Romantismo França & Itália

Muitos dos apreciadores de música de concerto têm a convicção de que o romantismo musical foi um fenômeno exclusivamente germânico. Em grande parte, é verdade; existem, contudo, outros componentes muito interessantes nesse caldo cultural que resultou no romantismo.

Um deles, que particularmente me encanta, é a interação entre as culturas francesa e italiana nesse período. A literatura francesa, bem como as ideias libertárias da Revolução, por exemplo, teve um papel muito importante no movimento romântico. E tão importante quanto, foi o extraordinário ambiente musical existente em Paris na primeira metade do século XIX.

Gioacchino Rossini

Naquela época, convergiram para a capital francesa muitos músicos de outros países, que mergulharam nessas águas agitadas do romantismo.

Entre eles, muitos mestres da ópera italiana, como Gioacchino Rossini, o célebre compositor que surgiu como um verdadeiro furacão no início do séc. XIX.

Rossini escreveu sua primeira ópera com apenas 18 anos de idade. Com 20 anos, conquistou fama internacional. Na Itália, algumas de suas melodias tornaram-se imensos sucessos populares.

O Barbeiro de Sevilha

Com 24 anos compôs seu maior sucesso, “O Barbeiro de Sevilha”. Quando estava com 30 anos, já rico e famoso, encontrou-se com ninguém menos que Beethoven. O mestre alemão estava com 51 anos e completamente surdo. Comunicaram-se por bilhetes. Num deles Beethoven escreveu:

“Ah, então você é o compositor da ópera “Barbeiro de Sevilha? Parabéns! Ela será tocada sempre, enquanto a ópera italiana existir. Nunca tente escrever nada diferente da ópera buffa, seria algo contrário à sua natureza.”

Rossini, ainda muito jovem, criou algumas convenções melódicas que o levaram a um enorme sucesso popular. Graças a isso ganhou muito dinheiro, mas ao mesmo tempo tornou-se, de certo modo, escravo de sua criação.

Como músico de sólida formação e imenso talento que era, procurava por algo mais. Não queria, como Beethoven havia aconselhado, continuar repetindo as mesmas fórmulas da ópera buffa.

Na Itália não havia ambiente para inovações. Vejam esse exemplo: na sua ópera Otello, que não era buffa, mas sim uma ópera séria, o final trágico teve de ser trocado por um absurdo final feliz, apenas para agradar ao público de Roma. Seria fora da Itália que Rossini encontraria um ambiente propício para ousar, e é nesse ponto que a França entra em sua vida.

Guilherme Tell

A popularidade de Rossini na França era enorme. O Rei Charles X lhe ofereceu um generoso contrato para produzir óperas em Paris; e lá ele escreveu sua obra mais inovadora: Guilherme Tell.

Nessa obra Rossini finalmente se liberta das convenções que o aprisionavam; e certamente estava com o espírito transbordando de novas ideias, pois criou uma ópera gigantesca, com cerca de 4 horas de duração. Quatro horas de música de primeira qualidade, que apontou para um novo caminho na história da ópera.

Rossini: William Tell / Act 4: “Ah.. non mi lasciar, o speme di vendetta”

Resumindo, em Paris Rossini pôde se libertar das convenções musicais que haviam garantido seu sucesso na juventude, e criar uma obra inovadora, que apontava para novos rumos. Contudo, uma surpresa: após a criação de Guilherme Tell, Rossini interrompeu sua carreira. Tinha 38 anos de idade, e viveria mais 40. Nunca mais escreveria uma ópera.

Ele poderia ter mergulhado nas águas do romantismo, o que vale dizer, criar com liberdade total, sem se preocupar em fazer sucesso, obedecendo unicamente ao seu espírito criador, como fizeram Beethoven ou Berlioz. Se não tivesse parado, teria talvez se tornado o criador da ópera italiana romântica…

Gaspare Spontini

Outro compositor italiano que viveu em Paris, mas que está hoje completamente esquecido, foi Gaspare Spontini. Ele era 18 anos mais velho que Rossini, e foi contemporâneo de Beethoven.

Vivendo em Paris, Spontini, como Rossini, pôde desenvolver um estilo afastado das convenções da ópera italiana de seu tempo, tendo se tornado um dos mais importantes compositores de ópera francesa, nas duas primeiras décadas do século XIX.

Compôs mais de 20 óperas; a mais célebre é La Vestale, estreada em 1807. Eu cito la Vestale porque essa ópera foi muito elogiada por dois grandes românticos: Hector Berlioz e Richard Wagner. É, portanto, considerada uma precursora do romantismo.

La Vestale – Prayer: O des infortunes

Vincenzo Bellini

Em seguida, teremos um outro compositor italiano que esteve em Paris entre os anos de 1833 e 1835: Vincenzo Bellini. Com Bellini não falamos mais em “precursor da ópera romântica italiana”; estamos já em pleno romantismo.

Bellini foi o grande mestre daquilo que se convencionou chamar de “Bel Canto”: uma expressão cujo significado pode variar muito, mas que no caso dele se refere a longas e delicadas melodias, em oposição ao estilo de canto que surgiria com Giuseppe Verdi, mais pesado e dramático.

Abaixo um belo exemplo, que, melhor do que palavras, vai nos mostrar o que é o bel canto Belliniano. Antes dele, porém, vai uma citação que eu considero muito interessante. São as palavras que um professor de Bellini teria dito a seu jovem pupilo:

“Se suas composições “cantarem”, sua música vai certamente agradar… Portanto, se você treinar seu coração para lhe dar melodias, e se você as vestir tão simplesmente quanto possível, o seu sucesso será garantido. Você vai se tornar um compositor. Caso contrário, você vai acabar sendo organista em alguma aldeia…”

Bellini aprendeu a lição e se tornou um dos maiores melodistas de todos os tempos. Foi durante sua estada em Paris que ele compôs uma de suas obras-primas: a ópera I Puritani.

I puritani: Qui la voce sua soave

Morte prematura

Bellini morreu em Paris, com apenas 33 anos de idade, vítima de uma infecção intestinal. Poucos meses antes, sua ópera I Puritani havia estreado com imenso sucesso. E também poucos meses antes, Bellini havia estado em um jantar onde conhecera o célebre poeta alemão Heinrich Heine, que lhe disse:

“Você é um gênio, Bellini, mas você pagará pelo seu imenso dom com uma morte prematura. Todos os gênios morrem muito cedo, como Rafael ou Mozart.”

Logo depois da morte de Bellini, Rossini, que também vivia em Paris, reuniu um comitê de músicos parisienses para levantar fundos a fim de criar um monumento em sua memória.

Gaetano Donizetti

Paris, primeiras décadas do século XIX; ópera romântica italiana; bel canto; tudo isso nos leva também a Gaetano Donizetti.

Donizetti deixou a Itália e fixou-se em Paris quando estava com 40 anos, profundamente insatisfeito com o Rei de Nápoles, que havia proibido a execução de uma de suas óperas. Essa ópera, chamada Poliuto, foi adaptada para a língua francesa e apresentada em seguida em Paris, com sucesso.

O italiano Donizetti iniciava-se na tradição da Grande Ópera francesa. Em seguida ele escreveria uma nova ópera, esta já sobre um libretto em francês: La fille du Regiment, ou “A Filha do regimento”; e teria uma de suas obras primas traduzidas para a língua francesa: Lucia di Lammermoor.

Lucia di Lammermoor

Donizetti escreveu essa obra 3 anos antes de ir para Paris, período em que sua reputação como compositor atingia o auge. Bellini tinha acabado de falecer, e Rossini já decidira parar de compor. Donizetti reinava sozinho como o maior compositor de ópera italiana.

Lucia de Lammermoor contém a célebre cena da loucura, profundamente dramática, e de extrema dificuldade para a solista. O texto é baseado numa novela do escocês sir Walter Scott.

Lucia é uma aristocrata apaixonada por Edgardo, um jovem membro de uma família rival. Sua família não aceita o romance, e Lucia é obrigada a casar-se com outro homem. Na noite de núpcias, no leito nupcial ela assassina seu marido, e em seguida enlouquece. Lucia morre e seu amado Edgardo se mata, esperando encontrá-la no paraíso. Na música, é notável como Donizetti descreve as mudanças de estado mental de quem está enlouquecendo.

Lucia di Lammermoor: Il dolce suono (‘Mad Scene’)

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7 comentários em “Romantismo França & Itália”

  1. Adoravél post. Embora considere que amaria ter vivido nos séculos destes romanticos, vejo que o abismo existencial sempre existiu. O grande mistério, que a felicidade não está nem antes nem depois… Mas, seguiria o conselho de Beethoven. E rezaria bastante depois da previsão do poeta … Ave Maria, ninguém merece!

    Abraços musicais. Espero voltar logo aos cursos, Maestro.

  2. Excelente Post, Maestro! Adoro ler este seu material do site, sempre muito enriquecedor! Esse so Romantismo França & Itália, em especial, foi fantástico! A sugestão de leitura é muito boa, e já tive a oportunidade de ler, vale muito a pena mesmo. Abraços

  3. Enriqueci muito meus conhecimentos, sobre o assunto que o Sr. , sabiamente, abordou. Eu, apenas, fiquei com uma dúvida: a ópera “Elixir d’amore”,da qual faz parte uma ária que amo, “Una Furtiva Lagrima”, é da autoria de DONIZETTI, ou estou enganada?

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