Para encerrar a série sobre o Grupo dos Cinco, veremos agora o mais célebre deles: Nikolay Rimsky-Korsakov.
A 1a paixão do menino Nikolay não foi a música, mas o mar. Como os outros compositores do grupo dos cinco, ele começou a ter aulas de piano ainda na infância, mas não se entusiasmava muito. Ia levando. O que o fascinava de verdade eram as histórias sobre o mar, as que lia, ou que ouvia, contadas por seu irmão 22 anos mais velho, que era marinheiro e explorador.
Ele nunca havia sequer visto o mar; mas o fascínio era tamanho que em 1856, com apenas 12 anos de idade entrou para a Escola de Navegação da Real Marinha Russa. Formou-se em 1862, e estes foram seis anos admiráveis em sua vida, aprendendo e viajando.
Contudo, em 1861, ou seja, um ano antes da formatura, Korsakov foi apresentado a ninguém menos que Mily Balakirev, o líder e mentor do grupo dos cinco.
Aí seu interesse pela música ressurgiu, e algo extraordinário aconteceu: com seus parcos estudos musicais – aulas de piano pelas quais nunca se entusiasmara, e alguns esparsos conhecimentos de composição, Korsakov, incentivado por Balakirev lançou-se à composição de sua primeira obra: uma sinfonia!
Cara leitora ou leitor, pra você ter uma idéia, Johannes Brahms, por exemplo, só se aventurou a compor uma sinfonia aos 40 anos de idade, depois de escrever muita, muita música de outros gêneros. Naquela época, a força das Sinfonias de Beethoven era algo tão avassalador que os compositores nutriam grande cautela pelo gênero.
Pois bem, o jovem Korsakov foi em frente, e auxiliado por Balakirev, concluiu sua sinfonia. E o mais interessante é que ele fez isso durante uma longa viagem de navio pelo planeta, onde chegou até a passar pelo Rio de Janeiro.
Pois bem, a sinfonia fez enrome sucesso; foi o marco inicial de sua carreira, que uniu suas duas paixões: a música e o mar.
Trata-se, em minha opinião, de uma belíssima obra, verdadeiramente contagiante, como eu disse há pouco. Porém, apesar de todo o esforço nacionalista de Balakirev, eu ainda identifico aqui muita influência germânica, muito Beethoven, muito Schumann.
Isso iria mudar com a Sinfonia número 2.
A segunda sinfonia de Kimsky-Korsakov tem um programa, uma história, que foi sugerida ao compositor por dois de seus colegas do grupo dos cinco, Cesar Cui e Modeste Mussorgsky.
Trata-se de um texto do escritor russo-polonês Osip Sennkovsky, que conta a história de Antar, um inimigo da humanidade.
Isolado no deserto, Antar salva uma gazela das garras de um pássaro gigante. Cansado da luta com o pássaro, Antar dorme, exausto, e sonha que está no palácio da Rainha de Palmira, a conhecida cidade da Síria. Lá ele descobre que a Rainha é ninguèm menos que a Gazela que ele havia salvo. Como prêmio por tê-la salvo, a Antar é então permitido gozar de três dos maiores prazeres da vida: vingança, poder e amor.
É uma música cheia de exotismo, e com traços orientais, típicos da estética do grupo dos cinco. Muito diferente da 1a Sinfonia.
Korsakov completou sua primeira Sinfonia em 1865, quando tinha 21 anos de idade. A 2a Sinfonia foi concluída em três anos depois, em 1868.
E entre as duas Korsakov produziu Sadko, o 1o poema sinfônico russo.
A 2a Sinfonia já tinha os elementos de um poema sinfõnico, mas Korsakov a estruturou em 4 movimentos separados, como mandava o figurino. Já Sadko é uma obra de um só movimento, compacta, baseada em uma antiga lenda russa.
Mais uma vez temos a presença de Balakirev e do mar.
Balakirev admirava muito uma obra sinfônica chamada “Sinfonia do Oceano”, escrita anos antes por Anton Rubinstein. Rubinstein era, contudo, um compositor acadêmico, germânico, de modo que Balakirev sonhava com uma versão tipicamente russa desta “Sinfonia do Oceano”. Ele conversou com outro ideólogo do nacionalismo russo, o escritor Vladimir Stasov, que sugeriu a lenda de Sadko e criou um roteiro para ser usado na composição.
Sadko era um conhecido personagem da tradição oral russa, que cantava e tocava um intrumento semelhante à lira; um Orfeu russo, digamos. Ele é levado para o Reino dos Mares, onde deve providenciar a música para o casamento da filha do rei. Ele o faz com muito êxito, mas em determinado momento a música começa a ficar demasiadamente frenética, criando ondas gigantescas, que ameaçam afundar todas as embarcaçoes. Para acalmar o mar, ele é obrigado a esmagar sua lira. Tudo se acalma e ele, magicamente, é transportado de volta para o litoral.
A obra fez muito sucesso, e na opinião do próprio compositor isso aconteceu pela originalidade do trabalho, da beleza das melodias e da vivacidade do tema dançante.
Em 1867, mesmo ano em que Kirsakov compôs Sadko, Mily Balakirev planejou um concerto que chamou de pan-eslavo. Na sua concepçao de uma estética musical não germânica havia espaço para o orientalismo, e também para elementos musicais de todos os países do leste europeu.
Haveria neste concerto várias obras com referências a vários países eslavos, de modo que Balakirev pediu a Korsakov que construísse uma obra com melodias sérvias, melodias que ele mesmo, Balakirev, forneceu.
Em sua autobiografia Korsakov confessou que não foi a idéia de um pan-eslavismo o que o motivou a compôr a obra, mas sim a grande beleza das melodias fornecidas por Balakirev.
Finalmente, em se tratando de um post sobre Nikolay Rimsky-Korsakov, não podemos deixar de falar da muito célebre suíte sinfônica Scheherazade.
Scheherazade não é uma obra de juventude, como todas essas das quais falamos até agora. Foi composta em 1888, quando o compositor tinha 44 anos de idade.
É baseada na coleçao de textos “As Mil e Uma Noites” – textos provenientes da Asia e do Oriente Médio, que foram compilados em árabe entre os séculos 8 e 13.
É um dos melhores exemplos do orientalismo tão estimado pelos compositores do grupo dos cinco.
A obra tem a envergadura de uma grande sinfonia romântica – 4 movimentos, com uma duração total de cerca de 45 minutos. Mas fora isso, não tem mesmo nada a ver com as sinfônias germânicas, e por isso o próprio compositor preferiu chamar a obra de Suíte Sinfônica.
Para cada um dos movimentos ele deu um título.
O primeiro é “O Mar e o barco de Sinbad” – e temos aqui, mais uma vez, o mar, a primeira paixão do compositor.
O segundo movimento é “ O Príncipe Kalandar”.
O terceiro, “O jovem príncipe e a jovem princesa”.
Finalmente, o 4o e último movimento chama-se “Festival em Bagdad. O Mar. O barco choca-se contra um penhasco, sobrepujado por um cavaleiro de bronze.”
DICA DE LEITURA
Eternas, as histórias das Mil e uma noites se espalharam por todo o mundo, sendo contadas para crianças e adultos através dos séculos. A trama é sobre o sultão Shahriar, que, após descobrir a traição da mulher, decide casar-se cada noite com uma jovem diferente, matando-a ao amanhecer. Tal condenação só é desfeita quando Sherazade, a impetuosa filha do grão-vizir, se oferece como noiva do sultão e faz com que as noites se multipliquem ao inebriar o marido com suas histórias envolventes.
Com apresentação de Malba Tahan, esta edição de luxo das Mil e uma noites traz aventuras de mercadores, anedotas, histórias de príncipes e gênios, além dos clássicos Ali Babá, Aladim e Simbá, o marinheiro.
Um comentário em “Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 6a. parte.”