A Família Mozart

Anonymous – Wolfgang Amadeus Mozart and Thomas Linley in the family of Gavard des Pivets in Florence.

João Jorge Leopoldo Mozart, nascido na cidade austríaca de Augsburgo em 1719, era um homem religioso. Na meia-idade, acreditou estar presenciando um milagre. São suas as seguintes palavras, escritas em uma carta datada de julho de 1768, quando tinha 49 anos de idade:

“Eu devo essa tarefa a Deus Todo Poderoso, senão eu serei a mais ingrata de todas as criaturas. E se for meu dever convencer o mundo da veracidade deste milagre, assim será, especialmente hoje, quando as pessoas estão ridicularizando o que quer que seja chamado de milagre, e negando todos os milagres”.

Esse milagre, que ainda segundo ele “Deus deixou nascer em Salzburgo”, era o imenso e precoce talento musical demonstrado por seus dois filhos, Maria Ana e João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.

O Pai

Leopoldo era um intelectual, o único a viver em Salzburgo em seu tempo. Apesar de não pertencer a uma família aristocrática, teve acesso a uma boa educação, ao frequentar uma escola Jesuíta em Augsburgo, sua cidade natal. E já em Salzburgo, para onde se mudou com 18 anos de idade, ingressou na Universidade Beneditina onde graduou-se em filosofia.

Embora religioso, não era profundamente devoto. Sua educação racional fez dele um homem bastante sóbrio e crítico. Sua religiosidade era temperada pelas ideias do iluminismo que pouco a pouco ganhavam a Europa.

Porém, quando se deu conta do assombroso talento de seus filhos, sentiu-se como que atingido por um raio. Aquilo foi para ele uma revelação divina, algo que mudou substancialmente sua maneira de ver a vida. Foi então que ele decidiu entregar-se totalmente à tarefa que citei há pouco; promover o desenvolvimento daqueles talentos; aquilo tornou-se para ele era uma obrigação para com Deus.

Obras

Segundo sua filha Maria Anna, em 1760, quando estava com 41 anos e no auge de sua criatividade, Leopoldo deixou de lado as aulas de violino e a composição; todo o tempo que não era usado para realizar as suas obrigações profissionais, ele dirigia para a educação musical dos dois pequenos.

Nessa altura Leopoldo já havia escrito muita música. Dentre tudo o que conhecemos dele há muita música de ocasião, ou seja, peças muito simples encomendadas para situações específicas da corte, como festas ou cerimônias civis e religiosas. A qualidade dessa música é sempre mediana, como era de se esperar. Mas há também algumas muito belas, como esta que nosso caro leitor pode ouvir, clicando no link abaixo.

Missa Brevis en do (Kyrie – Gloria) – Léopold Mozart (1719-1787) – CCVS.

Leopoldo também escreveu um grande número de sinfonias, mais de 80, muitas das quais estão perdidas. Embora a maioria delas seja música bastante convencional, outras podem ser apreciadas ainda hoje com prazer. Aliás, até os anos setenta do século passado, algumas delas figuravam no catálogo de obras de seu filho Amadeus.

Vocês sabem, caros leitores, de toda a obra de Leopoldo, o que mais se grava? As obras que pertencem à categoria de… pitorescas.

Aqui vão alguns exemplos: a Sinfonia dos Brinquedos, em que são utilizados instrumentos de brinquedos, como tambores, cornetas ou matracas. Ou a Sinfonia da Caça, em que a escrita musical imita galopes, pássaros, latidos, e a qual podem ser introduzidos sons de apitos e tiros; ou uma sinfonia intitulada “O Casamento Campestre”, nas quais se ouve os sons de instrumentos rústicos como gaitas de foles e violas de roda.

Leopold Mozart: Sinfonia dos Brinquedos

Maria Anna

Maria Anna, a filha mais velha de Leopoldo, era tão talentosa quanto o pequeno Amadeus. Fez várias viagens com seu pai e irmão, exibindo sua técnica e musicalidade ao piano para plateias de nobres e poderosos em cidades como Munique, Paris e Londres. Porém, aquela época não favorecia o sucesso professional das mulheres, e a partir de 1769, quando completou 18 anos, Maria Anna passou a exibir sua musicalidade apenas dentro de casa, enquanto seu irmão Amadeus viajava e afirmava-se como compositor.

Houve um momento em sua juventude que Maria Anna começou a compor, o que se sabe pela correspondência que trocava com seu irmão; irmão, que aliás, a adorava e encorajava profundamente. Mas infelizmente nenhuma de suas partituras sobreviveu.

Ela casou-se aos 33 anos de idade com um magistrado da cidade de Saint Gilegen e teve três filhos, tornando-se uma dona de casa.

Em 1801, aos 50 anos, ficou viúva, retornando a Salzburgo com seus filhos, para uma vida simples e pacífica. Lá manteve-se ativa como professora de piano, e muitas pessoas importantes da cidade encaminhavam seus filhos para estudar com a irmã do grande Amadeus Mozart. Faleceu solitária e pobre em 1829, com 78 anos de idade.

Amadeus

Todo mundo já deve ter ouvido falar que o pequeno Amadeus Mozart compôs sua primeira música aos 5 anos. Muita gente duvida, mas não é mentira não, caros leitores. Ele realmente começou a escrever pequenos minuetos e outras peças simples nessa idade, mas… com certeza, a mão de seu pai Leopoldo o ajudava a segurar a caneta – ou melhor, a pena. Aliás, todas partituras que Amadeus Mozart escreveu até completar 14 anos, são repletas de reparos e correções feitas com a caligrafia de seu pai.

Este é um minueto que ele escreveu aos cinco anos:

Mozart Menuet No.1 K.1 (TAKE 1) 1st Composition 5 YEARS OLD.

A evolução de Amadeus foi rápida. Com apenas 8 anos ele escreveu sua 1ª sinfonia.

Abaixo o 1º movimento de sua Sinfonia nº1, catalogada com o número 16 no catálogo de Köechel. Aqui sim estamos diante de não mais um minueto simplesinho, mas de uma peça de envergadura nem maior.

Wolfgang Amadeus Mozart “Sinfonía n.º 1 en mi bemol mayor, KV. 16”

Francisco

Assim como seu pai Leopoldo, Amadeus Mozart teve vários filhos, e só dois chegaram à idade adulta. Dos dois só um seguiu a carreira musical: Francisco Xavier Mozart, que nasceu em 1791, poucos meses antes da morte do pai, e faleceu em 1844, com 53 anos de idade.

Francisco estudou música com os melhores mestres Vienenses: Salieri, o grande compositor da corte; Hummel que havia sido aluno de seu pai; Albrechstsberger, que havia sido professor de Beethoven; e Sigismundo Neukomm, que fora aluno de Haydn, e viveu no Rio de Janeiro, onde conheceu o nosso Padre José Maurício Nunes Garcia.

Francisco Xavier Mozart também demonstrava um grande talento musical. Salieri declarou que ele certamente desenvolveria uma carreira comparável à de seu pai. E com efeito, Francisco começou a compor muito jovem. Pianista e violinista, aos treze anos fez sua primeira apresentação pública.

Mas não era fácil ser filho de quem era. Francisco, apesar de muito bom músico, sempre subestimava seu próprio talento, e temia que suas obras fossem sistematicamente comparadas com as de seu pai.

Além disso, foi um daqueles compositores que viveu numa época um tanto difícil: a passagem do classicismo para o romantismo, sob a sombra de Beethoven. Em alguns momentos Francisco Xavier ainda é bastante clássico. Em outros, já soa claramente romântico.

Franz Xaver Wolfgang Mozart – Piano Concerto No.2 in E-flat major, Op.25 (1818).

Mozarteum

Francisco viveu 20 anos numa cidade alemã chamada Lemberg, lecionando, fazendo recitais, e regendo. Foi o fundador da 1ª escola de música da cidade. Aos 47 anos voltou para Viena, e posteriormente mudou-se para Salzburgo, onde foi nomeado “mestre de capela” do Mozarteum.

O Mozarteum de Salzburgo foi uma associação criada por volta de 1840, graças aos esforços da viúva de Amadeus Mozart, que tinha como missão “o refinamento do gosto musical, em relação à música sacra e também à música de concerto”. As atividades da associação, que incluía concertos com orquestra, tornou-se no século XIX o centro da vida musical da cidade. A associação cresceu e entre 1910 e 1914 construiu um prédio com duas salas de concerto, e hoje quando se fala no Mozarteum de Salzburgo, refere-se a elas.

Linhagem

Como eu disse há pouco, Amadeus Mozart teve dois filhos que atingiram a idade adulta. O irmão mais velho de Francisco Xavier era Carlos Tomás Mozart, que viveu entre 1784 e 1858.

Carlos estudou piano em Viena quando jovem, e demonstrava muito talento. Seus interesses, no entanto, oscilavam entre o piano e outras atividades. Em 1810, aos 26 anos, ele desistiu definitivamente da música como profissão, e tornou-se um oficial a serviço do Vice-Rei de Nápoles em Milão. Desde 1797 ele estava radicado na Itália e de lá nunca mais saiu.

Nem Carlos nem Francisco tiveram filhos. Terminou com eles a descendência direta de um dos maiores músicos que a humanidade gerou: João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart. E se podemos hoje nos encantar com sua música, não podemos deixar de agradecer seu pai, João Jorge Leopoldo Mozart, que cuidou muito bem para que o talento de seu filho desabrochasse.

Espero que tenha gostado deste post.

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Saudações Musicais!

Compositores Injustiçados: Pachelbel

Johann Pachelbel

Começo o texto de hoje lhe fazendo uma pergunta: você gosta de J. S. Bach? Ou melhor, você gosta da música de J. S. Bach? Acredito que sim; se está neste site é porque gosta ou está interessado em conhecer música clássica, ou música de concerto. E nesse campo, J. S. Bach é certamente uma unanimidade.

Afinal, difícil não gostar de algo assim…

Pachelbel – Cantata ‘Halleluja! Lobet Den Herrn’

É, mas essa não é de Bach. Parece não é, caro leitor? Mas não é… é de Johann Pachelbel!

Ah, ele então copiou Bach?

Não, porque Pachelbel nasceu nada menos que 32 anos ANTES de J. S. Bach.

Foi Bach quem se inspirou nele, um compositor injustamente muito pouco conhecido.

E por que ele é injustiçado?

Porque apesar de ter tido um importantíssimo papel na evolução da música alemã, deixando uma obra imensa e de altíssima qualidade, influenciando até mesmo um dos maiores gênios musicais de todos os tempos, nada dele é amplamente conhecido… a exceção, que confirma a regra é a peça que você pode ouvir clicando abaixo, com a Orquestra Barroca Tafelmusic.

Cânon em Ré Maior

O Canon em Ré maior é a única obra de Johann Pachelbel amplamente conhecida.

Todo mundo já ouviu! Ela foi gravada centenas de vezes a partir dos anos 60, em coletâneas de peças barrocas; tornou-se um “must” em cerimônia de casamento em todo o mundo. Um verdadeiro símbolo do que é “barroco” em música.

É realmente uma peça delicada e encantadora. Mas um compositor do nível de Pachelbel não merece ser conhecido apenas por uma obra. Aliás, para ser exato, por MEIA obra, visto que na partitura original de Pachelbel esse canon é complementado por uma outra peça, um 2º movimento, que nunca é tocado.

Você pode ouvi-la na íntegra, clicando na imagem abaixo. A execução é da Orquestra Barroca Tafelmusik.

Canon and Gigue in D Major, P. 37: I. Canon “Pachelbel’s Canon”

Família Bach

Vamos então nos valer do post de hoje para conhecer um pouco mais da música desse compositor tão refinado.

Como disse há pouco, a música de Pachelbel influenciou notadamente a música de J. S. Bach. Mas essa influência é mais intensa do que podemos pensar.

Por volta de 1684, Pachelbel, então com 31 anos de idade, foi morar na região de Erfurt e Eisenach, conheceu pessoalmente e tornou-se amigo de ninguém menos que Johann Ambrosius Bach, pai de Johan Sebastian Bach; mais ainda: eles se tornaram compadres, pois Ambrosius convidou Pachelbel para ser padrinho de batismo de sua filha Johann Juditha; e ainda mais: tornou-se professor de Johann Christoph Bach, irmão mais velho de Johann Sebastian, que estava para nascer na ocasião.

Reflexões sobre a Morte

Pachelbel era talvez o mais admirado organista alemão daquela época. Profundo conhecedor do instrumento, foi para ele que criou a maior parte de sua obra: mais de 200 peças.

Clicando na imagem abaixo, podemos ouvir algumas peças para órgão, que fazem parte de uma obra muito particular chamada Musicalische Sterbens-Gedancken, o que em português podemos traduzir como “Reflexões Musicais sobre a Morte”.

Pachelbel a escreveu com 28 anos, logo após a morte de sua primeira filha, vítima de uma epidemia devastadora.

Não se trata de música fúnebres, mas de peças escritas a partir de melodias luteranas, uma delas chamada justamente “Alle Menschen müssen sterben”: todos os homens haverão de morrer.

J. Pachelbel – Alle Menschen müssen sterben

Além de peças para órgão, Pachelbel compôs muitas obras para vozes, dentre as quais destacam-se os motetos: são obras para dois coros, discretamente acompanhados por baixo contínuo.

Abaixo está o link para um deles chamado Der Herr is König und herrlich geschmückt – O Senhor é Rei em deslumbrante majestade.

Procure notar durante a audição os momentos em que todos cantam juntos, bem como quando as vozes dialogam. Esse diálogo é particularmente fácil de perceber nesta gravação quando ocorre entre vozes masculinas e femininas.

Johann Pachelbel- Der Herr ist König und herrlich geschmückt

Deleite Musical

Assim como J. S. Bach, Pachelbel empenhou grande parte de seu tempo e energia trabalhando com música religiosa, para órgão, ou para vozes, como vimos até aqui.

Mas também como Bach, não deixou de produzir música de câmara secular.

Embora seja uma parte menor de sua obra, não é menor em qualidade.

Acredita-se que uma boa parte da música de câmara instrumental que Pachelbel compôs se perdeu; do que restou o que mais se destaca são suas suítes para 2 violinos e baixo contínuo, às quais ele deu o nome de Musicalische Ergötzung – “Deleites Musicais”.

Cada uma dessas suítes é composta por uma sonata, seguida por diversas danças: Alemanda, Gavota, Corrente, Aria, Sarabanda, Giga e um Adagio Final.

Johann Pachelbel: Partita II in C minor (Musicalische Ergötzung)

Relembrando: “Deleite Musical” é realmente o título da obra, dado pelo próprio compositor, para as suas suítes para dois violinos e baixo contínuo.

Depois de ouvir esse elegantíssimo desfile de música da maior finesse e bom gosto, tenho certeza de que você concordará comigo que o sr. Pachelbel não merece ser conhecido apenas pelo seu Canon em ré maior . Uma peça muito agradável, mas que representa muito pouco da sua grandeza artística.

Espero que tenha gostado deste post.

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Saudações Musicais do maestro J. M. Galindo.

Debussy e o Oriente

Claude Debussy

No final do século XIX, o romantismo musical já mostrava sinais de desgaste. Embora muitos compositores de grande estatura tenham se mantido fiéis a ele até o começo do século XX, alguns outros procuravam por novas alternativas, na forma musical e na sonoridade.

Inspirar-se em fontes musicais que haviam por muito tempo sido excluídas da música europeia era um dos caminhos possíveis, e um compositor que percebeu isso com muita clareza foi o francês Claude Debussy.

Debussy começou a estudar piano com sete anos de idade, e logo demonstrou mostrou enorme talento. Poderia tranquilamente ter seguido com sucesso a carreira de pianista, mas apaixonou-se pela criação musical e decidiu tornar-se compositor.

Estudou no Conservatório de Paris, e escreveu suas primeiras peças com dezessete anos de idade, sempre contestando as normas acadêmicas. Não gostava de ópera italiana, flertou com o estilo de Wagner, mas logo o abandonou. Estava sempre à procura de sua personalidade como compositor.

Novas Sonoridades

Exposition Universelle de Paris 1889

Pois bem, caro leitor, uma das primeiras experiências que lhe abriu as portas para as novas sonoridades que procurava aconteceu em 1889 – portanto quando ele estava com 27 anos. A tal experiência aconteceu numa das visitas que ele fez à magnífica Exposição Universal realizada em Paris naquele ano.

Comemorava-se os cem anos da queda da Bastilha, símbolo do início da Revolução Francesa. De maio a outubro daquele ano, 32 milhões de pessoas visitaram as diversas atrações oferecidas, como a recém-construída Torre Eiffel, o Diamante Imperial, maior do mundo até então, exposição de locomotivas de última geração, shows diversos como uma representação do “Far West” norte-americano, e por aí afora.

Pois bem, com tudo isso, o que deixou Claude Debussy de boca aberta foi um conjunto musical vindo da Indonésia: um Gamelão!

Gamelão

O Gamelão é um grande conjunto formado basicamente por instrumentos de percussão, principalmente gongos e pratos dos mais variados tipos e tamanhos. E importante: não são afinados segundo os padrões europeus.

Debussy ficou encantado com o que ouviu, chegando a comentar que perto daquilo, os acordes ocidentais pareciam música de criança.

Esses sons da ásia marcaram o compositor para sempre; em 1903 ele iria compôr uma peça para piano chamada Pagodes, numa referência às habitações indonésias que levam esse nome.

Vamos começar nossa audição ouvindo e comparando uma autêntica peça de Gamelão da ilha de Java, com Pagodes, de Debussy.

Orquestra de Gamelão e dança tradicional de Ubud.
Estampes, L. 100: I. Pagodes · Noriko Ogawa.

Escalas

Pois bem, como eu disse há pouco, Debussy ainda muito jovem se encantou com a música de Liszt e Wagner, que era o que havia de mais moderno na 2ª metade do século XIX; contudo, esse encantamento logo se foi, e ele abriu-se para novas possibilidades.

A música de Gamelão trouxe vários elementos que ele passou a usar com frequência em várias obras. Por exemplo, a escala que chamamos de “pentatônica”, ou seja, de cinco notas. A escala básica ocidental, nossa velha conhecida, tem 7 notas, do re mi fa sol la si…

Outra escala que Debussy passou a usar com o objetivo de se afastar da sonoridade europeia foi a escala de tons inteiros.

Outro ponto interessante a ser notado, nessa busca pelo afastamento do romantismo musical, é o que lemos na partitura dessa peça, Pagodes. O próprio Debussy escreveu: “tocar quase sem nuance”.

Nuance, no jargão musical, se refere à intensidade de som. Assim, Debussy quer que a peça seja tocada praticamente no mesmo volume de som, sem “crescendos” ou “diminuendos”. Assim, a ênfase cai sobre os timbres, as cores sonoras, eliminando os excessos expressivos.

Outra informação: Pagodes é na verdade a 1º de uma sequência de três pecas. A 2ª se chama La Soirée dans Grenade, ou em português, a Noite em Granada.

Graças a essa escala, Debussy aqui também se afasta do padrão europeu. Granada, como sabemos, é a região da Espanha que talvez tenha retido a maior influência árabe da Península Ibérica.

Granada

O grande compositor espanhol Manuel de Falla disse sobre a peça: “Não há um único compasso nesta peça que tenha sido retirado do folclore espanhol, mas mesmo assim toda a composição, nos seus mínimos detalhes, retrata admiravelmente a Espanha.”

Vamos então ouvir “A Noite em Granada”, com Noriko Ogawa ao piano.

Estampes, L. 100: II. La soiree dans Grenade · Noriko Ogawa

Estilos

Duas obras em que Debussy consegue sem qualquer dúvida manifestar sua forte personalidade musical, transcendendo o estilo romântico, e conseguindo isso em grande parte pela utilização de elementos musicais não europeus.

A terceira e última peça da suíte chamada “Estampas” chama-se “Os Jardins sob a Chuva”. Esta não tem nenhum elemento não europeu, e procura descrever um jardim da cidade de Orbec, na Normandia, durante uma violenta tempestade. Há muitos elementos descritivos – o vento, os trovões, as gotas de chuva – entremeados com melodias folclóricas.

Na Idade Média, durante a expansão do Cristianismo, toda a música sacra era controlada pela Igreja de Roma; especialmente no período em que os árabes foram sendo expulsos da Europa, a sua música se foi com eles.

A influência árabe e manteve na obra dos grandes compositores espanhóis, como Granados ou Albeniz, e no leste europeu, a música folclórica foi admiravelmente trabalhada por Bela Bartok.

Argélia

Em 1908, quando estava com 34 anos, Holst viajou para a Argélia, por recomendação médica. Precisava de um clima menos frio. Essa viagem inspirou uma suíte para piano, formada por três peças. A 1ª peça ele chamou de Dança Oriental, a 2ª, simplesmente de Dança, e a 3ª, de “Nas Ruas de Ouled-Nail”. No início da 1ª peça podemos ouvir claramente a escala árabe…

A 2ª peça é bem mais sutil – a matéria prima oriental está bastante diluída na harmonia ocidental. E a 3ª peça, nas Ruas de Ouled-Nail, tem um título que precisa ser explicado. Ouled Nail é uma confederação de tribos árabes que vivem em montanhas da Argélia que têm o mesmo nome.

Essas tribos desenvolveram um estilo musical próprio, e uma variação específica da dança do ventre. Os dançarinos e dançarinas apresentavam-se com roupas e joias exuberantes, que chamava a atenção dos turistas.

Tudo isso está na música de Holst: uma base melodia sinuosa remete à dança do ventre, e a orquestração é exuberante como a indumentária dos dançarinos.

Não se trata, caro leitor, de música pitoresca, exótica, como as danças chinesas e árabes dos balés de Tchaikovsky. Aqui, os elementos musicais árabes são usados com verdadeira intenção de criar uma música nunca antes ouvida. Para o ano de 1908 era sem dúvida uma obra muito moderna.

Holst ‘In the Street of Ouled Nails’ (‘Beni Mora’ Oriental Suite)

Carl Nielsen

Como eu disse há pouco, vamos para os frios países do norte, e depois da Inglaterra rumaremos para a Dinamarca.

O mais célebre compositor dinamarquês foi Carl Nielsen, e também ele flertou com a música do oriente.

Esse trecho chama-se “O Mercado de Ispahan”, e faz parte da música que Nielsen compôs em 1919 para a peça teatral “Aladdin”.

Torvet i Isfahan (The Marketplace in Ispahan)

Aladdin

Nesta cena da peça, os personagens chegam ao mercado. Imagine que é você quem está lá, num grande mercado árabe ao ar livre. Imagine quantos pequenos grupos musicais estão distribuídos pela praça, tocando suas danças e canções. Você começa a ouvir um deles, e à medida que anda começa a ouvir outro.

Suas melodias antagônicas se misturam, e como isso não bastasse você começa a ouvir um terceiro grupo. Tudo parece virar uma cacofonia, quando se escuta um quarto grupo. À medida que vai caminhando a cacofonia vai se rarefazendo e tudo termina com a melodia do primeiro grupo.

Pois foi esse efeito inusitado que Nielsen procurou criar. Ele dividiu a orquestra em quatro grupos: o primeiro formado por instrumentos de sopro de madeira e um triângulo; o segundo formado pelas cordas; o terceiro por trompas, trompetes e tímpanos; e o quarto por dois flautins e um gongo.

Como vimos, Nielsen dividiu a orquestra em quatro grupos que superpõem quatro melodias completamente diferentes, que não se combinam, criando assim um efeito espacial, como se estivéssemos de fato caminhando pela praça do mercado.

Para encerrar, ouviremos a Dança de Negros, enérgica, contagiante, e com uma exuberante orquestração.

Nielsen: Aladdin – Concert Suite – 7. Negro Dance · Gothenburg Symphony Orchestra.

Essa foi a Dança de Negros, parte da trilha sonora da peça teatral Aladdin, escrita por Carl Nielsen em 1919.

Espero que tenha gostado deste post.

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Saudações Musicais do maestro J. M. Galindo.

Beethoven em Guerra! A Sinfonia da Batalha

O estúdio de Beethoven.
Estúdio de Beethoven em 1827, por J.N. Hoechle.

Imagine só caro leitor, que você está em Viena, no ano de 1813, e é convidado a comparecer a um concerto beneficente.

Toda a renda será revertida em favor dos soldados que se tornaram inválidos nas guerras napoleônicas.

“O que ouviremos”, você pergunta? E ouve como resposta: “obras inéditas de Beethoven, incluindo a “Sinfonia da Batalha”.

Acha estranho? Pois não é! Vamos saber mais!

Napoleão

Em 1803, ou seja, dez anos antes, Beethoven era um fervoroso admirador de Napoleão.

Toda sua admiração se foi quando o general francês se tornou Imperador dos franceses.

Beethoven passou então a combatê-lo como podia, ou seja, com sua música.

Segundo o musicólogo suíço Harry Goldschmidt, a sétima sinfonia de Beethoven, que foi uma das obras estreadas neste concerto de dezembro de 1813, é essencialmente anti-napoleônica.

O segundo movimento, em caráter de marcha fúnebre, foi o primeiro a ser composto, muitos anos antes, logo após a batalha de Austerlitz.

Era 1805, e a Áustria sofrera uma traumática derrota ante as forças francesas.

O estilo titânico de Beethoven

Nos anos seguintes Beethoven escreveu várias obras profundamente dramáticas, desenvolvendo seu estilo “titânico”, como a 5ª Sinfonia e as aberturas Coriolano e Egmont, essas duas de cunho moralizante e libertário.

Entre 1811 e 1812 Beethoven concluiu a sua sétima sinfonia, aproveitando a marcha fúnebre escrita dez anos antes, e construindo um 4º movimento com características de uma dança popular húngara chamada Verbunko.

Além de ser fascinado pelo aspecto rústico dessa dança popular, Beethoven também identificava nela um apelo patriótico, um desejo de libertação do povo húngaro…

Sinfonia da Batalha de Beethoven

A Sinfonia da Batalha.
Folha de rosto.
Folha de rosto da primeira edição.

Pois bem, caros leitores, nessa mesma noite de 8 de dezembro de 1813, em que foi estreada a 7ª Sinfonia de Beethoven, ouviu-se uma outra obra que não deixa a menor dúvida sobre postura anti-napoleônica do compositor: trata-se da “Sinfonia da Batalha”, opus 91, também conhecida como “A Vitória de Wellington”.

Em junho de 1813, tropas britânicas, portuguesas e espanholas, comandadas pelo 1º Duque de Wellington, derrotaram o exército francês na cidade espanhola de Vittoria.

O exército francês era comandado por José Bonaparte, irmão mais velho de Napoleão e então rei da Espanha.

Essa derrota foi decisiva para o final da campanha francesa na Península Ibérica, e empolgou vivamente Beethoven. Foi inspirado nela que ele escreveu a Sinfonia da Batalha.

Por muito tempo Beethoven incluiria essa obra em todo concerto em que figurava a Sétima Sinfonia.

Movimentos da Sinfonia da Batalha

Esta pequena sinfonia é dividida em cinco movimentos:

O 1º deles descreve a entrada em cena das tropas aliadas

O 2º movimento descreve a Entrada do Exército francês

O 3º movimento descreve a batalha

O 4º movimento descreve o final da Batalha e a desolação da visão dos mortos

Finalmente, o 5º e último movimento foi batizado por Beethoven de Sinfonia do Triunfo.

Trata-se de uma obra extremamente explícita, que formou durante a vida de Beethoven uma “dobradinha”, com a 7ª sinfonia.

Esta foi o outro lado da moeda, o lado poético, não explícito, mas profundamente evocativo da vitória contra a tirania napoleônica, uma verdadeira euforia da vitória.

Assim, para terminar, deixo aqui dois links, para vocês ouvirem essas duas obras: A Sinfonia da Batalha, e a Sinfonia nº 7.

Dica de Leitura

Fruto de mais de uma década de trabalho, a biografia escrita por Jan Swafford alia rigor e entusiasmo ao oferecer um retrato detalhado da vida e da obra do compositor alemão. Ele mesmo um compositor renomado, Swafford comenta a evolução do trabalho de Beethoven em análises ao mesmo tempo eruditas e acessíveis, sem perder de vista o leitor leigo.

Além da compreensão profunda do músico revolucionário, Swafford busca fontes até então pouco exploradas para retraçar a vida íntima do homem, desfazendo mitos persistentes e descobrindo novos detalhes sobre as principais influências formadoras do autor da Nona Sinfonia.

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Os Rivais de Bach

Placa comemorativa no local de nascimento de Christoph Graupner, em Kirchberg.

Christoph Graupner

O texto de hoje terá como tema esses dois compositores contemporâneos e rivais – no bom sentido – de J. S. Bach: Telemann e Graupner.

Talvez você nunca tenha ouvido falar do compositor Christoph Graupner. Ele foi contemporâneo quase exato de J. S. Bach: nasceu dois anos antes dele, em 1683, e faleceu dez anos depois, em 1760.

Em 1696, quanto tinha 16 anos, Graupner foi admitido como aluno da célebre Thomasschule – A Escola da Igreja de São Tomás – em Leipzig, onde Bach mais tarde viria a ser professor. E como Bach, ele foi esquecido e negligenciado após sua morte, passando a ter sua obra redescoberta só no século XX.

Contudo um fato interessante que envolveu esses dois compositores aconteceu em 1722 .

Na ocasião Graupner estava profundamente insatisfeito com seu emprego de mestre-capela na cidade de Darmstadt. Não recebia seu salário há meses, tinha muitos filhos para sustentar, e após várias tentativas de ser pago, decidiu candidatar-se ao cargo de “Kantor” – ou Diretor Musical – em Leipzig. Outro concorrente era J. S. Bach.

Mas havia já um preferido, escolhido para o cargo: ninguém menos que… Georg Philipp Telemann.

Telemann

Georg Philipp Telemann por Valentin Daniel Preisler (1750).

Telemann era um páreo duro – talvez o mais estimado compositor alemão em seu tempo. A sorte porém estava ao lado de Graupner; Telemann trabalhava em Hamburgo e em 1722 passou a dirigir a ópera da cidade, um cargo de alto prestígio que lhe proporcionou um belo aumento em seu salário. Por isso, abriu mão do emprego em Leipzig, deixando o caminho livre para Graupner.

E a sorte sorriu duplamente para Graupner: muito estimado por seu patrão, o Conde de Hesse-Darmstadt, teve todo seu salário atrasado pago, e ainda conseguiu um aumento.

Ele também abriu mão da candidatura, deixando desta vez o caminho livre para o terceiro da fila: Johann Sebastian Bach.

Após saber da escolha de Bach, Graupner enviou felicitações ao conselho municipal de Leipzig, parabenizando-o pela decisão acertada.

Acima você pode ouvir um movimento do Concerto Polonês em sol maior de Georg Philipp Telemann, uma peça para cordas, sem solista, apesar do título concerto: Musica Antiqua Koln – dirigido pelo violinista Reinhard Goebel.

Como vocês certamente notaram, este Concerto Polonês é uma música leve, fácil de ouvir.

Estilo Musical

Telemann conheceu a música popular polonesa em especial quando trabalhava na corte de um conde, da cidade de Sorau, que até a segunda metade do século XIX esteve submetida aos governantes prussianos, para então passar a fazer parte definitivamente da Polônia.

Esse estilo musical, muito diferente da austeridade típica de J. S. Bach, foi algo que contribuiu para que Telemann se tornasse um compositor tão célebre na Alemanha da primeira metade do século XVIII.

Aliás, a grande influência da música popular não foi a única diferença entre ele e Bach; enquanto este nunca saiu da Alemanha, Telemann tornou-se um artista cosmopolita; após exercer importantes cargos em seu país em Eisenach, Frankfurt e Hamburgo, mudou-se para a Paris, o maior centro musical da Europa.

Bastaram oito meses de residência na capital francesa para que Telemann obtivesse reconhecimento internacional. Com 60 anos de idade, consagradíssimo, Telemann diminuiu seu ritmo de trabalho, passando a compor menos.

Viveria ainda mais 26 anos, e ao morrer deixou uma obra gigantesca: mais de 3000 peças. Muitas que se consideravam perdidas continuam sendo encontradas, e entre elas incluem-se concertos, música de câmara, e muita música sacra.

Assim como Bach, Telemann escreveu uma belíssima Paixão Segundo São Mateus. Vamos ouvir um trecho:

Telemann – St. Matthew Passion (1746), TWV 5:31 / Aria: “Lass mich mein Teil bei deinem Sterben”.

Ópera

Telemann, Graupner e Bach, como quaisquer trabalhadores, procuravam as melhores condições de trabalho e os melhores salários. Para isso precisavam compor o que a sociedade alemã da época demandava: música sacra, música de entretenimento, e principalmente ópera; aí temos outra grande diferença entre o trabalho Bach e de seus principais contemporâneos: Bach nunca escreveu ópera.

Telemann por sua vez escreveu cerca de 40, que raramente são ouvidas atualmente. Por isso fiz questão de reservar um tempo para ouvirmos um recitativo e uma aria de sua ópera Pimpinone.

Composta em 1725, é uma obra visionária, antecipando em 8 anos a importantíssima “Serva Padrona” de Pergolesi.

Vamos ouvir o recitativo “Ich suche zwar ein Gluck” – “Estou procurando sorte”, em português, um diálogo entre as personagens Vespetta e Pimpinone, e em seguida a aria de Vespetta “Hoflich reden, lieblich singen”. – “Fale educadamente, cante docemente”.

Pimpinone, TWV 21:15, Pt. 1: Ich suche zwar ein Glück.
Heidi Laakso: Höflich reden, lieblich singen (Vespetta’s aria).

Christoph Graupner também dedicou-se à ópera, tendo escrita a primeira delas por volta dos 24 anos de idade. Seu título: Dido, a Rainha de Cartago, tema já abordado anteriormente na sublime obra prima de Henry Purcell, Dido e Eneas. Vamos ouvir um trecho:

Graupner – Dido, Königin von Karthago; Auf, Dido, auf!

Cantatas

Até os 35 anos de idade Graupner dedicou-se quase que exclusivamente à ópera, trabalhando como cravista da ópera de Hamburgo, e em seguida como mestre de capela na corte de Darmstadt. Mas a partir de 1719, ele não mais compôs qualquer ópera, transferindo boa parte de sua dedicação para um gênero musical importantíssimo na cultura alemã de então: a cantata.

Graupner produziu o número assombroso de 1442 cantatas, a maior parte delas religiosas.

Vamos ouvir um trecho da cantata Ach, Gott und Herr, Ah, Deus e Senhor.

Ach Gott und Herr, GWV 1144/11: Chorale: Ach Gott und Herr.

Além de ópera e música sacra, Graupner também compôs muita música secular instrumental.

Para terminar, uma dica de leitura, um livro muito simpático contanado a vida de Bach para crianças.

Para conhecê-lo, clique na imagem abaixo. Você irá para o site da Amazon Brasil.

Espero que tenha gostado deste post.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais do maestro J. M. Galindo.

A Música Sacra de W. A. Mozart

Quando se fala na música sacra de W. A. Mozart, pensa-se logo em sua magnífica Missa de Réquiem, na grande Missa em do menor, ou na conhecida Missa da Coroação.

Contudo, além dessas obras de grande envergadura, Mozart deixou muitas obras menores absolutamente encantadoras.

Vamos começar com uma peça que, dentre as pequenas obras sacras de Mozart, é talvez a mais conhecida.

Seu nome é Ave Verum Corpus.

Ave Verum Corpus

Trata-se de um texto litúrgico muito antigo, cuja fonte mais antiga é do século XIV.

Acredita-se que tenha sido escrito por um papa, Inocêncio III, IV ou VII.

Assim sendo, o texto era usado na eucaristia, ou seja, na cerimônia que relembra a última ceia de Cristo com seus apóstolos.

Na Idade Média era recitado ou cantado no momento da consagração, em que o sacerdote elevava a hóstia.

Numa obra sacra, é importante saber o texto!

Este é o texto que Mozart musicou:

Letra em latim:

Ave verum corpus, natum de Maria Virgine,
vere passum, immolatum in cruce pro homine.
Cuius latus perforatum fluxit aqua et sanguine:
esto nobis praegustatum in mortis examine.
O Iesu dulcis, O Iesu pie, O Iesu, fili Mariae.

Tradução:

Salve, verdadeiro Corpo nascido da Virgem Maria,
verdadeiramente atormentado, imolado na cruz pelos homens,
de cujo lado perfurado fluíram água e sangue;
sê para nós uma antecipação [do banquete celeste] na provação da morte.
Ó Jesus doce, ó Jesus piedoso, ó Jesus, filho de Maria!

A relação entre texto e música

Vamos observar com alguma atenção a relação entre texto e música.

Os dois 1ºs versos – Ave, verdadeiro corpo nascido da Virgem Maria – falam do o corpo de Cristo.

A música então, é serena, tranquilizadora.

Os próximos versos falam do sofrimento de Cristo.

A música sublinha esse significado com aquilo que nós músicos chamamos de modulação, uma mudança na harmonia, com a introdução de um acorde até então não utilizado.

Esse acorde está colocado exatamente sobre a palavra “Imolatum” – imolado em português.

Os próximos versos são ainda mais duros.

Dizem que o corpo de Jesus foi perfurado e dele fluíram água e sangue.

Da mesma forma, temos uma nova modulação, mas que nos causa uma sensação diferente da primeira.

A música aqui fica escura, sombria.

Segue-se uma sucessão de modulações que faz com que a música pouco a pouco volte ao caráter sereno e consolador, condizente com os últimos versos do poema: que seu corpo possa ser uma antecipação do banquete celeste.

Clicando na imagem abaixo você poderá ao mesmo tempo ouvir a música e ler os versos traduzidos para o português.

Procure sentir como as nuances da música acompanha os versos!

Mozart – Ave Verum Corpus – Tradução

Venite Populi

Seguimos com mais um exemplo da Música Sacra de Mozart: Venite Populi, outra peça curta, com cerca de cinco minutos de duração.

Ela tem uma forma ternária, ou seja, tem três partes bem distintas, que podemos perceber claramente.

A primeira parte do texto conclama todas as pessoas, de todos os lugares, mesmo os mais distantes, a vir e admirar uma nação tão grandiosa, que como nenhuma outra, tem o seu Deus tão próximo e tão presente.

A repetição insistente da frase “Venite Populi” – Venha, povo – tem realmente um caráter de chamamento.

Aliás, um chamamento cheio de alegria e entusiasmo.

A segunda parte – a parte central da peça – tem um caráter muito diferente: é solene, reflexivo.

O texto aqui fala mais uma vez da da Eucaristia, a lembrança da última ceia, e a consagração do pão e do vinho como corpo e sangue de Cristo.

Na terceira parte da peça voltam o entusiasmo e a alegria iniciais.

O texto diz:

Portanto, vamos festejar, com o pão da verdade e da sinceridade e com o vinho da alegria eterna.

No finzinho da peça ouve-se novamente o chamamento inicial: Venite, populi, venite.

Mozart: Venite populi, K.260 · Rundfunkchor Leipzig · Volker Bräutigam · MDR-Sinfonieorchester · Herbert Kegel · Walter Heinz Bernstein.

Laudate Dominum

Vamos agora a uma experiência musical totalmente diferente das peças que ouvimos anteriormente. Nesta próxima peça não há modulações destinadas a produzir grandes efeitos dramáticos.

Em vez disso o que temos é pura melodia acompanhada, melodia da maior beleza, do mais perfeito contorno.

É isso mesmo: contorno. Podemos pensar em uma melodia como uma linha que sobe, desce, dá voltas, saltos. Por isso nós músicos usamos com frequência a expressão “linha melódica”.

Essa peça, do jeito que foi escrita poderia sem nenhum problema fazer parte de uma ópera, se o seu texto fosse substituído por outro. Ou poderia ser o segundo movimento de um concerto, se em lugar da voz tivéssemos um instrumento solista.

Aliás, a peça tem uma cadência – aquele momento em que a orquestra para e o solista exibe sozinho suas habilidades técnicas e instrumentais – um procedimento típico dos concertos para instrumento solista e orquestra.

O fato de não haver modulações dramáticas não contraria o texto, pois ele também é sereno.

Ele diz:

Laudai o Senhor, todas as nações
Laudai o senhor, todas as pessoas.
Pois ele confirmou
sua misericórdia sobre nós.
E a verdade divina durará para sempre.
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo,
como era no princípio, agora e para sempre,
por todos os séculos,
Amem.

Laudate Dominum, from Vesperae solennes de confessore (K. 339) by Wolfgang Amadeus Mozart.

Misericordias Domini

Eu costumo dizer que uma maneira bem eficiente de aprender é comparando coisas opostas. Vamos fazer isso agora. Essa peça que acabamos de ouvir é, como eu disse há pouco, uma única melodia acompanhada por orquestra e órgão.

Já a peça que vamos ouvir em seguida apresenta o oposto: contraponto cerrado, ou seja, várias linhas melódicas simultâneas se entrelaçando.

A peça toda é uma formidável construção contrapontística, ou polifônica, como também costumamos dizer.

Mas há vários pontos em que Mozart faz todas as vozes cantarem em bloco, evitando a polifonia.

Esses pontos são muito curtos e têm por função separar uma seção de outra, do mesmo jeito um ponto final separa um parágrafo de outro.

Esse “ponto – parágrafo” acontece várias vezes na peça.

Quanto ao texto, era usado com frequência no período da Páscoa Cristã, e é extraído da Salmo 33 ou 32: A Terra está plena da Misericórdia do Senhor.

Misericordias Domini, K222 by Wolfgang Amadeus Mozart (1756 – 1791).

Sonata de Igreja em dó maior, K329

Em 1773, quando estava com 16 anos, e ainda vivia em Salzburgo, Mozart foi indicado para o cargo de Domkonzertmeister, ou seja o líder da orquestra da Catedral da cidade.

Durante o período em que ocupou esse cargo o jovem compositor escreveu várias peças puramente instrumentais para serem usadas em momentos especiais da liturgia.

Seria uma situação semelhante à que temos hoje por exemplo durante a comunhão; enquanto as pessoas comungam, alguma música de fundo é tocada. Ou durante um casamento, em que também uma música instrumental pode ser tocada durante a bênção das alianças.

Ele chamou essas peças de Kirchensonnaten, ou Sonatas de Igreja, em Português.

Vamos ouvir uma delas, a Sonata de Igreja em dó maior, K328, escrita em 1779, um pouco antes de mudar-se definitivamente para Viena.

Quem nunca ouviu essa peça vai perguntar: ué, maestro? Isso é música de Igreja? Parece mais uma sinfonia!

E a pergunta terá todo o cabimento. Trata-se de uma peça puramente instrumental, sem qualquer alusão a algum texto religioso, de caráter leve e alegre.

Um típico entretenimento musical do século XVIII. Mas não estranhe: esse tipo de música era sim ouvido nas igrejas de muitas cidades europeias daquela época.

A peça tem cinco minutos de duração, é construída em apenas um movimento, e foi escrita para orquestra.

W. A. Mozart – KV 329 (317a) – Church Sonata No. 16 in C major.

Exsultate, jubilate

Como vimos até aqui, Mozart utilizou em sua produção de música sacra os materiais e estilos mais diversos: contraponto altamente elaborado, digno de J.S. Bach; as mais belas melodias em estilo italiano; música que sublinha fielmente o texto religioso, de sincero espírito devocional, ou, ao contrário, puro divertimento musical.

Por isso a sua música sacra sobrevive hoje nas salas de concerto, independentemente de sua intenção religiosa.

E eu não posso terminar este texto sem mostrar a vocês uma obra sua que é tocada com frequência, e mescla essas vertentes todas que eu acabei de descrever.

Trata-se do moteto Exsultate, Jubilate, para soprano e orquestra.

Ela foi escrita em 1773, quando Mozart estava com 17 anos, e encontrava-se em Milão. Ele estava no final de uma longa viagem pela Itália, em que seu pai cuidou para que ele aprendesse com os maiores mestres italianos de seu tempo.

Lá em Milão Mozart conheceu um cantor castrado, Venanzio Rauzini, de quem tornou-se amigo. A obra foi escrita para ele.

Ela dura cerca de 15 minutos e é dividida em três movimentos, exatamente como se fosse um concerto para instrumento solista e orquestra.

A 1ª parte é rápida, e tem todas as características de um 1º movimento de concerto, incluindo uma cadência.

O 2º movimento é lento, uma belíssima aria precedida por um recitativo

O 3º e último movimento é novamente rápido e muito alegre.

É uma peça que une de maneira muito feliz características da música sacra, da música de concerto e da ópera.

Soprano Amanda Forsythe performs Mozart’s “Exsultate, jubilate” with Boston Baroque on October 22, 2017. Jordan Hall at New England Conservatory.

Espero que tenha gostado deste post!

Saudações Musicais!

Erik Satie, o compositor fora da curva

O francês Erik Satie é um daqueles compositores dos quais só se conhece uma música..

Esta música é a Gymnopedie nº 1, conhecida até mesmo por aqueles que não se interessam nem um pouco por música de concerto. É uma dessas melodias que eu classifico como um “achado”, algo que gruda imediatamente na memória de todos.

Para saber que música é, clique no link abaixo.

Você certamente vai reconhecê-la.

Como aconteceu com tantos outros compositores, as outras obras de Satie são pouquíssimo conhecidas

Então que tal conhecermos mais alguma coisa do autor dessa peça? É o que faremos aqui e agora. Vamos conhecer um pouco mais da obra e da vida de Erik Satie.

Erik Satie em pintura de Suzanne Valadon.
Retrato de Satie por Suzanne Valadon (1865-1938)

Satie, um gerador de polêmica

Erik Satie foi e ainda é um compositor polêmico.

Para muitos, sua obra não tem importância alguma; é uma música fraca, infantil, fruto de um artista sem competência e sem inspiração.

Para outros, ele foi um gênio, um visionário.

Essa é uma polêmica eterna e nem de longe eu acho que posso resolvê-la. Mas se há algo que me faz pender para a segunda hipótese é conhecer um pouco da estranha personalidade do artista.

Satie, o estranho…

Stranvisky certa vez declarou que Satie era a pessoa mais excêntrica que ele jamais conhecera, com uma incrível presença de espírito.

Um exemplo:  contam que ele tinha vários ternos em seu guarda roupa – todos absolutamente iguais em modelo e cor.

Erik Satie ingressou no importantíssimo Conservatório de Paris com 13 anos de idade, mas logo percebeu que teria dificuldades para adaptar-se àquela instituição – coisa que, aliás, aconteceu com outros compositores renomados, como  Hector Berlioz ou Claude Debussy.

Saiu do Conservatório e pouco tempo depois buscou o misticismo, entrando   na Ordem Rosa Cruz.

Em 1892, após deixar a Ordem, Satie fundou sua própria religião, à qual deu o nome de Igreja Metropolitana da Arte de Jesus, o Maestro.

Intitulou-se  mestre de capela de sua religião, e  aproveitou para publicar uma revista … que usava para investir furiosamente contra pessoas que ele desaprovava.

Satie e a Idade Média

Bem, seja como for, a pasagem pela Ordem Roza Cruz o fez  interessar-se seriamente pela música da Idade Média; então lá foi Erik Satie estudar o Canto Gregoriano e a  antiga música polifónica vocal….

Erik Satie quando jovem.
Foto de Satie quando jovem.

Esse estudo da polifonia da idade média certamente foi importantíssimo para a desenvolvimento de seu estilo e de sua estética.

Na época em que Satie viveu, o estilo de Richard Wagner dominava a Europa – uma música muitas vezes grandiloquente, seríssima, sentimental, desprovida de humor e harmonicamente muito complexa.

Richard Wagner
Richard Wagner

Se você acha que não conhece o estilo de Wagner, clique aqui e ouça “A Cavalgada as Walquías”.

O cansaço Wagneriano

Só que naquele final de século XIX,  a música Wagneriana já estava cansando muitos compositores, que procuravam uma alternativa para ela.

E foram os compositores franceses que pouco a pouco encontraram saídas interessantes, como Debussy, Ravel, e … o próprio Satie.

Por ser autodidata, excêntrico, e por ter se embrenhado pelos caminhos da música medieval,  Satie acabou por criar uma música  passava muito, muito longe da música de Wagner.

Um crítico musical alemão chamado Hans-Klaus Jugeinrich, tem um artigo muito interessante sobre o compositor, no qual ele diz que …

” o  que parecia falta de seriedade, provocação ou esquisitice sonhadora contém o germe de inúmeras inovações do século XX, como o dadaísmo ou a arte pop. ”

Satie era um revolucionário sem violência e sem sistematização, que deixava para outros a exploração das descobertas feitas por ele.”

Satie e a simplicidade das peras

Satie fez uma deliberada e consciente opção pela extrema simplicidade – coisa estranha na época da extrema sofisticação Wagneriana.

Criava melodias simples, usava acordes simples, optava por uma fluência musical sem sobressaltos e sobretudo gostava de humor e de pequenas provocações.

Quando disseram que ele não conhecia forma musical, não titubeou em escrever “Três peças em forma de pera”

Ouça uma delas, clicando aqui embaixo.

Percebeu, caro leitor, a nitidíssima forma de pera da peça?

Não? Bem, eu também não, mas isso não é grave…

Mas voltemos à sua famosa Gymnopedie, que abriu este post.

Satie, O Gato Negro e os Gregos Nus

Conta-se que em dezembro de 1887, Satie visitou um célebre cabaré francês chamado “Le Chat Noir”, ou o Gato Negro.

P{oster do cabaré "Le Chat Noir".

Poster do cabaré “Le Chat Noir”.

Lá Satie foi apresentado ao diretor da casa, fomoso por suas provocações.

Perguntando insistentemente a Satie qual era sua profissão, ele – que a rigor não tinha nenhuma – respondeu, provocativamente: “Sou Gymnopedista”.

Meses depois, compôs três peças curtas para piano às quais deu o título de “Gymnopedies”.

A esta altura o leitor pode estar perguntando: o que é, afinal, uma gymnopedie?

No século VII antes de Cristo, em Esparta, na Grécia, as Gymnopedies eram celebrações anuais nas quais jovens guerreiros exibiam suas habilidades marciais, dançando nus, com seus corpos atléticos besuntados em óleo.

A relação entre essa prática e as Gimnopedies de Satie é algo que eu deixo a cargo de vocês, caros ouvintes, pois ele mesmo nunca explicou…

Erik Satie na maturidade
Erik Satie, já um homem maduro

Os Balés de Satie

Mas ele também escreveu para orquestra, e entre suas obras orquestrais, a mais conhecida é o balé Parade – ou Parada, em português.

Parade foi escrito em estreita colaboração com dois dos mais geniais artistas da virada do  século XIX para o XX: Jean Cocteau e Pablo Picasso.

Cocteau, um dos mais importantes poetas, dramaturgos e cineastas franceses, foi o idealizador do balé, que procurou criar um espetáculo cênico cubista.   

Contou com figurinos e cenário de Pablo Picasso e coreografia de Leonid Massin.

Parade streou em 1917, fazendo parte dos Balés Russos de Dyagilev. Satie não podia estar em melhor companhia…

Veja um trechinho aqui:

A História de “Parade”

A história se passa numa feira de variedades, ao ar livre, onde artistas performáticos e pregoeiros tentam a qualquer custo atrair a multidão.

A música procura descrever esse ambiente até a chegada do primeiro artista, o prestidigitador chinês, que faz truques com um ovo e engole fogo, pondo em perigo as pessoas ao redor, até ser impedido de continuar…

A segunda parte, que se chama La Fille Americaine, ou a jovem americana, é uma alusão aos filmes de Charles Chaplin, e nele Satie introduz sonoridades absolutamente impensáveis para a   época, como sons de máquinas de escrever, sirenes, bacias com água, e até tiros de revólver.

Na terceira parte do balé Parade surgem acrobatas e palhaços  tristes.

De repente ouve-se o som de uma sirene que encerra o show, levando todos de volta à vida cotidiana…

Em 1924, um ano antes de morrer, Satie escreveu o Balé Relache, em conjunto com o pintor francês Francis Picabia, um dos primeiros representantes  do movimento dadaísta.

Francis Picabia
Francis Picabia (1879-1953)

Relache em francês significa o fechamento do teatro após o final do espetáculo. O balé Relache era também totalmente dadaísta e a música de Satie cheia de melodias populares – uma provocação para a época.

A provocação é a tônica, a começar pelas palavras de Picabia:

“Relache não quer dizer nada, não significa nada… é o polen de nossa época. Um pouco de pó nas pontas de nossos dedos e a figura desaparece… Deve-se pensar nele à distância e não tentar tocá-lo…”

Satie esquecido no final da vida

No início do século XX Satie era praticamente ignorado pelo público, e viveu o final de sua vida  pobre, e em extrema simplicidade.

Por outro lado era cultuado pelos artistas progressistas e inovadores.

O célebre Grupo dos Seis, do qual faziam parte os compositores Milhaud, Honegger, Auric, Tailleferre, Poulenc e Dourey, o venerava.

Pablo Picasso era seu amigo e declarou que foi uma das mais importantes influências de sua vida.

Claude Debussy também o admirava e foi seu amigo pessoal.

Mais um compositor com obra a ser descoberta por todos nós.

Espero que tenha gostado da leitura!

Deixe seu comentário aqui abaixo, ele é muito importante para mim!

Ritmo na Música de Bach.

Neste post falo de um tema que eu considero fascinante: o ritmo na música de Bach!

Ritmo remete a dança.

Quando falamos em ritmo, algo que vem logo a nossa mente é a dança.

E dança é algo que sempre teve um papel importantíssimo na assim chamada música clássica, pois durante séculos elas animaram as festas nas cortes do velho mundo.

Dança Barroca.
Ritmo na Música de Bach.

La Ronde, from Les Caprices Series B, The Nancy Set
. https://picryl.com

Mais tarde as danças foram estilizadas pelos compositores do século XVIII, inclusive J. S. Bach.

Johann Sebastian Bach.
O ritmo na música de Bach.

Assim, transformaram-se em música pura, música para ser tocada e apreciada, e não mais para ser dançada.

J. S. Bach criou muitas danças que são verdadeiras obras primas. As danças são os melhores exemplos da forte presença do ritmo na música de Bach.

Aliás, para muita gente, um dos grandes atrativos na música de Bach é o Ritmo!

Os elementos do ritmo.

Antes de ouvirmos exemplos de Bach, vamos conhecer um pouco melhor o ritmo, começando pelos ritmos básicos, que são o binário e o ternário.

O ritmo binário é aquele em que sentimos uma acentuação a cada duas batidas. 1,2; 1,2; 1,2; etc …

Ouça:

E o ritmo ternário é aquele em que sentimos a acentuação a cada três batidas.

É este aqui:

Perceber essa diferença é fácil e ao mesmo tempo muito importante.

Apesar disso, é surpreendente como muitas pessoas que ouvem música com freqüência não se dão conta disso.

Que tal fazermos alguns testes?

Ainda mais uma coisa, antes de chegarmos à música de Bach.

Vamos tocar alguns trechinhos musicais, e eu proponho que você, caro leitor ou leitira, arrisque dizer se se trata de uma música ternária ou binária.

Você responde e em seguida eu dou a resposta.

Vamos lá!

Teste 1

Binário ou ternário?

Se estiver difícil, procure marcar o ritmo com a mão ou o pé.

Teste 2

Teste 3

Teste 4

Vamos às respostas:

Teste 1: Parabéns a você. Ritmo Ternário.

Teste 2: Asa Branca. Ritmo Binário.

Teste 3: Marcha Soldado. Ritmo Binário

Teste 4: Uma melodia folclórica alemã. Ritmo Ternário.

Se você não acertou, não faz mal!

De qualquer maneira, a partir de agora, quando ouvir música, procure sentir a sua pulsação!

Andamento ou Velocidade do Ritmo.

O segundo elemento ligado ao ritmo, e que tem também grande importância na música é o andamento.

Quanto a isso não há segredo; tem a ver com a música ser mais rápida ou mais lenta.

Com esses dois elementos, ou seja a pulsação binária ou ternária e o andamento, já podemos definir várias danças.

Valsa.

Uma valsa, por exemplo, é sempre em ritmo ternário e andamento rápido.

Este exemplo não é de Bach, mas pudera … no seu tempo a valsa ainda não existia!

Minueto.

Já um minueto é sempre em ritmo ternário e em andamento moderado.

Aqui, um exemplo de Haendel, compositor que viveu na mesma época que Bach.

Padrões rítmicos.

Vamos em frente. Além do ritmo básico e do andamento, há também os padrões ritmicos.

Por exemplo: um choro será sempre binário e com uma sucessão de notas iguais, assim:

Apanhei-te Cavaquinho!

Já o samba também é binário, mas tem um padrão ritmico todo recortado:

Eu vou prá Maracangalha, eu vou …

Palavrões!

Prá finalizar, há ainda os ritmos téticos e os anacrúsicos.

Caro leitor, não se assute com esses palavrões! É fácil.

Pense em Marcha Soldado. Ela começa com um acento:

Mar– cha soldado

Já Asa Branca começa com um impulso para o acento:

Quando-lhei

Quando uma melodia começa na nota acentuada – ou como nós músicos costumamos dizer, no tempo forte do compasso, nós dizemos que ela é tética.

E quando ela começa num impulso para o tempo forte – ou como os músicos costumam dizer, num tempo fraco – nós dizemos que ela é anacrúsica.

Finalmente, o ritmo na música de Bach.

Dito tudo isso, vamos conhecer algumas das danças que estavam em voga no século XVIII e que Bach usou em muitas de suas suítes.

Louré

A Louré era uma dança francesa, usada com freqüencia nos espetáculos teatrais já no século XVII.

Seu ritmo é ternário e seu andamento lento.

No exemplo abaixo, uma Louré da Partita n0. 3 para violino solo de Bach.

Bach: Loure da Partita No. 3 para Solo Violin. Leonidas Kavakos, violino.

Gavota.

A Gavota também é uma dança francesa, mas de origem popular, posteriormente levada às cortes.

Tem andamento moderado e ritmo binário.

Ela é anacrúsica!

Agora um exemplo orquestral: a Gavota da Suíte Orquestral no. 3 de Bach.

Bach. Gavota da Suíte Orquestral no. 3. Orquestra Barroca de Amsterdam, maestro Ton Koopman,

Bach costumava usar pedais – notas longas de sustentação – em suas gavotas, criando com isso uma sonoridade típica das gaitas de fole, como que para lembrar-nos sua origem popular.

Isso pode ser facilmente percebido na gavota da Partita no. 3 para violino.

Mais um exemplo de uma Partita para violino solo de Bach.

https://www.youtube.com/watch?v=3gi0r1lLM9E
Bach. Gavota da Partita no. 3 para violino solo. Gidon Kremer, violino.

Minueto.

O minueto também é uma dança francesa , instituida na época de Luis XIV. Foi a mais popular dança das cortes européias, e a que mais tempo sobreviveu.

Quando ninguém mais fazia executar gavotas ou lourés, o ritmo do minueto continuava sendo ouvido, até o comecinho do século XIX.

É uma dança de ritmo ternário, e de andamento moderado.

Na Itália, contudo, passou a ser tocado consideravelmente mais rápido, e foi muito usada em aberturas de óperas.

Bach, no exemplo que ouviremos em seguida, mostra-se fiel ao padrão francês.

Nele ele faz algo muito comum na época: uma forma A B A, em que A é um minueto, e B é outro, que contrasta com o primeiro.

Bourré

A Bourré também é uma dança francesa. É em ritmo binário, tem andamento rápido, e caráter vivo, alegre.

Começa sempre com uma anacruse.

Bach compôs Suítes para Alaúde, um instrumento magnífico.

Abaixo um exemplo.

Bach : Bourrée BWV 996 . Evangelina Mascardi, alaúde barroco.

Giga.

Agora deixemos as danças francesas para conhecer a Giga, uma dança que se popularizou em toda a Europa, mas teve sua origem na Grã-Bretanha.

É sempre ritmo ternário, e de andamento bem rápido.

Era uma dança que, no século XVIII, foi usada pelos compositores com muita liberdade. Havia tipos mais ou menos rápidos, com frases irregulares ou regulares, em estilo contrapontístico ou homofônico.

O que não variava era o ritmo ternário e o andamento vivo, alegre e muitas vezes saltitante.

Todas as suítes para violoncelo solo de Bach terminam com uma Giga.

Bach. Giga da Suíte para violoncello solo no. 1. Micha Maisky.

Sarabanda.

Da Grã-Bretanha vamos para a Espanha, terra natal de uma das mais queridas danças dos séculos XVII e XVIII: a Sarabanda

Muitos musicólogos defendem a tese de que ela surgiu na América latina, chegando posteriormente à Espanha.

De qualquer maneira, da Espanha ela foi para a Itália, e de lá espalhou-se pela Europa.

A sarabanda é uma dança lenta e em ritmo ternário.

No exemplo seguinte, a Sarabanda da Partita para cravo BWV 830, de Bach.

Bach: Sarabanda da Partita BWV 830. – Jean-Christophe Dijoux, cravo.

Corrente.

Uma dança em qua as notas fluem soltas, deslizando livremente é a Corrente, ou Courante.

É uma dança rápida, viva, em ritmo é ternário.

No século XVIII havia uma variante italiana, com ritmo mais uniforme, e uma francesa, com maior variedade ritmica, e com textura contrapontística.

Bach, neste exemplo que ouviremos, opta pelo estilo italiano.

Bach: Corrente da Suite Francesa No. 2. Courante. Angela Hewitt, piano.

Bach compôs 3 partitas para violino solo e um número muito maior de suites e partitas para cravo.

São verdadeiros mananciais de danças do século XVIII. Esse é um repertório muito rico, e muitas danças ficaram de fora deste artigo, como a Alemanda, o Passepied, o Hornpipe, entre outras.

Bach escreveu lindos exemplos de todas elas.

Será assunto para uma próxima portagem!

Espero que tenham gostado da leitura e dos exemplos musicais!

Saudações do maestro J. M. Galindo.

Dia dos pais musicais: Leopold Mozart.

Leopold Mozart. Pai de Amadeus Mozart.

Milagre.

João Jorge Leopoldo Mozart nasceu na cidade austríaca de Augsburgo em 1719. Era um homem religioso. Na meia-idade, acreditou estar presenciando um milagre.

São suas as seguintes palavras, escritas em uma carta datada de julho de 1768, quando tinha 49 anos de idade:

“Eu devo esta tarefa a Deus Todo Poderoso, senão serei a mais ingrata de todas as criaturas. E se for meu dever convencer o mundo da veracidade deste milagre, assim será. Especialmente hoje, quando as pessoas estão ridicularizando o que quer que seja chamado de milagre, e negando todos os milagres”.

Esse milagre, que ainda segundo ele “Deus deixou nascer em Salzburgo”, era o imenso e precoce talento musical demonstrado por seus dois filhos, Maria Ana e João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.

Um homem de cultura.

Leopoldo Mozart era um intelectual, o único a viver em Salzburgo em seu tempo. Apesar de não pertencer a uma família aristocrática, teve acesso a uma excelente educação.

Havia freqüentado uma escola Jesuíta em Augsburgo, sua cidade natal.

Mudou-se para Salzburgo aos 18 anos de idade. La ingressou na Universidade Beneditina onde graduou-se em folosofia.

Embora religioso, não era profundamente devoto. Sua educação racional fez dele um homem bastante sóbrio e crítico. Sua religiosidade era temperada pelas idéias do iluminismo, que pouco a pouco ganhavam a Europa.

Porém, quando se deu conta do assombroso talento de seus filhos, sentiu-se como que atingido por um raio.

Aquilo foi para ele uma revelação divina. Mudou substancialmente sua maneira de ver a vida.

Missão.

Foi então que Leopold Mozart decidiu entregar-se totalmente à tarefa que eu citei há pouco: promover o desenvolvimento daqueles talentos.

Aquilo tornou-se para ele era uma obrigação para com Deus.

Segundo sua filha Maria Anna, em 1760, quando estava com 41 anos e no auge de sua criatividade, Leopoldo deixou de lado as aulas de violino e a composição.

Todo o tempo que não era usado para realizar as suas obrigações profissionais, ele dirigia para a educação musical dos dois pequenos.

Nessa altura Leopoldo já havia escrito muita música. Dentre tudo o que conhecemos dele há muita música de ocasião. São peças muito simples encomendadas para situações específicas da corte, como festas ou cerimônias civis e religiosas. Algumas delas são deliciosas de ouvir.

Obra pouco avaliada.

Avaliar a real importância da obra de Leopoldo Mozart no contexto da música erudita européia, é algo que esbarra em dois problemas:

1º) Sabe-se com certeza que muitas de suas partituras se perderam.

2º) Ninguém conseguiu até hoje fazer uma relação cronológica das obras que restaram.

De toda a obra de Leopoldo, o que mais se grava são as obras que pertencem à categoria de … pitorescas.

Aqui vão alguns exemplos:

– Sinfonia dos Brinquedos. Nela são utilizados instrumentos de brinquedos, como tambores, cornetas ou matracas.

-A Sinfonia da Caça. Sua escrita musical imita galopes, pássaros, latidos. Nas execuções costumam ser introduzidos sons de apitos e tiros.

-Uma sinfonia intitulada “O Casamento Campestre”. Nesta ouve-se sons de instrumentos rústicos como gaitas de foles e violas de roda.

E por aí afora…

Esse repertório exótico é bem fácil de encontrar, ao contrário de sua música sacra. Nesta seu talento musical mais elevado teve a oportunidade de se desenvolver.

Segundo uma de minhas fontes preferidas e de alta confiabilidade, o Grove Dictionary of Music and Musicians, um bom exemplo do alto nível em que a música de Leopoldo Mozart chegou é a “Litanie de Venerabili Sacramento”. “Ladainha do Venerável Sacramento”, em português.

Pois acreditem, caros leitores: não encontrei nenhuma gravação dessa obra!

Filho e Filha.

Maria Anna, a filha mais velha de Leopoldo, era tão talentosa quanto o pequeno Amadeus.

Maria Anna Mozart. Irmã de Mozart.

Fez várias viagens com seu pai e irmão. Nelas exibia sua técnica e musicalidade ao piano para platéias de nobres e poderosos em cidades como Munique, Paris e Londres.

Porém, aquela época não favorecia o sucesso professional das mulheres. A partir de 1769, quando completou 18 anos, Maria Anna passou a exibir sua musicalidade apenas dentro de casa. Enquanto isso seu irmão Amadeus viajava e afirmava-se como compositor.

Houve um momento em sua juventude que Maria Anna começou a compor. Sabemos disso graças à correspondência que trocava com seu irmão. Este, aliás, a adorava e a encorajava profundamente.

Contudo, infelizmente nenhuma de suas partituras sobreviveu.

Ela casou-se aos 33 anos de idade com um magistrado da cidade de Saint Gilegen. Teve três filhos, tornando-se uma dona de casa.

Em 1801, aos 50 anos, ficou viúva. Retornou a Salzburgo com seus filhos, para uma vida simples e pacífica.

Lá manteve-se ativa como professora de piano. Muitas pessoas importantes da cidade encaminhavam seus filhos para estudar com a irmã do grande Amadeus Mozart.

Faleceu solitária e pobre em 1829, com 78 anos de idade.

As Viagens de Amadeus.

Leopoldo Mozart é às vezes criticado pelas longas e penosas viagens que fez com o pequeno Amadeus. Credita-se a elas a saúde frágil que ele veio a presentar no futuro.

Essas viagens, contudo, eram penosas também para Leopoldo. Precisava conseguir longos períodos de licença, o que desgastava sua relação com seus patrões. Isso afetava profundamente seu precário equilíbrio financeiro.

Porém o extraordinário desenvolvimento do pequeno Amadeus como artista, e a assombrosa maturidade que alcançou ainda joven, seriam inimagináveis sem essas viagens.

Nelas, além de mostrar seu talento, ele aprendeu muito. Teve também a oportunidade de freqüentar ambientes musicais muito mais ricos que o de sua pequena Salzburgo.

A Itália, principalmente, era a grande referência musical da época. Todo músico em ascenção precisava conhecer a vida musical italiana.

Na Italia o jovem Mozart conheceu Sammartini, Piccini, e principalmente Padre Martini, um dos maiores professores de música daquele tempo.

Obras a Quatro Mãos.

Todo mundo já deve ter ouvido falar que o pequeno Amadeus Mozart compôs sua primeira música aos 5 anos.

Ele realmente começou a escrever pequenos minuetos e outras peças simples nessa idade. Contudo, com certeza, a mão de seu pai Leopoldo o ajudava a segurar a caneta – ou melhor, a pena.

Aliás, todas partituras que Amadeus Mozart escreveu até completar 14 anos, são repletas de reparos e correções feitas com a caligrafia de seu pai.

Papai Amadeus.

Assim como seu pai Leopoldo, Amadeus Mozart teve vários filhos, e só dois chegaram à idade adulta.

Dos dois só um seguiu a carreira musical: Francisco Xavier Mozart. Ele nasceu em 1791, poucos meses antes da morte do pai, e faleceu em 1844, com 53 anos de idade.

Farnz Xaver Mozart. Filho de Mozart.

Francisco Xavier Mozart também demonstrava um grande talento musical. Salieri declarou que ele certamente desenvolveria uma carreira comparável à de seu pai.

Francisco começou a compor muito jovem. Pianista e violinista, aos treze anos fez sua primeira apresentação pública.

Mas não era fácil ser filho de quem era. Francisco, apesar de muito bom músico, sempre subestimava seu próprio talento. Temia que suas obras fossem sistematicamente comparadas com as de seu pai.

Além disso, foi um daqueles compositores que viveu numa época um tanto difícil: a passagem do classicismo para o romantismo, sob a sombra de Beethoven.

Em alguns momentos Francisco Xavier ainda é bastante clássico. Em outros, já soa claramente romântico.

O Mozarteum.

Francisco viveu 20 anos numa cidade alemã chamada Lemberg, lecionando, fazendo recitais, e regendo.

Foi o fundador da 1ª escola de música da cidade.

Aos 47 anos voltou para Viena, e posteriormente mudou-se para Salzburgo. Lá foi nomeado “mestre de capela” do Mozarteum.

O Mozarteum de Salzburgo foi uma associação criada por volta de 1840, graças aos esforços da viúva de Amadeus Mozart. Tinha como missão “o refinamento do gosto musical em relação à música sacra e também à música de concerto”.

As atividades da associacão tornaram-se no século XIX o centro da vida musical da cidade.

Mozarteum de Salzburgo

A associacão cresceu e entre 1910 e 1914 construiu um prédio com duas salas de concerto. Hoje quando se fala no Mozarteum de Salzburgo, refere-se a elas.

O Filho Não Músico.

O irmão mais velho de Francisco Xavier era Carlos Tomás Mozart, que viveu entre 1784 e 1858.

Karl Thomas Mozart. Filho de Mozart.

Carlos estudou piano em Viena quando jovem, e demonstrava muito talento.

Seus interesses, no entanto, oscilavam entre o piano e outras atividades. Em 1810, aos 26 anos, ele desistiu definitivamente da música como profissão. Tornou-se um oficial a serviço do Vice-Rei de Nápoles em Milão.

Desde 1797 radicou-se na Itália e de lá nunca mais saiu.

Nem Carlos nem Francisco tiveram filhos. Terminou com eles a descedência direta de um dos maiores músicos que a humanidade gerou: João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.

A Música de Leopold

Para finalizar, um pouco da música esquecida de papai Leopold Mozart.

Clicando no link abaixo você ouvira um belo concerto para trompete e cordas de sua autoria!

As Cartas de Beethoven.

Beethoven é talvez o melhor exemplo de uma tendência de todos nós que gostamos de música de concerto. Costumamos pensar nos grandes compositores como se não fossem humanos!

É como se fossem quase deuses, seres especiais dotados de um dom invejável. Homens e mulheres que fizeram sua trajetória nesse mundo sem ter que se importar com as pequenas e mundanas coisas do dia a dia, como as tarefas de subsistência.

Para sairmos desse devaneio, nada melhor do que ler os depoimentos que eles deixaram para a posteridade, em cadernos de anotações, margens de livros, cartas, etc.

Esses depoimentos nos trazem informações curiosas, algumas muito importantes, e outras que podem ser muito divertidas.

Neste artigo, algumas linhas escritas pelo próprio punho de Beethoven!

Beethoven
Beethoven com cerca de 30 anos.

Bilhetes enviados a Hummel.

Vamos começar com dois bilhetes de Beethoven, enviados ao colega pianista e compositor Johann Nepomuk Hummel. São muito divertidos!

O 1º bilhete diz o seguinte:

” Não se atreva a procurar-me de novo! És um cão traiçoeiro e que a carrocinha carregue os cães traiçoeiros”

No dia seguinte Beethoven escreveria a Hummel este segundo bilhete…

“Ceninho do meu coração,

Você é um sujeito correto, reconheço que vc estava com a razão; venha, pois, hoje de tarde em casa, Schuppanzigh também estará aqui. Vamos repreendê-lo, amassá-lo e despedaçá-lo de tal maneira que ele vai achar uma delícia.

Beijos do seu Beethoven.”

Mas quem foi Hummel?

Johann Nepomuk Hummel viveu entre 1778 e 1837, tendo nascido 8 anos depois de Beethoven.

Hummel, pianista e compositor,

Foi pianista e compositor muito admirado em seu tempo, embora hoje seja conhecido por poucos.

Hummel foi aluno de Mozart e grande amigo de Beethoven.

E quem foi Schuppanzigh?

Agora vamos ver quem foi Schuppanzig, a quem Beethoven se refere.

Schuppanzigh

Ignaz Schuppanzigh viveu entre 1776 e 1830; era um violinista que se estabeleceu como virtuoso com apenas 21 anos de idade. Foi professor de violino de Beethoven e mantiveram-se amigos por toda a vida.

Apesar de desconhecido, teve um papel importantíssimo na evolução da música européia: foi o líder do primeiro quarteto de cordas profissional da história, o quarteto do Conde Razumovsky.

Antes a música para quarteto de cordas era sempre tocada por amadores.

Beethoven dedicou a Schuppanzigh três quartetos magníficos, os de opus 59 nº 1, 2 e 3, conhecidos justamente por Quartetos Razumovsky.

Cartas para os editores.

Vamos agora a outro capítulo da comunicacão epistolar Beethoveniana: as cartas, muitas, que ele enviava para seus editores.

Neste caso o destinatário era Franz Anton Hoffmeister, e a carta foi enviada em janeiro de 1801.

“… estou às suas ordens e lhe ofereço no momento as seguintes obras:

– o septeto de que lhe fiz menção e que pode ser transcrito para o piano a fim de se obter uma divulgação mais ampla e um lucro maior, por vinte ducados.

– a Sinfonia por vinte ducados.

– o Concerto para piano por 10 ducados.

– grande sonata solo, por vinte ducados.

E agora vamos aos comentários: deve estar espantado por eu não fazer nenhuma distinção entre sonata, septeto, sinfonia quanto ao preço.

Faço-o assim porque sei muito bem que há menos procura por septetos ou sinfonias que por uma sonata, embora uma sinfonia valha muito mais.

Peço apenas 10 ducados pelo concerto porque não o coloco entre minhas obras mais bem sucedidas…”

Veja só aqui caro leitor, um exemplo da severa autocrítica de Beethoven, desmerecendo uma de suas próprias obras.

Beethoven estava se referindo ao concerto para piano nº 1, opus 19, em si bemol maior, que hoje esta catalogado como nº 2

E acrescentava:

“Deveria haver um único mercado de arte no mundo; o artista simplesmente mandaria para lá as suas obras e receberia tanto quanto necessita; da maneira como as coisas são, cada um deve ser meio comerciante acima de tudo….”

E aqui vemos o outro lado: a luta de Beethoven para manter-se como artista independente, vivendo apenas de suas composições.

Na época ainda não havia lei nem arrecadação de direitos autorais; o compositor vendia sua obra por uma quantia específica e não recebia mais nada por ela.

Aliás, este editor com quem Beethoven se comunicou, Franz Anton Hoffmeister, era também compositor. Ele viveu entre 1754 e 1812, deixou 8 óperas, mais de 50 sinfonias, muitos concertos e música de câmara.

Hoffmeister,
Franz Anton Hoffmeister.

Beethoven Marqueteiro?

Seguimos com outro trecho de uma carta enviada ao mesmo Franz Anton Hoffmeister, em abril de 1802.

Ele mostra como já naquela época os editores sucumbiam a toda idéia marqueteira que surgisse e pudesse render um bom dinheiro…

Assim diz Beethoven:

“Será que o diabo está cavalgando na cabeça dos senhores, cavalheiros?

Sugerir que eu deveria escrever uma sonata revolucionária? No tempo da febre revolucionária teria valido a pena considerar a proposta, mas agora, que todas as coisas estão tentando voltar à velha rotina, agora que Bonaparte fez sua concordata com o papa ….nesse caso eu empunharia uma pena e confiaria ao papel um Credo com notas enormes que valeriam uma libra cada.

Mas bom Deus, uma sonata dessa espécie no começo de uma nova era cristã…oh!oh!…. excluam-me disso, pois não resultará em nada!”

Em lugar da tal sonata revolucionária Beethoven escreveu sua belíssima sonata opus 22, e a dedicou a um aristocrata, o conde Bowne.

Fala um aluno de Beethoven.

Vejamos agora não um depoimento do próprio Beethoven, mas de um grande músico que foi muito ligado a ele: Carl Czerny.

Czerny, aluno de Beethoven
Carl Czerny

Czerny é muito conhecido por todo mundo que estudou piano. Ele deixou vários trabalhos pedagógicos, livros com exercícios e estudos para jovens pianistas, que são usados até hoje.

Czerny era vienense, viveu entre 1791 e 1857, e foi aluno de Beethoven.

Eis o que ele deixou escrito sobre seu mestre.

“Encontrei-me pela primeira vez com Beethoven por volta 1798 ou 1799. Tinha 7 ou 8 anos de idade.

Ainda naquela época, entre 1798 e 1799, o mestre não dava o menor sinal de ter dificuldade de audição.

Ele pediu-me para executar algo imediatamente, e tive muita vergonha de começar por uma de suas composições. Então toquei o grande concerto em do maior de Mozart.

Beethoven ficou atento, aproximou-se da minha cadeira e, nas passagens em que me cabia tão somente o acompanhamento, tocou o tema da orquestra na mão esquerda. Suas mãos eram densamente cobertas de pelos, e os dedos, sobretudo nas pontas, eram muito largos.

Quando Beethoven exprimiu sua satisfação, revesti-me de coragem e toquei sua Sonata Patética, que acabara de ser publicada. Quando encerrei, Beethoven virou-se para o meu pai dizendo-lhe: ” o garoto tem talento, eu próprio lhe darei aulas. Mande-o a minha casa uma vez por semana”.

Czerny estudou com Beethoven por 3 anos, e em seguida tornou-se seu assistente e profundo conhecedor da obra do mestre. Era capaz de tocar de memória tudo o que Beethoven havia escrito para piano.

Czerny é o pai da moderna técnica pianística, e é a raiz de várias gerações de pianistas, que chegam até os dias de hoje.

Um exemplo: o maestro e pianista Daniel Barenboim, diretor da Ópera de Berlim, estudou piano com Edwin Fischer, que foi aluno de Martin Krause, que foi aluno de Liszt, que foi aluno de Czerny.

Segue mais um depoimento escrito deixado por Czerny.

“Nas primeiras aulas Beethoven manteve-me ocupado apenas com as escalas em todas as claves, mostrou-me a única posição correta das mãos, que era ainda desconhecida da maioria dos músicos da época, a posição dos dedos, e particularmente o modo de usar o polegar – regras cuja utilidade não avaliei plenamente senão muito tempo depois. Então me fez tocar os exercícios do manual e, principalmente, chamou minha atenção para o legato, que ele próprio dominava de maneira tão incomparável, e que naquela época todos os outros pianistas consideravam inconcebível…”

A Sinfonia Pastoral.

Vamos agora ouvir o que Beethoven pensava sobre sua Sinfonia Pastoral, a partir de um texto que ele deixou registrado em um de seus muitos blocos de anotações.

“Deixe-se ao ouvinte que descubra a situação. Sinfonia característica ou uma reminiscência da vida campestre. Todo tipo de descrição perde muito ao ser transladada em demasia na música instrumental.

Qualquer um que possua a mais tênue idéia da vida campestre não precisará de muitas notas escritas para poder imaginar por si próprio o que o autor pretende. Mesmo sem descrições poderá reconhecer tudo, pois se trata de um registro de sentimentos, em vez de uma descrição em sons.”

É Beethoven nos dizendo que a escuta musical deve ser ativa, participativa. Enquanto ouve, o ouvinte deve deixar sua imaginação trabalhar. A grande música não foi mesmo feita para entrar por um ouvido e sair pelo outro.

A Sinfonia Pastoral é a única que tem um título para cada movimento, criado pelo próprio Beethoven.

São eles:

  1. “Despertar de sentimentos alegres diante da chegada ao campo”
  2. “Cena à beira de um regato”
  3. “Dança campestre”
  4. “A tempestade”
  5. “Hino de ação de graças dos pastores, após a tempestade”

Assim, sugiro ao leitor que sintonize sua mente, imagine que está num campo florido em uma bela manhã de primavera, enquanto ouve o delicado 5º movimento da encantadora Sinfonia Pastoral de Beethoven.

É só clicar no link abaixo!