Camargo é um caso especial entre tantos compositores que nosso país produziu. Ele foi, e ainda é considerado por muita gente, o maior de nossos compositores, maior ainda que Villa-Lobos. Contudo sua música sempre foi mais austera que a de Villa, e talvez por isso ele tenha obtido menor divulgação.
Reitero que essa é a opinião de muita gente, músicos, críticos, e apreciadores de música, e não a opinião de todo o mundo. Mas realmente, quem conhece a sua música, costuma concordar que ela é incrivelmente bem feita, mas que nem sempre nos fisga na primeira audição. É uma música que se revela aos poucos, quanto mais ouvimos mais gostamos dela.
Além de grande compositor, Camargo Guarnieri também foi um grande professor: formou uma importante geração de compositores. E foi também regente. Além de ter dirigido várias de suas obras com orquestras brasileiras e estrangeiras, foi regente titular da Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo.
Início
Camargo nasceu em 1907, na cidade de Tietê, no interior de São Paulo. Ainda jovem mudou-se para São Paulo, onde passou a ter aulas de música com bons professores. Mas o mais importante contato que Camargo teve na capital foi com Mário de Andrade.
O próprio compositor declarou em uma entrevista, no ano de 1943:
“Passei a frequentar a residência de Mário de Andrade assiduamente. Essa convivência ofereceu-me a oportunidade de aprender muita coisa. A casinha da Rua Lopes chaves agitava-se como se fosse uma colmeia. Discutia-se literatura, sociologia, filosofia, arte, o diabo! Aquilo para mim era o mesmo que assistir aulas na Universidade.”
Quando esse convívio aconteceu, Camargo tinha 21 anos de idade. A Semana de Arte Moderna já havia passado, e Mário de Andrade era sem dúvida um dos mais importantes intelectuais brasileiros na época. Camargo havia procurado Mário para lhe mostrar duas de suas obras: Canção Sertaneja e Dança Brasileira.
Mário de Andrade percebeu o talento do jovem compositor e se entusiasmou, e de certa forma o adotou, ajudando em sua educação e na divulgação de sua obra.
A Dança Brasileira
A obra acima foi composta originalmente para piano, e foi orquestrada pelo compositor muitos anos mais tarde. Assim como aconteceu com muitos outros compositores, Camargo só começou a escrever para orquestra quando já era um músico maduro. Até os 35 anos de idade, aproximadamente, Camargo havia escrito quase que só para o piano, instrumento que dominava muito bem.
A Dança Negra
Até hoje, sempre que se fala na Dança Brasileira, os conhecedores da música do compositor se lembram de outra dança, escrita para piano, que fez grande sucesso à época. É a Dança Negra. Escrita bem mais, tarde, em 1946, foi gravada muitas vezes.
Os Ponteios
Camargo Guarneiri foi realmente um pianista muito bom, conhecia muito bem o instrumento, e grande parte de sua obra foi escrita para ele. Não podemos deixar de mencionar algumas de suas mais importantes peças pianísticas: Os Ponteios.
Segundo o próprio Mário de Andrade, a palavra ponteio é o mesmo que Ponteado, e se refere à maneira como tocam os violeiros do interior de São Paulo ou Minas Gerais. Os Ponteios de Guarnieri se baseiam nesse material musical; são peças curtas, inspirada na música de viola, e muitos músicos os consideram semelhantes aos Prelúdios cultivados pelos compositores europeus.
Sucesso
Em 1938, com 31 anos de idade, Camargo Guarnieri vai para Paris, para estudar. Ficou pouco tempo, pois com o início da 2ª Guerra Mundial, em 1939, regressou ao Brasil. Apesar disso, teve aulas com músicos europeus de grande estatura: compositor Charles Koechlin, o regente Charles Münch, e a compositora Nadia Boulanger.
De volta, passou a escrever para Orquestra, produzindo obras admiráveis, que lhe renderam prêmios e outras viagens, não mais para estudar, mas para apresentar-se como compositor consagrado.
Teve seu concerto para violino e orquestra premiado na Filadélfia, e seu 2º Quarteto de Cordas premiado em Washington. Em 1948 inscreveu sua Sinfonia nº 2 um concurso de composição realizado na cidade de Detroit, também nos Estados Unidos da América, e obteve o 2º prêmio. Detalhe: Lorenzo Fernandez e Villa-Lobos, que também participaram da competição, foram eliminados. Guarnieri já estava sem dúvida, entre os grandes compositores do Brasil.
Reputação
A década de 40 foi, portanto, o período de consolidação da reputação internacional do compositor. Além dos prêmios que recebeu, Camargo dirigiu duas obras frente a Orquestra de Boston: a sua Sinfonia nº 1 e a admirável Abertura Concertante.
Polêmica
Apesar desse sucesso internacional, a música de Camargo Guarnieri continuava a ser apresentada quase que só em São Paulo. Só na década de 50 ela passa a ser mais divulgada por todo o país. Talvez o que tenha levado o nome de Guarnieri a todo o país tenha sido a imensa polêmica que ele produziu em 1950, quando publicou uma Carta Aberta aos Músicos do Brasil. Neste documento ele atacava o trabalho do compositor alemão Hans Joachim Koellreutter, que naquela época havia se fixado no Brasil, e encantava toda uma geração de jovens compositores, ensinando a técnica dodecafônica.
Camargo não aceitava essa linha estética e a combateu ferozmente. Infelizmente, por isso, criou uma legião de adversários, que passaram também a atacar sua música. Acredito que não seja o caso de nos estendermos aqui sobre esse assunto, mas não se pode falar sobre a vida de Guarnieri sem pelo menos citar esse momento tão importante.
Passados 50 anos, vemos algo interessante: como alguns desses jovens compositores acabaram por beber nas duas fontes – na fonte de Guarnieri e na de Koellreutter – e como isso foi positivo.
Reconhecimento
Em 1975, já quase septuagenário, Camargo Guarnieri assumiu a direção da recém-criada Orquestra Sinfônica da USP. E foi assistindo os concertos dessa orquestra que muitos jovens dos anos 70 e 80 conheceram a música do velho mestre.
Foi o meu caso. Eu já era estudante universitário de música, ouvia falar de Guarnieri, mas não conhecia nada de sua obra. E foi num concerto da Orquestra da USP que eu ouvi uma obra sua pela 1a. vez – e me encantei. A obra foi uma peça que eu considerei muito original, para a época: seu concerto para orquestra de cordas e percussão.
Guarnieri faleceu em 1992, e deixou uma obra imensa. Óperas, sinfonias, concertos, canções, peças para piano, muita música de câmara. É muita música de imensa inspiração e qualidade, muito pouco divulgada – pelo menos, muito menos divulgada do que certamente merece. Ao amante de boa música é uma verdadeira mina de diamantes a ser garimpada.
Espero que tenha gostado deste post!
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Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!
Saudações Musicais!
Que jóia preciosa nos é ofertada, com essa resenha sobre Camargo Guarnieri. Obrigada, Maestro Galindo!!
Interessante aprender sobre Camargo Guarnieri pelo olhar e conhecimento de um jovem, que foi seu admirador, e que hoje é um dos maiores Maestros do nosso país.
Ele inspirou você, Maestro! E você nos inspira com seu trabalho e conhecimento.
Que beleza…
Sempre claro, didático e acima de tudo, belo.
Obrigado, Mário!
Abraços Musicais!