Debussy e o Oriente

Claude Debussy

No final do século XIX, o romantismo musical já mostrava sinais de desgaste. Embora muitos compositores de grande estatura tenham se mantido fiéis a ele até o começo do século XX, alguns outros procuravam por novas alternativas, na forma musical e na sonoridade.

Inspirar-se em fontes musicais que haviam por muito tempo sido excluídas da música europeia era um dos caminhos possíveis, e um compositor que percebeu isso com muita clareza foi o francês Claude Debussy.

Debussy começou a estudar piano com sete anos de idade, e logo demonstrou mostrou enorme talento. Poderia tranquilamente ter seguido com sucesso a carreira de pianista, mas apaixonou-se pela criação musical e decidiu tornar-se compositor.

Estudou no Conservatório de Paris, e escreveu suas primeiras peças com dezessete anos de idade, sempre contestando as normas acadêmicas. Não gostava de ópera italiana, flertou com o estilo de Wagner, mas logo o abandonou. Estava sempre à procura de sua personalidade como compositor.

Novas Sonoridades

Exposition Universelle de Paris 1889

Pois bem, caro leitor, uma das primeiras experiências que lhe abriu as portas para as novas sonoridades que procurava aconteceu em 1889 – portanto quando ele estava com 27 anos. A tal experiência aconteceu numa das visitas que ele fez à magnífica Exposição Universal realizada em Paris naquele ano.

Comemorava-se os cem anos da queda da Bastilha, símbolo do início da Revolução Francesa. De maio a outubro daquele ano, 32 milhões de pessoas visitaram as diversas atrações oferecidas, como a recém-construída Torre Eiffel, o Diamante Imperial, maior do mundo até então, exposição de locomotivas de última geração, shows diversos como uma representação do “Far West” norte-americano, e por aí afora.

Pois bem, com tudo isso, o que deixou Claude Debussy de boca aberta foi um conjunto musical vindo da Indonésia: um Gamelão!

Gamelão

O Gamelão é um grande conjunto formado basicamente por instrumentos de percussão, principalmente gongos e pratos dos mais variados tipos e tamanhos. E importante: não são afinados segundo os padrões europeus.

Debussy ficou encantado com o que ouviu, chegando a comentar que perto daquilo, os acordes ocidentais pareciam música de criança.

Esses sons da ásia marcaram o compositor para sempre; em 1903 ele iria compôr uma peça para piano chamada Pagodes, numa referência às habitações indonésias que levam esse nome.

Vamos começar nossa audição ouvindo e comparando uma autêntica peça de Gamelão da ilha de Java, com Pagodes, de Debussy.

Orquestra de Gamelão e dança tradicional de Ubud.
Estampes, L. 100: I. Pagodes · Noriko Ogawa.

Escalas

Pois bem, como eu disse há pouco, Debussy ainda muito jovem se encantou com a música de Liszt e Wagner, que era o que havia de mais moderno na 2ª metade do século XIX; contudo, esse encantamento logo se foi, e ele abriu-se para novas possibilidades.

A música de Gamelão trouxe vários elementos que ele passou a usar com frequência em várias obras. Por exemplo, a escala que chamamos de “pentatônica”, ou seja, de cinco notas. A escala básica ocidental, nossa velha conhecida, tem 7 notas, do re mi fa sol la si…

Outra escala que Debussy passou a usar com o objetivo de se afastar da sonoridade europeia foi a escala de tons inteiros.

Outro ponto interessante a ser notado, nessa busca pelo afastamento do romantismo musical, é o que lemos na partitura dessa peça, Pagodes. O próprio Debussy escreveu: “tocar quase sem nuance”.

Nuance, no jargão musical, se refere à intensidade de som. Assim, Debussy quer que a peça seja tocada praticamente no mesmo volume de som, sem “crescendos” ou “diminuendos”. Assim, a ênfase cai sobre os timbres, as cores sonoras, eliminando os excessos expressivos.

Outra informação: Pagodes é na verdade a 1º de uma sequência de três pecas. A 2ª se chama La Soirée dans Grenade, ou em português, a Noite em Granada.

Graças a essa escala, Debussy aqui também se afasta do padrão europeu. Granada, como sabemos, é a região da Espanha que talvez tenha retido a maior influência árabe da Península Ibérica.

Granada

O grande compositor espanhol Manuel de Falla disse sobre a peça: “Não há um único compasso nesta peça que tenha sido retirado do folclore espanhol, mas mesmo assim toda a composição, nos seus mínimos detalhes, retrata admiravelmente a Espanha.”

Vamos então ouvir “A Noite em Granada”, com Noriko Ogawa ao piano.

Estampes, L. 100: II. La soiree dans Grenade · Noriko Ogawa

Estilos

Duas obras em que Debussy consegue sem qualquer dúvida manifestar sua forte personalidade musical, transcendendo o estilo romântico, e conseguindo isso em grande parte pela utilização de elementos musicais não europeus.

A terceira e última peça da suíte chamada “Estampas” chama-se “Os Jardins sob a Chuva”. Esta não tem nenhum elemento não europeu, e procura descrever um jardim da cidade de Orbec, na Normandia, durante uma violenta tempestade. Há muitos elementos descritivos – o vento, os trovões, as gotas de chuva – entremeados com melodias folclóricas.

Na Idade Média, durante a expansão do Cristianismo, toda a música sacra era controlada pela Igreja de Roma; especialmente no período em que os árabes foram sendo expulsos da Europa, a sua música se foi com eles.

A influência árabe e manteve na obra dos grandes compositores espanhóis, como Granados ou Albeniz, e no leste europeu, a música folclórica foi admiravelmente trabalhada por Bela Bartok.

Argélia

Em 1908, quando estava com 34 anos, Holst viajou para a Argélia, por recomendação médica. Precisava de um clima menos frio. Essa viagem inspirou uma suíte para piano, formada por três peças. A 1ª peça ele chamou de Dança Oriental, a 2ª, simplesmente de Dança, e a 3ª, de “Nas Ruas de Ouled-Nail”. No início da 1ª peça podemos ouvir claramente a escala árabe…

A 2ª peça é bem mais sutil – a matéria prima oriental está bastante diluída na harmonia ocidental. E a 3ª peça, nas Ruas de Ouled-Nail, tem um título que precisa ser explicado. Ouled Nail é uma confederação de tribos árabes que vivem em montanhas da Argélia que têm o mesmo nome.

Essas tribos desenvolveram um estilo musical próprio, e uma variação específica da dança do ventre. Os dançarinos e dançarinas apresentavam-se com roupas e joias exuberantes, que chamava a atenção dos turistas.

Tudo isso está na música de Holst: uma base melodia sinuosa remete à dança do ventre, e a orquestração é exuberante como a indumentária dos dançarinos.

Não se trata, caro leitor, de música pitoresca, exótica, como as danças chinesas e árabes dos balés de Tchaikovsky. Aqui, os elementos musicais árabes são usados com verdadeira intenção de criar uma música nunca antes ouvida. Para o ano de 1908 era sem dúvida uma obra muito moderna.

Holst ‘In the Street of Ouled Nails’ (‘Beni Mora’ Oriental Suite)

Carl Nielsen

Como eu disse há pouco, vamos para os frios países do norte, e depois da Inglaterra rumaremos para a Dinamarca.

O mais célebre compositor dinamarquês foi Carl Nielsen, e também ele flertou com a música do oriente.

Esse trecho chama-se “O Mercado de Ispahan”, e faz parte da música que Nielsen compôs em 1919 para a peça teatral “Aladdin”.

Torvet i Isfahan (The Marketplace in Ispahan)

Aladdin

Nesta cena da peça, os personagens chegam ao mercado. Imagine que é você quem está lá, num grande mercado árabe ao ar livre. Imagine quantos pequenos grupos musicais estão distribuídos pela praça, tocando suas danças e canções. Você começa a ouvir um deles, e à medida que anda começa a ouvir outro.

Suas melodias antagônicas se misturam, e como isso não bastasse você começa a ouvir um terceiro grupo. Tudo parece virar uma cacofonia, quando se escuta um quarto grupo. À medida que vai caminhando a cacofonia vai se rarefazendo e tudo termina com a melodia do primeiro grupo.

Pois foi esse efeito inusitado que Nielsen procurou criar. Ele dividiu a orquestra em quatro grupos: o primeiro formado por instrumentos de sopro de madeira e um triângulo; o segundo formado pelas cordas; o terceiro por trompas, trompetes e tímpanos; e o quarto por dois flautins e um gongo.

Como vimos, Nielsen dividiu a orquestra em quatro grupos que superpõem quatro melodias completamente diferentes, que não se combinam, criando assim um efeito espacial, como se estivéssemos de fato caminhando pela praça do mercado.

Para encerrar, ouviremos a Dança de Negros, enérgica, contagiante, e com uma exuberante orquestração.

Nielsen: Aladdin – Concert Suite – 7. Negro Dance · Gothenburg Symphony Orchestra.

Essa foi a Dança de Negros, parte da trilha sonora da peça teatral Aladdin, escrita por Carl Nielsen em 1919.

Espero que tenha gostado deste post.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais do maestro J. M. Galindo.

Siga-nos! Dê seu like! Compartilhe! E Obrigado!!!
error
fb-share-icon

13 comentários em “Debussy e o Oriente”

  1. Seus posts nos fornecem uma grande de ensinamentos principalmente para mim que sempre me identifiquei com a era do Romantismo.
    Obrigado pelo “banho”de cultura musical.
    Abraços

  2. Maestro Galindo nos apresenta, contextualiza e exemplifica um precioso material pouco acessível. Seria necessário consultar varios livros para sintetizar esse o conteúdo desse artigo.
    Seu grande conhecimento permite fazer isso.
    Grato por compartilhar esse interessante tema.

    1. Obrigado, Sivolk! Fico feliz por ter notado a questão da síntese. Realmente, li muito durante as décadas passadas. E a síntese, e aprendi a fazer na Rádio Cultura. Um abraço!

  3. Maravilhoso,parabéns maestro belo trabalho,obrigado por me permitir entrar nessa nave da cultura,aqui estou acomodado na poltrona aguardando mais uma decolag

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *