João Jorge Leopoldo Mozart, nascido na cidade austríaca de Augsburgo em 1719, era um homem religioso. Na meia-idade, acreditou estar presenciando um milagre. São suas as seguintes palavras, escritas em uma carta datada de julho de 1768, quando tinha 49 anos de idade:
“Eu devo essa tarefa a Deus Todo Poderoso, senão eu serei a mais ingrata de todas as criaturas. E se for meu dever convencer o mundo da veracidade deste milagre, assim será, especialmente hoje, quando as pessoas estão ridicularizando o que quer que seja chamado de milagre, e negando todos os milagres”.
Esse milagre, que ainda segundo ele “Deus deixou nascer em Salzburgo”, era o imenso e precoce talento musical demonstrado por seus dois filhos, Maria Ana e João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.
O Pai
Leopoldo era um intelectual, o único a viver em Salzburgo em seu tempo. Apesar de não pertencer a uma família aristocrática, teve acesso a uma boa educação, ao frequentar uma escola Jesuíta em Augsburgo, sua cidade natal. E já em Salzburgo, para onde se mudou com 18 anos de idade, ingressou na Universidade Beneditina onde graduou-se em filosofia.
Embora religioso, não era profundamente devoto. Sua educação racional fez dele um homem bastante sóbrio e crítico. Sua religiosidade era temperada pelas ideias do iluminismo que pouco a pouco ganhavam a Europa.
Porém, quando se deu conta do assombroso talento de seus filhos, sentiu-se como que atingido por um raio. Aquilo foi para ele uma revelação divina, algo que mudou substancialmente sua maneira de ver a vida. Foi então que ele decidiu entregar-se totalmente à tarefa que citei há pouco; promover o desenvolvimento daqueles talentos; aquilo tornou-se para ele era uma obrigação para com Deus.
Obras
Segundo sua filha Maria Anna, em 1760, quando estava com 41 anos e no auge de sua criatividade, Leopoldo deixou de lado as aulas de violino e a composição; todo o tempo que não era usado para realizar as suas obrigações profissionais, ele dirigia para a educação musical dos dois pequenos.
Nessa altura Leopoldo já havia escrito muita música. Dentre tudo o que conhecemos dele há muita música de ocasião, ou seja, peças muito simples encomendadas para situações específicas da corte, como festas ou cerimônias civis e religiosas. A qualidade dessa música é sempre mediana, como era de se esperar. Mas há também algumas muito belas, como esta que nosso caro leitor pode ouvir, clicando no link abaixo.
Leopoldo também escreveu um grande número de sinfonias, mais de 80, muitas das quais estão perdidas. Embora a maioria delas seja música bastante convencional, outras podem ser apreciadas ainda hoje com prazer. Aliás, até os anos setenta do século passado, algumas delas figuravam no catálogo de obras de seu filho Amadeus.
Vocês sabem, caros leitores, de toda a obra de Leopoldo, o que mais se grava? As obras que pertencem à categoria de… pitorescas.
Aqui vão alguns exemplos: a Sinfonia dos Brinquedos, em que são utilizados instrumentos de brinquedos, como tambores, cornetas ou matracas. Ou a Sinfonia da Caça, em que a escrita musical imita galopes, pássaros, latidos, e a qual podem ser introduzidos sons de apitos e tiros; ou uma sinfonia intitulada “O Casamento Campestre”, nas quais se ouve os sons de instrumentos rústicos como gaitas de foles e violas de roda.
Maria Anna
Maria Anna, a filha mais velha de Leopoldo, era tão talentosa quanto o pequeno Amadeus. Fez várias viagens com seu pai e irmão, exibindo sua técnica e musicalidade ao piano para plateias de nobres e poderosos em cidades como Munique, Paris e Londres. Porém, aquela época não favorecia o sucesso professional das mulheres, e a partir de 1769, quando completou 18 anos, Maria Anna passou a exibir sua musicalidade apenas dentro de casa, enquanto seu irmão Amadeus viajava e afirmava-se como compositor.
Houve um momento em sua juventude que Maria Anna começou a compor, o que se sabe pela correspondência que trocava com seu irmão; irmão, que aliás, a adorava e encorajava profundamente. Mas infelizmente nenhuma de suas partituras sobreviveu.
Ela casou-se aos 33 anos de idade com um magistrado da cidade de Saint Gilegen e teve três filhos, tornando-se uma dona de casa.
Em 1801, aos 50 anos, ficou viúva, retornando a Salzburgo com seus filhos, para uma vida simples e pacífica. Lá manteve-se ativa como professora de piano, e muitas pessoas importantes da cidade encaminhavam seus filhos para estudar com a irmã do grande Amadeus Mozart. Faleceu solitária e pobre em 1829, com 78 anos de idade.
Amadeus
Todo mundo já deve ter ouvido falar que o pequeno Amadeus Mozart compôs sua primeira música aos 5 anos. Muita gente duvida, mas não é mentira não, caros leitores. Ele realmente começou a escrever pequenos minuetos e outras peças simples nessa idade, mas… com certeza, a mão de seu pai Leopoldo o ajudava a segurar a caneta – ou melhor, a pena. Aliás, todas partituras que Amadeus Mozart escreveu até completar 14 anos, são repletas de reparos e correções feitas com a caligrafia de seu pai.
Este é um minueto que ele escreveu aos cinco anos:
A evolução de Amadeus foi rápida. Com apenas 8 anos ele escreveu sua 1ª sinfonia.
Abaixo o 1º movimento de sua Sinfonia nº1, catalogada com o número 16 no catálogo de Köechel. Aqui sim estamos diante de não mais um minueto simplesinho, mas de uma peça de envergadura nem maior.
Francisco
Assim como seu pai Leopoldo, Amadeus Mozart teve vários filhos, e só dois chegaram à idade adulta. Dos dois só um seguiu a carreira musical: Francisco Xavier Mozart, que nasceu em 1791, poucos meses antes da morte do pai, e faleceu em 1844, com 53 anos de idade.
Francisco estudou música com os melhores mestres Vienenses: Salieri, o grande compositor da corte; Hummel que havia sido aluno de seu pai; Albrechstsberger, que havia sido professor de Beethoven; e Sigismundo Neukomm, que fora aluno de Haydn, e viveu no Rio de Janeiro, onde conheceu o nosso Padre José Maurício Nunes Garcia.
Francisco Xavier Mozart também demonstrava um grande talento musical. Salieri declarou que ele certamente desenvolveria uma carreira comparável à de seu pai. E com efeito, Francisco começou a compor muito jovem. Pianista e violinista, aos treze anos fez sua primeira apresentação pública.
Mas não era fácil ser filho de quem era. Francisco, apesar de muito bom músico, sempre subestimava seu próprio talento, e temia que suas obras fossem sistematicamente comparadas com as de seu pai.
Além disso, foi um daqueles compositores que viveu numa época um tanto difícil: a passagem do classicismo para o romantismo, sob a sombra de Beethoven. Em alguns momentos Francisco Xavier ainda é bastante clássico. Em outros, já soa claramente romântico.
Mozarteum
Francisco viveu 20 anos numa cidade alemã chamada Lemberg, lecionando, fazendo recitais, e regendo. Foi o fundador da 1ª escola de música da cidade. Aos 47 anos voltou para Viena, e posteriormente mudou-se para Salzburgo, onde foi nomeado “mestre de capela” do Mozarteum.
O Mozarteum de Salzburgo foi uma associação criada por volta de 1840, graças aos esforços da viúva de Amadeus Mozart, que tinha como missão “o refinamento do gosto musical, em relação à música sacra e também à música de concerto”. As atividades da associação, que incluía concertos com orquestra, tornou-se no século XIX o centro da vida musical da cidade. A associação cresceu e entre 1910 e 1914 construiu um prédio com duas salas de concerto, e hoje quando se fala no Mozarteum de Salzburgo, refere-se a elas.
Linhagem
Como eu disse há pouco, Amadeus Mozart teve dois filhos que atingiram a idade adulta. O irmão mais velho de Francisco Xavier era Carlos Tomás Mozart, que viveu entre 1784 e 1858.
Carlos estudou piano em Viena quando jovem, e demonstrava muito talento. Seus interesses, no entanto, oscilavam entre o piano e outras atividades. Em 1810, aos 26 anos, ele desistiu definitivamente da música como profissão, e tornou-se um oficial a serviço do Vice-Rei de Nápoles em Milão. Desde 1797 ele estava radicado na Itália e de lá nunca mais saiu.
Nem Carlos nem Francisco tiveram filhos. Terminou com eles a descendência direta de um dos maiores músicos que a humanidade gerou: João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart. E se podemos hoje nos encantar com sua música, não podemos deixar de agradecer seu pai, João Jorge Leopoldo Mozart, que cuidou muito bem para que o talento de seu filho desabrochasse.
Espero que tenha gostado deste post.
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Saudações Musicais!