Muita gente estranha este nome, afinal, a palavra grosso em português tem uma certa conotação negativa. Alguém grosso é alguém sem educação….mas em italiano, esse sentido não existe. Em italiano a palavra grosso quer dizer simplesmente “grande”. Portanto concerto grosso é um concerto grande.
Elucidado o nome, a estranheza continua. Já fui procurado por pessoas que me perguntaram: maestro, fui a um espetáculo musical onde tocaram um concerto grosso. De grande ele não tinha nada havia: só 12 pessoas no palco e a música não durou mais que 15 minutos.
Pois é, para nos, acostumados com orquestras de 90, 100 musicos, e concertos que duram mais de 40 minutos, o nome grosso ou grande não parece adequado nesse caso.
Porém, tudo fica mais fácil de entender se tentarmos nos transportar para o século XVII, época em que o concerto grosso foi criado.
Em primeiro lugar, naquela época, um grupo de 12 , 15 musicos não era considerado pequeno. Não havia ainda espetáculos públicos de música instrumental, e na maioria das vezes esses concertos eram tocados em salas de palácios pertencentes a membros da nobreza. As orquestras sinfônicas ainda iriam surgir e se desenvolver .
Em segundo lugar, o nome concerto grosso está relacionado com a principal característica desse tipo de musica, que é a alternância entre dois grupos instrumentais, um maior e um menor. O compositor escrevia a música como se esses dois grupos estivessem dialogando.
Esse diálogo é muito mais fácil de ser percebido ao vivo que em uma gravação, mas mesmo assim, vamos a um exemplo, o Concerto Grosso opus 8 no. 4 de Arcangelo Corelli.
Vários compositores escreveram musica dividindo o conjunto musical em dois grupos e os fazendo dialogar. É o caso dos italianos Giovanni Gabrieli e Alessandro Stradella. Mas o primeiro grande compositor associado ao gênero concerto grosso, e um dos primeiros a usar este título foi Corelli.
Ele nasceu em Ravena, em 1653 e faleceu em Roma em 1713. Viveu por algum tempo na Alemanha, e foi uma das mais importantes personalidades da musica européia em sua época. Foi grande violinista e professor. Como compositor dedicou-se quase que exclusivamente ao seu instrumento, o violino, e aos demais instrumentos de arco. Sua obra é pequena, mas tudo é de um finíssimo artesanato.
Corelli também foi um importante professor, e dentre seus alunos alguns se destacarm como grandes violinistas e compositores. É o caso de Pietro Locatelli, e Francesco Geminiani. Esses e outros compositores da época viram no Concerto Grosso de Corelli um fabuloso modelo a ser seguido. Por volta de 1700, quando houve na Europa uma explosão na impressão e venda de partituras, as obras de Corelli foram impressas e reimpressas numa quantidade que só seria suplantada pelas obras de Haydn, décadas mais tarde. Por exemplo, o opus 1 de Corelli, uma coleção de sonatas, teve 35 edições entre 1681 e 1785. Isso sem contar coletâneas, e arranjos variados.
Vamos ouvir um concerto grosso de um de seus seguidores, seu aluno Francesco Geminiani, compositor que nasceu em Lucca em 1687 e faleceu em Dublin, em 1762.
Como já vimos, uma das características do Concerto Grosso era a alternância entre dois grupos musicais distintitos, um pequeno e um maior.
O grupo pequeno era em geral formado por 3 músicos apenas: 2 violinistas e 1 violoncelista, apoiado por um cravo quando necessário. E o grupo maior era em geral uma seção de cordas, sem um número necessariamente definido, e que podia ser por exemplo de três 1ºs violinos, três 2ºs violinos,duas violas, um violoncelo, um contrabaixo e um cravo. Podia ser até maior, desde que essa proporção entre os naipes fosse mantida. Ao grupo pequeno dava-se o nome de concertino – eles eram os concertistas, os solistas da obra. E ao grupo maior dava-se o nome de ripieno, que pode ser traduzido por repleto, cheio.
Com disseminacão das partituras de Corelli pela Europa, não tardou para que outros compositores começassem a modificar a estrutura básica do Concerto Grosso. E se há alguém que fez isso com maestria foi Georg Friedrich Händel.
O opus 3 nº 4 de Händel é um concerto grosso. Foi esse o título que ele deu à obra. Mas já estamos distantes de Corelli. Primeiramente Händel não se restringiu somente aos instrumentos de cordas. Acrescentou ao concertino dois oboés. Só isso já nos apresenta uma cor completamente diferente. Além disso , Händel abre a obra com uma típica abertura em estilo francês, coisa que Corelli provavelmente nunca imaginou.
Mas a marca principal do concerto grosso está lá: a alternância entre o concertino e o ripeno, e a estruturação em movimentos contrastantes.
Corelli definiu o gênero; muitos outros compositores, como Geminiani, seguiram esse modelo, ou o imitaram, no melhor sentido da palavra. Com Handel, esse modelo definido por Corelli foi levado adiante, com a introdução de novidades. Neste caminho que levou ao desenvolvimento do Concerto Grosso, se falamos de Händel, não podemos deixar de falar em J. S. Bach
Bach foi ainda mais adiante. Ele não verdade não escreveu nenhuma obra com o título de concerto grosso. Mas muita gente está de acordo que os seus Concertos de Brandemburgo são de fato “concerti grossi” levados à mais alta elaboracão.
Essas 6 obras foram dedicadas a Christian Ludwig, Margrave de Brandemburgo, que corresponderia hoje ao governador da região de Brandemburgo. Por isso eles têm esse apelido.
Mas o título que o próprio Bach deu a eles foi “Concert avec plusiers instruments”, ou Concerto com Muitos Intrumentos. E essa é efetivamente uma característica marcante da coleção.
Cada um dos 6 concertos possui uma diferente combinação instrumental; alguns são verdadeiros concerti grossi, outros se afastam do padrão original.
É bastante difícil dizer qual é o mais belo, ou mais criativo. São 6 obras primas que coroam o gênero inaugurado por Corelli.
E nos causa ainda mais surpresa saber que não há uma grande distância de tempo entre eles. Corelli escreveu seus primeiros concerti grossi por volta de 1712 e Bach completou sua coleção dos concertos de Brandemburgo não mais que dez anos depois.
Com o final do barroco, o concerto grosso vai caindo em desuso. No classicismo, ninguém mais usava a expressão concerto grosso; o cravo vai sendo aos poucos deixado de lado, e o concerto para um único solista e orquestra toma seu lugar. Mas dentre as obras deixadas por Corelli e seus seguidores italianos, e pelos alemães Händel e Bach, há verdadeiras preciosidades que merecem ser conhecidas.
Sou grato pela atencão e até nossa proxima postagem!
Muito interessante e esclarecedor!
Ótimo artigo, Maestro!
Como uma invenção vai se transformando! E surgem novos criadores que trazem melhoramentos que chegam a criar um novo tipo!
E obrigada por ter colocado os nomes dos grupos que interpretam as obras que ilustram seu artigo.
Com isso, caso gostemos em especial de algum deles, podemos procurar outras execuções do mesmo grupo.
Que sua páginas seja coroada com cada vez maior sucesso!
Obrigado Cris!
Olhe, quando eu não ponho os nomes dos executantes, é porque lá no Youtube eles não constam. E às vezes é uma interpretação tão especialmente boa, que eu acho uma pena não colocar aqui.
Venha sempre, é muito bom trocar idéias com vc!
Um abraço grande!
Encantada com a didática. Mesmo quem não entende nada de música aprende aqui. Sua forma de explicar e exemplificar é perfeita! Parabéns maestro!!!
Obrigado Elena.
A idéia é essa mesma, usar uma linguagem simples para a ajudar a todos a descobrir mais e mais desse tesouro que é a música!
Um abraço do maestro!
Excelente conteúdo!! Bravo!
Parabéns, maestro Galindo, pela didática acessível e pelas excelentes recomendações! Certeza que aprenderei muito por aqui com tanto conhecimento disponível.
Obrigado por nos proporcionar excelente conteúdo na sua página!
Abração!
Obrigado Diogo! Apareça sempre!
Perfeito, aprendi muito. Irei tocar um Concerto Grosso em breve, composto por Vaughan Willians.