As Cartas de Beethoven.

Beethoven é talvez o melhor exemplo de uma tendência de todos nós que gostamos de música de concerto. Costumamos pensar nos grandes compositores como se não fossem humanos!

É como se fossem quase deuses, seres especiais dotados de um dom invejável. Homens e mulheres que fizeram sua trajetória nesse mundo sem ter que se importar com as pequenas e mundanas coisas do dia a dia, como as tarefas de subsistência.

Para sairmos desse devaneio, nada melhor do que ler os depoimentos que eles deixaram para a posteridade, em cadernos de anotações, margens de livros, cartas, etc.

Esses depoimentos nos trazem informações curiosas, algumas muito importantes, e outras que podem ser muito divertidas.

Neste artigo, algumas linhas escritas pelo próprio punho de Beethoven!

Beethoven
Beethoven com cerca de 30 anos.

Bilhetes enviados a Hummel.

Vamos começar com dois bilhetes de Beethoven, enviados ao colega pianista e compositor Johann Nepomuk Hummel. São muito divertidos!

O 1º bilhete diz o seguinte:

” Não se atreva a procurar-me de novo! És um cão traiçoeiro e que a carrocinha carregue os cães traiçoeiros”

No dia seguinte Beethoven escreveria a Hummel este segundo bilhete…

“Ceninho do meu coração,

Você é um sujeito correto, reconheço que vc estava com a razão; venha, pois, hoje de tarde em casa, Schuppanzigh também estará aqui. Vamos repreendê-lo, amassá-lo e despedaçá-lo de tal maneira que ele vai achar uma delícia.

Beijos do seu Beethoven.”

Mas quem foi Hummel?

Johann Nepomuk Hummel viveu entre 1778 e 1837, tendo nascido 8 anos depois de Beethoven.

Hummel, pianista e compositor,

Foi pianista e compositor muito admirado em seu tempo, embora hoje seja conhecido por poucos.

Hummel foi aluno de Mozart e grande amigo de Beethoven.

E quem foi Schuppanzigh?

Agora vamos ver quem foi Schuppanzig, a quem Beethoven se refere.

Schuppanzigh

Ignaz Schuppanzigh viveu entre 1776 e 1830; era um violinista que se estabeleceu como virtuoso com apenas 21 anos de idade. Foi professor de violino de Beethoven e mantiveram-se amigos por toda a vida.

Apesar de desconhecido, teve um papel importantíssimo na evolução da música européia: foi o líder do primeiro quarteto de cordas profissional da história, o quarteto do Conde Razumovsky.

Antes a música para quarteto de cordas era sempre tocada por amadores.

Beethoven dedicou a Schuppanzigh três quartetos magníficos, os de opus 59 nº 1, 2 e 3, conhecidos justamente por Quartetos Razumovsky.

Cartas para os editores.

Vamos agora a outro capítulo da comunicacão epistolar Beethoveniana: as cartas, muitas, que ele enviava para seus editores.

Neste caso o destinatário era Franz Anton Hoffmeister, e a carta foi enviada em janeiro de 1801.

“… estou às suas ordens e lhe ofereço no momento as seguintes obras:

– o septeto de que lhe fiz menção e que pode ser transcrito para o piano a fim de se obter uma divulgação mais ampla e um lucro maior, por vinte ducados.

– a Sinfonia por vinte ducados.

– o Concerto para piano por 10 ducados.

– grande sonata solo, por vinte ducados.

E agora vamos aos comentários: deve estar espantado por eu não fazer nenhuma distinção entre sonata, septeto, sinfonia quanto ao preço.

Faço-o assim porque sei muito bem que há menos procura por septetos ou sinfonias que por uma sonata, embora uma sinfonia valha muito mais.

Peço apenas 10 ducados pelo concerto porque não o coloco entre minhas obras mais bem sucedidas…”

Veja só aqui caro leitor, um exemplo da severa autocrítica de Beethoven, desmerecendo uma de suas próprias obras.

Beethoven estava se referindo ao concerto para piano nº 1, opus 19, em si bemol maior, que hoje esta catalogado como nº 2

E acrescentava:

“Deveria haver um único mercado de arte no mundo; o artista simplesmente mandaria para lá as suas obras e receberia tanto quanto necessita; da maneira como as coisas são, cada um deve ser meio comerciante acima de tudo….”

E aqui vemos o outro lado: a luta de Beethoven para manter-se como artista independente, vivendo apenas de suas composições.

Na época ainda não havia lei nem arrecadação de direitos autorais; o compositor vendia sua obra por uma quantia específica e não recebia mais nada por ela.

Aliás, este editor com quem Beethoven se comunicou, Franz Anton Hoffmeister, era também compositor. Ele viveu entre 1754 e 1812, deixou 8 óperas, mais de 50 sinfonias, muitos concertos e música de câmara.

Hoffmeister,
Franz Anton Hoffmeister.

Beethoven Marqueteiro?

Seguimos com outro trecho de uma carta enviada ao mesmo Franz Anton Hoffmeister, em abril de 1802.

Ele mostra como já naquela época os editores sucumbiam a toda idéia marqueteira que surgisse e pudesse render um bom dinheiro…

Assim diz Beethoven:

“Será que o diabo está cavalgando na cabeça dos senhores, cavalheiros?

Sugerir que eu deveria escrever uma sonata revolucionária? No tempo da febre revolucionária teria valido a pena considerar a proposta, mas agora, que todas as coisas estão tentando voltar à velha rotina, agora que Bonaparte fez sua concordata com o papa ….nesse caso eu empunharia uma pena e confiaria ao papel um Credo com notas enormes que valeriam uma libra cada.

Mas bom Deus, uma sonata dessa espécie no começo de uma nova era cristã…oh!oh!…. excluam-me disso, pois não resultará em nada!”

Em lugar da tal sonata revolucionária Beethoven escreveu sua belíssima sonata opus 22, e a dedicou a um aristocrata, o conde Bowne.

Fala um aluno de Beethoven.

Vejamos agora não um depoimento do próprio Beethoven, mas de um grande músico que foi muito ligado a ele: Carl Czerny.

Czerny, aluno de Beethoven
Carl Czerny

Czerny é muito conhecido por todo mundo que estudou piano. Ele deixou vários trabalhos pedagógicos, livros com exercícios e estudos para jovens pianistas, que são usados até hoje.

Czerny era vienense, viveu entre 1791 e 1857, e foi aluno de Beethoven.

Eis o que ele deixou escrito sobre seu mestre.

“Encontrei-me pela primeira vez com Beethoven por volta 1798 ou 1799. Tinha 7 ou 8 anos de idade.

Ainda naquela época, entre 1798 e 1799, o mestre não dava o menor sinal de ter dificuldade de audição.

Ele pediu-me para executar algo imediatamente, e tive muita vergonha de começar por uma de suas composições. Então toquei o grande concerto em do maior de Mozart.

Beethoven ficou atento, aproximou-se da minha cadeira e, nas passagens em que me cabia tão somente o acompanhamento, tocou o tema da orquestra na mão esquerda. Suas mãos eram densamente cobertas de pelos, e os dedos, sobretudo nas pontas, eram muito largos.

Quando Beethoven exprimiu sua satisfação, revesti-me de coragem e toquei sua Sonata Patética, que acabara de ser publicada. Quando encerrei, Beethoven virou-se para o meu pai dizendo-lhe: ” o garoto tem talento, eu próprio lhe darei aulas. Mande-o a minha casa uma vez por semana”.

Czerny estudou com Beethoven por 3 anos, e em seguida tornou-se seu assistente e profundo conhecedor da obra do mestre. Era capaz de tocar de memória tudo o que Beethoven havia escrito para piano.

Czerny é o pai da moderna técnica pianística, e é a raiz de várias gerações de pianistas, que chegam até os dias de hoje.

Um exemplo: o maestro e pianista Daniel Barenboim, diretor da Ópera de Berlim, estudou piano com Edwin Fischer, que foi aluno de Martin Krause, que foi aluno de Liszt, que foi aluno de Czerny.

Segue mais um depoimento escrito deixado por Czerny.

“Nas primeiras aulas Beethoven manteve-me ocupado apenas com as escalas em todas as claves, mostrou-me a única posição correta das mãos, que era ainda desconhecida da maioria dos músicos da época, a posição dos dedos, e particularmente o modo de usar o polegar – regras cuja utilidade não avaliei plenamente senão muito tempo depois. Então me fez tocar os exercícios do manual e, principalmente, chamou minha atenção para o legato, que ele próprio dominava de maneira tão incomparável, e que naquela época todos os outros pianistas consideravam inconcebível…”

A Sinfonia Pastoral.

Vamos agora ouvir o que Beethoven pensava sobre sua Sinfonia Pastoral, a partir de um texto que ele deixou registrado em um de seus muitos blocos de anotações.

“Deixe-se ao ouvinte que descubra a situação. Sinfonia característica ou uma reminiscência da vida campestre. Todo tipo de descrição perde muito ao ser transladada em demasia na música instrumental.

Qualquer um que possua a mais tênue idéia da vida campestre não precisará de muitas notas escritas para poder imaginar por si próprio o que o autor pretende. Mesmo sem descrições poderá reconhecer tudo, pois se trata de um registro de sentimentos, em vez de uma descrição em sons.”

É Beethoven nos dizendo que a escuta musical deve ser ativa, participativa. Enquanto ouve, o ouvinte deve deixar sua imaginação trabalhar. A grande música não foi mesmo feita para entrar por um ouvido e sair pelo outro.

A Sinfonia Pastoral é a única que tem um título para cada movimento, criado pelo próprio Beethoven.

São eles:

  1. “Despertar de sentimentos alegres diante da chegada ao campo”
  2. “Cena à beira de um regato”
  3. “Dança campestre”
  4. “A tempestade”
  5. “Hino de ação de graças dos pastores, após a tempestade”

Assim, sugiro ao leitor que sintonize sua mente, imagine que está num campo florido em uma bela manhã de primavera, enquanto ouve o delicado 5º movimento da encantadora Sinfonia Pastoral de Beethoven.

É só clicar no link abaixo!

Beethoven Popular

Olá cara leitora, caro leitor!

Você sabe o que é “yodel”?

Não?

Então ouça:

https://www.youtube.com/watch?v=vQhqikWnQCU
Franzl Lang

Isto, caros ouvintes, é yodel; uma técnica de canto especialíssima desenvolvida há séculos pelos povos das montanhas do Tirol. Nesta técnica o cantor ou cantora alterna rapidamente a voz “verdadeira”, digamos assim, com o “falsete”, aquela voz aguda que parece que sai do alto da cabeça.

Alternar essas duas colocações vocais tão diferentes nessa velocidade em que ouvimos é muito difícil; e manter a afinação, mais difícil ainda.

Esse cantor é um dos maiores técnicos do gênero e se chama Franzl Lang.

O que isso tem a ver Ludwig van Beethoven?

A maioria dos textos sobre Beethoven analisa algumas das suas obras mais ambiciosas e monumentais, como a 3ª ou a 9ª sinfonia.

Por isso, desta vez eu decidi relaxar um pouco – no bom sentido, é claro – e mostrar a vocês um lado muito pouco conhecido de Beethoven: o seu interesse pela música popular.

Garimpando em sua imensa obra, e gente encontra algumas pérolas interessantíssimas, como arranjos feitos por ele de melodias tradicionais tirolesas.

Como essa aqui, chamada Ja Madel, ja Madel.

Em algumas de suas canções, Beethoven arrisca se aproximar do “yodel”, mesmo sabendo que os cantores eruditos não têm essa técnica…

O resultado é bem interessante!

Beethoven e o Verbunko

Além das canções e do yodel tirolês, Beethoven tinha outras cartas na manga…. como o Verbunko húngaro.

O verbunko é uma música folclórica húngara do século XVIII; a palavra verbunko vem do verbo werben, que significa recrutar. Essa música e sua respectiva dança eram executadas na Hungria na época do recrutamento militar.

Há muito tempo atrás eu ligo um artigo de um musicólogo alemão chamado Attila Csampai, e nunca mais ele saiu da minha cabeça. Segundo ele, Beethoven o querto movimento da sétima sinfonia de Beethoven não era nada mais que um verbunko estilizado e eruditamenbte trabalhado.

Eu então dedidi garimpar o Youtube…. e encontrei um filme caseiro, no qual um grupo de amigos húngaros se diverte tocando e dançando um verbunko.

Pois acredite, há mesmo uma semelhança muito gande entre o ritmo frenético do verbunko e do 4º movimento da 7ª sinfonia.

Ouça e depois me diga se concorda comigo ou não….

https://www.youtube.com/watch?v=VLkZvsp62iU
Maestro Carlos Kleiber e Orquestra do Concertgebow de Amsterdam.

Beethoven e a Música Popular Alemã

Mas não foi apenas em locais mais distantes, como os alpes suícos ou a Hungria, que Beethoven procurou música popular. Dentro da sua Alemanha ele também achou muita inspiração. Estou falando das 24 danças Alemãs que Beethoven escreveu para orquestra.

Alguém pode ouvir uma da danças alemãs e pensar: “ah, mas esta dança tem uma sonoridade de música clássica”. Na verdade é o contrário: a música clássica de Beethoven, assim como a de Haydn, é que está fortemente calcada na música popular germânica.

Ouça uma delas.

Academy of St. Martin in the Fields · Sir Neville Marriner.

Tema popular numa grande Sinfonia de Beethoven.

A música popular é muito importante na obra de Beethoven. Ela está presente em várias de suas grandes e eruditas obras.

Vamos a um exemplo final: 0 último movimento da sua monumental Sinfonia no. 3, a Sinfonia “Eroica”.

Paavo Järvi and the Deutsche Kammerphilharmonie Bremen.

Por hoje fico por aqui!

Até a próxima!

Cartas de Mozart – 1

Hoje vamos conhecer um pouco do homem Mozart; veremos o que ele pensava sobre música, família, amizades, suas ambições …. e até fofocas e maledicências.

Como podemos saber de tudo isso? Simples cara leitora ou leitor! A partir da leitura de alguns trechos de muitas das cartas de Mozart que foram preservadas.

Os trechos aqui transcritos são de cartas escritas por Mozart após fixar-se em Viena.

Mozart recém-chegado em Viena

Ele acabara de chegar na capital do Império Austro-Húngaro, um dos maiores centros musicais do mundo, após de pedir demissão de seu medíocre emprego em Salzburgo.

Mozart teve que lutar bravamente para sobreviver em Viena como um músico independente, contra a vontade do próprio pai.

A primeira preocupação era com a própria subsistência.

Nesta carta enviada a seu pai em 16 de junho de 1781, vemos Mozart tratando de dinheiro, e podemos notar como as coisas não mudaram muito para os músicos nos últimos 220 anos…

O senhor sabe bem que, para alguém que quer ganhar dinheiro, esta é a pior estação do ano. As famílias mais distintas viajaram para o interior, e assim não me resta outra coisa senão preparar-me para o inverno.

Neste momento conto apenas com uma aluna, a candessa Rumbeck. Poderia ter mais, é claro, se baixasse o preço, mas se o fizer o meu crédito cai. Calculo 6 ducados por 12 aulas e ainda aviso-lhes que só o faço por favor especial.

Prefiro 3 alunos que paguem muito bem a 6 que paguem mal. Mesmo assim só com essa aluna já dá para sobreviver, e por enquanto isso basta.

Escrevo-lhe isso para que não pense que lhe mando 30 ducados apenas por egoísmo. Fique tranqüilo, mandarei mais assim que tiver – e terei! Porém os outros não precisam saber qual a nossa situação.”

Ou seja: no começo, Mozart sobrevia apenas dando aulas de piano. Mas era um excelente pianista, e sua reputação nesse sentido era muito boa. Logo começou a se apresentar como pianista, tocando seus próprios concertos, e com isso conseguiu um bom dinheiro.

Clicando no link abaixo você poderá ouvir o 30. movimento do Concerto para Piano catálogo Koechel 482. Mozart compôs este concerto em 1785, quando estava em Viena havia 4 anos.

Mozart, Concerto para Piano KV 482, 3o. movimento. Daniel Barenboim e a Filarmônica de Berlim.

A 1a. grande oportunidade de Mozart.

Era agosto de 1781, quando Mozart teve sua primeira grande oportunidade em Viena: foi convidado para musicar um libreto, que resultaria numa de suas mais importantes óperas: O Rapto do Serralho.

Sobre isso Mozart escreveu ao seu pai em 1º de agosto.

Anteontem finalmente o jovem Stephanie me entregou um libreto. Ele pode ser um homem mau para com os outros, não sei e nem me importo com isso, mas devo dizer que comigo se comporta como um verdadeiro amigo. O libreto é bastante bom. É um assunto turco e o título é Belmont e Konstanze ou O Rapto do Serralho.

A abertura, um coro no 1º ato e o coro final escreverei para uma orquestra à moda turca. Estou tão contente com a encomenda que já terminei de escrever a 1ª aria da sra. Cavalieri, que fará um dos papeis principais, e da mesma forma a do sr. Adamberger, e o terceto que encerra o 1º ato.

É verdade que o prazo é curto, pois a intenção é estrear a obra já em meados de setembro, mas as circunstâncias que fazem com que a apresentação se realize nessa época, e também as novas idéias que brotam da minha cabeça, me agitam o ânimo a tal ponto que dirijo-me à escrivaninha sempre com a maior excitação e de lá preferia nem me levantar.

O grão-duque virá a Viena, e foi por isso que Stephanie me pediu para terminar a obra, se possível , em tão pouco tempo. Decerto será um ponto em meu favor eu ter aceito escrevê-la neste prazo tão curto.”

Apesar disso a composição da ópera acabou se extendendo por um ano!

A estréia foi tumultuada, mas o público gostou, e pouco a pouco ela se firmou no repertório.

Abaixo, de O Rapto do Serralho, a belíssima aria Hier soll ich denn sehen – Aqui então eu a verei, Konstanze, minha alegria.

Ryland Davies (BELMONTE), The London Philharmonic Orchestra, maestro Gustav Kuhn.

Idéias de Mozart sobre Estética.

Enquanto compunha o Rapto do Serralho, Mozart escreveu a seu pai em 13 de outubro de 1781, uma carta na qual há um trecho muito especial, um dos poucos textos em que Mozart fala de estética, e que o mostra não só como um músico genial, mas também um artista com um acurado senso teatral.

Agora, sobre o libreto da ópera. O sr. tem razão, mas os versos adequam-se muito bem ao caráter ignorante, grosseiro e mal intencionado do personagem Osmin. Apesar de eu saber que os versos não são perfeitos, eles se enquadram tão bem dentro dos pensamentos musicais que eu já tinha em mente, que acabei gostando deles…

Numa ópera, a poesia deve ser uma criança obediente da música. Por que as óperas cômicas italianas são recebidas por toda parte com tanto sucesso, apesar de todas as misérias que encontramos no texto? Até mesmo em Paris vi isso acontecer!

Porque nelas reina a música, e isso faz esquecer todo o resto. Naturalmente, o sucesso é maior ainda se todo o esquema da peça for bom, se as palavras forem juntadas à serviço da música e não por causa da rimas, que às vezes estragam por estrofes inteiras a concepção do compositor.

É claro que os versos são indispensáveis à música, mas as rimas somente pelas rimas só causam danos. Aqueles senhores que são demasiadamente pedantes nesse sentido certamente desaparecerão com suas músicas. O melhor é quando um bom compositor, que entende de teatro e que sabe ele mesmo dizer o que pretende fazer, e um poeta inteligente se encontram…”

Isso aconteceu na Ópera Don Giovanni, em que a música de Mozart vai além da beleza pura e simples, e acentua com perfeição as situações dramáticas.

É o caso da cena final, quando o fantasma do comendador surge, apavorando o imoral Don Giovanni.

A música de Mozart é soberba, refletindo perfeitamente o pavor de Dom Giovanni.

Don Giovanni (Samuel Ramey) Commendatore (Kurt Moll)

Teatro: uma paixão de Mozart!

Mozart realmente apreciava o teatro. Em 4 de julho de 1781 escreveu uma carta a sua irmã, na qual, entre outras coisas diz o seguinte:

Eu, graças a Deus, estou com boa saúde e com bom humor. Minha única diversão é o teatro. Gostaria que você assistisse aqui a apresentação de uma tragédia. Na verdade, não conheço nenhum teatro onde as peças de qualquer tipo fossem levadas de forma tão excelente como aqui.

Aqui, todos os papéis, mesmo o mais insignificantes, são desempenhados por bons atores, e todas as peças têm duplo elenco“.

Vamos ouvir mais um pouco da música operística de Mozart: da ópera Cosi fan Tutte – assim fazem todas – a aria Come scoglio – como uma rocha.

O texto diz: “Como uma rocha nos mantemos imóveis, suportando os ventos e as tempestades, confiando no amor”.

Fiordiligi: Dorothea Röschmann. Staatsoper Berlin. Daniel Barenboim .

Mozart não era fácil!

Caro ouvinte, apesar de genial – ou talvez por causa disso – Mozart não era fácil

Fofoca e maledicência são muito comuns em sua correspondência!

Veja como, nesta carta de 22 de agosto de 1781, enviada a seu pai, Mozart fala sem papas na língua de um amigo de ambos, um certo senhor Auerhammer , e de sua família.

Em tempos de politicamente correto, isso é totalmente inaceitável!

“O senhor Auerhammer é o melhor dos homens, apenas é um pouco bom demais! Porque lá em sua casa quem usa as calças é sua esposa, que é a mais limitada e boba tagarela do mundo.Quando fala, ninguém tem coragem de abrir a boca. O senhor Auerhammer, das vezes que fomos passear juntos, pediu-me que não contasse às suas mulheres, esposa e filha, que andamos de fiacre ou que tomamos algumas cervejas. Pois bem, como posso confiar em um homem que não pode abrir a boca em casa?”

Na mesma carta, mais adiante lemos:

“Não pretendo descrever a mãe, basta dizer que quando estamos juntos à mesa é difícil não romper em risos. O senhor conhece a sra. Adlgasser aí em Salzburgo? Pois essa peça é ainda pior, pois tem a boca suja também, portanto além de boba é mal intencionada. E agora a filha! Se um pintor quisesse retratar o diabo de modo fiel, bastaria recorrer ao seu rosto! Sua tanto que me causa náuseas, e anda desnuda como se carregasse um papel pendurado dizendo: “por favor, olhem para cá!

“Vade, satanás!”

Pois é! Mozart, compositor de obras sublimes, era uma pessoa com qualidades e defeitos, como qualquer outra.

Mozart e Muzio Clementi.

Em relação a seus colegas compositores, Mozart podia ser ainda mais ferino.

Muzio Clementi, respeitado pianista italiano, admiradíssimo por Beethoven, também não foi poupado, como vemos nesta carta de 7/6/1783.

Agora gostaria de dirigir algumas palavras à minha irmã a respeito das sonatas de Clementi.

Quem as toca ou ouve pode sentir que as composições não são relevantes. Partes que causem assombro ou que chamem atenção elas não possuem, exceto as passagens em sextas ou oitavas.

Peço à minha irmã que não perca muito tempo com isso, que tome cuidado para não estragar a posição correta das mãos, até agora tranqüilas e firmes, e que a mão não perca, por causa disso, sua leveza, agilidade e rapidez contínua.

Pois afinal, que vantagem isso traz? Se fizer as passagens de sextas e oitavas com a máxima velocidade ( o que, aliás, ninguém é capaz de fazer, nem mesmo o próprio Clementi), tudo virará apenas uma terrível monotonia e nada mais! Clementi é um charlatão, como todo italiano. Ele não possui nada – nada – o menor bom gosto ou interpretação, e muito menos sentimento.

Caro ouvinte, aí temos uma grande probabilidade de estarmos diante de um caso de inveja.

Clementi já era um músico internacionalmente famoso, enquanto ainda Mozart lutava por um lugar ao sol.

Clementi, por seu lado, reconheceu a importância de Mozart e aprendeu a admirá-lo.

Mozart tinha o direito de não gostar de Clementi, ou de quem quer que fosse. Contudo, chamá-lo de charlatão…. aí ele exagerou!

Clementi foi um músico excepcional, como pianista e como compositor. Beethoven era um grande admirador de suas sonatas para piano, e deixou-se influenciar largamente por ele.

Clicando no link abaixo podemos ouvir o belíssimo 1o. movimento de sua Sonata no. 25.

Maria Tipo, ao piano.

Mozart era amado em Praga!

Em 15 de janeiro de 1787, Mozart está em Praga – cidade que ele adorava – e de lá escreve uma carta ao seu amigo Barão Gottfried Jacquin, falando de um de seus sucessos.

Querido amigo!

… Ao chegarmos, na quinta-feira, dia 11 ao meio dia, imediatamente já tínhamos muito o que fazer para nos prepararmos até a 1 hora, para o almoço. Às 6 horas fomos de carro com o Conde Conac ao chamado baile de Breitfeld, onde costumam se reunir as flores mais bonitas de Praga. Isso é que teria sido algo de bom para o senhor, meu amigo! Vejo-o na minha imaginação – correndo? será?-não, capengando! atrás das belas mulheres e moças.

Não dancei e nem apalpei as mulheres. Não fiz o 1º porque estava cansado, e o 2º porque sou um tonto de nascença. Mas olhei com grande prazer as pessoas pulando com uma fruição íntima ao ritmo da música da minha Fígaro, transformada em contradança. Pois aqui não falam de outra coisa senão da Fígaro – não tocam, sopram, cantam e assobiam outra coisa senão a Fígaro -não assistem outra ópera senão a Fígaro e para sempre a Fígaro!

Abertura de “As Bodas de Figaro”. Sinfônica de Viena, maestro Fábio Luisi.

Mozart e Salieri numa boa!

A última carta de Mozart foi escrita em 14 de outubro de 1791, para sua esposa, que se encontrava em uma estação de banhos.

Nada nela nos faria pensar que menos de 2 meses depois ele estaria morto. Nesta carta Mozart conta como ficou feliz por ter levado o compositor Antonio Salieri à uma apresentação de sua última ópera, A Flauta Mágica.

Ele diz:

Ontem, dia 13, quinta-feira, às 6 horas, fui de carro buscar Salieri e a sra, Cavalieri, e os acompanhei até o camarote.

Você não pode imaginar como eles foram amáveis e como gostaram não apenas da música, mas também do texto e de tudo mais. Ambos disseram que esta é uma ópera que merece ser apresentada diante do soberano mais importante, por ocasião da cerimônia mais solene.

Salieri acompanhou e observou tudo com muita atenção, e da abertura ao último coro não houve um número sequer que não fizesse com que bravos e bellos partissem de seus lábios.

O trecho mais famoso dessa fantástica obra é sem dúvida a “Aria da Rainha da Noite”.


Diana Damrau. Filarmônica de Viena. Riccardo Muti.

A morte de Mozart.

Mozart viria a falecer no dia 5 de dezembro de 1791, à uma hora da manhã. Em 20 de novembro daquele ano ele deitou-se, mal conseguindo mover os membros do corpo, devido a inchaços dolorosos nas juntas dos braços e pernas. Vomitava muito, e para agravar, foi submetido a várias sangrias, o que pode até ter-lhe causado septicemia – por melhores que fossem as intenções dos médicos da época.

Uma das cunhadas de Mozart, Sophie, presenciou sua morte, e a descreveu anos mais tarde:

“Quando cheguei lá estava Süssmeyr, seu aluno, sentado junto à cama de Mozart. Na colcha estava o Requiem, e Mozart lhe explicava como, em sua opinião, ele deveria ser concluído, após sua morte.”

Essa história é muito contestada por diversos musicólogos, que a enquandram na enorme coleção de histórias fictícias que se sucederam à sua morte.

Para terminar, um trecho do Requiem.

Anna Tomowa-Sintow, Soprano. Helga Müller Molinari, Alto. Vinson Cole, Tenor .Paata Burchuladze, Baixo. Wiener Singverein Wiener Philharmoniker .Herbert von Karajan

Sublime, genial, maldoso, fofoqueiro, invejoso, amoroso, cordial…. humano!

OS DIVERTIMENTOS DE MOZART

A cena que descrevo a seguir era muito comum no século XVIII: um aristocrata rico e poderoso recebe em seu palácio um certo número de convidados. Além dos vinhos, do champagne, excelente comida e agradáveis conversas, ele proporciona a seus amigos algumas horas de boa música. E se a ocasião for muito especial, música composta especialmente para ela.

Provavelmente, ninguém parava para prestar atenção; a música ficava ao fundo, exatamente como acontece hoje em qualquer festa ou reunião de amigos. A diferença é que hoje em dia usa-se um bom aparelho de som, e naquela época, como ainda não havia tomadas nas paredes, o jeito era fazer tudo ao vivo.

Todos conhecem uma obra de W. A. Mozart chamada “Pequena Serenata Noturna” Ela foi composta para uma dessas ocasiões.

Mozart: Eine kleine Nachtmusik in G major, KV 525 Concertgebouw Chamber Orchestra

Enquanto esta é muito conhecida, as outras serenatas e divertimentos que ele escreveu são pouco tocadas. É o caso da Serenata Noturna nº Köchel 239. Ela foi composta em 1775, quando Mozart tinha 19 anos, e ainda vivia em Salzburgo.

São três movimentos: Maestoso; Minueto; e Rondó: Allegro, Adagio, Allegro.

Para os contemporâneos de Mozart, peças como essa eram totalmente descartáveis. Contudo, nas décadas seguintes à morte do compositor, elas foram recuperadas e preservadas; hoje são tocadas em concertos freqüentados por amantes da música atentos e silenciosos, e estão gravadas em inúmeras versões.

A maioria delas não são obras de grande valor artístico; mas são música deliciosa de se ouvir!

É interessante pesquisarmos como era incluida a música nesses eventos sociais do século XVIII. Uma boa parte das serenatas de Mozart foi escrita para ser tocada em Salzburgo, ao ar livre , durante o verão. Em geral eram requisitadas para algum evento social de grande importância. Um exemplo era o fim do ano letivo universitário. Em geral acontecia assim: no início da noite os músicos se reuniam e tocavam marchando até a residência de verão do Arcebispo de Salzburgo. Ali tocavam sua serenata, voltavam até a praça da universidade e aí tocavam novamente a serenata, desta vez para os estudantes e os professores.

Algumas obras eram compostas para celebrar o dia onomástico de alguma personalidade – um tipo de celebração muito comum naquela época.

Mas o que é um dia onomástico?

Simples: eu me chamo João; então o dia de São João é o meu dia onomástico.

Mozart compôs um divertimento, catalogado como KV 247, para celebrar o dia onomástico de uma condessa, chamada Antonia Lodron, cuja residência era frequentemente usada para encontros musicais.

Os instrumentos de sopro ocupam um papel especial nesse repertório de músicas de ocasião.

A combinação desses instrumentos sempre se mostrou mais complicada que a das de cordas. Grupos de sopros formados por instrumentos diferentes, como trompa, fagote, clarineta, flauta e oboé, ofereciam uma boa variedade de timbres, mas muita dificuldade quando se desejava um som mais homogêneo. O contrário, um grupo formado por instrumentos iguais, como um quarteto só de trompas, podia oferecer muita homogeneidade, mas pouco contraste. Depois de muitas experiências, os compositores chegaram a uma combinação razoavelmente equilibrada: 2 fagotes, 2 trompas e 2 clarinetas. Num ponto esse grupo de sopros ganhava das cordas: oferecia uma sonoridade mais forte, mais adequada aos grandes jardins e outros espaços ao ar livre da aristocracia.

Em Viena, onde Mozart se instalou ainda jovem, os grupos de sopro deste tipo se limitavam a tocar em tavernas e nos quartéis, até que um membro da corte vienense, o príncipe Schwarzenberg se interessou por eles. Mozart ouviu dizer que o próprio imperador estava se influenciando pelo gosto de Schwarzenberg, e imediatamente compôs uma serenata para sexteto de sopros, catalogada hoje como nø KV 375.

The Scottish National Orchestra Wind Ensemble, dir. Paavo Järvi (1985)

Uma vez eu li uma biografia de W. Amadeus Mozart escrita pelo historiador Peter Gay. Uma frase do livro não saiu mais da minha cabeça. Ele diz: Mozart era incapaz de escrever música ruim; mesmo quando tinha de compor obras de ocasião, que ele sabia que seriam tocadas enquanto os ouvintes comiam, bebiam e conversavam.

Por isso em geral seus divertimentos e serenatas são no mínimo, como eu já disse, música deliciosa de se ouvir, cheia de lirismo e imaginação. E nos melhores casos atingem níveis altíssimos de requinte, inpiração e bom gosto.

É o caso do Divertimento para cordas em Fa maior, índice KV 138, em três movimentos: Allegro, Andante e Presto.

Amsterdam Baroque Orchestra Ton Koopman

Esses divertimentos são verdadeiras jóias mozartianas – obras consideradas menores, mas que , em minha opinião além de agradabilíssimas são uma maravilhosa porta de entrada para quem ainda não conhece a música desse maravilhoso compositor.

Até a próxima vez!

OUTROS BOLEROS

Já me perguntaram diversas vezes: existem na música erudita outros boleros além do de Ravel?

E se existem, qual a diferença entre eles, e os boleros cubanos?

Esse é um tema interessante! Vamos a ele, portanto!

Para começar digo que o Bolero Cubano não tem mesmo nada a ver com o Bolero Espanhol. A diferença é em essência, ritmica.

O Bolero Espanhol é em ritmo ternário, ou seja, de três tempos, enquanto o bolero cubano é em ritmo binário, de dois tempos.

Vejamos primeiro o bolero cubano, que é muito conhecido. Ele surgiu na américa latina, em Cuba e no México, derivado da Habanera.

A Habanera foi importada pelos compositores eruditos, e seu exemplo mais conhecido é, sem dúvida, aquela que faz parte da ópera Carnem, de Georges Bizet.

Carmen – Habanera (Bizet; Anna Caterina Antonacci, The Royal Opera)

Se fizermos uma pequena alteração no ritmo básico da Habanera, temos o ritmo do Bolero Latino Americano.

Essa pequena alteração feita no ritmo original aconteceu provavelmente por influência africana. Associando-se a ela um outro espírito, geralmente uma canção sentimental, com melodia suave e flexível, estava criado o Bolero da América Latina.

Eis um delicioso exemplo …

Bolero “Total”, de autoria de Ricardo Garcia Perdomo, cantado aqui por Bienvenido Gandra.

Vejamos agora o ritmo do bolero espanhol. Ele é completamente diferente daquele do bolero latino-americano.

O autêntico bolero espanhol nasceu no final do século XVIII. Para conhecê-lo podemos recorrer a um compositor espanhol dessa época, Fernando Sor, que viveu entre 1778 e 1839, ouvindo de sua autoria uma pequena cancão de espírito popular. Seu acompanhamento ao violão faz nitidamente o ritmo do bolero.

Fernando Sor, “Se dices que mis ojos”. Marta Almajano, Soprano. J.M. Moreno, Guitarra.

O bolero rapidamente se disseminou pela Europa e influenciou compositores de outros países. Eu acho especialmente interesante ouvir compositores de outras nacionalidades experimentando com este gênero espanhol.

O compositor francês Daniel Auber, embora esteja esquecido hoje, fez muito sucesso em Paris no início do século XIX, e era muito admirado por Rossini.

A abertura da sua ópera “Le Domino Noir” começa com um delicioso bolero, que depois desemboca em uma valsa. É um excelente exemplo para compararmos os dois gêneros.

Auber: Le Domino noir, Overture · English Chamber Orchestra · Richard Bonynge

Frèdèric Chopin viveu m Paris, na 1ª metade do século XIX, e também é autor de um bolero. Pouca gente sabe disso, visto que esta é uma de suas peças menos conhecidas.

Chopin a compôs em 1833, e há quem diga que ele se inspirou num Bolero composto por Auber alguns anos antes para uma outra ópera.

Os boleros que ouvimos até aqui estão bem próximos do espírito da música popular, mas o de Chopin é bastante diferente. O seu ritmo típico está lá… mas a obra, em seu todo, é de um espírito sofisticado, bem distante da dança popular original.

Chopin: Bolero in A minor, Op. 19. Nicolay Khozyainov.

Franz Liszt era húngaro, também viveu em Paris e foi amigo de Chopin.

Como o Bolero de Chopin, o de LIszt também é muito pessoal, sofisticado, distante do espírito popular, e certamente servia para que ele mostrasse sua assombrosa técnica ao piano.

A peça faz parte de uma obra maior: 6 Soirées Italiennes, ou em Português, 6 noitadas italianas. São 6 movimentos, e o sexto – A cigana espanhola – é justamente um bolero.

Soirees italiennes, S. 411/R. 220: No. 6, La zingarella spagnola: Bolero · Gianluca Luisi

Fiquemos ainda em Paris, para ouvir um bolero de Hector Berlioz. Trata-se de Zaïde, uma peça para soprano, castanholas e orquestra, escrita em 1845. As décadas se passavam e o bolero continuava interessando os compositores da França

Zaïde-Bolero para Soprano e Orquestra. Laura Aikin, Soprano SWR Sinfonieorchester Baden Baden und Freiburg, maestro Sylvain Cambreling.

Agora vamos sair da França, para constatarmos o sucesso do bolero em outros países.

Na Alemanha Carl Maria von Weber havia composto em 1821 a ópera O Franco Atirador, que se tornou um imenso sucesso. Nesta obra tão tipicamente alemã, Weber não deixou de incluir uma belíssima aria em ritmo de bolero…

Carl Maria von Weber: “Ein schlanker Bursch gegangen”, da ópera O Franco Atirador.
Lucia Popp, Orquestra da Rádio de Munique, maestro Hans Zanotelli.

Os Russos também se encantavam pela música espanhola.

Tchaikovsky, por exemplo, incluiu este bolero no seu balé “O Lago dos Cisnes”.

Tchaikovski, “Dança Espanhola”, terceiro ato do balé “O Lago dos Cisnes”.
Nva Filarmônica de Moscou.

Aquelas típicas canções russas para voz masculina super grave ganharam uma belíssima versão em ritmo de bolero, pelas mãos de Mikhail Ivanovich Glinka (1804-1857)

Mikhail Ivanovich Glinka : “Ó, minha linda donzela”
Dmitri Hvorostovsky, baritono. Mikhail Arkadiev, piano.

Até o italianíssimo Giuseppe Verdi gostava de boleros. Um exemplo é aquele que encontramos em uma de suas óperas mais célebres, “I Vespri Sicilian”. É uma aria chamada “Mercè, dilette amiche”.

Giuseppe Verdi: Mercè, dilette amiche, da ópera I Vespri Siciliani.
Maria Calas, Orquestra Filarmonia dirigida pelo maestro Tulio Serafim.

Esses boleros são obras pouco tocadas e nos dão uma boa idéia da evolução e importância desse gênero que inspirou a obra mais conhecida de Ravel!

Beethoven: surdez e superação

BEETHOVEN: SURDEZ E SUPERAÇÃO.

Franz Joseph Haydn viveu entre 1732 e 1809.

Foi professor de Beethoven.

Ele também foi surdo … de certa forma….

Chegou ao final da vida consagrado, festejado por seus compatriotas austríacos e admirado por todos os amantes de boa música em toda a Europa.

Sua arte atingiu um patamar elevadíssimo!

Perguntado sobre o segredo do sucesso, Haydn respondeu sem pestanejar:

“Trabalhei durante mais de 30 anos para os Eszterházy, uma riquíssima famíllia aristocrática do Império Austro-Húngaro.

Durante metade do ano ficava com eles no Palácio de Eisenstadt, uma cidade a 50 km de Viena; durante a outra metade, no Palácio de Fertöd, no nordeste da Hungria”.

Palácio de Fertöd, residência de verão da família Eszterházy.

Haydn continua:

“Loucos por música, os Eszterházy mantinham uma orquestra privada para deleite próprio; meu trabalho era compôr música e reger concertos para eles.

Fazendo isso por 30 anos, isolado, longe de qualquer centro musical, não ouvia muita coisa do que produziam outros compositores. Não sabia direito o que estava na moda. Compunha o que vinha na minha cabeça, sem medo de críticas e comparações. Assim, me tornei original, e no final da carreira, fiquei rico e famoso!”

Podemos dizer que, de certa forma, Haydn ficou surdo; surdo para o mundo ao seu redor!

Com isso fez o que ninguém havia feito até então e conquistou o sucesso!

BEETHOVEN.

Beethoven, como todos sabem, também ficou surdo, mas aí a coisa foi mais radical! Ele ficou surdo MESMO!

E foi muito, muito mais longe que Haydn, o seu professor.

Sua música revolucionou o mundo, e chegou a influenciar a sociedade e a política da Europa.

Nenhum músico tinha feito isso até então!

NINGUÉM QUER FICAR SURDO …

Ninguém quer ficar surdo, é óbvio. Só de pensar na possibilidade, a gente imagina uma vida extremamente limitada, na qual tudo ficará mais difícil.

Mas aí vem Beethoven, e mesmo surdo – além das muitas outras doenças que o perturbaram por toda a vida, assunto para outra hora – dá um salto transcedental e faz uma música absolutamente original.

A gente então começa a pensar que neste mundo de excesso de informação, é preciso ser seletivo e escolher o que ouvir. Praticar a surdez seletiva.

SUICÍDIO?

Muita gente não sabe que Beethoven, quando se deu conta de que estava ficando surdo, pensou em se matar!

Não é balela, ele deixou isso escrito numa carta. Só que a gigantesca pressão psicológica que sofreu, acabou por funcionar como uma catapulta, e o jogou prá bem longe.

Ele foi catapultado para um mundo particular onde, isolado, ainda mais isolado do que Haydn, criou suas obras primas absolutas!

Então quando alguém pergunta:

Como é que alguém pode compôr grande música sendo surdo?”,

eu respondo:

Justamente por isso!”

Essa é realmente uma incrível história de surdez seletiva!

Em dezembro de 2019, foi lançado pela Editora Contexto este meu livro, em parceria com Romain Rolland. É indicado para quem quer começar a conhecer a vida e obra de Beethoven, com muitas dicas de obras para serem ouvidas.

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