Guerra-Peixe foi um desses músicos soberbos que transitou por diversos caminhos, como a música de tradição erudita, a popular e a folclórica.
Em cada um desses caminhos Guerra-Peixe aprendeu muito para em seguida contribuir, abrindo novas frentes.
Mas antes de falarmos de suas escolhas estéticas, vamos conhecer um pouco de sua vida.
O aprendizado de Guerra-Peixe
Guerra-Peixe nasceu em março de 1914, em Petrópolis, e nesta cidade começou seus estudos musicais.
Assim que pode, começou a ter aulas no Rio de Janeiro, para onde se mudou definitivamente aos 20 anos de idade.
No Rio de Janeiro Guerra-Peixe ingressou no Instituto Nacional de Música e posteriormente no Conservatório Brasileiro de Música.
Dentre os muitos professores que teve destacou-se a violinista Paulina Dambrósio. Graças a ela, Guerra-Peixe tornou-se um exímio violinista.
Além do estudo formal, ele aprendeu muito tocando em confeitarias, bares e cafés da antiga capital federal.
A destruição das primeiras composições
Durante este período de estudos, Guerra-Peixe compôs muita música de sabor popular, além de peças baseadas na tradição erudita.
Em 1944 Guerra-Peixe tornou-se discípulo do professor Hans Joachim Koellreutter, tendo aulas e militando no Grupo Música Viva.
Feito isso, Guerra-Peixe decidiu destruir tudo o que havia feito até então.
Perderam-se para sempre, dentre outras obras, dois quartetos de cordas, um trio, um quinteto de sopros, e até mesmo uma sinfonia.
Este envolvimento de Guerra-Peixe com a música dodecafônica e atonal, através do contato com o Professor Koellreuter, durou 5 anos, entre 1944 e 1949.
A partir de então Guerra-Peixe deixou-se levar pela grande atração que sentia pela música popular e folclórica.
Guerra-Peixe e a decisão estética.
Muito atraído pelo folclore brasileiro, Guerra-Peixe logo tentou algum tipo de conciliação entre as duas correntes estéticas, mas desistiu da idéia em 1949: abandonou de vez a música dodecafônica para dedicar-se ao estudo do folclore.
Isso pode ser constatado por um fato marcante em sua vida.
Nesta época sua música começava a ser executada na Europa.
A 1º Sinfonia, toda dodecafônica, fora tocada pela orquestra das BBC de Londres, e posteriormente transmitida pela Rádio de Bruxelas.
Em 1948 a Rádio de Zurique levou ao ar seu Noneto. E neste mesmo ano veio um convite que poderia ter mudado totalmente sua carreira.
O grande maestro e professor Hemann Scherchen convidou Guerra-Peixe para ser viver em Zurique e ser seu aluno.
Contudo, ele preferiu ficar no Brasil para estudar a fundo o folclore nacional. Assinou contrato com uma emissora de rádio de Recife, e lá começou um intenso trabalho de pesquisa da música folclórica, visitando as cidades de Olinda, Paulista, Igarassu, Jaboatão, São Lourenço da Mata, Limoeiro, Garanhuns e Caruarú.
O resultado disso foi absolutamente precisoso: dois livros fundamentais para a compreensão da evolução da música brasileira: “Um século de Música no Recife”, de 1952, “Maracatus do Recife”, de 1955.
O folclore de São Paulo
Depois de viver alguns anos em Recife, Guerra-Peixe mudou-se para São Paulo, onde manteve seu interesse pelo folclore.
Continuou suas pesquisas em várias cidades do interior paulista.
Coletou jongos, sambas, cateretês, cururus, danças-de-santa-cruz, folias de reis, congadas e modas de viola em Taubaté, Pindamonhangaba, Tatuí, São José do Rio Pardo e Carapicuíba.
Em 1954 publicou muitos artigos sobre folclore em jornais paulistas, e em 1959 foi nomeado chefe da Comissão Paulista de Folclore.
Há muitas obras maravilhosas de Guerra-Peixe que são fruto desta investigação do folclore somada ao seu talento e metiér.
Eu gostaria de destacar duas, duas suítes sinfônicas: A Suíte Sinfônica no.1, “Paulista”, e a Suíte Sinfônica no. 2 “Nordestina”.
A música para cinema
Nos anos 50 Guerra-Peixe começa também a compor música para o cinema.
Guerra Peixe compôs trilhas para os filmes Terra É sempre Terra , filme de 1951, dirigido por Tom Payne, e O Canto do Mar, de 1953, dirigido por Alberto Cavalcanti.
E vale lembrar aqui que o primeiro emprego de Guerra-Peixe, aos 14 anos de idade, foi justimente o de instrumentista em salas de cinema mudo.
Guerra-Peixe arranjador
Guerra-Peixe também se dedicou à música – o que aliás nunca foi incomum em toda a história da música erudita. Até Beethoven interessou-se pela música popular de seu tempo!
Isso começou no final da década de 40, quando foi contratado como arranjador da Rádio Jornal do Commércio, do Recife.
Era a era de ouro das rádios brasileiras, quando muitas tinhas orquestras e os programas eram feitos ao vivo. Nessa época, a figura do arranjador era fundamental.
Guerra-Peixe também dirigiu uma série chamada “A Grande Música do Brasil”.
Foi uma coleção de quatro LPs, cada um dedicado a um compositor: Noel Rosa, Chico Buarque, Luiz Gonzaga e Tom Jobim. O volume dedicado a Noel Rosa foi um trabalh0 de Radamés Gnattali. Nos demais, as orquestrações foram feitas por Guerra-Peixe.
Guerra-Peixe e a música de câmara
O gênero musical em que o compositor se sentia mais à vontade era sem dúvida a música de câmara.
Um exemplo que eu considero delicioso e mostra o lado bem humorado do compositor é uma peça que se chama “Roda de Amigos” .
O primeiro é o amigo rabugento, representado pelo fagote; em seguida vem o amigo teimoso, simbolizado pela clarineta; o amigo melancólico fica a cargo do oboé, e finalmente temos o amigo travesso, que é a flauta.
Os quatro solistas são acompanhados por um pequeno conjunto de cordas.
Guerra-Peixe, intérprete e professor.
A partir da década de 70, Guerra-Peixe atua em vários pontos do país como regente e recitalista, sempre divulgando obras de compositores brasileiros.
Também leciona muito. Muitos músicos importantíssimos tanto do mundo erudito quanto do popular estudaram com Guerra-Peixe.
A lista é longa e surpreendente: Juca Chaves, Chiquinho de Moraes, Sivuca, Capiba, Baden Powell, Roberto Menescal, Ernani Aguiar, Jorge Antunes, Paulo Moura, entre outros.
Entre 1972 e 1980 Guerra-Peixe foi professor de diversas instituições como o Centro de Estudos Musicais do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade de São paulo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, e na Pró-Arte também do Rio.
Mas não parou de compor. De 1972 é uma de suas obras mais executadas: o Concertino para Violino e Orquestra de Cordas.
Reconhecimento
Guerra-Peixe foi, felizmente, reconhecido e celebrado em vida; ganhou muitos prêmios, mas o mais tocante talvez seja o de “Maior Compositor Brasileiro Vivo”, recebido em novembro de 1993, dias antes de falecer.
Mais do que um grande compositor, Guerra-Peixe foi um músico que escolheu ficar no Brasil e fazer algo pela nossa vida musical.
Pois fez muitíssimo!
Sua obra é uma riquíssima fonte de estudo para músicos e pesquisadores de diversas àreas.
Para saber mais, minha dica é esta aqui em baixo: basta clicar na foto!
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Saudações Musicais do maestro Galindo!
Anecdota; O meu primeiro contato com a música de Guerra-Peixe foi na toque de um bis no concerto dos Trondheim Soloists na Sala São Paulo alguns anos atrás. Eles tocaram o Mourão, completo com um pulo de pé estrondoso no meio da peça. A plateia não se conteve e deu um aplauso ruidoso e ainda mais no final para agradecer a honra prestada a um compositor Brasileiro.
Que legal, Wayne!
O Mourão é mesmo um grande sucesso!
Conhece o “Ponteado”, para orquestra?
Se gostou do Mourão, vai gostar do Ponteado!
https://www.youtube.com/watch?v=0-ek9x6lfN0
Um abraço!
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