Romantismo França & Itália

Muitos dos apreciadores de música de concerto têm a convicção de que o romantismo musical foi um fenômeno exclusivamente germânico. Em grande parte, é verdade; existem, contudo, outros componentes muito interessantes nesse caldo cultural que resultou no romantismo.

Um deles, que particularmente me encanta, é a interação entre as culturas francesa e italiana nesse período. A literatura francesa, bem como as ideias libertárias da Revolução, por exemplo, teve um papel muito importante no movimento romântico. E tão importante quanto, foi o extraordinário ambiente musical existente em Paris na primeira metade do século XIX.

Gioacchino Rossini

Naquela época, convergiram para a capital francesa muitos músicos de outros países, que mergulharam nessas águas agitadas do romantismo.

Entre eles, muitos mestres da ópera italiana, como Gioacchino Rossini, o célebre compositor que surgiu como um verdadeiro furacão no início do séc. XIX.

Rossini escreveu sua primeira ópera com apenas 18 anos de idade. Com 20 anos, conquistou fama internacional. Na Itália, algumas de suas melodias tornaram-se imensos sucessos populares.

O Barbeiro de Sevilha

Com 24 anos compôs seu maior sucesso, “O Barbeiro de Sevilha”. Quando estava com 30 anos, já rico e famoso, encontrou-se com ninguém menos que Beethoven. O mestre alemão estava com 51 anos e completamente surdo. Comunicaram-se por bilhetes. Num deles Beethoven escreveu:

“Ah, então você é o compositor da ópera “Barbeiro de Sevilha? Parabéns! Ela será tocada sempre, enquanto a ópera italiana existir. Nunca tente escrever nada diferente da ópera buffa, seria algo contrário à sua natureza.”

Rossini, ainda muito jovem, criou algumas convenções melódicas que o levaram a um enorme sucesso popular. Graças a isso ganhou muito dinheiro, mas ao mesmo tempo tornou-se, de certo modo, escravo de sua criação.

Como músico de sólida formação e imenso talento que era, procurava por algo mais. Não queria, como Beethoven havia aconselhado, continuar repetindo as mesmas fórmulas da ópera buffa.

Na Itália não havia ambiente para inovações. Vejam esse exemplo: na sua ópera Otello, que não era buffa, mas sim uma ópera séria, o final trágico teve de ser trocado por um absurdo final feliz, apenas para agradar ao público de Roma. Seria fora da Itália que Rossini encontraria um ambiente propício para ousar, e é nesse ponto que a França entra em sua vida.

Guilherme Tell

A popularidade de Rossini na França era enorme. O Rei Charles X lhe ofereceu um generoso contrato para produzir óperas em Paris; e lá ele escreveu sua obra mais inovadora: Guilherme Tell.

Nessa obra Rossini finalmente se liberta das convenções que o aprisionavam; e certamente estava com o espírito transbordando de novas ideias, pois criou uma ópera gigantesca, com cerca de 4 horas de duração. Quatro horas de música de primeira qualidade, que apontou para um novo caminho na história da ópera.

Rossini: William Tell / Act 4: “Ah.. non mi lasciar, o speme di vendetta”

Resumindo, em Paris Rossini pôde se libertar das convenções musicais que haviam garantido seu sucesso na juventude, e criar uma obra inovadora, que apontava para novos rumos. Contudo, uma surpresa: após a criação de Guilherme Tell, Rossini interrompeu sua carreira. Tinha 38 anos de idade, e viveria mais 40. Nunca mais escreveria uma ópera.

Ele poderia ter mergulhado nas águas do romantismo, o que vale dizer, criar com liberdade total, sem se preocupar em fazer sucesso, obedecendo unicamente ao seu espírito criador, como fizeram Beethoven ou Berlioz. Se não tivesse parado, teria talvez se tornado o criador da ópera italiana romântica…

Gaspare Spontini

Outro compositor italiano que viveu em Paris, mas que está hoje completamente esquecido, foi Gaspare Spontini. Ele era 18 anos mais velho que Rossini, e foi contemporâneo de Beethoven.

Vivendo em Paris, Spontini, como Rossini, pôde desenvolver um estilo afastado das convenções da ópera italiana de seu tempo, tendo se tornado um dos mais importantes compositores de ópera francesa, nas duas primeiras décadas do século XIX.

Compôs mais de 20 óperas; a mais célebre é La Vestale, estreada em 1807. Eu cito la Vestale porque essa ópera foi muito elogiada por dois grandes românticos: Hector Berlioz e Richard Wagner. É, portanto, considerada uma precursora do romantismo.

La Vestale – Prayer: O des infortunes

Vincenzo Bellini

Em seguida, teremos um outro compositor italiano que esteve em Paris entre os anos de 1833 e 1835: Vincenzo Bellini. Com Bellini não falamos mais em “precursor da ópera romântica italiana”; estamos já em pleno romantismo.

Bellini foi o grande mestre daquilo que se convencionou chamar de “Bel Canto”: uma expressão cujo significado pode variar muito, mas que no caso dele se refere a longas e delicadas melodias, em oposição ao estilo de canto que surgiria com Giuseppe Verdi, mais pesado e dramático.

Abaixo um belo exemplo, que, melhor do que palavras, vai nos mostrar o que é o bel canto Belliniano. Antes dele, porém, vai uma citação que eu considero muito interessante. São as palavras que um professor de Bellini teria dito a seu jovem pupilo:

“Se suas composições “cantarem”, sua música vai certamente agradar… Portanto, se você treinar seu coração para lhe dar melodias, e se você as vestir tão simplesmente quanto possível, o seu sucesso será garantido. Você vai se tornar um compositor. Caso contrário, você vai acabar sendo organista em alguma aldeia…”

Bellini aprendeu a lição e se tornou um dos maiores melodistas de todos os tempos. Foi durante sua estada em Paris que ele compôs uma de suas obras-primas: a ópera I Puritani.

I puritani: Qui la voce sua soave

Morte prematura

Bellini morreu em Paris, com apenas 33 anos de idade, vítima de uma infecção intestinal. Poucos meses antes, sua ópera I Puritani havia estreado com imenso sucesso. E também poucos meses antes, Bellini havia estado em um jantar onde conhecera o célebre poeta alemão Heinrich Heine, que lhe disse:

“Você é um gênio, Bellini, mas você pagará pelo seu imenso dom com uma morte prematura. Todos os gênios morrem muito cedo, como Rafael ou Mozart.”

Logo depois da morte de Bellini, Rossini, que também vivia em Paris, reuniu um comitê de músicos parisienses para levantar fundos a fim de criar um monumento em sua memória.

Gaetano Donizetti

Paris, primeiras décadas do século XIX; ópera romântica italiana; bel canto; tudo isso nos leva também a Gaetano Donizetti.

Donizetti deixou a Itália e fixou-se em Paris quando estava com 40 anos, profundamente insatisfeito com o Rei de Nápoles, que havia proibido a execução de uma de suas óperas. Essa ópera, chamada Poliuto, foi adaptada para a língua francesa e apresentada em seguida em Paris, com sucesso.

O italiano Donizetti iniciava-se na tradição da Grande Ópera francesa. Em seguida ele escreveria uma nova ópera, esta já sobre um libretto em francês: La fille du Regiment, ou “A Filha do regimento”; e teria uma de suas obras primas traduzidas para a língua francesa: Lucia di Lammermoor.

Lucia di Lammermoor

Donizetti escreveu essa obra 3 anos antes de ir para Paris, período em que sua reputação como compositor atingia o auge. Bellini tinha acabado de falecer, e Rossini já decidira parar de compor. Donizetti reinava sozinho como o maior compositor de ópera italiana.

Lucia de Lammermoor contém a célebre cena da loucura, profundamente dramática, e de extrema dificuldade para a solista. O texto é baseado numa novela do escocês sir Walter Scott.

Lucia é uma aristocrata apaixonada por Edgardo, um jovem membro de uma família rival. Sua família não aceita o romance, e Lucia é obrigada a casar-se com outro homem. Na noite de núpcias, no leito nupcial ela assassina seu marido, e em seguida enlouquece. Lucia morre e seu amado Edgardo se mata, esperando encontrá-la no paraíso. Na música, é notável como Donizetti descreve as mudanças de estado mental de quem está enlouquecendo.

Lucia di Lammermoor: Il dolce suono (‘Mad Scene’)

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Saudações Musicais!

Liszt e a Música Sacra

Retrato de Franz Liszt (1811-1886) pot Henri Lehmann

Uma personalidade fascinante por suas contradições, Liszt tinha um lado fortemente ligado às coisas terrenas – inúmeros casos amorosos, fascínio pela música dos ciganos – e uma premente necessidade de desenvolvimento espiritual.

Várias vezes durante sua vida pensou seriamente em tornar-se padre, chegando mesmo, na velhice, a receber as ordens menores da Igreja Católica.

Durante os últimos anos de sua vida, Liszt ocupou-se principalmente de música sacra.

O Sacro e o Profano

Alphonse de Lamartine por Théodore Chassériau

Aos dez anos de idade Liszt mudou-se de uma pequena cidade no interior da Hungria para Viena, a capital do império austro-húngaro, onde estudou piano com Czerny e composição com Salieri. Lá deu seu primeiro concerto público, com grande sucesso, pouco depois de ter completado 11 anos.

No ano seguinte mudou-se para Paris, continuando seus estudos de piano e composição. Suas primeiras composições foram obras virtuosísticas para piano, baseadas em melodias extraídas de óperas de Rossini e Spontini. Virtuosismo e entretenimento. Mas logo ele iria começar a escrever peças mais sérias, e em 1834, quando tinha 23 anos, escreveu finalmente uma obra que demonstrava sua maturidade e personalidade: as Harmonias Poéticas e Religiosas.

Não se trata de uma obra de música sacra tradicional, feita para ser tocada em um culto ou serviço religioso; é uma peça para piano solo, e não há nenhum texto religioso para ser cantado. Mas é interessante como Liszt, ao escrever sua primeira obra pessoal, procura olhar para os dois universos de sua personalidade, o sacro e o profano.

A obra é inspirada em uma coleção do poeta francês Lamartine, que viveu entre 1790 e 1869, e cujas obras exerceram um papel importantíssimo no desenvolvimento do Romantismo em toda a Europa.

Harmonias Poéticas e Religiosas

Quem ouve a peça de Liszt sem prestar muita atenção pode ter a impressão de que se trata de um pianista improvisando. Durante a maior parte dela não há um ritmo definido, as suas diferentes seções não são repetidas, nem desenvolvidas. Procuram levar o ouvinte a diferentes estados de espírito, talvez do mesmo modo como faria a leitura de um poema – ou deste poema de Lamartine, em particular.

Mas por entre as fibras dessa mutação musical constante há uma pequena célula que sempre retorna. É ela que dará alguma unidade à peça, fazendo uma espécie de contrapeso para essa liberdade improvisória.

Liszt – Harmonies poétiques et religieuses, S154 (Dráfi)

Caso procure adquirir um CD com a obra acima, poderá encontrar uma outra obra, completamente diferente, muito mais longa, com cerca de uma hora de duração. É que Liszt compôs, 13 anos mais tarde uma outra obra com o mesmo título.

Música Religiosa

Il Concerto di Natale nella Basilica di Sant’Anastasia FOTO BRENZONI

Vamos à música sacra de Liszt, em senso estrito. A primeira peça do gênero que ele escreveu foi um Tantum Ergo, cuja partitura se perdeu. Tinha 11 anos. Ou seja, desde cedo esse gênero tomava sua atenção.

Mas a produção de música religiosa tomou um real impulso a partir dos seus 30 anos de idade, escrevendo um grande número de obras, desde grandes oratórios, até pequenos motetos, para voz solista acompanhada, coro sem acompanhamento, coro e órgão e coro e orquestra.

Liszt tinha objetivos muito claros, e queria mesmo provocar uma revolução na música sacra de seu tempo, que ele considerava constrangedoramente sentimental.

Defendia substituir a “emoção barata” por uma verdadeira introspecção religiosa. Liszt dizia que “se as palavras não são suficientes ou adequadas para conduzir o verdadeiro sentimento religioso, a música lhes transfigura e lhes dá asas”.

Canto para o Sol de São Francisco de Assis

O “Canto para o Sol de São Francisco de Assis” é outra obra notável. Há duas versões dela, uma para barítono e orquestra e outra para barítono e órgão. É esta segunda:

Liszt: Canto do sol

Christus

Vejamos agora o oratório Christus, uma obra gigantesca, que dura mais de duas horas e meia.

Ela é dividida em três grandes partes: a 1ª é um oratório de Natal, ou seja, trata do nascimento de Jesus, a 2ª refere-se a algumas passagens de sua vida, e a 3ª é a paixão, sua morte e ressureição.

O célebre filósofo alemão Friedrich Nietzsche, ao ouvir um trecho da obra, em 1867, declarou que Liszt havia encontrado o caráter da excelência do Nirvana.

I. Weihnachts-Oratorium: No. 2 Pastorale und Verkündigung des Engels
III. Passion und Auferstehung: No. 13 O filii et filiae (Easter Hymn)
III. Passion und Auferstehung: No. 14 Resurrexit

Nessa obra gigantesca e admirável, Liszt procurou unir o mais refinado artesanato musical com verdadeira devoção religiosa. Para quem gosta de música sacra fica aqui a dica de conhecer a obra na íntegra. É uma tarefa para se fazer aos poucos, pois são 2 horas e 40 minutos de música, que resumem toda a vida de Jesus Cristo.

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Carnaval

Existe música clássica de carnaval?

De início podemos pensar que a música de concerto e a esta festa extremamente popular não têm absolutamente nada a ver, mas pesquisando um pouco descobrimos que isso não é verdade.

Há, sim, no repertório erudito várias obras importantes que se referem ao Carnaval.

Nós brasileiros nos sentimos tentados a achar que o nosso carnaval é uma festa única, diferente de tudo que se faz no mundo. Contudo, por mais que o carnaval do Brasil seja mesmo muito especial, não devemos nos esquecer de que ele é uma festa universal e muito, muito antiga.

Saturnália

Suas origens são pré-cristãs. Alguns estudiosos acham até que elas remontam aos bacanais romanos; outros vão além, associando-o a festas em louvor a deuses egípcios, que teriam sido importadas pelos romanos.

Em Roma havia uma festa chamada Saturnália, em que um carro na forma de um barco desfilava em meio a uma multidão que usava máscaras e fazia muitas brincadeiras. São elementos que nosso carnaval mantem até hoje.

Carnaval Romano

Caricatura de Berlioz

“Carnaval Romano”, do compositor francês Hector Berlioz, é uma abertura sinfônica pura, ou seja, não foi composta para abrir uma ópera ou ballet, mas como peça de concerto independente. Foi escrita em 1843 e executada pela primeira vez em 1844.

Ela leva esse nome porque Berlioz utilizou nela temas de uma outra obra sua, a ópera Benvenuto Cellini, na qual há uma cena de carnaval. O tema principal pertence justamente a esta cena.

Ela começa com um impetuoso ritmo de tarantella, mas logo surge uma longa melodia lenta dedicada ao corne-inglês. Apesar desta melodia em particular ser melancólica, a abertura tem um tom geral bastante alegre, terminando esfuziantemente, e justificando plenamente a fama que Berlioz tem de ser um dos melhores orquestradores de todos os tempos.

Berlioz: Le carnaval romain ∙ hr-Sinfonieorchester ∙ Alain Altinoglu

Roma à Idade Média

Enquanto a religião cristã se expandia pela Europa, alguns papas procuraram combater os festejos romanos. Outros foram mais tolerantes, talvez intuindo que seria melhor permitir que tais festas existissem para em seguida iniciar-se um período de recolhimento: a quaresma.

A quaresma se estabeleceu definitivamente no ano de 1091, e em consequência disso estabelece-se também o Carnaval.

Com o Renascimento, no século XVI, surgem os bailes de máscaras, as fantasias e os carros alegóricos. Isso se mantém até hoje em diversos locais, sendo célebres as festas em Veneza, na Alemanha, Espanha, e na França, onde o carnaval costuma ser chamado de Mardi Gras, ou terça-feira gorda.

Natureza, Vida e Amor

No século XIX, o compositor tcheco Antonin Dvorak trabalhou com o tema “Carnaval” de uma maneira muito e interessante.

Ele concebeu um tríptico, sendo cada peça uma abertura sinfônica, que chamou de “Natureza, Vida e Amor”.

Antonin Dvorak

A primeira das obras, opus 91, Dvorak deu o nome de “Em meio à natureza”. Sua ideia era referir-se à natureza como manifestação direta de Deus.

Em seguida contrapõe-se a ela a vida humana, e para essa peça Dvorak escolheu o título de Carnaval. Estão aqui o divino e humano justapostos. Finalmente, a terceira peça, opus 93, que se refere ao amor, Dvorak deu o nome de Otelo, numa referência ao fantástico drama de Shakespeare.

Embora a rigor essas três obras sejam em verdade poemas sinfônicos brilhantemente organizados em um tríptico, elas são, como eu disse, habitualmente tocadas em separado. Neste caso, costuma-se chamá-las de Aberturas.

Momoprecoce

Falando sobre o Carnaval na música de concerto, não poderíamos deixar de mencionar algum autor brasileiro. Villa-Lobos faz referência a esta grande festa com “Momoprecoce”, para piano e orquestra, composta em 1929.

Mas se falamos de Momoprecoce, temos antes que falar de uma outra obra de Villa-Lobos, uma suíte de 8 pequenas peças para piano intitulada “Carnaval das Crianças Brasileiras”. Ela retrata um pequeno bloco carnavalesco composto por crianças fantasiadas.

A primeira é O Ginete do Pierrozinho; descreve um pierrozinho cavalgando seu cavalinho de madeira. Em seguida, o menino fantasiado de dominó se diverte com seus guizos barulhentos. São Os guizos do Dominozinho. No final, várias crianças fantasiadas saem em bloco: é a “Folia de um bloco Infantil”.

A obra foi escrita em 1920, e em 1929 Villa-Lobos retrabalhou todos os seus temas para criar uma outra obra de grande envergadura, um verdadeiro concerto para piano e orquestra que se tornaria uma de suas mais tocadas obras sinfônicas.

Batizou-a de “Momoprecoce” que viria a ser gravada por muitos pianistas de todo o mundo.

Villa-Lobos – Momoprecoce – Fantasia para Piano – Parte 2 – Cristina Ortiz e Roberto Tibiriçá

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A Percussão na Orquestra

Percussão na orquestra: demorou…

O assunto deste artigo é a  presença dos instrumentos de percussão na orquestra sinfônica.

A primeira coisa a saber é que demorou bastante para que a percussão se integrasse definitivamente à orquestra.

Se fizermos uma rápida pesquisa, veremos que durante um bom tempo, as obras sinfônicas eram feitas usando-se apenas instrumentos de cordas e de sopro.

Muitas obras consagradas escritas para orquestra não usam nenhum instrumento de percussão. 

É o caso de qualquer sinfonia, concerto ou abertura de Mozart, Haydn, Beethoven, Schumann, e tantos outros.

Ludwig van Beethoven.
Sinfonia.
Orquestra.
Percussão.
Ludwig van Beethoven

Porque a percussão entrou tão tarde na orquestra?

Qual motivo teria levado os primeiros grandes sinfonistas como Mozart e Haydn a usarem a percussão com tanta parcimônia na música de orquestra?

Será que naquela época os instrumentos de percussão ainda não existiam?

Não, caros leitores. Os instrumentos de percussão são muito antigos, ainda mais antigos que os instrumentos de cordas e de sopro. 

Já na antiguidade os instrumentos de percussão eram usados amplamente na música de dança das cortes.

Percussão.
O uso do tambor na música da antiguidade. Detalhe do Quadro The Dance of Herodias’ Daughter, New York Public Gallery.

Música para dançar, música para ouvir

Contudo, com o passar dos séculos, foi  sendo criado um tipo de música não para ser dançada, mas para ser apenas ouvida, como a sonata ou a sinfonia.

Era música com harmonia e o contraponto cada vez mais sofisticados, de modo que os compositores decidiram usar cada vez menos a percussão. 

Afinal, a percussão contínua, marcando um ritmo constante, encobriria as nuanças do tecido musical.

Não é difícil entender que se colocarmos uma percussão contínua, como uma bateria, acompanhando o delicado tecido sonoro de uma sinfonia de Mozart, todas essas sutilezas desaparecerão, soterradas pelo som percussivo.

Exemplo destruidor…

É o que acontece numa célebre versão da Sinfonia 40 de Mozart, dirigida pelo maestro Waldo de los Rios, que fez um sucesso estrondoso nos anos 70.

Quando foi lançada, décadas atrás, esta gravação de Waldo de los Rios teve o mérito de atrair muitas pessoas para a música de Mozart. 

Por outro lado, ela destrói muitas idéias do autor, delas sobrando apenas a melodia mais aguda, desaparecendo todas as sutis figuras de acompanhamento.

Então, na escrita sinfônica do século XVIII, a percussão era usada com moderação justamente para não esconder essas sutilezas.

Assim, a parcimônia com que os instrumentos de percussão eram usados era fruto de opções estéticas.

Percussão e energia

Mas essa moeda tinha um outro lado, pois havia momentos em que as cordas e os sopros, sozinhos, não eram capazes de fornecer toda a energia sonora que o compositor desejava.

Então, aqui e ali, nos momentos especiais de grande energia, os compositores usavam a percussão, mas não para marcar um ritmo contínuo, como acontece na música popular de hoje.

A percussão era usada para reforçar os sons graves e fornecer mais peso à orquestra em determinadas passagens. 

Os tímpanos

Para esse objetivo, os melhores instrumentos eram, indiscutivelmente, os tímpanos.

Típico comjunto de tímpanos de uma orquestra moderna. (Wikimedia Commons)

Os tímpanos são tambores, mas não  tambores comuns. 

São tambores afináveis. Explicando melhor: muitos tambores comuns produzem sons indeterminados, ou seja, não podem tocar as notas musicais, do, re, mi, fa, etc. 

Mas os tímpanos podem!

Então, no estilo sinfônico que nasceu no século XVIII os compositores utilizavam percussão com notas definidas, ou seja, uma percussão melódica.

Ela servia para reforçar os instrumentos graves, como violoncelos e contrabaixos, nos momentos mais intensos.

Um pioneiro: Joseph Haydn

Na mão de compositores de 1ª grandeza, como Joseph Haydn, os tímpanos podiam ser usados também em efeitos especiais.

É o caso da Sinfonia nº 103, deste compositor,   que tem o apelido de “rufar dos tímpanos”. 

Aqui Haydn já começa a procurar novas maneiras de utilizar os tímpanos, reservando a eles momentos em que atua como solista.

Aliás, Haydn, que era um compositor de grande criatividade, foi um dos primeiros a ir além dos tímpanos, utilizando outros instrumentos de percussão no tecido orquestral. 

Percussão militar

Um bom exemplo está na sua sinfonia nº 100, em que ele usou triângulo, bombo e pratos.

O triângulo todos conhecem; é um instrumento pequeno, aparentemente sem grandes recursos.

Triângulo. Foto de Karolina Grabowska no Pexels

O bombo sinfônico, também conhecido como Gran Cassa, ou Grande Caixa,é aquele tambor enorme, de som gravísimo, que  muita gente, de brincadeira,  chama de “Treme-terra”.

Percussão. Orquestra. Bombo.
Gran Cassa ou Bombo Sinfônico. Wikimedia Commons.

E os pratos usados por Haydn eram os pratos de choque: o músico segura um deles em cada mão, batendo um no outro.

Percussão. Orquestra. Pratos.
Pratos de choque usados em orquestras. Wikimedia Commons.

Percussão e cor

Estes eram, na época, instrumentos de percussão típicos das bandas militares, mas Haydn achou um jeito de utilizá-los criativamente em uma orquestra.  

Eles  não foram usados como um suporte rítmico constante e repetitivo, mas para produzir timbres inusitados para a época; ou cores, como nós músicos costumamos dizer.

É interessante notar que Haydn os introduziu no movimento lento da Sinfonia!

Franz Liszt

Nesta busca por  novos timbres ou cores na orquestra através do uso dos instrumentos de percussão, um dos exemplos mais interessantes vem do compositor húngaro Franz Liszt. 

No 3º e 4º movimentos de seu 1º concerto para piano e orquestra, Liszt dá um grande destaque ao triângulo, elevando esse humilde instrumento quase à condição de solista na orquestra.

Assim, durante o desenrolar do século XIX,  os compositores cada vez mais exploraram os instrumentos de percussão, mas sempre com a idéia de acrescentar energia e cores ao som da orquestra.

Rimsky-Korsakov

Muitos exemplos magníficos  existem, e diante de tantas opções, achei que não poderia faltar o compositor que foi  um dos maiores orquestradores da época: Nikolai Rimsky-Korsakov.

Em seu  Capricho Espanhol,  não poderiam  faltar as castanholas, e outros instrumentos de percussão. 

Como sempre, deixo abaixo links do youtube para todas as obras que eu citei neste texto.

Clique divirta-se, ouvindo-as!

Saudações Musicais do maestro João Mauricio Galindo.

Mozart: Sinfonia No. 40 in G minor, K550, primeiro movimento, resumido. Waldo de los Rios.
Mozart: Sinfonia No. 40 in G minor, K550, primeiro movimento. The London Mozart Players
Joseph Haydn. Sinfonia no. 103, 10. movimento. Orquestra de Câmara da Europa. Claudio Abbado, regente.
https://www.youtube.com/watch?v=6RmwapsXnrg
Joseph Haydn. Sinfonia no. 100, “Militar”, 2o. movimento. Orquestra Filarmônica de Varsóvia.
Franz Liszt. Concerto para piano e orquestra no. 1. Sergio Tiempo, piano. Kazufumi Yamashita, regente. Century Orchestra Osaka
Rimsky-Korsakov. Capricho Espanhol. Orquestra Filarmônica de Berlim. Zubin Mehta, regência.

Mozart e o Classicismo

Muitos musicólogos divergem sobre a definicão desse estilo, mas convergem em um ponto: a obra de dois compositores austríacos são seu grande paradigma, o grande modelo. São eles Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart.

Música clássica: nove sinfonias de Haydn que precisa de ouvir
Joseph Haydn (1832-1809)
Wolfgang Amadeus Mozart: músicas com letras e álbuns | Ouvir na Deezer
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)

Classicismo e Mozart: uma síntese

Os clássicos como Haydn e Mozart fizeram uma síntese de tudo o que acontecia em sua época: o contraponto, que já estava em desuso e remetia ao fim do barroco; o onipresente estilo galante; o estilo sensível; e o sturm und drang -Tempestade e Estresse em português.

Fazendo essa síntese, eles lançaram mão de um ingrediente fundamental: o equilíbrio! – nem o extremo racionalismo da música contrapontística, nem a frivolidade do estilo galante; nem os excessos emocionais do estilo sensível ou do sturm und drang.

Exagerado.

Para entender bem o que foi esse equilíbrio na música do século XVIII, nada como observarmos o oposto.

Clicando no link abaixo você poderá ouvir uma peça de um compositor cujo estilo era considerado “exagerado” por W A Mozart: Anton Schweitzer, alemão que vivweu entre 1735 e 1787. De Schweitzer, a abertura da ópera Alceste.

Concerto Köln. Regente: Michael Hofstetter

Esta peça, caro ouvinte, é uma típica abertura em estilo francês do século XVII, mas foi escrita no final do século XVIII, em 1773. Era algo completamente fora de moda.

Sobre esse compositor Mozart escreveu: “sua música não é natural, tudo nele é exagerado”

Mozart, Moderação

Segundo o musicólogo Daniel Heartz, Mozart recorrentemente ressaltava as virtudes da moderacão, que para ele eram o fio que permitia que os pensamentos musicais se sucedessem com naturalidade.

Talvez essa seja, caro leitor, uma das melhores definições do assim chamado “Classicismo Vienense”.

Para conferir este equilíbrio eu sugiro ouvir o 1º movimento da Sinfonia nº 36, de Mozart, apelidada de Sinfonia “Linz”.

Nesta peça nada é exagerado, nada é “over”, para falar na linguagem da moda. Quando parece que a emocão ou a energia vai transbordar, Mozart a contém e introduz algo de novo.

Scottish Chamber Orchestra. Regente: Sir Charles Mackerras.

Nada de Monotonia.

Este 1º mov da Sinfonia nº 36 de W A Mozart, é uma obra basicamente em estilo galante, mas que nunca cai em monotonia, sempre deixando o pêndulo oscilar para momentos de grandiosidade ou intimismo, mas nunca com exagero.

Para não ficarmos só no campo da Sinfonia, vamos mudar de gênero, indo agora para um concerto de Mozart.

Escolhi como exemplo o 1º movimento do seu Concerto nº 23, em Lá maior.

Este é em minha opinião uma absoluta obra-prima em se tratando de equilíbrio e bom gosto.

Pense em uma viagem…

Já aconteceu com vc, caro leitor, de fazer uma viagem, e na volta, chegando em casa, se sentir cansado e dizer: ufa, finalmente de volta. Isso é muito comum, não é? A praia estava ótima, o restaurante também, a companhia idem, mas quando chegamos em casa é um alívio.

E o contrário? Vc está chegando em casa, e tem aquela sensação de perfeição: a viagem não foi longa demais nem curta demais, nem cansativa. É bom estar de volta, e tudo parece ter sido perfeito.

Pois é isso o que eu sinto quando ouço essa peça.

Deguste cada segundo desta obra de Mozart, e depois me diga se você concorda comigo.

Vladimir Horowitz. Orquestra do La Scala de Milão. Regente: Carlo Maria Giulini.

Emoções.

Pois bem, um leitor pode perguntar: mas Mozart nunca se deixou levar por emoções mais fortes?

Aqui e ali, podemos sim observar essa tendência. Nas sinfonias há apenas um exemplo, a Sinfonia nº 25.

Esta é a única sinfonia de Mozart que se aproxima do estilo sturm und drang, e justamente por ser a única muitos estudiosos advogam que se trata de uma exceção, de um ponto fora da curva em sua produção sinfônica.

Nela, Mozart teria usado os elementos Sturm un Drang como um tempero, um flavorizante especial, nos momentos em que achava necessário.

Clicando no link abaixo, você ouvirá o seu 1o. movimento.

Academy of Sanit-Martin-in-the-Fields. REgente: Neville Marriner.

Minueto grotesco.

Outro exemplo interessante é o 3o. movimento desta mesma sinfonia, um minueto.

Mozart definiu um começo estranho, quase grotesco, muito estranho para uma dança que deve ser elegante. Isso é típico do estilo sturm und drang: chocar o ouvinte.

Mas na parte central da peça o que temos é o mais puro e genuíno estilo galante.

Clique no link abaixo para ouvi-lo.

Academy of Sanit-Martin-in-the-Fields. REgente: Neville Marriner.

Música de Câmara

Vamos agora para a música de câmara de Mozart, com uma peça que eu considero muito especial: o quinteto de cordas em do menor, índice Koechel 406.

O seu 1º movimento tem, em minha opinião, o pé bem fincado no Sturm und Drang: tonalidade menor, ritmo pulsante, harmonias e melodias apaixonadas, momentos de impacto, com grandes silêncios.

Uma peça envolvente, mas …. como sempre, no caso de Mozart …muito equilibrada!

Quarteto Amadeus e Cecil Aranowitz.

Esta é uma obra forte, marcada por elementos do estilo sturm und drang , mas subordinados à mais perfeita ordem e equilibrio classicos …. e porque não dizer …. Mozartianos.

Até a próxima postagem!

Claude Debussy: o 1o. moderno.

No final do século XIX, o romantismo musical já mostrava sinais de desgaste. Embora muitos compositores de grande estatura tenham se mantido fiéis a ele até o começo do século XX, alguns outros procuravam por novas alternativas, na forma musical e na sonoridade.

Inspirar-se em fontes musicais que haviam por muito tempo sido excluídas da música européia era um dos caminhos possíveis, e um compositor que percebeu isso com muita clareza foi o francês Claude Debussy.

Impressionismo Debussy Arabesque Clair de Lune

Debussy começou a estudar piano com 7 anos de idade, e logo demonstrou enorme talento. Poderia tranqüilamente ter seguido com sucesso a carreira de pianista, mas apaixonou-se pela criação musical, e decidiu tornar-se compositor.

Estudou no Coservatório de Paris, e escreveu suas primeiras peças com 17 anos de idade, sempre contestando as normas acadêmicas. Não gostava de ópera italiana, flertou com o estilo de Wagner, mas logo o abandonou. Estava sempre à procura de sua personalidade como compositor.

Uma das primeiras experiências que lhe abriu as portas para as novas sonoridades que procurava aconteceu em 1889 – portanto quando ele estava com 27 anos.

A tal experiência aconteceu numa das visitas que ele fez à magnífica Exposição Universal realizada em Paris naquele ano.

Paris França Torre  Eiffel

Comemoravam-se os 100 anos da queda da Bastilha, símbolo do início da Revolução Francesa. De maio a outubro daquele ano, 32 milhões de pessoas visitaram as diversas atrações oferecidas, como a recém construída Torre Eiffel, o Diamante Imperial, maior do mundo até então, exposição de locomotivas de última geração, shows diversos como uma representação do “Far West” norte-americano, e por aí afora.

Pois bem, com tudo isso, o que deixou Claude Debussy de boca aberta foi um conjunto musical vindo da Indonésia: um Gamelão!

Gameção Música Oriental

Pixabay

O Gamelão é um conjunto formado basicamente por instrumentos de percussão, principalmente gongos e pratos dos mais variados tipos e tamanhos. E importante: não são afinados segundo os padrões europeus.

Debussy ficou encantado com o que ouviu, chegando a comentar que perto daquilo, os acordes ocidentais pareciam música de criança.

Esses sons da ásia marcaram o compositor para sempre; em 1903 ele iria compôr uma peça para piano chamada Pagodes, numa referência às habitações indonésias que levam esse nome.

É uma peça encantadora. Vale a pena ouvi-la!

Como eu disse há pouco, Debussy ainda muito jovem encantou-se com a música de Liszt e Wagner, que era o que havia de mais moderno na 2ª metade do século XIX; contudo, esse encantamento logo se foi, e ele abriu-se para novas possibilidades.

A música de Gamelão trouxe vários elementos que ele passou a usar com freqüência em várias obras.

Por exemplo, a escala que chamamos de “pentatônica”, ou seja, de cinco notas.

É diferente da escala básica ocidental, nossa velha conhecida, tem 7 notas, do re mi fa sol la si…

“Pagodes”, a peça que você pode ouvir clicando no link acima faz uso dessa escala.

Outro ponto interessante a ser notado, nessa busca pelo afastamento do romantismo musical, é o que lemos na partitura dessa peça.

O próprio Debussy escreveu: “tocar quase sem nuance”.

Nuance, no jargão musical, se refere à intensidade de som. Assim, Debussy quer que a peça seja tocada praticamente no mesmo volume de som, sem “crescendos” ou “diminuendos”, de modo que a ênfase cai sobre os timbres, as cores sonoras, eliminando os excessos expressivos.

Outra informação: Pagodes é na verdade a 1º de uma seqüência de três pecas, uma suíte intitulada “Estampes”.

A 2ª se chama La Soirée dans Grenade, ou em português, a Noite em Granada, em que temos o uso da escala árabe:

Graças a essa escala, Debussy aqui também se afasta do padrão europeu. Granada, como sabemos, é a região da Espanha que talvez tenha retido a maior influência árabe da Península Ibérica. O grande compositor espanhol Manuel de Falla disse sobre a peça: “Não há um único compasso nesta peça que tenha sido retirado do folclore espanhol, mas mesmo assim toda a composição, nos seus mínimos detalhes, retrata admiravelmente a Espanha.”

Clique abaixo para ouvi-la.

Felix Buchmann, piano.

A 3ª e última peça da suíte “Estampas” chama-se “Os Jardins sob a Chuva”. Esta não tem nenhum elemento não europeu, e procura descrever um jardim da cidade de Orbec, na Normandia, durante uma violenta tempestade.

Há muitos elementos descritivos – o vento, os trovões, as gotas de chuva – entremeados com melodias folclóricas.

Outra escala que Debussy passou a usar com o objetivo de se afastar da sonoridade européia foi a escala de tons inteiros.

Um exemplo de peça construída a partir dessa escala é “Voiles” – véus, em português.

Debussy realmente consegue passar a sensação de véus que se movem pela ação do vento, criando um ambiente translúcido.

Stephen Mager, piano

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 6a. parte.

Para encerrar a série sobre o Grupo dos Cinco, veremos agora o mais célebre deles: Nikolay Rimsky-Korsakov.

Música Russa  Rimsky-Korsako Scheherazade Scherazade

A 1a paixão do menino Nikolay não foi a música, mas o mar. Como os outros compositores do grupo dos cinco, ele começou a ter aulas de piano ainda na infância, mas não se entusiasmava muito. Ia levando. O que o fascinava de verdade eram as histórias sobre o mar, as que lia, ou que ouvia, contadas por seu irmão 22 anos mais velho, que era marinheiro e explorador.

Ele nunca havia sequer visto o mar; mas o fascínio era tamanho que em 1856, com apenas 12 anos de idade entrou para a Escola de Navegação da Real Marinha Russa. Formou-se em 1862, e estes foram seis anos admiráveis em sua vida, aprendendo e viajando.

Nikolay Rimsky-Korsakov

Contudo, em 1861, ou seja, um ano antes da formatura, Korsakov foi apresentado a ninguém menos que Mily Balakirev, o líder e mentor do grupo dos cinco.

Aí seu interesse pela música ressurgiu, e algo extraordinário aconteceu: com seus parcos estudos musicais – aulas de piano pelas quais nunca se entusiasmara, e alguns esparsos conhecimentos de composição, Korsakov, incentivado por Balakirev lançou-se à composição de sua primeira obra: uma sinfonia!

Cara leitora ou leitor, pra você ter uma idéia, Johannes Brahms, por exemplo, só se aventurou a compor uma sinfonia aos 40 anos de idade, depois de escrever muita, muita música de outros gêneros. Naquela época, a força das Sinfonias de Beethoven era algo tão avassalador que os compositores nutriam grande cautela pelo gênero.

Pois bem, o jovem Korsakov foi em frente, e auxiliado por Balakirev, concluiu sua sinfonia. E o mais interessante é que ele fez isso durante uma longa viagem de navio pelo planeta, onde chegou até a passar pelo Rio de Janeiro.

Pois bem, a sinfonia fez enrome sucesso; foi o marco inicial de sua carreira, que uniu suas duas paixões: a música e o mar.

Trata-se, em minha opinião, de uma belíssima obra, verdadeiramente contagiante, como eu disse há pouco. Porém, apesar de todo o esforço nacionalista de Balakirev, eu ainda identifico aqui muita influência germânica, muito Beethoven, muito Schumann.

Isso iria mudar com a Sinfonia número 2.

A segunda sinfonia de Kimsky-Korsakov tem um programa, uma história, que foi sugerida ao compositor por dois de seus colegas do grupo dos cinco, Cesar Cui e Modeste Mussorgsky.

Trata-se de um texto do escritor russo-polonês Osip Sennkovsky, que conta a história de Antar, um inimigo da humanidade.

Nikolay Rimsky-Korsakov Antar

Isolado no deserto, Antar salva uma gazela das garras de um pássaro gigante. Cansado da luta com o pássaro, Antar dorme, exausto, e sonha que está no palácio da Rainha de Palmira, a conhecida cidade da Síria. Lá ele descobre que a Rainha é ninguèm menos que a Gazela que ele havia salvo. Como prêmio por tê-la salvo, a Antar é então permitido gozar de três dos maiores prazeres da vida: vingança, poder e amor.

É uma música cheia de exotismo, e com traços orientais, típicos da estética do grupo dos cinco. Muito diferente da 1a Sinfonia.

Korsakov completou sua primeira Sinfonia em 1865, quando tinha 21 anos de idade. A 2a Sinfonia foi concluída em três anos depois, em 1868.

E entre as duas Korsakov produziu Sadko, o 1o poema sinfônico russo.

A 2a Sinfonia já tinha os elementos de um poema sinfõnico, mas Korsakov a estruturou em 4 movimentos separados, como mandava o figurino. Já Sadko é uma obra de um só movimento, compacta, baseada em uma antiga lenda russa.

Mais uma vez temos a presença de Balakirev e do mar.

Balakirev admirava muito uma obra sinfônica chamada “Sinfonia do Oceano”, escrita anos antes por Anton Rubinstein. Rubinstein era, contudo, um compositor acadêmico, germânico, de modo que Balakirev sonhava com uma versão tipicamente russa desta “Sinfonia do Oceano”. Ele conversou com outro ideólogo do nacionalismo russo, o escritor Vladimir Stasov, que sugeriu a lenda de Sadko e criou um roteiro para ser usado na composição.

Nikolay Rimsky-Korsakov Sadko

Sadko era um conhecido personagem da tradição oral russa, que cantava e tocava um intrumento semelhante à lira; um Orfeu russo, digamos. Ele é levado para o Reino dos Mares, onde deve providenciar a música para o casamento da filha do rei. Ele o faz com muito êxito, mas em determinado momento a música começa a ficar demasiadamente frenética, criando ondas gigantescas, que ameaçam afundar todas as embarcaçoes. Para acalmar o mar, ele é obrigado a esmagar sua lira. Tudo se acalma e ele, magicamente, é transportado de volta para o litoral.

A obra fez muito sucesso, e na opinião do próprio compositor isso aconteceu pela originalidade do trabalho, da beleza das melodias e da vivacidade do tema dançante.

Em 1867, mesmo ano em que Kirsakov compôs Sadko, Mily Balakirev planejou um concerto que chamou de pan-eslavo. Na sua concepçao de uma estética musical não germânica havia espaço para o orientalismo, e também para elementos musicais de todos os países do leste europeu.

Haveria neste concerto várias obras com referências a vários países eslavos, de modo que Balakirev pediu a Korsakov que construísse uma obra com melodias sérvias, melodias que ele mesmo, Balakirev, forneceu.

Em sua autobiografia Korsakov confessou que não foi a idéia de um pan-eslavismo o que o motivou a compôr a obra, mas sim a grande beleza das melodias fornecidas por Balakirev.

Finalmente, em se tratando de um post sobre Nikolay Rimsky-Korsakov, não podemos deixar de falar da muito célebre suíte sinfônica Scheherazade.

Nikolay Rimsky-Korsakov Scheherazade Scherazade

Scheherazade não é uma obra de juventude, como todas essas das quais falamos até agora. Foi composta em 1888, quando o compositor tinha 44 anos de idade.

É baseada na coleçao de textos “As Mil e Uma Noites” – textos provenientes da Asia e do Oriente Médio, que foram compilados em árabe entre os séculos 8 e 13.

É um dos melhores exemplos do orientalismo tão estimado pelos compositores do grupo dos cinco.

A obra tem a envergadura de uma grande sinfonia romântica – 4 movimentos, com uma duração total de cerca de 45 minutos. Mas fora isso, não tem mesmo nada a ver com as sinfônias germânicas, e por isso o próprio compositor preferiu chamar a obra de Suíte Sinfônica.

Para cada um dos movimentos ele deu um título.

O primeiro é “O Mar e o barco de Sinbad” – e temos aqui, mais uma vez, o mar, a primeira paixão do compositor.

O segundo movimento é “ O Príncipe Kalandar”.

O terceiro, “O jovem príncipe e a jovem princesa”.

Finalmente, o 4o e último movimento chama-se “Festival em Bagdad. O Mar. O barco choca-se contra um penhasco, sobrepujado por um cavaleiro de bronze.”

DICA DE LEITURA

Eternas, as histórias das Mil e uma noites se espalharam por todo o mundo, sendo contadas para crianças e adultos através dos séculos. A trama é sobre o sultão Shahriar, que, após descobrir a traição da mulher, decide casar-se cada noite com uma jovem diferente, matando-a ao amanhecer. Tal condenação só é desfeita quando Sherazade, a impetuosa filha do grão-vizir, se oferece como noiva do sultão e faz com que as noites se multipliquem ao inebriar o marido com suas histórias envolventes.
Com apresentação de Malba Tahan, esta edição de luxo das Mil e uma noites traz aventuras de mercadores, anedotas, histórias de príncipes e gênios, além dos clássicos Ali Babá, Aladim e Simbá, o marinheiro.

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 5a. parte.

Mily Balakirev

Música Russa Grupo dos Cinco a Turba Poderosa Bakakirev

Mily Balakirev foi um pianista fabuloso, dono de uma excelente leitura à primeira vista, imensa intuição e bom gosto.

Nasceu numa pequena cidade e teve as primeiras aulas de piano com sua mãe. Seu grande talento logo chamou a atenção dos amantes da música da região, que lhe providenciaram aulas com os melhores professores.

Foi praticamente adotado por um conde que mantinha uma pequena orquestra em sua propriedade. Balakirev freqüentava as suas reuniões musicais, onde conheceu as obras dos grandes compositores europeus da época.

Progrediu tanto que aos 15 anos já lhe era permitido ensaiar a orquestra do Conde; e foi aí que ele conheceu as sinfonias de Beethoven. Nessa idade ele compôs suas primeiras obras, entre elas uma Grande Fantasia para Piano e Orquestra sobre Temas Populares Russos.

Ainda jovem, portanto, o compositor já se interessava pela música folclórica de seu país, o que era um prenúncio do que iria acontecer em sua carreira.

Contudo um fato importante iria consolidar seu interesse pela criação de uma música genuinamente russa: o contato com o compositor Mikhail Glinka.

Glinka era cerca de 30 anos mais velho que Balakirev, e foi o pioneiro na utilização de matéria prima russa, quando compôs a ópera “Uma vida pelo Czar”. Suas danças e coros populares fizeram da obra um imenso sucesso.

Balakirev conheceu Glinka em 1855, em São Petersburgo. Tornaram-se próximos e travavam com freqüência sérias discussões sobre o futuro da música russa. Balakirev, a essa altura, já havia decidiu tornar-se o continuador da obra de Glinka.

Como vimos, Balakirev já vinha, desde os 15 anos de idade, introduzindo música popular russa em suas obras. Com Glinka ele descobriu novos recursos, como o Orientalismo.

A história do orientalismo começa com 2a ópera de Glinka, Ruslan e Ludmila. Nela o compositor introduziu vários trechos que remetiam aos países mais ao leste do império russo. Os compositores do Grupo dos Cinco iriam levar adiante essa idéia, de modo o orientalismo tornou-se a sua principal característica.

Orientalismo Bales Russes Diaghilev
Orientalismo nos Balés Russos de Sergei Diaghilev

Num primeiro momento, os compositores usaram melodias dessas regiões distantes. Mas logo eles foram além, e o orientalismo tornou-se veículo para uma simbologia muito interessante. Estabeleceu-se uma dicotomia entre a racionalidade ocidental e a irracionalidade e passionalidade oriental. Referências à vasta extensão do império russo, que se ampliava naquela época, somavam-se à idéia de uma real separação entre a estética musical germânica e a nova estética russa.

Uma das mais importantes obras de Balakirev é toda calcada no orientalismo. Chama-se Tamara.

Orientalismo Música Russa Balakirev Tamara

Ela retrata a história de uma linda jovem, que vivia sozinha em uma torre numa passagem de viajantes na fronteira entre a Rússia e a Geórgia. Ela seduzia e atraia os viajantes, e após passar a noite com eles, os matava e atirava no rio Terek.

Balakirev cria dois ambientes musicais distintos. Um de caráter dionisíaco, com ritmos obsessivos, notas repetidas, e andamentos acelerados. Outro, descreve o desejo sensual, com ritmos irregulares, melodias alongadas, e dissonâncias pouco usuais.

Orquestra Sinfônica de Montreal. Kent Nagano.

DICA DE LEITURA

Nas palavras do romancista Milton Hatoum, Orientalismo é “um ensaio erudito sobre um tema fascinante”: como uma civilização fabrica ficções para entender as diversas culturas a seu redor. Para entender e para dominar. Neste livro de 1978, um clássico dos estudos culturais, Edward W. Said mostra que o “Oriente” não é um nome geográfico entre outros, mas uma invenção cultural e política do “Ocidente” que reúne as várias civilizações a leste da Europa sob o mesmo signo do exotismo e da inferioridade. Recorrendo a fontes e textos diversos – descrições de viagens, tratados filológicos, poemas e peças, teses e gramáticas -, Said mostra os vínculos estreitos que uniram a construção dos impérios e a acumulação de um fantástico e problemático acervo de saberes e certezas européias. A investigação da origem e dos caminhos do Orientalismo como disciplina acadêmica, gosto literário e mentalidade dominadora, vai e volta do século XVIII aos dias de hoje, das traduções das Mil e uma noites à construção do canal de Suez, das viagens de Flaubert e “Lawrence da Arábia” às aventuras guerreiras de Napoleão no Egito ou dos Estados Unidos no golfo Pérsico. Um livro fascinante e indispensável.

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 4a. parte.

Hoje é a vez de Alexander Borodin (1833- 1887)

Música Russa Grupo dos Cinco Borodin

Alexander Borodin foi outro compositor do “Grupo dos Cinco”, a turma de russos barulhentos que viveu na 2a. metade doséculo XIX e batalhou pela criação de uma música genuínamente russa, sem influências alemãs, italianas, francesas, e por aí afora.

Suas principais obras são: duas sinfonias, dois quartetos de cordas , o poema sinfônico Nas Estepes da Ásia Central e a ópera Príncipe Igor.

Houve um tempo em que sua música estava tão na moda, que alguns de seus temas fram usados em um musical americano . Isso aconteceu em 1954. O musical chamava-se “Kismet”, que quer dizer “destino, em Português.

Música Russa Grupo dos Cinco Borodin Kismet

Este é mais um exemplo da mistura entre os mundos da música clássica e da música popular, muito mais frequente do que podemos imaginar!!!

Bordin era médico e químico de profissão e formação, e fez importantes contribuições iniciais para a química orgânica. Embora atualmente seja mais conhecido como compositor, ele considerava a medicina e as ciências como suas principais ocupações, praticando música e composição apenas nas horas vagas ou quando estava doente.

Borodin foi um promotor da educação na Rússia e fundou a Escola de Medicina para Mulheres em São Petersburgo, onde lecionou até 1885.

Clique aqui para ver um vídeo com um trecho da ópera “Príncipe Igor”. Se não conhece, tenho certeza que ficaá encantado!

Na póxima postagem continuamos com o Grupo dos Cinco.

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Até lá!

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 3a. parte.

A postagem de hoje é sobre Cesar Cui.

Música Russa Grupo dos Cinco Cesar Cui

César Cui é um nome que o amante da música de concerto volta e meia encontra em em revistas especializadas, encartes de CDs, etc.

Mas é fato que sua música é muito pouco conhecida.

E sua vida, da qual sabemos muito pouco, é muito interessante.

A presença de Cui no Grupo dos Cinco é um paradoxo, ou mesmo um mistério.

Ele foi o menos russo dos cinco. Seu pai era francês, um militar do exército de Napoleão que, após a retirada decidiu não voltar para seu país. Havia se apaixonado por uma jovem lituana, de descendência polonesa, e com ela se casou. Estabeleceu-se na cidade de Vilnius, onde conseguiu um trabalho como professor de francês.

Nesta cidade nasceu Cesar Cui, que cresceu aprendendo nada menos que quatro línguas: francês, polonês, lituano e russo. E aí, caro leitor, creio que está a raiz do paradoxo que eu mencionei há pouco. Cui haveria de, entre outras coisas, tornar-se um prolífico crítico e cronista musical, tendo escrito uma grande quantidade de textos sobre música. Nesses textos, ele advogava vigorosamente a criação de uma estética musical genuinamente russa. Contudo a sua música, na maioria dos casos, não materializa essas crenças. Em muitas obras o que ouvimos é um compositor universalista, admirador dos estilos e Chopin e Schumann.

Nikolay Rimsky-Korsakov, que se tornou o mais conhecido do grupo, deixou escrito que Balakirev, o lider do grupo, e o mais radicalmente devotado à causa da estética russa, “permitia um certo grau de liberdade a Cui, tratando com indulgência muitos elementos qua não se afinavam com suas preferências”.

Acontece que o talento de Cui para as pequenas peças era realmente excepcional. Nas suas miniaturas, peças de 2 a 4 minutos, ou até mais curtas, ele conseguia criar com perfeição estados de espírito precisos e climas de absoluto erncanto.

Execução de Philip Edward Fisher.

É um tanto chocante ouvir essa declaração do próprio compositor:

“ Embora Russo, eu sou meio francês, meio lituano, e eu não tenho o sentido da música russa em minhas veias….

Mas há algumas obras de Cui em que o espírito russo está presente, como a Suíte Orquestral no. 3, opus 43, à qual o compositor deu o título de “In Modo Popolari”.

São seis movimentos: Allegro Moderato, Moderato, Vivace, Moderato, Allegretto e Vivace ma non troppo.

Execução da Orquestra Filarmônica de Hong Kong, dirigida por Kenneth Schermerhorn.

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Até a próxima postagem!