Inspiração em Rossini

No mundo da música de concerto sempre foi muito comum um compositor escrever obras a partir de melodias ou temas de outro compositor. Às vezes, quem não está habituado, até chega a pensar em plágio. Mas não é nada disso. No plágio, um músico está fazendo uma falsificação, normalmente com a intenção de ganhar dinheiro com isso.

Nos casos a que eu estou me referindo, o compositor está externando sua admiração pelo outro, e até mesmo fazendo-lhe uma homenagem. Vamos ver algumas obras inspiradas num dos mais admirados e populares compositores europeus de todos os tempos: Gioacchino Rossini.

Fama

Rossini foi um fenômeno, um furacão musical que varreu a Europa e deixou sua marca para sempre. Seu primeiro sucesso foi a ópera Tancredi, estreada em 1813. Algumas de suas melodias se tornaram tão populares que passaram a ser cantadas pelos italianos em toda a parte, até nas ruas.

Rossini era um jovem de 21 anos. E com apenas 37 anos de idade, rico e internacionalmente famoso, Rossini pode se dar ao luxo de terminar sua carreira de compositor de óperas. Mas suas melodias estão até hoje na mente de milhares de pessoas, tornando-se inesquecíveis.

Niccolò Paganini

Essas melodias inspiraram muitos outros compositores, entre eles seu conterrâneo e contemporâneo Niccolò Paganini. Paganini escreveu várias obras a partir de melodias de Rossini, e a mais conhecida talvez sejam as variações sobre Dal tuo stellato soglio, da ópera Moisés no Egito.

Eis a melodia, como aparece na ópera.

Dal tuo stellato soglio – Rossini 

E agora, as variações de Paganini.

Paganini – Introduction and Variations on “Dal tuo stellato soglio” from Rossini’s Moses in Egypt

E quero aproveitar para destacar alguns dos efeitos especiais que Paganini extrai do violino nessa peça.

Primeiro, os sons “harmônicos”, um efeito produzido quando os dedos da mão esquerda não pressionam a corda, mas apenas tocam-na com muita leveza. O resultado é semelhante a um assobio.

E o efeito produzido quando se toca com o arco em cima do cavalete – aquela pecinha que sustenta a corda. Em italiano se diz “ponticello”. Esses efeitos, muito conhecidos hoje, eram novidade na época de Paganini, e ajudaram a fazer sua fama.

Bohuslav Martinu

Continuemos com Rossini por outros compositores; agora temos um que não foi nem seu conterrâneo, nem seu contemporâneo. Trata-se do checo Bohuslav Martinu, que nasceu em 1890, cerca de 100 anos após Rossini e Paganini.

Martinu foi certamente um dos maiores compositores checos de todos os tempos; e veremos dele as Variações sobre um Tema de Rossini, opus 290, para violoncelo e piano.

A obra é curiosa porque Martinu se baseia nas variações de Paganini citadas acima, mas em vez de usar como tema a melodia original de Rossini, usa a 1ª variação de Paganini.

Bohuslav Martinů – Variations On A Theme of Rossini, H. 290, from SMALL STORMS

Vemos então como um compositor inspira um outro, como uma obra deriva de outra. A melodia original de Rossini motivou Paganini a escrever uma obra, que por sua vez inspirou Martinu a escrever outra.

Benjamin Britten

Mas vamos em frente, ficando no século XX, com o compositor britânico Benjamin Britten. Britten foi um jovem muito precoce e determinado.

Conta-se que quando ele tinha apenas 17 anos, lhe perguntaram qual seria sua profissão, ao que ele respondeu: vou ser compositor. Então seu interlocutor insistiu: sim, mas para ganhar dinheiro você vai fazer o quê?”

A pergunta tinha razão de ser; o compositor norte-americano Charles Ives era vendedor de seguros; Borodin era químico; Tchaikovsky era funcionário público; muitos, como Mahler, eram regentes, outros, como Cherubini e Chopin, professores.

Nunca foi fácil ganhar a vida apenas como compositor. Mas era isso o que Britten estava determinado a fazer; e foi atrás do seu sonho.

Assim, um de seus primeiros empregos consistiu em fazer trilhas sonoras para pequenos filmes. Então, em 1936 foi-lhe encomendado compor a trilha de um documentário chamado “Homens dos Alpes”. Para ele, Britten decidiu orquestrar algumas peças de Rossini.

March

Primeiro, uma marcha que faz parte da ópera Guilherme Tell. Ela está no 3º ato, e tem o título original em francês “Pas de Soldats”.

Guillaume Tell, Act III: Pas de Soldats (Orchestre)

Agora a reorquestração feita por Britten. Chamo a atenção para a imensa diferença entre uma formação orquestral típica do início do século XIX, e outra mais de cem anos à frente: são sonoridades bem distintas.

Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 1. March

Canzonetta

Veremos a peça que Britten chamou de Canzonetta; no original de Rossini ela é uma canção chamada La Promessa. Essa canção não faz parte de nenhuma ópera, mas de uma coleção chamada “Soirées Musicales”.

Rossini: Soirées musicales – 1. La promessa
Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 2. Canzonetta

Podem pensar: mas maestro, era a mesma música? Era, caro leitor, e o fato da versão de Britten ser bem mais lenta que a de Rossini faz com que a gente até tenha a impressão de que são peças diferentes.

Na verdade, Britten não faz a música ficar mais lenta, apenas; ele modifica o ritmo radicalmente, criando um ambiente completamente distinto do da peça original. Os momentos dramáticos do original de Rossini desaparecem, dando lugar a um espírito totalmente contemplativo.

Tirolesa

Outra canção de Rossini, da mesma coleção “Soirées Musicales”, chamada “Pastorella dell’Alpi”, ou em português, a Pastorinha dos Alpes.

Aqui Britten não nos surpreende, como no caso anterior; ele mantém o delicioso caráter de dança popular da canção original. É um show de orquestração, com os mais variados efeitos orquestrais muito bem explorados.

Rossini:: La Pastorella Delle Alpi
Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 3. Tirolese

Bolero

E da mesma coleção “Soirés Musicales” a canção L’invito – O Convite”, em português.

Rossini: L’Invito

Não sei se você vai concordar, mas Britten achou que se tratava de um Bolero, e foi esse o nome que ele deu à sua versão orquestral, há até castanholas….

Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 4. Bolero

Seria originalmente um bolero? Ou essa “bolerização” foi uma licença poética do compositor? Fica a questão pra gente pensar…

Tarantella

Vamos à última dobradinha Rossini – Britten; e mais uma vez o compositor britânico brinca com os ritmos.

Ele partiu de uma peça de caráter religioso: La Carità, para coro e piano, e não teve nenhum pudor em transformá-la em uma autêntica…. Tarantella!

“La Carita” by Gioachino Rossini
Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 5. Tarantella

Aqui a diferença de caráter entre as duas obras é tamanha que não seria exagero dizer que a peça de Britten não é apenas uma orquestração da de Rossini, mas sim uma autêntica variação daquela.

Espero que tenha gostado deste post!

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11 comentários em “Inspiração em Rossini”

  1. Boa tarde, Maestro,
    Fiquei feliz por encontrá-lo nas redes sociais.
    Apesar de não ter formação em música, sempre gostei de ouvir músicas clássicas. Tenho curiosidade em saber como os especialistas reconhecem nessas músicas “a entrada num maravilhoso portal”, gotas de chuva, vento e tantas outras ideias maravilhosas. Acredito que isso aparecerá em alguma postagem no seu site.
    Gostei das comparações que você apresentou com base na obra de Rossini.
    Desejo muito sucesso a você e a sua equipe.
    Um grande abraço.

  2. Prezado Maestro Galndo,

    Parabéns ! Estamos sepre apresendendo com o senhor. Muito obrigado.

    No caso de Rossini, esperava que o senhor mencionasse o famoso trecho da Abertura da Ópera Guillherme Tell que foi usado e fez muito sucesso como tema musical do seriado de cinema e TV chamado Zorro,

    1. Olá Florisval.

      Obrigado pelo seu comentário!

      Confesso que não sabia que um trecho da abertura de Guilherme Tell havia sido usado na sére “Zorro”!

      Agradeço-lhe pela lembrança!

      Abraços musicais!

  3. Obrigado Maestro. Suas informações musicais são sempre bem vindas por se tratar de aspectos particulares da musica clássica que nunca nos ocorreria investigar.

  4. Mais uma vez, obrigado Maestro.
    Suas escolhas para nossa audição são bem vindas, principalmente para um pagão da música clássica como eu.
    Eu as ouvia e maravilhava-me. Agora acrescento um pequeno conhecimento para mim.

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