Motetos de Bach

Afinal, o que é um moteto? O que quer dizer essa palavra? Moteto é um termo genérico, usado para designar obras vocais.

Digo genérico porque ele se refere a obras dos mais variados estilos e épocas. Começou a ser usado na França no século XIII, e manteve se em uso até o final do século XIX.

Se voltarmos bastante no tempo veremos que até o século XIII as obras vocais polifônicas eram sempre religiosas, e baseadas nos chamados cantos gregorianos. Pois bem, por volta do ano de 1250 os compositores que trabalhavam na catedral de Notre Dame de Paris começaram a fazer experiências, acrescentando outras palavras ou textos às obras vocais que compunham.

Era muito curioso, porque pode-se encontrar uma obra a três vozes, a mais grave cantando um canto gregoriano tradicional em latim, e as duas outras cantando outros textos, muitas vezes em outras línguas.

Mot

Palavra, em francês, escreve-se mot. Daí vem o termo “moteto”, para designar esse novo tipo de composição, em que o uso das palavras era uma grande novidade.

Com o passar do tempo o uso das palavras se modificou, o gênero evoluiu, transformou-se. Compositores de estilos muito diferentes, desde a renascença até o alto romantismo, escreveram obras vocais polifônicas, como Machaut, Dufay, Palestrina, Scarlatti, Gabrieli, Lully, Mozart, até Brahms e Bruckner.

É um repertório muito diversificado, mas curiosamente a palavra moteto se manteve em uso durante todos esses séculos. Hoje veremos os Motetos de Bach.

Finalidade

Bach escreveu seis motetos – talvez tenha escrito mais; estes foram os que chegaram até nós. Os musicólogos discutem até hoje o motivo pelo qual Bach teria escrito essas peças.

No século XIX alguns acreditavam que eram peças didáticas, destinadas a treinar o coro que Bach liderava na Igreja de São Tomás, em Leipzig.

Outros achavam que eram peças usadas em alguns cultos, no lugar das cantatas tradicionais, que além de coro têm também trechos solistas.

Hoje a tendência é crer que foram escritas para ser executadas em cerimônias fúnebres de importantes cidadãos de Leipzig.

Preservação

A Escola de São Tomás atua até hoje e tem vários coros em funcionamento. Ela foi fundada em 1212 pelos Agostinianos e é uma das mais antigas escolas do mundo.

Pois bem, depois da morte de Johann Sebastian Bach, seus motetos continuaram a ser apresentados pelo Coro da Escola de São Tomás de Leipzig, onde o grande compositor havia trabalhado entre 1723 e 1750.

Em 1789 Wolfgang Amadeus Mozart assistiu uma apresentação do coro cantando alguns motetos de Bach e declarou que essa foi uma experiência marcante para ele.

Algum tempo mais tarde a recém fundada Academia de Canto de Berlim começou a estudar os Motetos de Bach, e os incorporou definitivamente ao seu repertório. Através de fatos como esses os motetos e toda a obra de Bach se manteve preservada dentro do meio musical, e pode vir a público no final do século XIX, para nunca mais ser esquecida.

Encanto

Carl Maria von Zelter foi diretor da Academia de Canto de Leipzig; compositor, professor de grande reputação, com alunos como Felix Mendelssohn, uma vez escreveu uma carta ao grande poeta Johann von Goethe, na qual dizia:

Se num dia feliz eu pudesse fazê-lo ouvir um dos motetos de Bach, você se sentiria no centro do universo, como se você pertencesse a ele. Eu já ouvi essas obras centenas de vezes, e estou ainda muito longe de me cansar delas; na verdade, creio que nunca me cansarei.

Singet der Herrn ein neues Lied

Singet der Herrn ein neues Lied: Cantai ao Senhor uma nova canção.

Bach: Motet ‘Singet dem Herrn ein neues Lied’ | RIAS Kammerchor, Akademie für Alte Musik, Rademann

Jesu meine Freude

Um trecho do texto do moteto: Jesu meine Freude, ou Jesus minha alegria:

Jesus, minha alegria,
prado do meu coração,
Jesus, meu tesouro,
Ah, quanto tempo, quanto tempo
anseia o coração
Deseja ardentemente e te!
Cordeiro de Deus, meu esposo,
Nenhum outro sobre a Terra
pode me ser mais caro do que tu!

Bach: Motet BWV 227 ‘Jesu, meine Freude’ – Vocalconsort Berlin

Este moteto é bem mais austero e também mais longo, exigindo uma escuta mais atenta, mais introspectiva.

Tem 11 movimetos e foi escrito para coro. Contudo, segundo a prática da época, poderia ser acompanhado por instrumentos tocando colla parte, ou seja, duplicando as linhas vocais.

Algumas execuções são feitas assim, acrescentando-se instrumentos, e outras apenas com coro a cappella.

Fürchte dich nicht, ich bin bei dir

Fürchte dich nicht, ich bin bei dir, ou em português: Não tenha medo, eu estou ao seu lado.

Bach – Motet Fürchte dich nicht, ich bin bei dir BWV 228 – MacLeod | Netherlands Bach Society

Espero que tenha gostado deste post!

E caso queira se aprofundar na escuta dos motetos da família Bach, aqui vai uma sugestão de CD!

https://amzn.to/48ONw5E

Clique no link acima, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais!

Sinfonia Concertante

Volta e meia alguém me pergunta o que é uma Sinfonia Concertante; é mais concerto que sinfonia? Ou está mais para uma sinfonia que para um concerto? Hoje vamos acabar com essa dúvida e saber mais algumas coisas a respeito desse gênero musical.

Para começar, não custa nada relembrarmos a diferença entre uma sinfonia e um concerto. Quando se fala em sinfonia, a primeira coisa que vem à mente é a Orquestra. A Sinfonia é, portanto, uma obra musical escrita para ser tocada por uma orquestra.

Concerto

Já quando o assunto é Concerto, além da orquestra, temos a figura do solista – aquele músico que se destaca da orquestra e é acompanhado por ela. Além disso, o solista tem que ser um músico excepcional, que encanta o público com suas habilidades técnicas e artísticas. Assim, não seria errado dizer que a grande diferença entre concerto e sinfonia é mesmo a presença do solista.

Esses dois gêneros são obras em 3 ou 4 movimentos, na maioria dos casos; como se fossem capítulos de um livro; e esses movimentos devem ser sempre contrastantes. Se o 1º for rápido, o 2º será em andamento mais lento; se o 1º é alegre, pra cima, o 2º deve ser mais tranquilo.

Então surge de repente essa tal de sinfonia concertante, para confundir dois conceitos que são tão precisamente distintos… palavras, palavras, palavras… o jargão musical é realmente confuso e impreciso.

Origem

Vamos então direto ao ponto: a Sinfonia Concertante é um concerto; um tipo específico de concerto, que surgiu na França, ou sendo mais preciso, em Paris, por volta de 1767. É uma variante francesa do concerto clássico. Ele tinha as seguintes características:

1ª Era um concerto em que atuavam pelo menos dois solistas, como dois violinos, um violino e um violoncelo, um oboé e um fagote, uma flauta, um oboé e um violoncelo, e assim por diante. Várias combinações foram experimentadas, mas sempre com mais de um solista.

2ª A maioria das sinfonias concertantes francesas tinha apenas dois movimentos – diferente dos concertos conhecidos, que sempre tinham pelo menos três.

3ª Elas sempre música agradável e leve; nada de emoções profundas ou estados de espírito sombrio. Quando uma sinfonia concertante tinha três movimentos, aí sim, nesse caso, um deles era lento; mas mesmo assim, era relaxado e gracioso, nunca dramático.

Giuseppe Maria Cambini

Vamos então a um exemplo, uma Sinfonia Concertante para oboé, fagote e orquestra, em dois movimentos, Allegro e Allegretto, de autoria de Giuseppe Maria Cambini… Mas acabei de dizer que a Sinfonia Concertante é um gênero francês, e começo com um compositor italiano? Pergunta oportuníssima. Mas sugiro ouvirmos a música, e depois eu explico.

Giuseppe Cambini – Sinfonia Concertante No.5 for Oboe and Bassoon in B-flat major

E agora vamos ao compositor, Giuseppe Maria Cambini, que nasceu em 1746 na cidade toscana de Livorno. Com 27 anos ele mudou-se para Paris, e bastou que uma de suas sinfonias fossem tocadas em público, para agradar em cheio o público da capital francesa. Lá ele se fixou, produzindo nada menos que 82 sinfonias concertantes, além de 9 sinfonias e 17 concertos tradicionais, além de 14 óperas.

Sua popularidade só declinou a partir de 1810, quando as sonoridades românticas começaram a surgir. Cambini foi, portanto, um italiano que se fixou em Paris, e lá construiu toda sua carreira. Eu quis começar com uma música sua porque ele foi um dos compositores mais emblemáticos da Sinfonia Concertante.

François Joseph Gossec

Mas vamos agora a um francês de verdade, François Joseph Gossec. Clicando na imagem abaixo, você ouvirá a sua Sinfonia Concertante em ré maior para flauta violino e orquestra.

Essa já é uma sinfonia concertante com três movimentos; mas são três que valem por dois, pois o primeiro é muito curtinho, não chega a um minuto e meio; e os três movimentos juntos duram menos que os dois da Sinfonia Concertante de Cambini que ouvimos.

Eu chamo também sua atenção, caro leitor, para o movimento lento da obra; exatamente como eu disse há pouco, não há aqui nenhum drama, nada de cores sombrias ou tristeza… ele é leve e delicado, passando uma deliciosa sensação de bem-estar.

Symphonie concertante du ballet de “Mirza” for Flute, Violin & Orchestra in D Major, Br. 90

Tipo Específico

Como você certamente constatou, as duas obras que ouvimos são semelhantes: música agradável, leve, com belas melodias, e sem emoções fortes. Típicas sinfonias concertantes do classicismo francês.

Cambini poderia ter chamado sua Sinfonia Concertante de “Concerto para Oboé, Fagote e Orquestra”? Sim, poderia, do mesmo modo como Gossec poderia ter chamado a sua de “Concerto para Flauta, Violino e Orquestra”. Mas não o fizeram porque os compositores franceses queriam mesmo um nome diferente para aquele tipo específico de concerto que estavam produzindo, e que aliás, fazia muito sucesso.

Durante o século XIX o classicismo de Viena foi grandemente promovido e divulgado, graças à obra dos gigantes Mozart e Haydn. Com muita justiça, faço questão de dizer. Contudo, por causa disso, acabamos nos esquecendo dos outros sotaques do estilo clássico. Paris sempre foi um fantástico centro musical, e é uma pena não conhecermos o que se fez por lá durante esse período.

A Sinfonia Concertante francesa se tornou tão popular que acabou sendo exportada; diversos compositores estabelecidos em outros centros musicais produziram obras do gênero.

Jean-Baptiste Davaux

Davaux era de uma pequena cidade do interior da França, e mudou-se para Paris com 25 anos de idade. Lá ficou até o final de sua vida e tornou-se o maior rival do italiano Cambini.

Documentos da época registram uma enorme quantidade de execuções de suas sinfonias concertantes – isso numa época em que o público, diferentemente de hoje, exigia constante renovação de repertório.

No link abaixo temos uma sinfonia concertante de Davaux que oferece o mesmo tipo de música agradável típica do gênero; mas em se tratando de suas dimensões, é uma exceção: ela dura mais de 20 minutos.

Além disso, há outra curiosidade. Reparem em seu título completo: “Sinfonia Concertante para dois violinos e orquestra, entremeada de canções patrióticas”

Ouça e divirta-se!

Jean-Baptiste Davaux: Symphonie concertante in G melée d’airs patriotiques (1794)

Esse é um exemplo de música que estava em consonância com a Revolução Francesa; muitos compositores fizeram obras do gênero, por serem verdadeiros entusiastas da Revolução…. ou por uma simples questão de sobrevivência…

De qualquer forma, uma obra francesa até a raiz, como foi o próprio gênero chamado de Sinfonia Concertante.

Espero que tenha gostado deste post!

E aqui vai uma dica de leitura para que conheça mais sobre a sinfonia concertante de Mozart!

https://amzn.to/3NPk2Mv

Clique no link acima, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais!

Sonata Bitemática

The Lute Player – detalhe (Caravaggio)

Hoje vamos conhecer uma das mais complexas estruturas da música erudita europeia: a sonata bitemática. E como sempre, vou tentar explicá-la a vocês com um mínimo de termos técnicos, e de uma maneira que todo mundo possa entender; principalmente quem nunca estudou música.

Deixemos de lado a palavra sonata e nos concentremos da palavra bitemática. É fácil deduzir: uma sonata bitemática é aquela que tem dois temas. Muita gente pode pensar: mas e daí? O que isso tem de excepcional?

É, pode parecer simples, mas não é. Durante muito tempo foram criadas peças musicais com dois temas, ou até com mais de dois; mas não do jeito que veremos hoje.

Como eu costumo dizer, para conhecermos bem uma coisa, ajuda muito conhecer o contrário. Então, antes de abordar a tal sonata bitemática, vamos passear brevemente por outras formas e gêneros musicais bem diferentes.

Música Vocal

Na música vocal, por exemplo, os compositores procuraram sempre reforçar o texto que seria cantado. Esta era a preocupação fundamental.

Vejamos alguns exemplos de música vocal. O primeiro é o Stabat Mater, um texto religioso em latim que descreve o sofrimento de Maria ao pé da cruz em que Cristo estava crucificado. A música ilustra perfeitamente o seu sofrimento.

Stabat Mater – Dolorosa – G.B Pergolesi

Agora um exemplo muito diferente do anterior. Na ópera Dido e Eneas, de Henry Purcell, há um momento em que as bruxas se encontram e traçam planos diabólicos. A música não poderia ser mais adequada.

Dido and Aeneas, Z. 626, Act II: Prelude for the Witches. “Wayward Sisters, You That Fright”

Esses dois exemplos, um de música sacra e outro de ópera, mostram como na música vocal a principal preocupação do compositor é criar música que retrate fielmente o texto em questão.

Música Instrumental

Mas quando se trata de música puramente instrumental, a tarefa do compositor muda de figura, pois não há mais texto para ser cantado. Ou melhor, pode haver um subtexto, uma história que inspire o compositor.

É o caso da célebre primavera de Vivaldi. No 1º movimento, Vivaldi usou 4 temas: a melodia principal, conhecidíssima, que representa a alegria pela chegada da primavera; um segundo tema que descreve explicitamente os cantos dos pássaros; um terceiro tema que simboliza o murmurar de um riacho – que estava congelado e agora corre livremente; e finalmente um quarto tema, que descreve uma tempestade.

Vivaldi – Spring 1st Movement – The Four Seasons

Trata-se de um exemplo de música puramente instrumental, em que vários temas são organizados, um após o outro. Essa é uma maneira de compor música.

Apenas um Tema

Mas existe uma outra, em que o compositor, em vez de dispor de vários temas, prefere impor-se uma limitação: ele usa apenas um tema, e procura variar ou desenvolver esse tema de várias maneiras. Partindo dessa limitação, ele precisa usar com mais empenho sua criatividade – e esse é um grande desafio para o compositor.

Vamos ouvir um exemplo: um dos movimentos, a Polonaise, da Suíte Orquestral nº 2 de Johann Sebastian Bach. Se você prestar atenção, verá que este tema será desenvolvido e variado, mas nenhum outro tema surgirá nos 3 minutos e meio que essa peça dura. Vamos lá!

J.S. Bach: Orchestral Suite No. 2 in B Minor, BWV 1067 – V. Polonaise

Temos então na música instrumental basicamente essas duas possibilidades de construção: uma baseada mais na criação pura, em que vários temas são criados e organizados em sequência; outra baseada mais na manipulação dos temas, ou seja, em que um tema apenas é CRIADO, mas ele é desenvolvido e variado.

Dois Temas

Então houve um momento em que surgiu a ideia de se usar dois temas em vez de um. Afinal, no processo de desenvolvimento e variação, esses temas poderiam interagir, resultando em possibilidades muito mais ricas de construção musical. Essa ideia foi um verdadeiro boom na composição musical.

A obra calcada no desenvolvimento e variação de dois temas que interagem passou a ser chamada de forma-sonata bitemática, e foi uma das mais importantes características do estilo clássico, que sucedeu o barroco.

Normalmente a forma-sonata bitemática se organiza assim: Ouve-se o 1º tema, e depois o 2º tema; esse trecho é a exposição dos temas.

Em seguida temos o desenvolvimento desses temas. Aqui, nenhum tema ou melodia nova surgem. Tudo é feito baseado apenas nos temas ouvidos na exposição. Nenhuma nova ideia musical deve ser introduzida aqui. Essa é uma regra de ouro da forma sonata bitemática.

Após o desenvolvimento ouvimos novamente o 1º e o 2º temas. É a reexposição, que finaliza a peça.

Sonata KV 545

Mozart – Piano Sonata No. 16 in C Major, K.545 (1st Mvt)

Agora tomemos um minuto para elucidar um pouco a terminologia. Essa obra de Mozart, a sonata KV 545, tem três movimentos; e apenas o 1º é construído sobre dois temas. O 2º e o 3º movimentos são monotemáticos. O 2º tem o caráter de canção, e o 3º tem o caráter de dança. O 1º não: ele não tem nem caráter de dança, nem de canção; ele está mais para um discurso, uma narrativa, e com a diferença de ser bitemático.

Durante todo o período conhecido como classicismo e até durante o romantismo, quase todos os 1ºs movimentos de sonatas para piano, para violino e piano, violoncelo e piano, quartetos, trios, quintetos etc, eram escritos em forma-sonatas bitemática. E o mesmo acontecia com os 1ºs movimentos das sinfonias.

Quinta Sinfonia

Quinta Sinfonia – 1º movimento – Beethoven, com a Bachiana Filarmônica e o maestro João Carlos Martins

Esse tema – o pam-pam-pam-pam – todo mundo conhece. Se perguntarmos, qualquer um responderá: esse é o tema do 1º mov da 5ª de Beethoven. Só que o que quase ninguém se dá conta é que esse não é “o” tema, mas o primeiro tema do 1º movimento desta sinfonia.

Pois é, o 1º movimento da 5ª sinfonia de Beethoven também é tem forma sonata bitemática, e é um dos mais claros exemplos que podemos ter dessa forma. E evidentemente, em se tratando de Beethoven, temos uma forma sonata bitemática bastante estendida, ampliada. Mas por mais ampliada que seja, a regra de ouro nunca é violada: os desenvolvimentos são feitos apenas sobre os dois temas; eles são toda a matéria prima de que o compositor dispõe.

Ele propositadamente limita esta matéria prima para desafiar sua criatividade a produzir os mais elaborados desenvolvimentos.

Análise

Vamos analisar esse 1º movimento mais detalhadamente. Ele começa com a apresentação do 1º tema. Após apresentar o 1º tema, ele não vai logo para o 2º. Antes disso ele já faz um pequeno desenvolvimento deste 1º tema. Então Beethoven nos apresenta o 2º tema, muito curto e simples. Dica: ele começa aos 1’05” do vídeo acima.

Ele desenvolve este 2º tema rapidamente, para então voltar ao 1º tema e fazer o fechamento da 1ª parte da peça- lembram-se do nome? É a exposição! Agora sim, começa o desenvolvimento pra valer. E só são usados os elementos dos apresentados na exposição. Feito o desenvolvimento, vamos à reexposição.

E procurem prestar atenção: em um determinado momento, vocês vão ter a impressão de que a reexposição está terminando. Mas Beethoven nos engana: retoma o fôlego, desenvolve os temas mais um pouco, indo finalmente ao final da obra.

Clareza

Essa foi uma pequena análise do 1º movimento da 5ª sinfonia de Beethoven, um dos mais claros exemplos de forma sonata bitemática que existem. Essa clareza resulta da simplicidade dos temas, e principalmente do grande contraste entre eles. Quando mais simples e mais contrastantes, mais claro será também o desenvolvimento. E mais fácil será para nós ouvintes memorizarmos esses temas para depois acompanharmos o que acontece com eles no desenvolvimento.

Os Três maiores mestres da forma sonata bitemática foram Mozart, Haydn e Beethoven. Só não posso terminar sem antes dizer que conhecer forma musical pode ser muito interessante para quem gosta de se aprofundar nos mistérios da composição musical. Mas você NÃO precisa disso para se deliciar com boa música.

Espero que tenha gostado deste post.

E aqui vai uma dica de CD da obra Dido e Eneas que apresentei neste post!

É uma obra prima, uma ópera completa que dura apens 50 minutos.

Excelente para se iniciar no mundo da ópera!

Clique na imagem acima, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais!

Música Clássica para Crianças

A postagem de hoje é dedicada às crianças. E quando o assunto é música clássica para crianças, duas obras vêm logo à mente da maioria das pessoas: Pedro e o Lobo, de Prokofieff, e O Carnaval dos Animais, de Camille Saint-Säens.

Mas eu gostaria de chamar a atenção de vocês para uma crença minha: a de que podemos apresentar ao público infantil a música de praticamente todos os compositores eruditos.

Tudo depende de como apresentá-las. Não podemos, por exemplo, esperar que crianças ouçam atentamente uma sinfonia completa de Mahler – até mesmo os adultos têm dificuldade em acompanhar tamanha quantidade de informação musical.

Mas pode ser muito fácil apresentar a elas alguns trechos de Mahler, trechos bem escolhidos, e de uma maneira informal e descontraída. Tenho feito isso há muitos anos dentro da Série de Concertos “O Aprendiz de Maestro“, realizada na Sala São Paulo.

Posto isso, devemos também observar que alguns compositores se ocuparam em escrever obras mais adequadas ao público infantil, de modo que esse repertório vai muito além de Pedro e o Lobo – e quanto ao Carnaval dos Animais, podemos afirmar com certeza que Saint-Säens em nenhum momento pensou em crianças ao escrevê-lo.

Como eu dizia, existem alguns caminhos para chamar a atenção das crianças, e um deles é o fascínio dos instrumentos musicais. Em concertos infantis, mostrar ao público os instrumentos, explicar brevemente como eles funcionam, quais são suas partes, de que são feitos é sempre muito agradável.

Guia da Orquestra para os Jovens

Pois, além de Pedro e o Lobo, há uma célebre obra sinfônica já organizada nesse sentido: é o Guia da Orquestra para os Jovens, do compositor inglês Benjamin Britten. Trata-se de uma série de variações sobre um tema de Henry Purcell, e cada variação é executada por um dos instrumentos da orquestra.

Além de didática, a obra tem alta qualidade musical, e pode ser tocada também para os públicos mais sofisticados.

B. Britten – Guia da Orquestra para os Jovens – NY Phil., L. Bernstein, Paulo Santos, narrador (BR)

Fascínio por Animais

Além dos instrumentos, os animais também fascinam as crianças. Aliás, o sucesso de Pedro e o Lobo e do Carnaval dos Animais se deve muitíssimo à combinação desses dois ingredientes. Mas existem muitas outras obras que “brincam” com os animais, e podem ser apresentadas às crianças, como o Voo do besouro de Rimsky-Korsakov.

Rimsky-Korsakov: The Tale of Tsar Saltan – The Flight of the Bumble-Bee

A Bailarina

Outra coisa que fascina as crianças, principalmente as meninas, é a figura da bailarina. E se a obra em questão for o Quebra Nozes, de Tchaikovsky, melhor ainda, com seu enredo que trata de crianças ganhando brinquedos em uma noite de Natal.

Por diversas vezes eu apresentei trechos deste Balé, com orquestra e bailarinos no palco, e garanto a vocês: as crianças ficam sempre encantadas!

FLOCOS DE NEVE – “O Quebra Nozes”

Fantasia

Até agora estou falando apenas em concertos; mas se pensarmos numa cena doméstica, na qual um pai ou uma mãe queiram despertar o interesse dos filhos para a música de concerto, uma boa dica é recorrer a obra prima de Walt Disney chamada Fantasia.

E pensar que existem muitos adultos que ainda não a conhecem! Se esse é o seu caso, caro leitor, escute meu conselho: veja o quanto antes esse desenho animado. É absolutamente delicioso de se assistir, e garanto que pais e filhos vão se maravilhar juntos!

Goethe: Der Zauberlehrling Dukas: L’Apprenti sorcier Disney: The Sorcerer’s Apprentice (1940)

Villa-Lobos escreveu diversas obras pensando nas crianças: o Guia Prático, coleção de melodias folclóricas para ser usada na escola pública; e peças para piano admiráveis como as cirandas, as cirandinhas, as suítes “prole do bebê”, e o Carnaval das Crianças Brasileiras.

Desta suíte extremamente delicada e inspirada vamos destacar os seguintes trechos: O ginete do Pierrozinho, em que o compositor descreve um pequenino fantasiado de Pierrô, cavalgando seu cavalo de brinquedo.

O Ginete do Pierrozinho • Villa-Lobos • Nelson Freire

Children’s Corner

Terminaremos com Claude Debussy que em 1908 escreveu uma suíte para piano dedicada à sua filha Claude-Emma, que na época tinha 3 anos de idade. A essa suíte Debussy deu o nome de Children’s corner, e a construiu em 6 movimentos:

  • Doctor Gradus ad Parnasum, uma referência a um importante didática de Muzio Clementi. A tradução é passos para o paraíso – paraíso, no sentido do domínio técnico do piano.
  • Jimbos Lullaby, uma cantiga de ninar irônica, pois é toda escrita nos registros graves do piano, coisa bastante inusual para esse gênero de música.
  • Serenade for the Doll, ou serenata para uma boneca.
  • The Snow is Dancing, ou a neve está dançando.
  • The Little Shepard, ou o pequeno pastor.
  • Golliwoggs’s Cakewalk, onde cakewalk é uma dança afro-norte americana, contemporânea do ragtime, e Golliwogg era um personagem muito conhecido da literatura infantil no século XIX.
Debussy: Children’s Corner, L. 113 – III. Serenade for the Doll

Espero que tenha gostado deste post.

E aqui vai uma dica de leitura para os pequenos sobre música clássica!

Clique na imagem acima, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais!

A Suíte Barroca

Nicolas Lancret – La Camargo Dancing

Um importante gênero instrumental é a suíte barroca. É um dos gêneros instrumentais mais antigos, e conhecê-lo nos ajuda muito a compreender melhor os gêneros que vieram depois.

Vamos começar por algo bem simples, mas que muita gente não sabe: o significado da palavra suíte. Suíte vem do francês e quer dizer sequência. Então uma suíte é uma sequência de peças musicais.

As primeiras suítes que surgiram eram sequências de danças praticadas nas cortes e palácios aristocráticos. Conhecemos hoje belíssimas compostas por grandes mestres como J. S. Bach. Mas nem sempre foi assim.

Houve uma época em que os músicos não compunham suítes; eles simplesmente organizavam em sequência uma série de danças avulsas já conhecidas. É o mesmo que fazem hoje em dia os músicos que tocam em bailes e festas.

Danças

E essas danças avulsas? De onde vinham? De toda a parte. Dançar é uma atividade tão antiga quanto a humanidade. Eu quero crer que não deve ter havido uma civilização ou um grupo humano em toda a nossa história que não tenha cultivado o hábito de dançar, fosse em rituais ou por pura diversão.

E o hábito ou desejo de dançar também se faziam presentes em todas as classes sociais. Assim, no final da Idade Média, na Europa, dançavam os camponeses em suas aldeias, e dançavam os nobres, protegidos em seus castelos. Dentro deles foram plantadas as sementes da suíte instrumental.

Origens

Durante a Idade Média a Europa sofreu guerra atrás de guerra. Os árabes invadiam pelo Sul, os vikings vinham do Norte e tribos do leste europeu também ameaçavam. Viver dentro de um castelo era uma das melhores garantias de segurança.

Alguns castelos abrigavam muita gente, que em períodos belicosos ficavam ali trancados, e em períodos de tranquilidade recebiam visitas de outros membros da nobreza, fosse para fazer arranjos políticos, contratos de casamentos etc. Em qualquer uma dessas situações, dançar era uma das poucas formas de diversão possíveis. Não saber dançar corretamente era uma falha grave, tamanha a importância desses bailes e festas.

Para essas ocasiões, escreviam-se muitas danças avulsas, cujas partituras circulavam pelas cortes em cópias manuscritas. Então em dois castelos distantes seria possível ouvir uma mesma dança, como essa:

La Bouree · Westra Aros Pipers

Essa foi uma bourrée, de autor anônimo, dança francesa de origem camponesa, mas que acabou sendo adotada pelas cortes. Aqui ela foi executada pelo conjunto sueco Westra Aros Pijpare, ou os Gaiteiros de Westra Aros.

Michael Praetorius

Michael Praetorius

É um belo exemplo da música de dança que se fazia no final da Idade média na Europa. E se nós estamos aqui ouvindo a gravação dessa peça, devemos a agradecer a um músico alemão que viveu entre 1571 e 1621 e se chamava Michael Praetorius.

Ele foi muito prolífico como compositor e também como teórico. Deixou entre seus escritos um volume no qual compilou mais de 300 danças francesas avulsas que circulavam pelo continente. Esse trabalho nos serve como uma mostra da imensa atividade musical ligada à dança daquele tempo.

Pavana e Galharda

Eu gostaria de destacar mais duas peças dessa coleção de Praetorius. Primeiramente uma Pavana. A Pavana é uma dança lenta, em ritmo de dois tempos, com caráter processional. Seus passos eram muito simples. As pessoas caminhavam lentamente, de uma maneira semelhante àquela que uma noiva faz hoje em dia ao entrar na igreja. Era a oportunidade que os cortesãos tinham para mostrar suas ricas vestimentas, desfilando diante do nobre anfitrião. Alguém nota alguma semelhança com os atuais desfiles de moda?…

Pavane de Spaigne · Westra Aros Pipers

A Pavana, como essa que ouvimos, fazia dobradinha com a Galharda, que tinha caráter oposto. Era rápida, em ritmo de três tempos, e tinha passos difíceis e cansativos, porém divertidos. As pessoas tinham de saltar e, enquanto estavam no ar, cruzavam. Dançar galhardas equivalia na época a ir a uma academia de ginástica.

Gaillarde · Westra Aros Pipers

A Pavana e a Galharda eram frequentemente tocadas uma depois da outra. Em sequência, diríamos nós hoje. Ou “en suite”, diriam os franceses. E essa dobradinha Pavana/Galharda, parece ter sido mesmo a origem da suíte de danças.

O que aconteceu foi algo bastante simples. Os instrumentos musicais foram evoluindo lentamente ao longo de séculos. Depois do apogeu da música vocal polifônica, no século XVI, os compositores do século XVII já se sentiam à vontade pra se dedicar mais e mais à música puramente instrumental.

Parecia uma boa ideia compor obras instrumentais usando como base os ritmos daquelas danças que eram tão apreciadas. Assim surgiram das mãos de vários compositores sequências de danças para serem tocadas e apreciadas pelos ouvintes. Eram sequências de alemandas, sarabandas, burrées, gigas, etc, que não seriam mais dançadas, apenas apreciadas. Nascia assim a suíte barroca, uma sequência de danças.

Ela poderia ser composta para qualquer meio de expressão: uma pequena orquestra, um alaúde solo, uma flauta acompanhada de instrumentos de cordas… qualquer combinação seria possível.

Jean-Philippe Rameau

Clicando abaixo você poderá ouvir uma típica suíte barroca composta para ser tocada ao cravo. É a suíte em la menor do compositor francês Jean-Philippe Rameau, que faz parte do seu livro Pièces de Clavecin, ou peças para cravo, de 1706.

Rameau – Suite n°1 en la mineur

Ela é composta por um prelúdio, 2 alemandas, que são danças alemãs, uma courante, dança francesa, 2 sarabandas, espanholas, uma giga, inglesa, uma “venetiènne”, que como o nome diz, é veneziana, e finalmente uma gavota e um minueto, francesas.

O compositor tinha liberdade para montar a suíte como quisesse, e aqui vemos que Rameau fez uma suíte verdadeiramente internacional. Esse modelo se tornou um padrão no século XVIII. No repertório da época vamos encontrar um número muito grande de suítes que tem como esqueleto a Alemanda, a Corrente, Sarabanda, e a Giga.

Além do caráter internacional, esse esqueleto mantém o padrão lento-rápido da antiga dobradinha Pavana-Galharda. A Alemanda tem andamento lento, a Courante é rápida; a Sarabanda é lenta e a Giga, rápida.

Além dessas 4 danças básicas, o compositor poderia acrescentar outras conhecidas como “galanterias”. Danças galantes que tinham caráter mais leve, como o minueto, a gavota, a bourré, passepied, polonaise, etc. O compositor estava livre para deixar sua fantasia fluir. E muitas vezes, nem mesmo o esqueleto básico era mantido.

Aria da 4ª Corda

J. S. Bach, por exemplo, considerado um compositor austero, escreveu quatro suítes para orquestra e em nenhuma delas respeitou o esqueleto. Deixou apenas alguma reminiscência dele. E uma das obras mais conhecidas de Bach, faz parte de uma de suas suítes.

Muita gente conhece essa peça pelo nome de Aria da 4ª corda. Esse apelido vem do fato de um violinista do século XIX ter feito um arranjo dela para ser tocado apenas em uma das cordas do violino, a 4ª corda. Esse arranjo está quase esquecido hoje em dia. Na versão original, essa aria é o 2º movimento da 3ª suíte orquestral de Bach.

E é interessante notar que Bach se deu a liberdade de incluir uma peça com caráter de canção – pois a aria é efetivamente uma canção – numa sequência que deveria ser só de danças. Gênios estão sempre quebrando regras, por mais austeros que pareçam ser.

Bach – Orchestral Suite no. 3 in D major BWV 1068 – Mortensen | Netherlands Bach Society

A suíte barroca foi um dos mais importantes gêneros instrumentais do século XVII e da 1ª metade do século XVIII. Um número imenso de suítes foi escrito nessa época para as mais variadas formações instrumentais, por compositores de diversas regiões. Com o final do período barroco, a suíte perde espaço para outros gêneros. como a Sinfonia, a Sonata, ou o Quarteto de Cordas.

No século XIX a palavra suíte volta a ser usada, mas a suíte dessa época é distinta da suíte barroca. Temos a suíte da ópera Carmen, de Bizet, ou a suíte do Ballet Quebra Nozes, de Tchaikovsky. Essas suítes, no entanto, não têm relação direta com a suíte de danças barroca. Mas são um assunto interessante, e nós vamos falar dela em uma próxima postagem.

Espero que tenha gostado deste post.

E aqui vai uma dica de leitura. Clique na imagem abaixo, e você irá para o site da Amazon Brasil, onde poderá ter mais informações.

Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!

Saudações Musicais!

O Poema Sinfônico

Durante os muitos séculos de evolução da música de concerto europeia, coexistiram duas grandes tendências: a primeira, procura usar a música para descrever coisas ou estados de espírito; a segunda, ao contrário, via a obra musical como algo abstrato, um grande jogo de sons em movimento.

Essas duas tendências raramente foram encaradas dogmaticamente, ou seja, a grande maioria dos compositores escreveu música a partir dos dois princípios. Um nunca excluiu o outro.

A ideia da música não abstrata levou ao surgimento no século XIX de um gênero musical de grande importância: o poema sinfônico.

Antes de falarmos do poema sinfônico, vamos conhecer algumas obras que já continham o seu embrião. E para isso vamos voltar ao tempo em que os instrumentos musicais já haviam alcançado um grande avanço técnico: o início do século XVII.

Naquela época os compositores se divertiam com as possibilidades imitativas dos instrumentos.

“Il Gardelino”

Vivaldi usou as flautas que podiam imitar os sons de pássaros, como num concerto chamado “Il Gardellino”.

William Bennett – il Gardellino – Vivaldi. Flöte.

Este é um exemplo de como é possível fazer os instrumentos imitarem explicitamente um som qualquer da natureza. Afinal, a flauta em sua região aguda tem mesmo um som semelhante ao de um pássaro.

O compositor pode usar esse som para tocar melodias com notas muito rápidas e repetidas, e com isso a semelhança com o trinado de um passarinho torna-se mesmo muito grande.

Heinrich Biber

Fiquemos um pouco mais no período barroco, com uma obra descritiva surpreendente: a suíte “Batalha” de Heinrich Biber.

Biber viveu entre 1644 e 1704, e foi considerado por muitos estudiosos como o mais importante compositor alemão antes de J. S. Bach.

Foi também um violinista virtuoso e compositor de grande imaginação, utilizando afinações inusuais para o violino e extraindo dele sons percutidos.

Vamos então à Suíte “Battallia” de Biber, escrita para um conjunto de 10 instrumentos de cordas.

“Battallia”

1º movimento: toques de clarins e tambores que conclamam todos à guerra.

2º movimento é intitulado “a torpe sociedade do humor comum”.

O próprio autor escreve: “aqui a música é dissonante, pois várias canções diferentes são cantadas ao mesmo tempo por soldados , como um bando de mosqueteiros bêbados berrando”.

Os mosqueteiros aqui não têm nada a ver com a visão romântica de nobres guerreiros leais ao rei.

Ao contrário, são mercenários de comportamento reprovável, vindos de várias partes da Europa, cada um cantando em sua própria língua.

No próximo movimento, as notas curtas que compõem o tema procuram descrever as estocadas de esgrimistas, não em situação de batalha, mas provavelmente em treinamento. Há ordem, e não a desordem do movimento anterior.

O 4º movimento, intitulado “A Marcha”, utiliza o contrabaixo imitando o tambor militar e o violino imitando o flautim, instrumentos típicos das marchas militares.

O 5º movimento tem um ritmo típico de galope, procurando descrever uma cavalgada. Esse ritmo serve de base para um tema que nos sugere o toque de clarim do primeiro movimento.

No 6º movimento a alegria e animação dos movimentos anteriores começa a se esvair. É a angústia que precede a batalha…

No 7º movimento, finalmente, a batalha acontece. Biber escreve na parte dos contrabaixos: “a batalha não deve ser tocada com o arco, mas com os dedos da mão direita, estalando as cordas como tiros de canhão”.

No 8º movimento, que encerra a suíte, ouvimos os lamentos dos mosqueteiros feridos.

Heinrich Biber – Battalia à 10 (1673) Voices of Music.

Como essa obra, há muitíssimas outras que poderiam servir para ilustrar o conceito de música descritiva. Mas vamos deixar o barroco e seguir adiante no tempo.

“A Criação”

O período musical que se segue ao barroco é o classicismo, e nele os compositores chegaram a um grande refinamento na forma musical.

Foi justamente o momento supremo das tendências contrárias à música descritiva.

Apesar disso, podemos encontrar nesse período alguns exemplos surpreendentes desse gênero, como a introdução do grande oratório “A Criação”, de Joseph Haydn, à qual ele deu o título de “A Representação do Caos”.

Aqui, todas as normas de composição vigentes são contrariadas, para representar aquilo que teria antecedido a criação do universo. É a desordem, coisa impensável na arte do século XVIII.

Orquestra Sinfônica e Coro del Gran Teatre del Liceu.

Nem podemos chamar essa obra de descritiva; não há como descrever os sons do caos que precedeu a formação do universo.

Haydn se vale aqui do subjetivo, do conotativo, e obtém um resultado surpreendente.

Com Beethoven, que chegou a ser aluno de Haydn, chegamos mais próximos do poema sinfônico romântico.

“Egmont”

Muitas de suas obras podem ser consideradas genuínas precursoras do gênero, como as aberturas Leonora nº3, Coriolano ou Egmont. Vamos nos ater um pouco a essa última.

“Egmont” é o título de uma peça teatral escrita em 1788 por Johann von Goethe.

Na trama o Conde Egmont é um famoso guerreiro holandês, que luta contra a dominação exercida em seu país pelos espanhóis.

Ameaçado de prisão, Egmont recusa-se a fugir e a desistir do seu ideal de libertação. É preso, condenado à morte e executado, mas a mensagem final da obra é que mesmo com a morte de um herói o ideal de liberdade continua.

Beethoven escreveu música incidental para esta peça, e a abertura sobrevive até hoje como obra de concerto independente.

E é uma pena que muita gente ouça essa magnífica abertura em concertos, sem ter qualquer ideia dos muitos símbolos que ela encerra.

Símbolos encontrados na Abertura Egmont

Já de início percebemos o caráter trágico da obra.

E temos já um símbolo muito forte: o ritmo inicial é exatamente o da sarabanda, a dança espanhola que havia se tornado internacional durante o século XVIII. Uma nota longa, uma mais longa, uma curta e uma longa, como na Sarabanda de Bach.

Mas é uma sarabanda pesada, trágica, angustiada.

Após esse longo trecho em que Beethoven procura simbolizar a amargura e angústia do povo holandês submetido à tirania espanhola, acontece a morte de Egmont.

Temos duas notas descendentes que simbolizam o golpe da espada, silêncio e em seguida um coro fúnebre feito pelos instrumentos de sopro.

Segue-seentão o trecho final da obra, que é alegre e triunfante.

Essa alegria pode parecer paradoxal, mas trata-se do ideal de liberdade, que não morre, e até se fortalece após a morte do mártir.

Efetivamente, a morte de Egmont levantou o povo holandês, que finalmente se rebelou e livrou-se da dominação espanhola

OSEMBAP | Beethoven: Abertura Egmont op.84

Beethoven não chamou essa obra de Poema Sinfônico, e faleceu antes que o termo fosse criado. Mas sem dúvida já estava abrindo caminho para sua invenção, não só com essa, mas com outras obras.

O nome Poema Sinfônico foi criado por Franz Liszt. Liszt escreveu 12 deles, o primeiro em 1848, ou seja, cerca de 20 anos após a morte de Beethoven.

Seu poema sinfônico mais conhecido é o 3º da série, intitulado “Os Prelúdios”.

“Os Prelúdios”

Foi composto a partir de uma Ode do poeta francês Alphonse de Lamartine, que viveu entre 1790 e 1869.

Embora haja entre musicólogos muita discussão sobre até que ponto Liszt teria seguido realmente a obra de Lamartine, é certo que essa obra não é abstrata como uma sinfonia clássica.

A primeira edição da partitura incluiu um prefácio – que não foi escrito por Lamartine – mas que ilustra bem o enredo que Liszt desejou representar com sua música. Aliás, um prefácio que o próprio Liszt aprovou.

Ele diz:

“Que mais é a vida, senão uma série de prelúdios para aquele hino desconhecido, cuja primeira e solene nota é entoada pela Morte?

O amor é o admirável amanhecer de toda a existência;

Mas o destino pode fazer com que o deleite da felicidade seja interrompido por alguma tempestade, cujas mortais rajadas dissipam as ilusões.

E não vemos a alma cruelmente ferida, lançada fora de uma dessas tempestades, se esforçar para repousar suas memórias na calma serenidade da vida no campo?

Apesar de tudo, o homem dificilmente abandona-se por muito tempo ao prazer que pode desfrutar no seio da natureza.

Quando os trompetes soam o alarme, ele apressa-se para o local de perigo, seja qual for a guerra que a chama para assumir seu posto, a fim de finalmente recuperar no combate a completa consciência de si mesmo e de sua total energia.”

F.Liszt – Les Préludes (Poema Sinfonico No. 3).

Não preciso falar mais, caros leitores.

Vocês já perceberam que nesse gênero de música um som vale mais que mil palavras.

Espero que tenha gostado deste post!

Deixe um comentário!

Saudações Musicais do maestro J. M. Galindo.

Polifonia e Música Polifônica.

Polifonia é uma palavra que poderia ser traduzida ao pé da letra por “muitos sons”.

Consequentemente, em oposição a polifonia, temos a palavra “monofonia”, que quer dizer um som.

Isso significa que uma música monofônica é formada por uma única melodia.

Polifonia, por sua vez, se refere a uma música formada por várias melodias tocadas simultaneamente.

O Canto Gregoriano

Parece simples, mas vale a pena nos aprofundarmos no universo da polifonia.

Os cantos gregorianos, melodias simples que durante séculos foram usadas nos cultos cristãos, são um típico exemplo de monofonia.

Neles não havia nada de polifonia.

Alma Redemptoris Mater. Canto Gregoriano. Execução dos Monges da Abadia de Ganagobie, França.

A peça acima é um exemplo típico de monodia ou monofonia, ou seja, uma música formada por uma melodia simples e isolada, sem qualquer acompanhamento.

Aqui não há polifonia.

Exemplo de música polifônica.

A peça que está no link abaixo é um exemplo típico de polifonia: música formada por várias melodias cantadas simultaneamente.

Filipe de Magalhães: Vidi Aquam. Conjumto Ars Nova, dirigido po Bo Halten.

Feita esta distinção, vamos agora saber como é que se faz uma música polifônica.

O desafio da polifonia: combinar sons simultâneos.

Voltemos ao século XVI. Num primeiro momento podemos mesmo pensar que a coisa era fácil: bastava criar algumas melodias e cantá-las todas ao mesmo tempo.

Isso não dá certo. Essas melodias podem ter notas que se chocam, gerando fortes dissonâncias.

É polifonia, porém esteticamente inaceitável pelos padrões do século XVI.

Ouça abaixo um exemplo muitíssimo interessante.

É uma peça do compositor barroco alemão Ignaz Franz von Biber, em que ele de propósito combina várias melodias que resultam em duras dissonâncias.

https://www.youtube.com/watch?v=v0ek8ihZOZQ
Biber: “A companhia dissoluta de todos os tipos de humor”, 2o. movimento da Suíte “Batalha”.

Como evitar as dissonâncias?

Prá que duas ou mais melodias combinem, resultando numa polifonia esteticamente aceitável, elas têm de ser compostas ao mesmo tempo, seguindo determinadas regras.

O compositor ia então examinando as combinações de notas simultâneas, uma a uma, para evitar essas dissonâncias mais fortes.

Vamos a um exemplo de Johann Sebastian Bach. Bach compôs uma série de peças polifônicas que ele chamou de Invenções.

São peças bem simples, criadas para servirem de estudo de cravo a seus filhos. São constituídas por duas melodias, uma para ser tocada pela mão direita e outra pela mão esquerda.

Um exercício muito bom para compreendermos o que é polifonia, é ouvir essas Invenções de Bach tentando separar as duas melodias na nossa cabeça.

J. S. Bach: Invenção No. 1 in C Major, BWV 772. Execução de János Sebestyén.

Imitação: um importante recurso da polifonia.

Nesta pequena peça podemos observar um importante conceito da múisca polifônica: é a “imitação”

A música começa com a mão direita tocando sozinha, e a mão esquerda logo em seguida toca a mesma melodia tocada pela direita.

A mão esquerda “imita” a direita. E esse é um procedimento muito comum na polifonia.

A imitação pode ser um elemento ocasional numa música polifônica, mas pode também acontecer num longo trecho ou até numa peça toda.

Uma melodia infantil francesa muito conhecida, Frére Jacques, é totalmente imitativa.

Cânone

Esse tipo de melodia polifônica, em que uma melodia imita a outra ipsis literis, chama-se canon, ou cânone em português.

Um exemplo de verdadeira obra prima do repertório clássico em que o “cânone” é usado , é o 4º movimento da sonata para violino e piano de César Franck. Trata-se de polifonia elaborada com grande maestria!

O violino e o piano estão em imitação perfeita. E essa imitação perfeita voltará no final da peça.

Quarto e último movemento da Sonata para violino e piano de César Franck’s violin.
Execução de Johannes Fleischmann ao violino e Philippe Raskin ao piano.

O auge da polifonia.

Embora eu tenha mostrado esses exemplos polifônicos de Cesar Franck, compositor do século XIX , e de Bach, que viveu no século XVIII, foi no século XVI que aconteceu o auge do estilo polifônico, e é para os compositores dessa época que devemos dirigir nossa atenção.

Uma peça musical polifônica é como uma corda. Se olhamos uma corda de longe, a vemos como um objeto sólido e denso; mas se a olhamos de perto, podemos ver que é formada por um perfeito entrelaçar de fios mais finos.

Imagem de uma corda simbolizando a polifonia.
Foto de Steve Norris por Pixabay.

Monges.

A polifonia do século XVI foi o resultado das pesquisas sonoras feitas durante séculos por monges amantes da música que viviam em mosteiros e tinham bastante tempo para seus estudos.

Monges medievais cantando. Os precursores da polifonia.
Monges cantando. Pintura medieval anônima.

Antes dessas pesquisas, toda a música produzida pelos seres humanos de todas as partes do planeta eram monofônicas, ou seja, feitas a partir de melodias simples.

Superpor melodias significa tocar duas ou mais notas ao mesmo tempo. E esse era o grande desafio: saber prever como resultaria a combinacão de duas ou mais notas.

Uma simples analogia.

Fica mais fácil entender se fizermos uma analogia com as artes visuais.

Todos nós desenhamos e pintamos na infância e aprendemos um pouco sobre combinacão de cores. Azul e amarelo resulta em verde. Vermelho e amarelo resulta em laranja.

O prisma das cores como em analogia às combinações de sons.
Imagem de Daniel Roberts por Pixabay.

Mas e quanto aos sons? Imagine que você está sentado frente a um teclado de um piano. Escolha duas teclas. Sem tocá-las, você será capaz de saber como será o resultado sonora dessa combinacão?

Quem não estudou música não é capaz de prever o resultado das combinacões de sons.

Por exemplo:

Um do e um mi tocados ao mesmo tempo resultam num som agradável, consonante.

Um do e um si tocados ao mesmo tempo resultam em um som duro, dissonante

Nós músicos sabemos isso hoje, mas durante quase toda a história da humanidade, ninguém sabia.

A escrita musical dos monges.

Os monges faziam suas experiências polifônicas cantando. O único instrumento de que dispunham era a voz.

Além disso, ainda não havia a escrita musical como conhecemos hoje.

Partitura moderna.
Foto de Kate Cox, por Pixabay.

As notas eram representadas por linhas e pontos.

Partitura medieval. Letra e Música.

Daí a expressão ponto-contra-ponto, que equivale a nota-contra-nota.

Polifonia é portanto um estilo em que o tecido musical é feito a partir de várias melodias tocadas simultaneamente.

E a técnica usada para se escrever música polifônica é o contraponto.7

Espero que esses conceitos tenham ficado claros!

Deixe seu comentário! Isso ajuda muito a crescer nosso site!

Saudações Musicais do Maestro J. M. Galindo.

Ritmo na Música de Bach.

Neste post falo de um tema que eu considero fascinante: o ritmo na música de Bach!

Ritmo remete a dança.

Quando falamos em ritmo, algo que vem logo a nossa mente é a dança.

E dança é algo que sempre teve um papel importantíssimo na assim chamada música clássica, pois durante séculos elas animaram as festas nas cortes do velho mundo.

Dança Barroca.
Ritmo na Música de Bach.

La Ronde, from Les Caprices Series B, The Nancy Set
. https://picryl.com

Mais tarde as danças foram estilizadas pelos compositores do século XVIII, inclusive J. S. Bach.

Johann Sebastian Bach.
O ritmo na música de Bach.

Assim, transformaram-se em música pura, música para ser tocada e apreciada, e não mais para ser dançada.

J. S. Bach criou muitas danças que são verdadeiras obras primas. As danças são os melhores exemplos da forte presença do ritmo na música de Bach.

Aliás, para muita gente, um dos grandes atrativos na música de Bach é o Ritmo!

Os elementos do ritmo.

Antes de ouvirmos exemplos de Bach, vamos conhecer um pouco melhor o ritmo, começando pelos ritmos básicos, que são o binário e o ternário.

O ritmo binário é aquele em que sentimos uma acentuação a cada duas batidas. 1,2; 1,2; 1,2; etc …

Ouça:

E o ritmo ternário é aquele em que sentimos a acentuação a cada três batidas.

É este aqui:

Perceber essa diferença é fácil e ao mesmo tempo muito importante.

Apesar disso, é surpreendente como muitas pessoas que ouvem música com freqüência não se dão conta disso.

Que tal fazermos alguns testes?

Ainda mais uma coisa, antes de chegarmos à música de Bach.

Vamos tocar alguns trechinhos musicais, e eu proponho que você, caro leitor ou leitira, arrisque dizer se se trata de uma música ternária ou binária.

Você responde e em seguida eu dou a resposta.

Vamos lá!

Teste 1

Binário ou ternário?

Se estiver difícil, procure marcar o ritmo com a mão ou o pé.

Teste 2

Teste 3

Teste 4

Vamos às respostas:

Teste 1: Parabéns a você. Ritmo Ternário.

Teste 2: Asa Branca. Ritmo Binário.

Teste 3: Marcha Soldado. Ritmo Binário

Teste 4: Uma melodia folclórica alemã. Ritmo Ternário.

Se você não acertou, não faz mal!

De qualquer maneira, a partir de agora, quando ouvir música, procure sentir a sua pulsação!

Andamento ou Velocidade do Ritmo.

O segundo elemento ligado ao ritmo, e que tem também grande importância na música é o andamento.

Quanto a isso não há segredo; tem a ver com a música ser mais rápida ou mais lenta.

Com esses dois elementos, ou seja a pulsação binária ou ternária e o andamento, já podemos definir várias danças.

Valsa.

Uma valsa, por exemplo, é sempre em ritmo ternário e andamento rápido.

Este exemplo não é de Bach, mas pudera … no seu tempo a valsa ainda não existia!

Minueto.

Já um minueto é sempre em ritmo ternário e em andamento moderado.

Aqui, um exemplo de Haendel, compositor que viveu na mesma época que Bach.

Padrões rítmicos.

Vamos em frente. Além do ritmo básico e do andamento, há também os padrões ritmicos.

Por exemplo: um choro será sempre binário e com uma sucessão de notas iguais, assim:

Apanhei-te Cavaquinho!

Já o samba também é binário, mas tem um padrão ritmico todo recortado:

Eu vou prá Maracangalha, eu vou …

Palavrões!

Prá finalizar, há ainda os ritmos téticos e os anacrúsicos.

Caro leitor, não se assute com esses palavrões! É fácil.

Pense em Marcha Soldado. Ela começa com um acento:

Mar– cha soldado

Já Asa Branca começa com um impulso para o acento:

Quando-lhei

Quando uma melodia começa na nota acentuada – ou como nós músicos costumamos dizer, no tempo forte do compasso, nós dizemos que ela é tética.

E quando ela começa num impulso para o tempo forte – ou como os músicos costumam dizer, num tempo fraco – nós dizemos que ela é anacrúsica.

Finalmente, o ritmo na música de Bach.

Dito tudo isso, vamos conhecer algumas das danças que estavam em voga no século XVIII e que Bach usou em muitas de suas suítes.

Louré

A Louré era uma dança francesa, usada com freqüencia nos espetáculos teatrais já no século XVII.

Seu ritmo é ternário e seu andamento lento.

No exemplo abaixo, uma Louré da Partita n0. 3 para violino solo de Bach.

Bach: Loure da Partita No. 3 para Solo Violin. Leonidas Kavakos, violino.

Gavota.

A Gavota também é uma dança francesa, mas de origem popular, posteriormente levada às cortes.

Tem andamento moderado e ritmo binário.

Ela é anacrúsica!

Agora um exemplo orquestral: a Gavota da Suíte Orquestral no. 3 de Bach.

Bach. Gavota da Suíte Orquestral no. 3. Orquestra Barroca de Amsterdam, maestro Ton Koopman,

Bach costumava usar pedais – notas longas de sustentação – em suas gavotas, criando com isso uma sonoridade típica das gaitas de fole, como que para lembrar-nos sua origem popular.

Isso pode ser facilmente percebido na gavota da Partita no. 3 para violino.

Mais um exemplo de uma Partita para violino solo de Bach.

https://www.youtube.com/watch?v=3gi0r1lLM9E
Bach. Gavota da Partita no. 3 para violino solo. Gidon Kremer, violino.

Minueto.

O minueto também é uma dança francesa , instituida na época de Luis XIV. Foi a mais popular dança das cortes européias, e a que mais tempo sobreviveu.

Quando ninguém mais fazia executar gavotas ou lourés, o ritmo do minueto continuava sendo ouvido, até o comecinho do século XIX.

É uma dança de ritmo ternário, e de andamento moderado.

Na Itália, contudo, passou a ser tocado consideravelmente mais rápido, e foi muito usada em aberturas de óperas.

Bach, no exemplo que ouviremos em seguida, mostra-se fiel ao padrão francês.

Nele ele faz algo muito comum na época: uma forma A B A, em que A é um minueto, e B é outro, que contrasta com o primeiro.

Bourré

A Bourré também é uma dança francesa. É em ritmo binário, tem andamento rápido, e caráter vivo, alegre.

Começa sempre com uma anacruse.

Bach compôs Suítes para Alaúde, um instrumento magnífico.

Abaixo um exemplo.

Bach : Bourrée BWV 996 . Evangelina Mascardi, alaúde barroco.

Giga.

Agora deixemos as danças francesas para conhecer a Giga, uma dança que se popularizou em toda a Europa, mas teve sua origem na Grã-Bretanha.

É sempre ritmo ternário, e de andamento bem rápido.

Era uma dança que, no século XVIII, foi usada pelos compositores com muita liberdade. Havia tipos mais ou menos rápidos, com frases irregulares ou regulares, em estilo contrapontístico ou homofônico.

O que não variava era o ritmo ternário e o andamento vivo, alegre e muitas vezes saltitante.

Todas as suítes para violoncelo solo de Bach terminam com uma Giga.

Bach. Giga da Suíte para violoncello solo no. 1. Micha Maisky.

Sarabanda.

Da Grã-Bretanha vamos para a Espanha, terra natal de uma das mais queridas danças dos séculos XVII e XVIII: a Sarabanda

Muitos musicólogos defendem a tese de que ela surgiu na América latina, chegando posteriormente à Espanha.

De qualquer maneira, da Espanha ela foi para a Itália, e de lá espalhou-se pela Europa.

A sarabanda é uma dança lenta e em ritmo ternário.

No exemplo seguinte, a Sarabanda da Partita para cravo BWV 830, de Bach.

Bach: Sarabanda da Partita BWV 830. – Jean-Christophe Dijoux, cravo.

Corrente.

Uma dança em qua as notas fluem soltas, deslizando livremente é a Corrente, ou Courante.

É uma dança rápida, viva, em ritmo é ternário.

No século XVIII havia uma variante italiana, com ritmo mais uniforme, e uma francesa, com maior variedade ritmica, e com textura contrapontística.

Bach, neste exemplo que ouviremos, opta pelo estilo italiano.

Bach: Corrente da Suite Francesa No. 2. Courante. Angela Hewitt, piano.

Bach compôs 3 partitas para violino solo e um número muito maior de suites e partitas para cravo.

São verdadeiros mananciais de danças do século XVIII. Esse é um repertório muito rico, e muitas danças ficaram de fora deste artigo, como a Alemanda, o Passepied, o Hornpipe, entre outras.

Bach escreveu lindos exemplos de todas elas.

Será assunto para uma próxima portagem!

Espero que tenham gostado da leitura e dos exemplos musicais!

Saudações do maestro J. M. Galindo.

Formas musicais

O domínio das formas musicais é parte importante do métier do compositor.

Mas é também útil ao ouvinte!

Nas artes visuais a forma acontece no espaço, mas as formas musicais organizam-se no tempo.

FORMAS MUSICAIS.
pexels-anastasia-kolchina-5766748

Formas Musicais: úteis para todos.

Do ponto de vista do compositor, uma obra mais longa requer muito mais domínio das formas musicais do que uma obra curta.

E o mais interessante é que do ponto de vista do ouvinte acontece algo semelhante.

Ouvir uma obra mais longa requer muito mais atenção do que uma mais curta, e esta é uma das dificuldades da música erudita.

Muita gente diz que não gosta, mas na verdade apenas tem dificuldade em manter a atenção na música por muito tempo.

Uma canção popular simples dura apenas três ou quatro minutos e é formada por uma ou duas melodias.

Já uma sinfonia pode durar uma hora, e é sempre constituída de várias melodias, temas e ritmos diferentes e pode incluir várias formas musicais no seu todo!

Formas Musicais Básicas.

A-B-A

Imagine um compositor especulativo, curioso, que em seu processo criativo procure construir uma obra maior.

Ele não se contentaria com uma melodia simples e curta, por mais bonita que ela fosse, e por isso ele pensaria:

“mas o que é que eu posso fazer para estender, ampliar essa melodia, usando-a como ponto de partida para algo verdadeiramente grande?”

Um dos recursos mais simples seria acrescentar uma outra melodia logo após a primeira.

Esta é uma das formas musicais mais elementares que existem, e nós músicos a chamamos de A-B-A.

A é um primeiro tema, B é um segundo tema, e A é a repetição deste 1º tema.

A forma A-B-A é usada tanto na música erudita quanto na música popular.

No final deste artigo, deixarei dois exemplos pra você ouvir.

Mas prossiga a leitura!

Rondó.

Compreendida a forma A-B-A, é fácil imaginarmos que esse padrão pode ser estendido.

Por exemplo, um compositor pode fazer uma música com a forma:

A-B-A-C-A-D-A.

Pela “fórmula” acima podemos notar que há um tema principal que se repete, e outros temas, secundários, que dão amplitude e diversidade à música.

Essa forma também se consagrou e foi muito utilizada por praticamente todos os compositores dos séculos XVIII e XIX.

Ela é conhecida pelo nome de Rondó, no qual um tema principal, o tema A, surge várias vezes, intercalado com outros temas.

No final do artigo há também exemplos de Rondó para você ouvir.

O Rondó pode ser uma peça avulsa, ou então um movimento de uma Suíte, Sonata, Concerto ou Sinfonia.

MOZART. RONDO.

Tema e Variações.

Vejamos outra possibilidade.

O compositor pode decidir usar apenas uma melodia, mas repetindo-a várias vezes, sempre variada.

Pronto: temos aí outra forma consagrada pelos compositores eruditos: o “Tema com Variações”.

BEETHOVEN. TEMA COM VARIAÇÕES

Conhecer, ainda que basicamente, as principais formas como: A-B-A, o Rondó e o Tema com Variações, nos ajuda muito a manter a atenção durante o desenrolar de uma obra de maior duração e com isso usufruir melhor da boa música!

Exemplos.

Agora, você já pode começar a se divertir!

Ouça os exemplos abaixo:

  1. Um exemplo de forma A-B-A simples na música popular: Garota de Ipanema, de Tom Jobim.
  2. Um exemplo de forma A-B-A simples na música erudita: A Cantilena, 1o. movimento, das Bachianas Brasileiras no. 5, de Heitor Villa-Lobos.
  3. Um exemplo de Rondó na música popular: Odeon, de Ernesto Nazareth.
  4. Um exemplo de Rondó na música erudita: “Gavotte en Rondeau” de J. S. Bach.
  5. Um exemplo de Tema e Variações: 4o. movimento do Quinteto “A Truta”, de Franz Schubert.

Boa audição!

https://www.youtube.com/watch?v=maQ8t8mJkTM

ABERTURAS

Pobres aberturas; em geral elas antecedem os concertos, que antecedem as sinfonias; funcionam como uma espécie de aperitivo musical, e quase sempre são lembradas como obras de pequena importância.

Mas algumas…. são verdadeiras obras primas.

Eu me lembro de quando era estudante e costumava freqüentar os concertos dominicais da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo.

Naquela época eu vibrava principalmente com as aberturas dos concertos. Eu ainda não tinha treino auditivo suficiente para acompanhar as longas sinfonias, que às vezes me cansavam; mas com as aberturas era diferente!

Por isso este gênero é tão importante: para aquela pessoa que está se iniciando no mundo música de concerto, aberturas são fundamentais.

Pois bem, uma delas ficou para sempre em meu coração, como uma música deliciosa que me traz boas lembranças, e que eu gosto de ouvir até hoje.

Antes que nosso ouvinte diga que estou sendo egoísta, que estou pensando apenas em mim, eu digo: ela é presença constante no repertório de todas as orquestras sinfônicas. Além disso, é impossível não gostar dela.

Alegre, vibrante, inspirada, é Abertura da ópera As Bodas de Fígaro, de Wolfgang Amadeus Mozart.

https://www.youtube.com/watch?v=SvyA2t8A2uk&t=87s
Orquestra Filarmônica de Viena; Mariss Jansons

Há muita coisa interessante a ser dita sobre as aberturas ouvidas hoje em dia. Muitas têm origem e estrutura completamente diferentes.

Vamos comparar essa abertura de Mozart com uma outra, escrita 180 anos antes: é a abertura da Ópera Orfeu de Monteverdi, composta em 1607.

Jordi Savall e La Capella Reial de Catalunya no Gran Teatro del Liceo de Barcelona.

Mal pode ser considerada uma abertura, se comparada com a de Mozart. A de Mozart dura mais de nove minutos; esta de Monteverdi não chega a dois.

Os compositores experimentaram vários tipos de abertura, até chegarem a alguns padrões que se consagraram.

Um deles foi criado em Paris, ainda no século XVII; ele foi aceito, disseminado e copiado por compositores de toda a Europa: ficou conhecido como Abertura Francesa, e foi criada pelo compositor Jean-Baptiste Lully

Ela tinha duas partes muito contrastantes: uma em um andamento lento, de caráter solene, e um padrão ritmico bem marcado, incisivo, e outra de andamento rápido e escrita contrapontística, muitas vezes uma verdadeira fuga.

La Chapelle Royale, dirigida por Philippe Herreweghe.

Lully foi o mais importante compositor francês do século XVII. Viveu ente 1632 e 1687, e é tido como o fundador da ópera nacional francesa. O modelo definido por ele para a abertura de suas óperas se tornou tão marcante que vários outros compositores o imitaram – no melhor sentido da palavra, é claro.

Um exemplo vem da Inglaterra, com Henry Purcell, considerado um dos maiores compositores ingleses de todos os tempos.

Ele foi praticamente contemporâneo de Lully, tendo vivido entre 1659 e 1695.

The English Concert · Trevor Pinnock

Mesmo após a morte de Lully, seu modelo continuou sendo seguido, e já extrapolava o mundo da ópera.

Um exemplo interessantíssimo é a música que Georg Friedrich Handel escreveu para acompanhar uma exibição de fogos de artifício, num dia de grande festa em Londres.

Trata-se de uma suíte de danças, encabeçada por uma bela abertura francesa.

O padrão de Lully é seguido à risca!

Minnesota Orchestra . Maestro Stanislaw Skrowaczewski.

Paralelamente à abertura francesa, existia a abertura italiana. E a abertura que os italianos usavam em suas óperas eram totalmente opostas à abertura francesa.

No que diz respeito ao andamento, tudo era ao contrário: ela começava rápida, tinha um trecho central lento, e voltava ao andamento rápido para terminar. Não usava os ritmos solenes e pontuados, e também não adotava a escrita contrapontística.

O ritmo pontuado e o estilo fugato traziam pompa e complexidade para a abertura francesa. Pudera, ela se desenvolveu dentro do Palácio de Versalhes, sob a cuidadosa fiscalização do mais vaidoso e pomposo dos monarcas: Luis XIV, o rei sol.

Já a abertura italiana, ao contrário, refletia o fato de que a opera na Itália se tornava cada vez mais popular.

Um exemplo a ser citado é a Abertura da ópera Farnace de Antonio Vivaldi.

Freiburger Barockorchester

Um fato curioso é que em muitas situações não se dava grande importância para as aberturas de ópera. Elas eram na verdade usadas – isso mesmo, usadas – apenas como um aviso de que o espetáculo ia começar. Assim as pessoas ficavam sabendo que era hora de parar de conversar e tomar seus lugares. Por isso, muitos compositores escreviam aberturas cujos ritmos e melodias não tinham rigorosamente nada a ver com a música que seria ouvida durante a ópera – ninguém iria perceber!

Contudo isso foi mudando aos poucos, e as aberturas passaram a ser vistas com mais interesse.

Sobre isso, há alguns exemplos interessantes.

Um deles é do compositor Christoph Willibald Gluck, que apesar de alemão, teve um papel muito importante na ópera francesa.

Para sua ópera Ifigênia em Táurida, que é cantada em francês, Gluck cria uma abertura que tem tudo a ver com o que vai acontecer no início do primeiro ato da obra.

Neste início, Ifigênia, que na mitologia grega é filha de Agamenon e Clitemnestra, enfrenta um furioso ataque das forças da natureza. Ela e as sacerdotisas que a acompanham pedem aos deuses que cessem a tempestade, e que a tranquilidade seja restabelecida….. o que efetivamente acontece.

A abertura da ópera descreve perfeitamente essa situação…. como Ifigênia começa a cantar antes que a abertura acabe. A abertura aqui deixa de ser uma peça musical avulsa; ao contrário, ela prepara o ambiente e se entrelaça com a primeira ária da ópera.

Les Musiciens du Louvre · Maestro Marc Minkowski

Numa época em que muitas pessoas assistiam ópera apenas para ouvir as habilidades e piruetas vocais dos cantores, Gluck insiste numa harmoniosa interação entre a música e teatro, recusando os malabarismos vocais em favor de um canto mais simples, e de texturas orquestrais sintonizadas com a trama.

Por isso ele ocupa um papel importantíssimo no desenvolvimento da ópera.

Seu discípulo mais importante foi Antonio Salieri, professor de Beethoven, grande compositor que até hoje é imensamente subestimado.

Sua abertura da ópera Les Danaïdes. Não é uma simples música de entretenimento, mas uma peça que antecipa as situações dramáticas que virão.

Heidelberg Symphony Orchestra. Maestro Thomas Fey

Essa abertura já nos traz os ventos do romantismo musical, que seria definitivamente deflagrado por seu aluno mais notável: Ludwig van Beethoven.

Mas as aberturas românticas ficarão para outra postagem!

Até lá!

DICA DE LEITURA.

Em se falando de Aberturas de Ópera, fica uma dica para um espetacular livro sobre a ópera: uma das formas de arte mais extraordinárias dos últimos quatro séculos. O livro de Carolyn Abbate e Roger Parker já nasce como clássico: talvez o gênero não tenha recebido um tratamento tão ambicioso. Se o leitor especializado encontrará neste ensaio análises profundas, o leigo terá um guia que o conduzirá às várias facetas e períodos da ópera. Da corte dos Médici na Florença do século XVI até o presente, passando por Monteverdi, Händel, Mozart, Verdi, Puccini, Berg e Britten, os autores traçam análises profundas dos contextos sociais, políticos e literários, das circunstâncias econômicas e das quase constantes polêmicas que acompanharam o desenvolvimento do gênero nos últimos quatro séculos. Isso sem se descuidar da apreciação propriamente estética das óperas estudadas e do aspecto central e talvez definidor dessa forma de arte: as tensões entre palavra e música, personagem e intérprete. Apesar dos problemas atuais, notadamente a cruel concorrência dos espetáculo de massa, de jogos de futebol a mega shows em estádios, a audiência, no entanto, cresce e a ópera permanece criativa e florescente, com encenações originais e intérpretes talvez tecnicamente melhores do que jamais foram.

Você pode encontrar esse livro na Amazon Brasileira, clicando no llink abaixo:

https://amzn.to/2MrzLVH