Polifonia e Música Polifônica.

Polifonia é uma palavra que poderia ser traduzida ao pé da letra por “muitos sons”.

Consequentemente, em oposição a polifonia, temos a palavra “monofonia”, que quer dizer um som.

Isso significa que uma música monofônica é formada por uma única melodia.

Polifonia, por sua vez, se refere a uma música formada por várias melodias tocadas simultaneamente.

O Canto Gregoriano

Parece simples, mas vale a pena nos aprofundarmos no universo da polifonia.

Os cantos gregorianos, melodias simples que durante séculos foram usadas nos cultos cristãos, são um típico exemplo de monofonia.

Neles não havia nada de polifonia.

Alma Redemptoris Mater. Canto Gregoriano. Execução dos Monges da Abadia de Ganagobie, França.

A peça acima é um exemplo típico de monodia ou monofonia, ou seja, uma música formada por uma melodia simples e isolada, sem qualquer acompanhamento.

Aqui não há polifonia.

Exemplo de música polifônica.

A peça que está no link abaixo é um exemplo típico de polifonia: música formada por várias melodias cantadas simultaneamente.

Filipe de Magalhães: Vidi Aquam. Conjumto Ars Nova, dirigido po Bo Halten.

Feita esta distinção, vamos agora saber como é que se faz uma música polifônica.

O desafio da polifonia: combinar sons simultâneos.

Voltemos ao século XVI. Num primeiro momento podemos mesmo pensar que a coisa era fácil: bastava criar algumas melodias e cantá-las todas ao mesmo tempo.

Isso não dá certo. Essas melodias podem ter notas que se chocam, gerando fortes dissonâncias.

É polifonia, porém esteticamente inaceitável pelos padrões do século XVI.

Ouça abaixo um exemplo muitíssimo interessante.

É uma peça do compositor barroco alemão Ignaz Franz von Biber, em que ele de propósito combina várias melodias que resultam em duras dissonâncias.

https://www.youtube.com/watch?v=v0ek8ihZOZQ
Biber: “A companhia dissoluta de todos os tipos de humor”, 2o. movimento da Suíte “Batalha”.

Como evitar as dissonâncias?

Prá que duas ou mais melodias combinem, resultando numa polifonia esteticamente aceitável, elas têm de ser compostas ao mesmo tempo, seguindo determinadas regras.

O compositor ia então examinando as combinações de notas simultâneas, uma a uma, para evitar essas dissonâncias mais fortes.

Vamos a um exemplo de Johann Sebastian Bach. Bach compôs uma série de peças polifônicas que ele chamou de Invenções.

São peças bem simples, criadas para servirem de estudo de cravo a seus filhos. São constituídas por duas melodias, uma para ser tocada pela mão direita e outra pela mão esquerda.

Um exercício muito bom para compreendermos o que é polifonia, é ouvir essas Invenções de Bach tentando separar as duas melodias na nossa cabeça.

J. S. Bach: Invenção No. 1 in C Major, BWV 772. Execução de János Sebestyén.

Imitação: um importante recurso da polifonia.

Nesta pequena peça podemos observar um importante conceito da múisca polifônica: é a “imitação”

A música começa com a mão direita tocando sozinha, e a mão esquerda logo em seguida toca a mesma melodia tocada pela direita.

A mão esquerda “imita” a direita. E esse é um procedimento muito comum na polifonia.

A imitação pode ser um elemento ocasional numa música polifônica, mas pode também acontecer num longo trecho ou até numa peça toda.

Uma melodia infantil francesa muito conhecida, Frére Jacques, é totalmente imitativa.

Cânone

Esse tipo de melodia polifônica, em que uma melodia imita a outra ipsis literis, chama-se canon, ou cânone em português.

Um exemplo de verdadeira obra prima do repertório clássico em que o “cânone” é usado , é o 4º movimento da sonata para violino e piano de César Franck. Trata-se de polifonia elaborada com grande maestria!

O violino e o piano estão em imitação perfeita. E essa imitação perfeita voltará no final da peça.

Quarto e último movemento da Sonata para violino e piano de César Franck’s violin.
Execução de Johannes Fleischmann ao violino e Philippe Raskin ao piano.

O auge da polifonia.

Embora eu tenha mostrado esses exemplos polifônicos de Cesar Franck, compositor do século XIX , e de Bach, que viveu no século XVIII, foi no século XVI que aconteceu o auge do estilo polifônico, e é para os compositores dessa época que devemos dirigir nossa atenção.

Uma peça musical polifônica é como uma corda. Se olhamos uma corda de longe, a vemos como um objeto sólido e denso; mas se a olhamos de perto, podemos ver que é formada por um perfeito entrelaçar de fios mais finos.

Imagem de uma corda simbolizando a polifonia.
Foto de Steve Norris por Pixabay.

Monges.

A polifonia do século XVI foi o resultado das pesquisas sonoras feitas durante séculos por monges amantes da música que viviam em mosteiros e tinham bastante tempo para seus estudos.

Monges medievais cantando. Os precursores da polifonia.
Monges cantando. Pintura medieval anônima.

Antes dessas pesquisas, toda a música produzida pelos seres humanos de todas as partes do planeta eram monofônicas, ou seja, feitas a partir de melodias simples.

Superpor melodias significa tocar duas ou mais notas ao mesmo tempo. E esse era o grande desafio: saber prever como resultaria a combinacão de duas ou mais notas.

Uma simples analogia.

Fica mais fácil entender se fizermos uma analogia com as artes visuais.

Todos nós desenhamos e pintamos na infância e aprendemos um pouco sobre combinacão de cores. Azul e amarelo resulta em verde. Vermelho e amarelo resulta em laranja.

O prisma das cores como em analogia às combinações de sons.
Imagem de Daniel Roberts por Pixabay.

Mas e quanto aos sons? Imagine que você está sentado frente a um teclado de um piano. Escolha duas teclas. Sem tocá-las, você será capaz de saber como será o resultado sonora dessa combinacão?

Quem não estudou música não é capaz de prever o resultado das combinacões de sons.

Por exemplo:

Um do e um mi tocados ao mesmo tempo resultam num som agradável, consonante.

Um do e um si tocados ao mesmo tempo resultam em um som duro, dissonante

Nós músicos sabemos isso hoje, mas durante quase toda a história da humanidade, ninguém sabia.

A escrita musical dos monges.

Os monges faziam suas experiências polifônicas cantando. O único instrumento de que dispunham era a voz.

Além disso, ainda não havia a escrita musical como conhecemos hoje.

Partitura moderna.
Foto de Kate Cox, por Pixabay.

As notas eram representadas por linhas e pontos.

Partitura medieval. Letra e Música.

Daí a expressão ponto-contra-ponto, que equivale a nota-contra-nota.

Polifonia é portanto um estilo em que o tecido musical é feito a partir de várias melodias tocadas simultaneamente.

E a técnica usada para se escrever música polifônica é o contraponto.7

Espero que esses conceitos tenham ficado claros!

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Saudações Musicais do Maestro J. M. Galindo.

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7 comentários em “Polifonia e Música Polifônica.”

  1. -Então a música que era composta no período gótico era monofônica?
    -E como ficavam os instrumentos da época, utilizados popularmente para acompanhar um cantor/a?
    – O urdigurdi pode ser considerado um instrumento polifônico?

    1. Olá Elmiro!
      O período gótico, no que se refere à arquitetura, corresponde ao início da música polifônica. É o período que em música chamamos de “Ars Nova”, e teve como principais expoentes os compositores da “Escola de Notre Dame de Paris”. A maioria deles ficou no anonimato. Temos apenas dois nomes: Leonin e Perotin. Dê uma olhada no youtube e vai encontrar obras deles. 
      Quanto aos instrumentos, eles eram usados na maioria dos casos para acompanhar o canto. Não existia ainda uma música puramente instrumental de alto valor artístico.
      Quanto ao “Urdigurdi”, não era um instrumento polifônico.
      Espero ter respondido a contento.
      Abraços do maestro! 
      J M Galindo

  2. Bom dia.
    Gosto muito de musica, principalmente Classica.
    Cesar Frank, Panis Angelicus nao me canso de ouvir e cantar.
    Cânone tambem acho super interessante a mistura de linha musical.
    Canto gregoriano eu ouvia na Igreja Sao Bento em Sao Paulo. Maravilhosa interpretacao.
    Parabéns por suas explicacoes didáticas e muito instrutivas.

  3. Como o Maestro sabe, sobejamente, CONTRAPONTO é a composição musical em que há 2 ou mais melodias (ou vozes) simultâneas, com a diferença de 1/2 tempo de entrada entre elas. J S Bach usou essa técnica, de maneira perfeita, com grande maestria, criando em suas peças um fraseado, um tecido de renda melódico admirável, com uma pluralidade de sons que somente a polifonia pode proporcionar.
    Uma pergunta, Maestro, pois estou com uma dúvida de leigo, que começou a estudar música e não terminou: em se tratando da denominada Santíssima Trindade da Música, como se classificaria a música de Mozart e Beethoven, em se sabendo que Mozart utilizou, em algumas de suas Peças, mormente as Líricas, o Contraponto? A Música desses dois “monstros” pode ser considerada Polifônica, mesmo sendo usado o Acorde e a Melodia e não tendo o Contraponto como estilo musical?

  4. Adorei sua explicação. Sou totalmente leigo no assunto. Estou lendo a Instrução Geral do Missal Romano, e ali cita a música sacra, em especial a polifonia e o gregoriano. Fiz uma busca no Google e caí neste seu maravilhoso texto. Aprendi sobre monofinia e polifonia de maneira simples e agradável, com os diversos exemplos que lincou do YouTube. Salvei nos favoritos seu site. Muito bom mesmo. Muito obrigado.

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