A Suíte Barroca

Nicolas Lancret – La Camargo Dancing

Um importante gênero instrumental é a suíte barroca. É um dos gêneros instrumentais mais antigos, e conhecê-lo nos ajuda muito a compreender melhor os gêneros que vieram depois.

Vamos começar por algo bem simples, mas que muita gente não sabe: o significado da palavra suíte. Suíte vem do francês e quer dizer sequência. Então uma suíte é uma sequência de peças musicais.

As primeiras suítes que surgiram eram sequências de danças praticadas nas cortes e palácios aristocráticos. Conhecemos hoje belíssimas compostas por grandes mestres como J. S. Bach. Mas nem sempre foi assim.

Houve uma época em que os músicos não compunham suítes; eles simplesmente organizavam em sequência uma série de danças avulsas já conhecidas. É o mesmo que fazem hoje em dia os músicos que tocam em bailes e festas.

Danças

E essas danças avulsas? De onde vinham? De toda a parte. Dançar é uma atividade tão antiga quanto a humanidade. Eu quero crer que não deve ter havido uma civilização ou um grupo humano em toda a nossa história que não tenha cultivado o hábito de dançar, fosse em rituais ou por pura diversão.

E o hábito ou desejo de dançar também se faziam presentes em todas as classes sociais. Assim, no final da Idade Média, na Europa, dançavam os camponeses em suas aldeias, e dançavam os nobres, protegidos em seus castelos. Dentro deles foram plantadas as sementes da suíte instrumental.

Origens

Durante a Idade Média a Europa sofreu guerra atrás de guerra. Os árabes invadiam pelo Sul, os vikings vinham do Norte e tribos do leste europeu também ameaçavam. Viver dentro de um castelo era uma das melhores garantias de segurança.

Alguns castelos abrigavam muita gente, que em períodos belicosos ficavam ali trancados, e em períodos de tranquilidade recebiam visitas de outros membros da nobreza, fosse para fazer arranjos políticos, contratos de casamentos etc. Em qualquer uma dessas situações, dançar era uma das poucas formas de diversão possíveis. Não saber dançar corretamente era uma falha grave, tamanha a importância desses bailes e festas.

Para essas ocasiões, escreviam-se muitas danças avulsas, cujas partituras circulavam pelas cortes em cópias manuscritas. Então em dois castelos distantes seria possível ouvir uma mesma dança, como essa:

La Bouree · Westra Aros Pipers

Essa foi uma bourrée, de autor anônimo, dança francesa de origem camponesa, mas que acabou sendo adotada pelas cortes. Aqui ela foi executada pelo conjunto sueco Westra Aros Pijpare, ou os Gaiteiros de Westra Aros.

Michael Praetorius

Michael Praetorius

É um belo exemplo da música de dança que se fazia no final da Idade média na Europa. E se nós estamos aqui ouvindo a gravação dessa peça, devemos a agradecer a um músico alemão que viveu entre 1571 e 1621 e se chamava Michael Praetorius.

Ele foi muito prolífico como compositor e também como teórico. Deixou entre seus escritos um volume no qual compilou mais de 300 danças francesas avulsas que circulavam pelo continente. Esse trabalho nos serve como uma mostra da imensa atividade musical ligada à dança daquele tempo.

Pavana e Galharda

Eu gostaria de destacar mais duas peças dessa coleção de Praetorius. Primeiramente uma Pavana. A Pavana é uma dança lenta, em ritmo de dois tempos, com caráter processional. Seus passos eram muito simples. As pessoas caminhavam lentamente, de uma maneira semelhante àquela que uma noiva faz hoje em dia ao entrar na igreja. Era a oportunidade que os cortesãos tinham para mostrar suas ricas vestimentas, desfilando diante do nobre anfitrião. Alguém nota alguma semelhança com os atuais desfiles de moda?…

Pavane de Spaigne · Westra Aros Pipers

A Pavana, como essa que ouvimos, fazia dobradinha com a Galharda, que tinha caráter oposto. Era rápida, em ritmo de três tempos, e tinha passos difíceis e cansativos, porém divertidos. As pessoas tinham de saltar e, enquanto estavam no ar, cruzavam. Dançar galhardas equivalia na época a ir a uma academia de ginástica.

Gaillarde · Westra Aros Pipers

A Pavana e a Galharda eram frequentemente tocadas uma depois da outra. Em sequência, diríamos nós hoje. Ou “en suite”, diriam os franceses. E essa dobradinha Pavana/Galharda, parece ter sido mesmo a origem da suíte de danças.

O que aconteceu foi algo bastante simples. Os instrumentos musicais foram evoluindo lentamente ao longo de séculos. Depois do apogeu da música vocal polifônica, no século XVI, os compositores do século XVII já se sentiam à vontade pra se dedicar mais e mais à música puramente instrumental.

Parecia uma boa ideia compor obras instrumentais usando como base os ritmos daquelas danças que eram tão apreciadas. Assim surgiram das mãos de vários compositores sequências de danças para serem tocadas e apreciadas pelos ouvintes. Eram sequências de alemandas, sarabandas, burrées, gigas, etc, que não seriam mais dançadas, apenas apreciadas. Nascia assim a suíte barroca, uma sequência de danças.

Ela poderia ser composta para qualquer meio de expressão: uma pequena orquestra, um alaúde solo, uma flauta acompanhada de instrumentos de cordas… qualquer combinação seria possível.

Jean-Philippe Rameau

Clicando abaixo você poderá ouvir uma típica suíte barroca composta para ser tocada ao cravo. É a suíte em la menor do compositor francês Jean-Philippe Rameau, que faz parte do seu livro Pièces de Clavecin, ou peças para cravo, de 1706.

Rameau – Suite n°1 en la mineur

Ela é composta por um prelúdio, 2 alemandas, que são danças alemãs, uma courante, dança francesa, 2 sarabandas, espanholas, uma giga, inglesa, uma “venetiènne”, que como o nome diz, é veneziana, e finalmente uma gavota e um minueto, francesas.

O compositor tinha liberdade para montar a suíte como quisesse, e aqui vemos que Rameau fez uma suíte verdadeiramente internacional. Esse modelo se tornou um padrão no século XVIII. No repertório da época vamos encontrar um número muito grande de suítes que tem como esqueleto a Alemanda, a Corrente, Sarabanda, e a Giga.

Além do caráter internacional, esse esqueleto mantém o padrão lento-rápido da antiga dobradinha Pavana-Galharda. A Alemanda tem andamento lento, a Courante é rápida; a Sarabanda é lenta e a Giga, rápida.

Além dessas 4 danças básicas, o compositor poderia acrescentar outras conhecidas como “galanterias”. Danças galantes que tinham caráter mais leve, como o minueto, a gavota, a bourré, passepied, polonaise, etc. O compositor estava livre para deixar sua fantasia fluir. E muitas vezes, nem mesmo o esqueleto básico era mantido.

Aria da 4ª Corda

J. S. Bach, por exemplo, considerado um compositor austero, escreveu quatro suítes para orquestra e em nenhuma delas respeitou o esqueleto. Deixou apenas alguma reminiscência dele. E uma das obras mais conhecidas de Bach, faz parte de uma de suas suítes.

Muita gente conhece essa peça pelo nome de Aria da 4ª corda. Esse apelido vem do fato de um violinista do século XIX ter feito um arranjo dela para ser tocado apenas em uma das cordas do violino, a 4ª corda. Esse arranjo está quase esquecido hoje em dia. Na versão original, essa aria é o 2º movimento da 3ª suíte orquestral de Bach.

E é interessante notar que Bach se deu a liberdade de incluir uma peça com caráter de canção – pois a aria é efetivamente uma canção – numa sequência que deveria ser só de danças. Gênios estão sempre quebrando regras, por mais austeros que pareçam ser.

Bach – Orchestral Suite no. 3 in D major BWV 1068 – Mortensen | Netherlands Bach Society

A suíte barroca foi um dos mais importantes gêneros instrumentais do século XVII e da 1ª metade do século XVIII. Um número imenso de suítes foi escrito nessa época para as mais variadas formações instrumentais, por compositores de diversas regiões. Com o final do período barroco, a suíte perde espaço para outros gêneros. como a Sinfonia, a Sonata, ou o Quarteto de Cordas.

No século XIX a palavra suíte volta a ser usada, mas a suíte dessa época é distinta da suíte barroca. Temos a suíte da ópera Carmen, de Bizet, ou a suíte do Ballet Quebra Nozes, de Tchaikovsky. Essas suítes, no entanto, não têm relação direta com a suíte de danças barroca. Mas são um assunto interessante, e nós vamos falar dela em uma próxima postagem.

Espero que tenha gostado deste post.

E aqui vai uma dica de leitura. Clique na imagem abaixo, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais!

Siga-nos! Dê seu like! Compartilhe! E Obrigado!!!
error
fb-share-icon

17 comentários em “A Suíte Barroca”

  1. Excelente matéria ! Adorei. E o texto está complementado com os exemplos musicais de cada fase, o que facilita o entendimento.
    Eu sempre tive curiosidade em saber o que significava o termo “suite”.
    Parabéns, maestro !

  2. Adorei …!!Maestro continue com duas postagens são muuuuito ! Interessantes. E e muito agradável ler seus comentários ! Bravo
    Sds Alexandra

  3. No momento atual, a música é uma das poucas válvulas de escape para nós que buscamos um entretenimento saudável. Agradeço muito ao maestro Galindo essa oportunidade de dividir conosco sua cultura e simpatia de uma forma voluntária simplesmente para expor ao mundo as maravilhas da boa música.

  4. A clareza e precisão de seus artigos são brilhantes. Tudo objetivo, direto e claro.
    Neste caso em especial nada de rebuscado. Ou Barroco (rs…..).
    Excelente trabalho. Só quem tem muito domínio da Musica consegue sintetizar tão didaticamente.
    Bravo Maestro!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *