

A palavra sonata é mais uma daquelas que confunde muita gente; isso porque ela não se refere a um tipo específico de música.

Sonatas podem ser muito diferentes; uma sonata do início do século XVII é muito diferente de uma sonata do início do século XVIII, e as duas são diferentes de uma sonata feita no século XIX.

Neste artigo vamos nos ater à sonata clássica, aquela que se se desenvolveu e consolidou durante a segunda metade do século XVIII.

As sonatas clássicas bem conhecidas pelos amantes de música de concerto dos dias atuais são principalmente as de Wolfgang Amadeus Mozart e Franz Joseph Haydn.

Elas têm um modelo muito bem definido, que é o seguinte: três movimentos, sendo o 1º em andamento rápido, o 2º em andamento lento, e o 3º em andamento rápido.

Mas isso não é tudo!

O 1º movimento é o mais desenvolvido, é aquele em que o compositor mais usa suas habilidades intelectuais, trabalhando inteligentemente o desenvolvimento dos temas.

O 2º movimento é mais afetuoso, emocional.

O 3o. movimento é o mais divertido, quase sempre em ritmo de dança.

Assim, além de andamentos contrastantes, cada um tem uma personalidade própria.

Para compreender bem esse modelo, uma boa idéia é ouvir uma sonata curta, concisa, em que essas características sejam bem claras.

Sugiro assim a sonata para piano de Mozart, catalogada com o número KV 545, conhecida como “Sonata Semplice”.

Eu sugeri esta sonata por ser bem curta, concisa e objetiva.

Mas agora vamos avançar um pouco.

Há duas coisas para dizer:

1ª: a grande maioria das sonatas dessa época eram mais muito mais longas, bem mais desenvolvidas.

2ª: elas não tinham que ser necessariamente para piano.

Esse modelo podia ser aplicado a qualquer instrumento ou combinação instrumental.

Uma combinação consagrada era o piano mais um instrumento melódico qualquer, como o violino, o violoncelo, a flauta, etc.

Sugiro então a audição de uma sonata que tem essas duas características.

Ela dura cerca de 2o minutos – contra 10 minutos da Sonata Semplice de Mozart

Trata-se de uma sonata para Viola e Piano de Johann Nepomuk Hummel, que foi contemporâneo de Beethoven.

Embora seja pouco conhecido hoje em dia, Hummel é um típico representante do classicismo, muito admirado em seu tempo tanto como pianista como compositor.

Aqui temos os três movimentos em links separados.

Este é portanto o modelo, o padrão básico da sonata clássica; mas agora atenção: os padrões da música clássica não são, como muita gente pensa, assim tão rígidos.

Sobre eles são possíveis muitas variações, e é isso que vamos conferir ouvindo uma das sonatas para piano de Beethoven, conhecida pelo apelido de “A Caça”

É a sua sonata de número 18, escrita quando ele tinha 32 anos de idade.

É uma obra que introduz algumas modificações na estrutura da sonata clássica, mas sem perder sua essência.

Em primeiro lugar, temos quatro e não três movimentos.

O primeiro movimento é em andamento rápido.

O segundo movimento não é lento e afetuoso, como seria de se esperar. Também é rápido, mas tem um caráter bem diferente do movimento anterior.

É mais descontraído,contrastando com a seriedade do anterior.

Temos então mais um pequeno desvio da forma original da sonata. O terceiro movimento é um minueto – uma dança, portanto. Mas ele apresenta o caráter delicado e afetuoso que faltou no movimento anterior.

Mantendo o padrão tradicional, a sonata se encerra com um movimento rápido em ritmo de dança.Presto com fuoco: rápido e com fogo!

Espero que as informações tenham sido úteis.

E que a musica lhe tenha sido encantadora!