Caro leitor: antes de falar sobre a música na casa de Bach, proponho um exercício de imaginação..
Imagine que você vive na Europa, digamos no interior da França ou da Alemanha, na 1ª metade do século XVIII.
Não existe luz elétrica, nem TV, rádio ou internet.
Então pergunto: quais seriam suas opções de lazer noturno?
Pense bem: não seriam muitas: sair para tomar uma cerveja, se vc fosse homem, ou ficar em casa, lendo um livro ou…. fazendo música em casa, com a famíla ou amigos.
Juntar a amigos e familiares para tocar ou cantar juntos era naquela época o equivalente de juntar a famíla na frente da TV.
Esse cultivo caseiro amadorístico da música foi corriqueiro na Europa por muito tempo.
A disseminação desse hábito resultou com o passar do tempo no surgimento de grandes conjuntos musicais que sobrevivem até hoje.
Orquestra do Gewandhaus de Leipzig
Um do melhores exemplos é a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig.
Sua história está de certa forma conectada com a música na casa de Bach.
Esta orquestra fabulosa, que tem sido uma das maiores do mundo, é um dos maiores exemplos da importância da atividade musical amadora.
No site oficial da Orquestra na Internet podemos ler o seguinte:
“A Orquestra do Gewandhaus pode olhar para trás com orgulho sobre seus 250 anos de história.”
Dezesseis comerciantes da cidade fundaram e financiaram uma sociedade de concertos que desde então fez história e se tornou uma das mais renomadas orquestras do mundo.”
Música doméstica
No início tratava-se de uma atividade doméstica, que começou em 1743.
Os encontros eram feitos em residências.
A música feita na casa de Bach fazia parte desses encontros.
Alguns anos depois os encontros musicais passaram a ser feitos em uma taverna.
Finalmente, em 1781, as autoridades municipais ofereceram à orquestra o Gewandhaus, ou seja, o prédio usado pelos comerciantes de tecidos.
Gewand: tecido
Haus: casa
E um dos maiores compositores de todos os tempos chegou a participar de alguns desses encontros musicais em Leipzig: Johann Sebastian Bach
Bach estava lá
Eu poderia continuar contando a história da Orquestra de Leipzig, mas o objetivo deste texto é falar da boa música que se fazia na casa de Bach.
Isso está bem documentado em dois cadernos escritos pelo mestre, um em 1722 e outro em 1725.
São conhecidos hoje em dia pelo título de “O livro de Anna Magdalena Bach”.
O livro de Anna Magdalena Bach
Pelo estudo desses dois volumes, fica bastante claro que Anna Magdalena participava ativamente da música feita em sua casa.
Esses cadernos contém as 1ªs versões de importantes obras de Bach: 5 de suas 6 Suítes Francesas estão lá copiadas, em primeiras versões.
As partitas para cravo também são obras de grande importância na produção do Mestre, e duas delas estão registradas em seus cadernos.
As suítes Francesas e as Partitas são peças de maior envergadura e exigem uma técnica bastante evoluída de quem as interpreta.
Provavelmente estavam lá para serem tocadas pelo prório Bach.
Lições para os filhos
Além dessas peças difíceis, encontramos nos cadernos algumas peças avulsas, como prelúdios e minuetos.
Ao que tudo indica, essas pequenas peças serviam como lições de cravo para sua esposa Anna Magdalena, bem como a alguns de seus filhos.
Esses dois cadernos não contém exclusivamente peças de Johann Sebastian, mas também de outros autores, inclusive de um de seus filhos, Carl Phillipp Emmanuel Bach, que à época tinha 11 anos de idade.
O filho mais velho de Bach, Wilhelm Friedemann Bach também tinha aulas com o pai.
Para ele Johann Sebastian preparou um outro caderno, com várias peças para estudo.
Acredita-se que trechos do 1º volume do cravo bem temperado tenha sido escrito para Wilhelm.
Canções Sacras
Mas a música feita na casa dos Bach não se restringia só ao cravo.
Ali, com certeza, todos cantavam.
O hábito de cantar no cultos luteranos foi uma das melhores bases musicais que ajudou a formar a formidável cultura musical alemã.
Além disso, Bach era um exímio executante de violino e viola.
Um exemplo que junta tudo isso é a canção sacra intitulada “Dir Dir, Jehova will ich singen”, índice BWV 299.
J.S. Bach – Dir, dir Jehova, will ich singen BWV 299 – Daniels | Netherlands Bach Society
Outro exemplo de música na casa de Bach é o Recitativo e Aria para soprano “Ich Habe Genug- Schlummert ein, ihr matten Augen”.
Esta peça foi completamente adaptada por Anna Magdalena Bach para sua própra extensão vocal.
Ela mudou a tonalidade e eliminou várias repetições.
Sim, a esposa de Bach também conhecia música muito bem!
Canções Seculares
Canções não religiosas também estão na coletânea de Bach, como “So Oft ich meine Tobacks-Pfeife”, índice BWV 515a.
O autor dessa peça permanece anônimo.
Canções de Amor
Canções de amor também estavam presentes nos cadernos de Anna Magdalena Bach. “Bist du bei mir” – Fique comigo – é um exemplo.
Sua autoria é atribuída ao compositor Gottfried Stölzel.
Os Instrumentos da casa de Bach
Um inventário feito na casa de Bach logo após sua morte detalhou os instrumentos musicais lá encontrados.
Além dos que já foram citados até aqui, constava um instrumento exótico, contruído pelo próprio Johann Sebastian: um cravo-alaúde.
Este instrumento está desaparecido.
Mas para aguçarmos nossa imaginação no sentido de como teriam sido as sonoridades ouvidas na casa de Bach, ouça um de seus prelúdios para cravo, tocado ao alaúde.
Eram essas algumas das peças que se ouviam na casa de Bach há mais de 250 anos.
Naquela era pré-industrial a música era um bem compartilhado por muita gente, em casa, com família e amigos.
Dessa intensa atividade surgiram grandes orquestras sinfônicas que brilham até hoje.
Eu costumo dizer que falta isso em nosso pais.
Mais música feita por amadores.
Mais gente estudando música, não com o objetivo da profissionalização, mas para enriquecimento pessoal.
E dessa base surgirão as grandes orquestras.
Contudo, a prática musical caseira foi substituída pela TV, pela internet, pelo celular e por aí afora..
Melhor parar por aqui, antes que eu seja chamado de antiquado e dinossáurico….
O domínio das formas musicais é parte importante do métier do compositor.
Mas é também útil ao ouvinte!
Nas artes visuais a forma acontece no espaço, mas as formas musicais organizam-se no tempo.
Formas Musicais: úteis para todos.
Do ponto de vista do compositor, uma obra mais longa requer muito mais domínio das formas musicais do que uma obra curta.
E o mais interessante é que do ponto de vista do ouvinte acontece algo semelhante.
Ouvir uma obra mais longa requer muito mais atenção do que uma mais curta, e esta é uma das dificuldades da música erudita.
Muita gente diz que não gosta, mas na verdade apenas tem dificuldade em manter a atenção na música por muito tempo.
Uma canção popular simples dura apenas três ou quatro minutos e é formada por uma ou duas melodias.
Já uma sinfonia pode durar uma hora, e é sempre constituída de várias melodias, temas e ritmos diferentes e pode incluir várias formas musicais no seu todo!
Formas Musicais Básicas.
A-B-A
Imagine um compositor especulativo, curioso, que em seu processo criativo procure construir uma obra maior.
Ele não se contentaria com uma melodia simples e curta, por mais bonita que ela fosse, e por isso ele pensaria:
“mas o que é que eu posso fazer para estender, ampliar essa melodia, usando-a como ponto de partida para algo verdadeiramente grande?”
Um dos recursos mais simples seria acrescentar uma outra melodia logo após a primeira.
Esta é uma das formas musicais mais elementares que existem, e nós músicos a chamamos de A-B-A.
A é um primeiro tema, B é um segundo tema, e A é a repetição deste 1º tema.
A forma A-B-A é usada tanto na música erudita quanto na música popular.
No final deste artigo, deixarei dois exemplos pra você ouvir.
Mas prossiga a leitura!
Rondó.
Compreendida a forma A-B-A, é fácil imaginarmos que esse padrão pode ser estendido.
Por exemplo, um compositor pode fazer uma música com a forma:
A-B-A-C-A-D-A.
Pela “fórmula” acima podemos notar que há um tema principal que se repete, e outros temas, secundários, que dão amplitude e diversidade à música.
Essa forma também se consagrou e foi muito utilizada por praticamente todos os compositores dos séculos XVIII e XIX.
Ela é conhecida pelo nome de Rondó, no qual um tema principal, o tema A, surge várias vezes, intercalado com outros temas.
No final do artigo há também exemplos de Rondó para você ouvir.
O Rondó pode ser uma peça avulsa, ou então um movimento de uma Suíte, Sonata, Concerto ou Sinfonia.
Tema e Variações.
Vejamos outra possibilidade.
O compositor pode decidir usar apenas uma melodia, mas repetindo-a várias vezes, sempre variada.
Pronto: temos aí outra forma consagrada pelos compositores eruditos: o “Tema com Variações”.
Conhecer, ainda que basicamente, as principais formas como: A-B-A, o Rondó e o Tema com Variações, nos ajuda muito a manter a atenção durante o desenrolar de uma obra de maior duração e com isso usufruir melhor da boa música!
Exemplos.
Agora, você já pode começar a se divertir!
Ouça os exemplos abaixo:
Um exemplo de forma A-B-A simples na música popular: Garota de Ipanema, de Tom Jobim.
Um exemplo de forma A-B-A simples na música erudita: A Cantilena, 1o. movimento, das Bachianas Brasileiras no. 5, de Heitor Villa-Lobos.
Um exemplo de Rondó na música popular: Odeon, de Ernesto Nazareth.
Um exemplo de Rondó na música erudita: “Gavotte en Rondeau” de J. S. Bach.
Um exemplo de Tema e Variações: 4o. movimento do Quinteto “A Truta”, de Franz Schubert.
João Jorge Leopoldo Mozart nasceu na cidade austríaca de Augsburgo em 1719. Era um homem religioso. Na meia-idade, acreditou estar presenciando um milagre.
São suas as seguintes palavras, escritas em uma carta datada de julho de 1768, quando tinha 49 anos de idade:
“Eu devo esta tarefa a Deus Todo Poderoso, senão serei a mais ingrata de todas as criaturas. E se for meu dever convencer o mundo da veracidade deste milagre, assim será. Especialmente hoje, quando as pessoas estão ridicularizando o que quer que seja chamado de milagre, e negando todos os milagres”.
Esse milagre, que ainda segundo ele “Deus deixou nascer em Salzburgo”, era o imenso e precoce talento musical demonstrado por seus dois filhos, Maria Ana e João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.
Um homem de cultura.
Leopoldo Mozart era um intelectual, o único a viver em Salzburgo em seu tempo. Apesar de não pertencer a uma família aristocrática, teve acesso a uma excelente educação.
Havia freqüentado uma escola Jesuíta em Augsburgo, sua cidade natal.
Mudou-se para Salzburgo aos 18 anos de idade. La ingressou na Universidade Beneditina onde graduou-se em folosofia.
Embora religioso, não era profundamente devoto. Sua educação racional fez dele um homem bastante sóbrio e crítico. Sua religiosidade era temperada pelas idéias do iluminismo, que pouco a pouco ganhavam a Europa.
Porém, quando se deu conta do assombroso talento de seus filhos, sentiu-se como que atingido por um raio.
Aquilo foi para ele uma revelação divina. Mudou substancialmente sua maneira de ver a vida.
Missão.
Foi então que Leopold Mozart decidiu entregar-se totalmente à tarefa que eu citei há pouco: promover o desenvolvimento daqueles talentos.
Aquilo tornou-se para ele era uma obrigação para com Deus.
Segundo sua filha Maria Anna, em 1760, quando estava com 41 anos e no auge de sua criatividade, Leopoldo deixou de lado as aulas de violino e a composição.
Todo o tempo que não era usado para realizar as suas obrigações profissionais, ele dirigia para a educação musical dos dois pequenos.
Nessa altura Leopoldo já havia escrito muita música. Dentre tudo o que conhecemos dele há muita música de ocasião. São peças muito simples encomendadas para situações específicas da corte, como festas ou cerimônias civis e religiosas. Algumas delas são deliciosas de ouvir.
Obra pouco avaliada.
Avaliar a real importância da obra de Leopoldo Mozart no contexto da música erudita européia, é algo que esbarra em dois problemas:
1º) Sabe-se com certeza que muitas de suas partituras se perderam.
2º) Ninguém conseguiu até hoje fazer uma relação cronológica das obras que restaram.
De toda a obra de Leopoldo, o que mais se grava são as obras que pertencem à categoria de … pitorescas.
Aqui vão alguns exemplos:
– Sinfonia dos Brinquedos. Nela são utilizados instrumentos de brinquedos, como tambores, cornetas ou matracas.
-A Sinfonia da Caça. Sua escrita musical imita galopes, pássaros, latidos. Nas execuções costumam ser introduzidos sons de apitos e tiros.
-Uma sinfonia intitulada “O Casamento Campestre”. Nesta ouve-se sons de instrumentos rústicos como gaitas de foles e violas de roda.
E por aí afora…
Esse repertório exótico é bem fácil de encontrar, ao contrário de sua música sacra. Nesta seu talento musical mais elevado teve a oportunidade de se desenvolver.
Segundo uma de minhas fontes preferidas e de alta confiabilidade, o Grove Dictionary of Music and Musicians, um bom exemplo do alto nível em que a música de Leopoldo Mozart chegou é a “Litanie de Venerabili Sacramento”. “Ladainha do Venerável Sacramento”, em português.
Pois acreditem, caros leitores: não encontrei nenhuma gravação dessa obra!
Filho e Filha.
Maria Anna, a filha mais velha de Leopoldo, era tão talentosa quanto o pequeno Amadeus.
Fez várias viagens com seu pai e irmão. Nelas exibia sua técnica e musicalidade ao piano para platéias de nobres e poderosos em cidades como Munique, Paris e Londres.
Porém, aquela época não favorecia o sucesso professional das mulheres. A partir de 1769, quando completou 18 anos, Maria Anna passou a exibir sua musicalidade apenas dentro de casa. Enquanto isso seu irmão Amadeus viajava e afirmava-se como compositor.
Houve um momento em sua juventude que Maria Anna começou a compor. Sabemos disso graças à correspondência que trocava com seu irmão. Este, aliás, a adorava e a encorajava profundamente.
Contudo, infelizmente nenhuma de suas partituras sobreviveu.
Ela casou-se aos 33 anos de idade com um magistrado da cidade de Saint Gilegen. Teve três filhos, tornando-se uma dona de casa.
Em 1801, aos 50 anos, ficou viúva. Retornou a Salzburgo com seus filhos, para uma vida simples e pacífica.
Lá manteve-se ativa como professora de piano. Muitas pessoas importantes da cidade encaminhavam seus filhos para estudar com a irmã do grande Amadeus Mozart.
Faleceu solitária e pobre em 1829, com 78 anos de idade.
As Viagens de Amadeus.
Leopoldo Mozart é às vezes criticado pelas longas e penosas viagens que fez com o pequeno Amadeus. Credita-se a elas a saúde frágil que ele veio a presentar no futuro.
Essas viagens, contudo, eram penosas também para Leopoldo. Precisava conseguir longos períodos de licença, o que desgastava sua relação com seus patrões. Isso afetava profundamente seu precário equilíbrio financeiro.
Porém o extraordinário desenvolvimento do pequeno Amadeus como artista, e a assombrosa maturidade que alcançou ainda joven, seriam inimagináveis sem essas viagens.
Nelas, além de mostrar seu talento, ele aprendeu muito. Teve também a oportunidade de freqüentar ambientes musicais muito mais ricos que o de sua pequena Salzburgo.
A Itália, principalmente, era a grande referência musical da época. Todo músico em ascenção precisava conhecer a vida musical italiana.
Na Italia o jovem Mozart conheceu Sammartini, Piccini, e principalmente Padre Martini, um dos maiores professores de música daquele tempo.
Obras a Quatro Mãos.
Todo mundo já deve ter ouvido falar que o pequeno Amadeus Mozart compôs sua primeira música aos 5 anos.
Ele realmente começou a escrever pequenos minuetos e outras peças simples nessa idade. Contudo, com certeza, a mão de seu pai Leopoldo o ajudava a segurar a caneta – ou melhor, a pena.
Aliás, todas partituras que Amadeus Mozart escreveu até completar 14 anos, são repletas de reparos e correções feitas com a caligrafia de seu pai.
Papai Amadeus.
Assim como seu pai Leopoldo, Amadeus Mozart teve vários filhos, e só dois chegaram à idade adulta.
Dos dois só um seguiu a carreira musical: Francisco Xavier Mozart. Ele nasceu em 1791, poucos meses antes da morte do pai, e faleceu em 1844, com 53 anos de idade.
Francisco Xavier Mozart também demonstrava um grande talento musical. Salieri declarou que ele certamente desenvolveria uma carreira comparável à de seu pai.
Francisco começou a compor muito jovem. Pianista e violinista, aos treze anos fez sua primeira apresentação pública.
Mas não era fácil ser filho de quem era. Francisco, apesar de muito bom músico, sempre subestimava seu próprio talento. Temia que suas obras fossem sistematicamente comparadas com as de seu pai.
Além disso, foi um daqueles compositores que viveu numa época um tanto difícil: a passagem do classicismo para o romantismo, sob a sombra de Beethoven.
Em alguns momentos Francisco Xavier ainda é bastante clássico. Em outros, já soa claramente romântico.
O Mozarteum.
Francisco viveu 20 anos numa cidade alemã chamada Lemberg, lecionando, fazendo recitais, e regendo.
Foi o fundador da 1ª escola de música da cidade.
Aos 47 anos voltou para Viena, e posteriormente mudou-se para Salzburgo. Lá foi nomeado “mestre de capela” do Mozarteum.
O Mozarteum de Salzburgo foi uma associação criada por volta de 1840, graças aos esforços da viúva de Amadeus Mozart. Tinha como missão “o refinamento do gosto musical em relação à música sacra e também à música de concerto”.
As atividades da associacão tornaram-se no século XIX o centro da vida musical da cidade.
A associacão cresceu e entre 1910 e 1914 construiu um prédio com duas salas de concerto. Hoje quando se fala no Mozarteum de Salzburgo, refere-se a elas.
O Filho Não Músico.
O irmão mais velho de Francisco Xavier era Carlos Tomás Mozart, que viveu entre 1784 e 1858.
Carlos estudou piano em Viena quando jovem, e demonstrava muito talento.
Seus interesses, no entanto, oscilavam entre o piano e outras atividades. Em 1810, aos 26 anos, ele desistiu definitivamente da música como profissão. Tornou-se um oficial a serviço do Vice-Rei de Nápoles em Milão.
Desde 1797 radicou-se na Itália e de lá nunca mais saiu.
Nem Carlos nem Francisco tiveram filhos. Terminou com eles a descedência direta de um dos maiores músicos que a humanidade gerou: João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.
A Música de Leopold
Para finalizar, um pouco da música esquecida de papai Leopold Mozart.
Clicando no link abaixo você ouvira um belo concerto para trompete e cordas de sua autoria!
Beethoven é talvez o melhor exemplo de uma tendência de todos nós que gostamos de música de concerto. Costumamos pensar nos grandes compositores como se não fossem humanos!
É como se fossem quase deuses, seres especiais dotados de um dom invejável. Homens e mulheres que fizeram sua trajetória nesse mundo sem ter que se importar com as pequenas e mundanas coisas do dia a dia, como as tarefas de subsistência.
Para sairmos desse devaneio, nada melhor do que ler os depoimentos que eles deixaram para a posteridade, em cadernos de anotações, margens de livros, cartas, etc.
Esses depoimentos nos trazem informações curiosas, algumas muito importantes, e outras que podem ser muito divertidas.
Neste artigo, algumas linhas escritas pelo próprio punho de Beethoven!
Bilhetes enviados a Hummel.
Vamos começar com dois bilhetes de Beethoven, enviados ao colega pianista e compositor Johann Nepomuk Hummel. São muito divertidos!
O 1º bilhete diz o seguinte:
” Não se atreva a procurar-me de novo! És um cão traiçoeiro e que a carrocinha carregue os cães traiçoeiros”
No dia seguinte Beethoven escreveria a Hummel este segundo bilhete…
“Ceninho do meu coração,
Você é um sujeito correto, reconheço que vc estava com a razão; venha, pois, hoje de tarde em casa, Schuppanzigh também estará aqui. Vamos repreendê-lo, amassá-lo e despedaçá-lo de tal maneira que ele vai achar uma delícia.
Beijos do seu Beethoven.”
Mas quem foi Hummel?
Johann Nepomuk Hummel viveu entre 1778 e 1837, tendo nascido 8 anos depois de Beethoven.
Foi pianista e compositor muito admirado em seu tempo, embora hoje seja conhecido por poucos.
Hummel foi aluno de Mozart e grande amigo de Beethoven.
E quem foi Schuppanzigh?
Agora vamos ver quem foi Schuppanzig, a quem Beethoven se refere.
Ignaz Schuppanzigh viveu entre 1776 e 1830; era um violinista que se estabeleceu como virtuoso com apenas 21 anos de idade. Foi professor de violino de Beethoven e mantiveram-se amigos por toda a vida.
Apesar de desconhecido, teve um papel importantíssimo na evolução da música européia: foi o líder do primeiro quarteto de cordas profissional da história, o quarteto do Conde Razumovsky.
Antes a música para quarteto de cordas era sempre tocada por amadores.
Beethoven dedicou a Schuppanzigh três quartetos magníficos, os de opus 59 nº 1, 2 e 3, conhecidos justamente por Quartetos Razumovsky.
Cartas para os editores.
Vamos agora a outro capítulo da comunicacão epistolar Beethoveniana: as cartas, muitas, que ele enviava para seus editores.
Neste caso o destinatário era Franz Anton Hoffmeister, e a carta foi enviada em janeiro de 1801.
“… estou às suas ordens e lhe ofereço no momento as seguintes obras:
– o septeto de que lhe fiz menção e que pode ser transcrito para o piano a fim de se obter uma divulgação mais ampla e um lucro maior, por vinte ducados.
– a Sinfonia por vinte ducados.
– o Concerto para piano por 10 ducados.
– grande sonata solo, por vinte ducados.
E agora vamos aos comentários: deve estar espantado por eu não fazer nenhuma distinção entre sonata, septeto, sinfonia quanto ao preço.
Faço-o assim porque sei muito bem que há menos procura por septetos ou sinfonias que por uma sonata, embora uma sinfonia valha muito mais.
Peço apenas 10 ducados pelo concerto porque não o coloco entre minhas obras mais bem sucedidas…”
Veja só aqui caro leitor, um exemplo da severa autocrítica de Beethoven, desmerecendo uma de suas próprias obras.
Beethoven estava se referindo ao concerto para piano nº 1, opus 19, em si bemol maior, que hoje esta catalogado como nº 2
E acrescentava:
“Deveria haver um único mercado de arte no mundo; o artista simplesmente mandaria para lá as suas obras e receberia tanto quanto necessita; da maneira como as coisas são, cada um deve ser meio comerciante acima de tudo….”
E aqui vemos o outro lado: a luta de Beethoven para manter-se como artista independente, vivendo apenas de suas composições.
Na época ainda não havia lei nem arrecadação de direitos autorais; o compositor vendia sua obra por uma quantia específica e não recebia mais nada por ela.
Aliás, este editor com quem Beethoven se comunicou, Franz Anton Hoffmeister, era também compositor. Ele viveu entre 1754 e 1812, deixou 8 óperas, mais de 50 sinfonias, muitos concertos e música de câmara.
Beethoven Marqueteiro?
Seguimos com outro trecho de uma carta enviada ao mesmo Franz Anton Hoffmeister, em abril de 1802.
Ele mostra como já naquela época os editores sucumbiam a toda idéia marqueteira que surgisse e pudesse render um bom dinheiro…
Assim diz Beethoven:
“Será que o diabo está cavalgando na cabeça dos senhores, cavalheiros?
Sugerir que eu deveria escrever uma sonata revolucionária? No tempo da febre revolucionária teria valido a pena considerar a proposta, mas agora, que todas as coisas estão tentando voltar à velha rotina, agora que Bonaparte fez sua concordata com o papa ….nesse caso eu empunharia uma pena e confiaria ao papel um Credo com notas enormes que valeriam uma libra cada.
Mas bom Deus, uma sonata dessa espécie no começo de uma nova era cristã…oh!oh!…. excluam-me disso, pois não resultará em nada!”
Em lugar da tal sonata revolucionária Beethoven escreveu sua belíssima sonata opus 22, e a dedicou a um aristocrata, o conde Bowne.
Fala um aluno de Beethoven.
Vejamos agora não um depoimento do próprio Beethoven, mas de um grande músico que foi muito ligado a ele: Carl Czerny.
Czerny é muito conhecido por todo mundo que estudou piano. Ele deixou vários trabalhos pedagógicos, livros com exercícios e estudos para jovens pianistas, que são usados até hoje.
Czerny era vienense, viveu entre 1791 e 1857, e foi aluno de Beethoven.
Eis o que ele deixou escrito sobre seu mestre.
“Encontrei-me pela primeira vez com Beethoven por volta 1798 ou 1799. Tinha 7 ou 8 anos de idade.
Ainda naquela época, entre 1798 e 1799, o mestre não dava o menor sinal de ter dificuldade de audição.
Ele pediu-me para executar algo imediatamente, e tive muita vergonha de começar por uma de suas composições. Então toquei o grande concerto em do maior de Mozart.
Beethoven ficou atento, aproximou-se da minha cadeira e, nas passagens em que me cabia tão somente o acompanhamento, tocou o tema da orquestra na mão esquerda. Suas mãos eram densamente cobertas de pelos, e os dedos, sobretudo nas pontas, eram muito largos.
Quando Beethoven exprimiu sua satisfação, revesti-me de coragem e toquei sua Sonata Patética, que acabara de ser publicada. Quando encerrei, Beethoven virou-se para o meu pai dizendo-lhe: ” o garoto tem talento, eu próprio lhe darei aulas. Mande-o a minha casa uma vez por semana”.
Czerny estudou com Beethoven por 3 anos, e em seguida tornou-se seu assistente e profundo conhecedor da obra do mestre. Era capaz de tocar de memória tudo o que Beethoven havia escrito para piano.
Czerny é o pai da moderna técnica pianística, e é a raiz de várias gerações de pianistas, que chegam até os dias de hoje.
Um exemplo: o maestro e pianista Daniel Barenboim, diretor da Ópera de Berlim, estudou piano com Edwin Fischer, que foi aluno de Martin Krause, que foi aluno de Liszt, que foi aluno de Czerny.
Segue mais um depoimento escrito deixado por Czerny.
“Nas primeiras aulas Beethoven manteve-me ocupado apenas com as escalas em todas as claves, mostrou-me a única posição correta das mãos, que era ainda desconhecida da maioria dos músicos da época, a posição dos dedos, e particularmente o modo de usar o polegar – regras cuja utilidade não avaliei plenamente senão muito tempo depois. Então me fez tocar os exercícios do manual e, principalmente, chamou minha atenção para o legato, que ele próprio dominava de maneira tão incomparável, e que naquela época todos os outros pianistas consideravam inconcebível…”
A Sinfonia Pastoral.
Vamos agora ouvir o que Beethoven pensava sobre sua Sinfonia Pastoral, a partir de um texto que ele deixou registrado em um de seus muitos blocos de anotações.
“Deixe-se ao ouvinte que descubra a situação. Sinfonia característica ou uma reminiscência da vida campestre. Todo tipo de descrição perde muito ao ser transladada em demasia na música instrumental.
Qualquer um que possua a mais tênue idéia da vida campestre não precisará de muitas notas escritas para poder imaginar por si próprio o que o autor pretende. Mesmo sem descrições poderá reconhecer tudo, pois se trata de um registro de sentimentos, em vez de uma descrição em sons.”
É Beethoven nos dizendo que a escuta musical deve ser ativa, participativa. Enquanto ouve, o ouvinte deve deixar sua imaginação trabalhar. A grande música não foi mesmo feita para entrar por um ouvido e sair pelo outro.
A Sinfonia Pastoral é a única que tem um título para cada movimento, criado pelo próprio Beethoven.
São eles:
“Despertar de sentimentos alegres diante da chegada ao campo”
“Cena à beira de um regato”
“Dança campestre”
“A tempestade”
“Hino de ação de graças dos pastores, após a tempestade”
Assim, sugiro ao leitor que sintonize sua mente, imagine que está num campo florido em uma bela manhã de primavera, enquanto ouve o delicado 5º movimento da encantadora Sinfonia Pastoral de Beethoven.
Isto, caros ouvintes, é yodel; uma técnica de canto especialíssima desenvolvida há séculos pelos povos das montanhas do Tirol. Nesta técnica o cantor ou cantora alterna rapidamente a voz “verdadeira”, digamos assim, com o “falsete”, aquela voz aguda que parece que sai do alto da cabeça.
Alternar essas duas colocações vocais tão diferentes nessa velocidade em que ouvimos é muito difícil; e manter a afinação, mais difícil ainda.
Esse cantor é um dos maiores técnicos do gênero e se chama Franzl Lang.
O que isso tem a ver Ludwig van Beethoven?
A maioria dos textos sobre Beethoven analisa algumas das suas obras mais ambiciosas e monumentais, como a 3ª ou a 9ª sinfonia.
Por isso, desta vez eu decidi relaxar um pouco – no bom sentido, é claro – e mostrar a vocês um lado muito pouco conhecido de Beethoven: o seu interesse pela música popular.
Garimpando em sua imensa obra, e gente encontra algumas pérolas interessantíssimas, como arranjos feitos por ele de melodias tradicionais tirolesas.
Como essa aqui, chamada Ja Madel, ja Madel.
Em algumas de suas canções, Beethoven arrisca se aproximar do “yodel”, mesmo sabendo que os cantores eruditos não têm essa técnica…
O resultado é bem interessante!
Beethoven e o Verbunko
Além das canções e do yodel tirolês, Beethoven tinha outras cartas na manga…. como o Verbunko húngaro.
O verbunko é uma música folclórica húngara do século XVIII; a palavra verbunko vem do verbo werben, que significa recrutar. Essa música e sua respectiva dança eram executadas na Hungria na época do recrutamento militar.
Há muito tempo atrás eu ligo um artigo de um musicólogo alemão chamado Attila Csampai, e nunca mais ele saiu da minha cabeça. Segundo ele, Beethoven o querto movimento da sétima sinfonia de Beethoven não era nada mais que um verbunko estilizado e eruditamenbte trabalhado.
Eu então dedidi garimpar o Youtube…. e encontrei um filme caseiro, no qual um grupo de amigos húngaros se diverte tocando e dançando um verbunko.
Pois acredite, há mesmo uma semelhança muito gande entre o ritmo frenético do verbunko e do 4º movimento da 7ª sinfonia.
Ouça e depois me diga se concorda comigo ou não….
Beethoven e a Música Popular Alemã
Mas não foi apenas em locais mais distantes, como os alpes suícos ou a Hungria, que Beethoven procurou música popular. Dentro da sua Alemanha ele também achou muita inspiração. Estou falando das 24 danças Alemãs que Beethoven escreveu para orquestra.
Alguém pode ouvir uma da danças alemãs e pensar: “ah, mas esta dança tem uma sonoridade de música clássica”. Na verdade é o contrário: a música clássica de Beethoven, assim como a de Haydn, é que está fortemente calcada na música popular germânica.
Ouça uma delas.
Tema popular numa grande Sinfonia de Beethoven.
A música popular é muito importante na obra de Beethoven. Ela está presente em várias de suas grandes e eruditas obras.
Vamos a um exemplo final: 0 último movimento da sua monumental Sinfonia no. 3, a Sinfonia “Eroica”.
Hoje vamos conhecer um pouco do homem Mozart; veremos o que ele pensava sobre música, família, amizades, suas ambições …. e até fofocas e maledicências.
Como podemos saber de tudo isso? Simples cara leitora ou leitor! A partir da leitura de alguns trechos de muitas das cartas de Mozart que foram preservadas.
Os trechos aqui transcritos são de cartas escritas por Mozart após fixar-se em Viena.
Mozart recém-chegado em Viena
Ele acabara de chegar na capital do Império Austro-Húngaro, um dos maiores centros musicais do mundo, após de pedir demissão de seu medíocre emprego em Salzburgo.
Mozart teve que lutar bravamente para sobreviver em Viena como um músico independente, contra a vontade do próprio pai.
A primeira preocupação era com a própria subsistência.
Nesta carta enviada a seu pai em 16 de junho de 1781, vemos Mozart tratando de dinheiro, e podemos notar como as coisas não mudaram muito para os músicos nos últimos 220 anos…
” O senhor sabe bem que, para alguém que quer ganhar dinheiro, esta é a pior estação do ano. As famílias mais distintas viajaram para o interior, e assim não me resta outra coisa senão preparar-me para o inverno.
Neste momento conto apenas com uma aluna, a candessa Rumbeck. Poderia ter mais, é claro, se baixasse o preço, mas se o fizer o meu crédito cai. Calculo 6 ducados por 12 aulas e ainda aviso-lhes que só o faço por favor especial.
Prefiro 3 alunos que paguem muito bem a 6 que paguem mal. Mesmo assim só com essa aluna já dá para sobreviver, e por enquanto isso basta.
Escrevo-lhe isso para que não pense que lhe mando 30 ducados apenas por egoísmo. Fique tranqüilo, mandarei mais assim que tiver – e terei! Porém os outros não precisam saber qual a nossa situação.”
Ou seja: no começo, Mozart sobrevia apenas dando aulas de piano. Mas era um excelente pianista, e sua reputação nesse sentido era muito boa. Logo começou a se apresentar como pianista, tocando seus próprios concertos, e com isso conseguiu um bom dinheiro.
Clicando no link abaixo você poderá ouvir o 30. movimento do Concerto para Piano catálogo Koechel 482. Mozart compôs este concerto em 1785, quando estava em Viena havia 4 anos.
A 1a. grande oportunidade de Mozart.
Era agosto de 1781, quando Mozart teve sua primeira grande oportunidade em Viena: foi convidado para musicar um libreto, que resultaria numa de suas mais importantes óperas: O Rapto do Serralho.
Sobre isso Mozart escreveu ao seu pai em 1º de agosto.
… Anteontem finalmente o jovem Stephanie me entregou um libreto. Ele pode ser um homem mau para com os outros, não sei e nem me importo com isso, mas devo dizer que comigo se comporta como um verdadeiro amigo. O libreto é bastante bom. É um assunto turco e o título é Belmont e Konstanze ou O Rapto do Serralho.
A abertura, um coro no 1º ato e o coro final escreverei para uma orquestra à moda turca. Estou tão contente com a encomenda que já terminei de escrever a 1ª aria da sra. Cavalieri, que fará um dos papeis principais, e da mesma forma a do sr. Adamberger, e o terceto que encerra o 1º ato.
É verdade que o prazo é curto, pois a intenção é estrear a obra já em meados de setembro, mas as circunstâncias que fazem com que a apresentação se realize nessa época, e também as novas idéias que brotam da minha cabeça, me agitam o ânimo a tal ponto que dirijo-me à escrivaninha sempre com a maior excitação e de lá preferia nem me levantar.
O grão-duque virá a Viena, e foi por isso que Stephanie me pediu para terminar a obra, se possível , em tão pouco tempo. Decerto será um ponto em meu favor eu ter aceito escrevê-la neste prazo tão curto.”
Apesar disso a composição da ópera acabou se extendendo por um ano!
A estréia foi tumultuada, mas o público gostou, e pouco a pouco ela se firmou no repertório.
Abaixo, de O Rapto do Serralho, a belíssima aria Hier soll ich denn sehen – Aqui então eu a verei, Konstanze, minha alegria.
Idéias de Mozart sobre Estética.
Enquanto compunha o Rapto do Serralho, Mozart escreveu a seu pai em 13 de outubro de 1781, uma carta na qual há um trecho muito especial, um dos poucos textos em que Mozart fala de estética, e que o mostra não só como um músico genial, mas também um artista com um acurado senso teatral.
“Agora, sobre o libreto da ópera. O sr. tem razão, mas os versos adequam-se muito bem ao caráter ignorante, grosseiro e mal intencionado do personagem Osmin. Apesar de eu saber que os versos não são perfeitos, eles se enquadram tão bem dentro dos pensamentos musicais que eu já tinha em mente, que acabei gostando deles…
Numa ópera, a poesia deve ser uma criança obediente da música. Por que as óperas cômicas italianas são recebidas por toda parte com tanto sucesso, apesar de todas as misérias que encontramos no texto? Até mesmo em Paris vi isso acontecer!
Porque nelas reina a música, e isso faz esquecer todo o resto. Naturalmente, o sucesso é maior ainda se todo o esquema da peça for bom, se as palavras forem juntadas à serviço da música e não por causa da rimas, que às vezes estragam por estrofes inteiras a concepção do compositor.
É claro que os versos são indispensáveis à música, mas as rimas somente pelas rimas só causam danos. Aqueles senhores que são demasiadamente pedantes nesse sentido certamente desaparecerão com suas músicas. O melhor é quando um bom compositor, que entende de teatro e que sabe ele mesmo dizer o que pretende fazer, e um poeta inteligente se encontram…”
Isso aconteceu na Ópera Don Giovanni, em que a música de Mozart vai além da beleza pura e simples, e acentua com perfeição as situações dramáticas.
É o caso da cena final, quando o fantasma do comendador surge, apavorando o imoral Don Giovanni.
A música de Mozart é soberba, refletindo perfeitamente o pavor de Dom Giovanni.
Teatro: uma paixão de Mozart!
Mozart realmente apreciava o teatro. Em 4 de julho de 1781 escreveu uma carta a sua irmã, na qual, entre outras coisas diz o seguinte:
“Eu, graças a Deus, estou com boa saúde e com bom humor. Minha única diversão é o teatro. Gostaria que você assistisse aqui a apresentação de uma tragédia. Na verdade, não conheço nenhum teatro onde as peças de qualquer tipo fossem levadas de forma tão excelente como aqui.
Aqui, todos os papéis, mesmo o mais insignificantes, são desempenhados por bons atores, e todas as peças têm duplo elenco“.
Vamos ouvir mais um pouco da música operística de Mozart: da ópera Cosi fan Tutte – assim fazem todas – a aria Come scoglio – como uma rocha.
O texto diz: “Como uma rocha nos mantemos imóveis, suportando os ventos e as tempestades, confiando no amor”.
Mozart não era fácil!
Caro ouvinte, apesar de genial – ou talvez por causa disso – Mozart não era fácil
Fofoca e maledicência são muito comuns em sua correspondência!
Veja como, nesta carta de 22 de agosto de 1781, enviada a seu pai, Mozart fala sem papas na língua de um amigo de ambos, um certo senhor Auerhammer , e de sua família.
Em tempos de politicamente correto, isso é totalmente inaceitável!
“O senhor Auerhammer é o melhor dos homens, apenas é um pouco bom demais! Porque lá em sua casa quem usa as calças é sua esposa, que é a mais limitada e boba tagarela do mundo.Quando fala, ninguém tem coragem de abrir a boca. O senhor Auerhammer, das vezes que fomos passear juntos, pediu-me que não contasse às suas mulheres, esposa e filha, que andamos de fiacre ou que tomamos algumas cervejas. Pois bem, como posso confiar em um homem que não pode abrir a boca em casa?”
Na mesma carta, mais adiante lemos:
“Não pretendo descrever a mãe, basta dizer que quando estamos juntos à mesa é difícil não romper em risos. O senhor conhece a sra. Adlgasser aí em Salzburgo? Pois essa peça é ainda pior, pois tem a boca suja também, portanto além de boba é mal intencionada. E agora a filha! Se um pintor quisesse retratar o diabo de modo fiel, bastaria recorrer ao seu rosto! Sua tanto que me causa náuseas, e anda desnuda como se carregasse um papel pendurado dizendo: “por favor, olhem para cá!
“Vade, satanás!”
Pois é! Mozart, compositor de obras sublimes, era uma pessoa com qualidades e defeitos, como qualquer outra.
Mozart e Muzio Clementi.
Em relação a seus colegas compositores, Mozart podia ser ainda mais ferino.
Muzio Clementi, respeitado pianista italiano, admiradíssimo por Beethoven, também não foi poupado, como vemos nesta carta de 7/6/1783.
“Agora gostaria de dirigir algumas palavras à minha irmã a respeito das sonatas de Clementi.
Quem as toca ou ouve pode sentir que as composições não são relevantes. Partes que causem assombro ou que chamem atenção elas não possuem, exceto as passagens em sextas ou oitavas.
Peço à minha irmã que não perca muito tempo com isso, que tome cuidado para não estragar a posição correta das mãos, até agora tranqüilas e firmes, e que a mão não perca, por causa disso, sua leveza, agilidade e rapidez contínua.
Pois afinal, que vantagem isso traz? Se fizer as passagens de sextas e oitavas com a máxima velocidade ( o que, aliás, ninguém é capaz de fazer, nem mesmo o próprio Clementi), tudo virará apenas uma terrível monotonia e nada mais! Clementi é um charlatão, como todo italiano. Ele não possui nada – nada – o menor bom gosto ou interpretação, e muito menos sentimento.“
Caro ouvinte, aí temos uma grande probabilidade de estarmos diante de um caso de inveja.
Clementi já era um músico internacionalmente famoso, enquanto ainda Mozart lutava por um lugar ao sol.
Clementi, por seu lado, reconheceu a importância de Mozart e aprendeu a admirá-lo.
Mozart tinha o direito de não gostar de Clementi, ou de quem quer que fosse. Contudo, chamá-lo de charlatão…. aí ele exagerou!
Clementi foi um músico excepcional, como pianista e como compositor. Beethoven era um grande admirador de suas sonatas para piano, e deixou-se influenciar largamente por ele.
Clicando no link abaixo podemos ouvir o belíssimo 1o. movimento de sua Sonata no. 25.
Mozart era amado em Praga!
Em 15 de janeiro de 1787, Mozart está em Praga – cidade que ele adorava – e de lá escreve uma carta ao seu amigo Barão Gottfried Jacquin, falando de um de seus sucessos.
“Querido amigo!
… Ao chegarmos, na quinta-feira, dia 11 ao meio dia, imediatamente já tínhamos muito o que fazer para nos prepararmos até a 1 hora, para o almoço. Às 6 horas fomos de carro com o Conde Conac ao chamado baile de Breitfeld, onde costumam se reunir as flores mais bonitas de Praga. Isso é que teria sido algo de bom para o senhor, meu amigo! Vejo-o na minha imaginação – correndo? será?-não, capengando! atrás das belas mulheres e moças.
Não dancei e nem apalpei as mulheres. Não fiz o 1º porque estava cansado, e o 2º porque sou um tonto de nascença. Mas olhei com grande prazer as pessoas pulando com uma fruição íntima ao ritmo da música da minha Fígaro, transformada em contradança. Pois aqui não falam de outra coisa senão da Fígaro – não tocam, sopram, cantam e assobiam outra coisa senão a Fígaro -não assistem outra ópera senão a Fígaro e para sempre a Fígaro!“
Mozart e Salieri numa boa!
A última carta de Mozart foi escrita em 14 de outubro de 1791, para sua esposa, que se encontrava em uma estação de banhos.
Nada nela nos faria pensar que menos de 2 meses depois ele estaria morto. Nesta carta Mozart conta como ficou feliz por ter levado o compositor Antonio Salieri à uma apresentação de sua última ópera, A Flauta Mágica.
Ele diz:
“Ontem, dia 13, quinta-feira, às 6 horas, fui de carro buscar Salieri e a sra, Cavalieri, e os acompanhei até o camarote.
Você não pode imaginar como eles foram amáveis e como gostaram não apenas da música, mas também do texto e de tudo mais. Ambos disseram que esta é uma ópera que merece ser apresentada diante do soberano mais importante, por ocasião da cerimônia mais solene.
Salieri acompanhou e observou tudo com muita atenção, e da abertura ao último coro não houve um número sequer que não fizesse com que bravos e bellos partissem de seus lábios.“
O trecho mais famoso dessa fantástica obra é sem dúvida a “Aria da Rainha da Noite”.
A morte de Mozart.
Mozart viria a falecer no dia 5 de dezembro de 1791, à uma hora da manhã. Em 20 de novembro daquele ano ele deitou-se, mal conseguindo mover os membros do corpo, devido a inchaços dolorosos nas juntas dos braços e pernas. Vomitava muito, e para agravar, foi submetido a várias sangrias, o que pode até ter-lhe causado septicemia – por melhores que fossem as intenções dos médicos da época.
Uma das cunhadas de Mozart, Sophie, presenciou sua morte, e a descreveu anos mais tarde:
“Quando cheguei lá estava Süssmeyr, seu aluno, sentado junto à cama de Mozart. Na colcha estava o Requiem, e Mozart lhe explicava como, em sua opinião, ele deveria ser concluído, após sua morte.”
Essa história é muito contestada por diversos musicólogos, que a enquandram na enorme coleção de histórias fictícias que se sucederam à sua morte.
Outro dia, conversando com uma amiga, eu falei sobre o compositor cearense Alberto Nepomuceno.
Há uma obra sua chamada Série Brasileira. Foi a primeira obra sinfônica da história a incluir um batuque africano. Contei à minha amiga que a obra causou escândalo, e um crítico chegou a dizer que aquilo se tratava de uma ofensa à nobre arte da música. Isso por volta de 1890.
Pois é, naquela época, final do século XIX, era assim. A música erudita era reservada para uma elite, e ao que parece não havia nenhum interesse em conectá-la a um expressivo número de pessoas.
Minha amiga então disse: mas ainda continua sendo uma música de elite.
Aí eu discordei! Acho que a situação mudou muito; hoje a maioria dos músicos chamados eruditos se esforça sinceramente para levar a música de concerto a muita gente. Em São Paulo, por exemplo, temos com freqüência concertos ao ar livre; há muitos concertos gratuitos ou populares; CDs de grandes compositores do passado podem ser encontrados em bancas de jornal; encontramos orquestras em muitas igrejas na periferia. Programas como o Projeto Guri, da Secretaria de Cultura do Estado, ou a Sinfônica de Heliópolis, criada pelo generoso Maestro Silvio Bacarelli, levam ensino da música a pessoas de todas as classes sociais.
Há muita gente se esforçando para levar a boa música às massas.
Isso e sábio e necessário.
E um dos mais bem sucedidos exemplos nesse campo é o longa metragem Fantasia, de Walt Disney, lançado em 1940, do qual começamos a falar na postagem anterior.
Nos dias atuais, em que tudo tem de ser muito rápido e ágil, chega a ser difícil acreditar que Disney tenha decidido criar um desenho animado para todos os movimentos da Sinfonia Pastoral, de Beethoven.
Para essa obra, Disney concebeu como cenário o Monte Olimpo, a morada dos Deuses Gregos. Surgem criaturas mitológicas, como centauros, cupidos, cavalos alados.
Baco, o Deus do vinho, Zeus, o Deus dos Deuses, Apolo, Diana. O que vemos na tela é um dia no Olimpo, que termina com o anoitecer.
Originalmente, a música escolhida para a seqüência no Monte Olimpo tinha sido “Cydalise”, do compositor francês Gabriel Pierné. Porém, Walt Disney achou que a obra não era suficientemente expressiva para a história, e acabou optando pela Sinfonia Pastoral.
Na versão original de Beethoven, o 2o. Mov, com suas melodias ondulantes, retrata uma cena à beira de um riacho.
O 3o. é uma alegre festa de camponeses. O 4o. é uma fantástica tempestade, que interrompe a festa. E o quinto e último movimento simboliza o sentimento de gratidão de todos pelo retorno do bom tempo.
Pixabay. Foto de Dovid Mark
Com Fantasia, Disney provou que a música clássica podia, sim, se associar às linguagens da cultura de massas sem nenhum problema. Prá quem acha que esse tipo de música é muito difícil, para quem acha que o povo só pode gostar de outros tipos de música, eu mostraria Fantasia, que conquista muitos fãs há mais de 80 anos.
Disney e Stokowsky foram verdadeiramente visionários, e tiveram muitas idéias surpreendentes que não chegaram a ser postas em prática. Uma das mais interessantes envolve aromas.
Eles imaginaram dispersar gases aromáticos nas salas de cinema durante a projeção do filme, associando certas imagens e ações a certos aromas.
Chegaram a definir os aromas: jasmim para a Valsa das Flores, incenso para a Ave Maria, pólvora para O Aprendir de Feiticeiro, e assim por diante.
Acabaram desistindo da idéia porque descobriram que seria impossível eliminar um aroma já dispersado na sala, antes de introduzir outro.
Mas agora deixemos os aromas de lado, e voltemos à música, que segue com a Dança das Horas, da ópera La Gioconda. Essa ópera foi escrita por um compositor italiano já bastante esquecido hoje em dia: Amilcare Ponchielli que viveu entre 1834 e 1886.
Para essa peça Disney reservou bastante bom humor, criando um ballet que representa as horas do dia. Nele as estrelas são animais bem deselegantes, como avestruzes, hipopótamos e elefantes. Observar esses animais desengonçados tentando dançar com a graciosidade típica do ballet clássico é muito engraçado.
E vamos conhecer mais do pioneirismo de Fantasia. Ele foi o primeiro filme estereofônico da história. Aliás, foi muito mais que estereofônico, pois utilizava um sistema absolutamente inacreditável chamado Fantasound, desenvlvido pela RCA especialmente para o filme.
Vejam só a sua complexidade:
A orquestra era gravada em 8 faixas sonoras separadas. Seis desses canais gravavam naipes específicos da orquestra, o sétimo gravava uma mistura desses seis canais, e o oitavo canal gravava a orquestra como um todo, a uma certa distância. Esses oito canais eram misturados, equilibrados e reduzidos a três, esquerdo, direito e central.
Na reprodução, um equipamento Fantasound padrão deveria usar três ato falantes atrás da tela, mais 65 espalhados pelas outras três paredes da sala. Mas na estréia do filme foram usados mais de 90 alto falantes.
Parecia realmente fantástico, mas o sistema acabou sendo abandonado, por causa da dificuldade em convencer os proprietários das salas de cinema a instalar um equipamento tão complexo e consequentemente caro. Apenas 16 salas nos Estados Unidos instalaram o equipamento Fantasound. Em 1941, o filme passou a ser distribuído em sistema monofônico.
No 50º aniversário do filme, em 1990, os técnicos dos estúdios Disney recriaram o sistema Fantasound usando tecnologia moderna, e os antigos registros dos estúdios. Mas foi apenas um episódio, e os DVDs encontrados hoje em dia não dispõem deste recurso.
Voltemos agora à música. E após o bom humor da dança das horas, vem o terror…… a bruxaria…….. com uma Noite no Monte Calvo, do compositor Russo Modeste Mussorgsky .
Nesta obra Mussorgsky usa como inspiração uma lenda Russa que descreve a noite em que seres fantásticos se vêm livres para assustar as pessoas do vilarejo.
Nesse número, os artistas de Disney talvez tenham retratado de forma exata o que passou pela mente do compositor, quando criou a obra. Todos estão lá: feiticeiras, demônios, vampiros, esqueletos, aguardando a chegada de Chernobog, o senhor da morte da mitologia eslava.
Então, Disney e Stokowsky nos levam diretamente desta festa de terror ao céu, com a Ave Maria de Schubert sendo executada logo em seguida à Noite no Monte Calvo, sem interrupções. Esse efeito, que poderia ser chocante, tornou-se um sucesso. Vemos agora o Monte Calvo envolto por uma névoa que se move. Surgem luzes que acabam por revelar uma procissão religiosa, na qual cada um carrega uma vela. Á medida que as pessoas entram na floresta , os galhos das árvores se se entrelaçam, formando ogivas típicas das catedrais góticas. E o filme termina com a esperança de que a vida e o bem sempre triunfarão sobre o mal.
Irwin Kostal foi contratado para regravar toda a trilha sonora de Fantasia nos anos 80, porque a trilha original, gravada em 1940, padecia de um defeito fundamental: havia sido feita antes da criação da alta-fidelidade. A nova gravação foi feita, com a melhor tecnologia disponível na época. Foi lançada em CD, mas na versões seguintes do filme, os produtores voltaram às gravações originais de Stokowsky.
O próprio Walt Disney relata como contou seus planos para unir cinema e música clássica ao maestro num jantar em Beverly Hills. Em suas próprias palavras ele disse que se sentiu nocauteado ao ouvir de um dos maiores maestros do mundo da época, sem rodeios, que estava pronto para reger a trilha sonora.
Disse Disney; essa foi uma oportunidade que eu não poderia deixar passar.
Quando dizem a mim que música de concerto não tem nada a ver com os veículos de comunicação de massa, e discordo e dou como exemplo a inteligência, criatividade e determinação de Leopold Stokowsky e Walt Disney.
DICA DE LEITURA
O livro aborda os segredos e as técnicas da arte de compor música para cinema. Em nove capítulos, o autor descreve as funções da música na linguagem audiovisual, os conceitos, as técnicas de composição musical para dramas, romances, aventuras, suspense… Completa a obra apresentando a tecnologia, benchmarking com compositores famosos, mercado e roteiro de trabalho, além de aportes sobre música para jogos digitais e apêndices com filmografia, fontes de informação, glossário de cinema, música e tecnologia. O autor Eugênio Matos, compositor de trilhas musicais para cinema e televisão, é formado em Composição para Cinema e TV pela Universidade da Califórnia (UCLA) e em Música pela Universidade de Brasília; é Mestre em Composição pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente, além do trabalho de compositor, é professor da Escola de Música de Brasília.
Você pode encontrar esse livro acessando o site abaixo:
Pensando nesta palavra – encantamento – eu me lembrei de uma experiência espetacular realizada muitas décadas atrás, que encantou e continua encantando muita gente. Trata-se do longa metragem “Fantasia”, de Walt Disney.
Fantasia foi concluído pelos estúdios Disney em 1940. É o 3º da lista de clássicos de animação da empresa, tendo sido precedido por Branca de Neve e os Sete Anões e Pinóquio. É um sucesso perene, um filme que nunca foi esquecido e conquista mais e mais fãs à medida que o tempo passa.
Em Fantasia a união de cinema e música de concerto, concebida de modo criativo e extremamente profissional, foi benéfica para estes dois mundos.
Por isso eu acredito que, se quiserem, profissinais de TV ou rádio criativos e competentes, poderão sempre inventar maneiras modernas e inovadoras de mesclar música de concerto com a linguagem ágil dos grandes meios de comunicação de massas…. E com isso, levar a boa música a muito, muito mais gente.
As seguintes palavras são assinadas pelo próprio maestro Leopold Stokowsky e podem ser lidas na edição em vinil da trilha Sonora do filme:
“Fantasia levou a música de mestres como Bach, Beethoven, Stravinsky para milhões de pessoas em todo o mundo, que, de outra maneira, poderiam não ter oportunidade ou inclinação para ouvi-la e apreciá-la. Mais ainda, a música é igualada pelo gênio altamente imaginativo de Disney e os artistas a ele associados”.
Assim, caros leitores, não sou eu o único a acreditar que a boa música pode ser levada a um número de pessoas cada vez maior. O maestro Stokowsky está comigo.
Vamos saber algumas coisas sobre o filme, e sobre as maravilhosas peças músicas nele presentes.
Atenção: no final do post, você encontrará um link que lhe possibilitará ouvir essas maravilhas.
Comecemos com a Tocata e Fuga em ré menor, de Johann Sebastian Bach.
Esta é a primeira música apresentada no filme. Bach criou a peça originalmente para órgão, e Stokowsky fez dela uma brilhante orquestração, que regeu frente a Orquestra da Filadélfia. A versao foi regravada pela Orquestra dos Estúdios Disney, dirigida pelo maestro Irwn Kostal, em 1982.
Diferente das outras obras musicais utilizadas no filme, a Tocata e Fuga não descreve nada; é uma peça totalmente abstrata. Assim, Disney e sua equipe ficaram livres para criar as imagens que quiseram. No início da música surgem imagens da própria orquestra, como violinos e trompetes, que vão se dissolvendo e se tornando cada vez mais abstratas à medida que a música caminha para o final.
Depois da Tocata e Fuga em ré menor, o filme Fantasia segue com trechos da Suíte do Ballet Quebra Nozes, de Tchaikovski.
São ouvidos os seguintes números: Dança da Fada Açucarada, Dança Chinesa, Dança dos Mirlitons, Dança Árabe, Dança Russa e Valsa das Flores. Os produtores do filme decidiram omitir a abertura e a marcha, e alteraram a ordem dos movimentos.
Aqui Disney e sua equipe não tinham uma música abstrata, mas sim um ballet com uma história muito concreta.
Imaginaram então um ballet da natureza, dançado por cogumelos, flores. folhas e orquídeas.
Fantasia recebeu dois Oscars honorários por ser um trabalho tão inovador. E também um prêmio especial do New Yok Film Critics Awards.
As inovações não aconteceram apenas no âmbito artístico, mas também no tecnológico. A sua gravação foi pioneira numa forma ainda rudimentar de estereofonia, que tinha o nome de Fantasound.
Imaginem vocês que naquela época ainda não havia surgido o disco de vinil – e creio que alguns ouvintes ainda se lembrem dos discos que então existiam, aqueles de cera, pesados, e que se quebravam facilmente.
Mas voltemos a falar da música, com poema sinfônico “O Aprendiz de Feiticeiro, de Paul Dukas” .
Trata-se de de uma peça orquestral escrita em 1897, baseada numa obra homónima do escritor Johann von Goethe. Esta é mais uma obra que, apesar de sua grande qualidade, talvez estivesse esquecida, se não fosse o filme Fantasia.
No filme surge o rato Mickey, no papel de um aprendiz de feiticeiro trapalhão, incapaz de controlar os efeitos de seu feitiço.
Em 1938, os estúdios Disney procuravam um papel especial para o rato Mickey. A obra de Paul Dukas parecia ser algo especialmente talhado para isso, uma musica encantadora. Mas era, em termos de animação, um desafio muito grande. Teria de ser dirigida, tocada e gravada de modo impecável.
Dentro da equipe de Disney, pensava-se em quem poderia dirigir essa obra, e que orquestra poderia tocá-la. Por obra do destino, aconteceu de Leopoldo Stokowsky, um dos mais importantes maestros radicados nos Estados Unidos à época, visitar os estúdios Disney. Quando o projeto lhe foi explicado, ele concordou imediatamente em unir-se à equipe.
Assim, foi com o Aprendiz de Feiticeiro que nasceu Fantasia.
Agora vamos à Sagração da Primavera, composta em 1912 por Igor Stravinsky.
Estreada em Paris em 1913, foi uma música totalmente inovadora para a época- mais que inovadora, causou escândalo. Muitos a consideraram selvagem, brutal, e não foram poucas as vaias que recebeu. Ainda em 1938, ano em que Fantasia começou a ser concebido, havia muita resistência a ela por parte do público. Por isso, a decisão de incluir a Sagração pode ser considerada também uma tremenda ousadia.
Stravinsky declarou que o pretexto para a criação da obra era um panorama da pré-história russa, um pré-histórico nascer da primavera. Assim, para Disney e sua equipe, tratava-se de um drama da vida de nosso planeta, que envolvia forças gigantescas. A animação inicia-se com uma explosão solar, que emite uma massa de gás que irá se tornar o planeta terra. As imagens de Disney, mostrando o nascimento do planeta e o surgimento da vida na Terra, são magistrais.
Depois dessa obra que mostra as forças mais viscerais da natureza, segue-se outra em que a natureza é vista de um modo totalmente oposto: a Sinfonia Pastoral, de Beethoven.
Para essa obra, Disney concebeu como cenário o Monte Olimpo, a morada dos Deuses Gregos. Como contraponto às forças telúricas, temos aqui uma referência ao impulso civilizatório, uma força humana.
Surgem criaturas mitológicas, como centauros, cupidos, cavalos alados.
Baco, o Deus do vinho, Zeus, o Deus dos Deuses, Apolo, Diana. O que vemos na tela é um dia no Olimpo, que termina com o anoitecer.
O filme continua com outras peças encantadoras e divertidas, como a Dança das Horas de Amilcare Ponchielli e Ave Maria de Schubert … mas dessas nós iremos falar no próximo post, que será a continuação deste.
A cena que descrevo a seguir era muito comum no século XVIII: um aristocrata rico e poderoso recebe em seu palácio um certo número de convidados. Além dos vinhos, do champagne, excelente comida e agradáveis conversas, ele proporciona a seus amigos algumas horas de boa música. E se a ocasião for muito especial, música composta especialmente para ela.
Provavelmente, ninguém parava para prestar atenção; a música ficava ao fundo, exatamente como acontece hoje em qualquer festa ou reunião de amigos. A diferença é que hoje em dia usa-se um bom aparelho de som, e naquela época, como ainda não havia tomadas nas paredes, o jeito era fazer tudo ao vivo.
Todos conhecem uma obra de W. A. Mozart chamada “Pequena Serenata Noturna” Ela foi composta para uma dessas ocasiões.
Enquanto esta é muito conhecida, as outras serenatas e divertimentos que ele escreveu são pouco tocadas. É o caso da Serenata Noturna nº Köchel 239. Ela foi composta em 1775, quando Mozart tinha 19 anos, e ainda vivia em Salzburgo.
São três movimentos: Maestoso; Minueto; e Rondó: Allegro, Adagio, Allegro.
Para os contemporâneos de Mozart, peças como essa eram totalmente descartáveis. Contudo, nas décadas seguintes à morte do compositor, elas foram recuperadas e preservadas; hoje são tocadas em concertos freqüentados por amantes da música atentos e silenciosos, e estão gravadas em inúmeras versões.
A maioria delas não são obras de grande valor artístico; mas são música deliciosa de se ouvir!
É interessante pesquisarmos como era incluida a música nesses eventos sociais do século XVIII. Uma boa parte das serenatas de Mozart foi escrita para ser tocada em Salzburgo, ao ar livre , durante o verão. Em geral eram requisitadas para algum evento social de grande importância. Um exemplo era o fim do ano letivo universitário. Em geral acontecia assim: no início da noite os músicos se reuniam e tocavam marchando até a residência de verão do Arcebispo de Salzburgo. Ali tocavam sua serenata, voltavam até a praça da universidade e aí tocavam novamente a serenata, desta vez para os estudantes e os professores.
Algumas obras eram compostas para celebrar o dia onomástico de alguma personalidade – um tipo de celebração muito comum naquela época.
Mas o que é um dia onomástico?
Simples: eu me chamo João; então o dia de São João é o meu dia onomástico.
Mozart compôs um divertimento, catalogado como KV 247, para celebrar o dia onomástico de uma condessa, chamada Antonia Lodron, cuja residência era frequentemente usada para encontros musicais.
Os instrumentos de sopro ocupam um papel especial nesse repertório de músicas de ocasião.
A combinação desses instrumentos sempre se mostrou mais complicada que a das de cordas. Grupos de sopros formados por instrumentos diferentes, como trompa, fagote, clarineta, flauta e oboé, ofereciam uma boa variedade de timbres, mas muita dificuldade quando se desejava um som mais homogêneo. O contrário, um grupo formado por instrumentos iguais, como um quarteto só de trompas, podia oferecer muita homogeneidade, mas pouco contraste. Depois de muitas experiências, os compositores chegaram a uma combinação razoavelmente equilibrada: 2 fagotes, 2 trompas e 2 clarinetas. Num ponto esse grupo de sopros ganhava das cordas: oferecia uma sonoridade mais forte, mais adequada aos grandes jardins e outros espaços ao ar livre da aristocracia.
Em Viena, onde Mozart se instalou ainda jovem, os grupos de sopro deste tipo se limitavam a tocar em tavernas e nos quartéis, até que um membro da corte vienense, o príncipe Schwarzenberg se interessou por eles. Mozart ouviu dizer que o próprio imperador estava se influenciando pelo gosto de Schwarzenberg, e imediatamente compôs uma serenata para sexteto de sopros, catalogada hoje como nø KV 375.
Uma vez eu li uma biografia de W. Amadeus Mozart escrita pelo historiador Peter Gay. Uma frase do livro não saiu mais da minha cabeça. Ele diz: Mozart era incapaz de escrever música ruim; mesmo quando tinha de compor obras de ocasião, que ele sabia que seriam tocadas enquanto os ouvintes comiam, bebiam e conversavam.
Por isso em geral seus divertimentos e serenatas são no mínimo, como eu já disse, música deliciosa de se ouvir, cheia de lirismo e imaginação. E nos melhores casos atingem níveis altíssimos de requinte, inpiração e bom gosto.
É o caso do Divertimento para cordas em Fa maior, índice KV 138, em três movimentos: Allegro, Andante e Presto.
Esses divertimentos são verdadeiras jóias mozartianas – obras consideradas menores, mas que , em minha opinião além de agradabilíssimas são uma maravilhosa porta de entrada para quem ainda não conhece a música desse maravilhoso compositor.