A Espanha sempre fascinou os compositores franceses. Ravel, Debussy, Lalo, Chabrier, Bizet, escreveram obras de grande beleza inspiradas na música daquele país. E o mesmo aconteceu com compositores de outros países, como os russos Glinka e Rimsky-Korsakov. Contudo, os compositores espanhóis continuam bem pouco conhecidos do público amante de música de concerto.
Assim, nossa postagem de hoje será dedicada a alguns deles, e eu tenho certeza de que quem não conhece vai se encantar com esse repertório de forte personalidade.
Eu não sei se vocês já notaram, mas quando se fala em música clássica, vem imediatamente à cabeça de todo mundo uma série de compositores de cultura germânica, alemães ou austríacos: Bach, Händel, Mozart, Haydn, Beethoven, Brahms, Wagner. E sobra apenas um pouco de espaço para alguns compositores de outros países, como os russos Tchaikovsky ou Rachmaninof, ou os franceses Berlioz ou Ravel.
História
No século XIX, os compositores alemães exerciam um verdadeiro domínio sobre a cultura musical de vários países, e esse foi um dos motivos do surgimento das escolas nacionalistas. É como se a música alemã estivesse no centro, e a música dos outros países estivesse na periferia. Pois bem, neste cenário a música espanhola parece estar na periferia da periferia, o que é absolutamente injusto.
Enquanto alguns países só floresceram musicalmente na segunda metade do século XIX, na onda do movimento nacionalista, a Espanha registrava um riquíssimo passado musical desde a idade média.
Após a queda do império romano, a península ibérica foi invadida pelos Visigodos. Convertidos ao Cristianismo, os visigodos desenvolveram um extenso repertório de cantos religiosos. Mais tarde, sob domínio árabe, os cristãos continuaram seus ritos com melodias fortemente influenciadas pela música dos invasores, e desenvolveram mais uma vez um estilo próprio, distinto do canto gregoriano: o canto moçárabe.
Ao chegar à renascença, duas principais formas musicais se definiram na Espanha: o Romance e o Vilancico. O romance era uma canção em geral de caráter narrativo, com texto literário, comumente cantado nas cortes, por coros ou por um cantor solista acompanhado por alaúde.
O Vilancico também era feito sobre textos seculares, ou seja, não religiosos, mas tinha como forma definida a alternância entre estrofe e refrão. Além disso, era ligado à dança e a temas populares. Com o passar do tempo, o Vilancico passou a ser feito também sobre temas religiosos. Ou seja, até meados do século XV, a palavra Vilancico designava qualquer música vocal que não fosse um Romance.
Juan de Encina
Dentre os compositores renascentistas espanhóis, pelo menos dois não podem deixar de ser citados: Juan de Encina e Tomás Luís de Victoria.
Encina, além de músico, foi poeta e dramaturgo. Destaca-se entre os compositores europeus de seu tempo por sua capacidade de equilibrar ritmo e expressividade. Aí já vemos a presença deste que é o mais forte traço da música ibérica: o ritmo.
Encina trabalhou na Corte do Duque de Alva, onde, a fim de entreter os membros da corte, apresentava com poemas, canções de amor e pequenas peças nas quais introduzia peças a 3 ou 4 vozes.
Tomás Luís de Victoria
O outro grande artista da música renascentista espanhola foi Tomás Luís de Vitória, que viveu entre 1548 e 1611. Victória se distingue de Encina por ter sido padre e por ter composto exclusivamente música sacra em estilo italiano. Victoria viveu em Roma por 25 anos, voltando `a Espanha com 32 anos de idade. Sua música é comparada à de Palestrina, ao lado de quem é tido como o maior compositor de música religiosa da Renascença. Seu estilo é profundamente religioso, estabelecendo forte ligação emocional e dramática com o texto.
Zarzuela
A Espanha também teve seu barroco, embora seus principais compositores sejam ignorados por nós. Na música para cravo destacaram-se os compositores Juan Batista Gomes, Juan Pujol, Juan Cabanilles e principalmente Francisco Correa de Arauxo.
O barroco foi marcado pelo nascimento da ópera, na Itália. Imediatamente a França seguiu a tendência, criando um tipo de ópera em estilo muito próprio. E o mesmo se deu na Espanha. Um dos maiores dramaturgos espanhóis, Calderón de la Barca, criaria em 1657 um gênero dramático-musical tipicamente espanhol: a Zarzuela. Em geral em um ou dois atos, a Zarzuela do século XVII tinha tema mitológico, com muitos coros e canções alternados por trechos falados.
Após Calderón, muitos outros dramaturgos e compositores escreveram Zarzuelas. A Zarzuela prosperou na Espanha por muitas décadas, porém nunca se impôs como um estilo internacional. E a partir de 1725, passaria a ceder espaço para a ópera italiana, que se tornava um sucesso irresistível em toda a Europa.
Juan Crisóstomo Arriaga
Então, até o início do século XIX a Espanha produziria um imenso número de compositores, fossem de zarzuelas, de canções ou de música para guitarra, que faziam sucesso dentro do país, mas não conquistavam projeção internacional. A primeira esperança nesse sentido veio com Juan Crisóstomo Arriaga, nascido em Bilbao em 1806. Arriaga foi logo apelidado de o Mozart espanhol, por seu excepcional talento demonstrado desde muito cedo.
Bem jovem ele foi para a França, a fim de estudar no Conservatório de Paris. Aos 19 anos já havia composto uma ópera, uma sinfonia, um octeto, um noneto, uma missa, um Stabat Mater, um Salve Regina, 5 cantatas, inúmeras canções, e estudos para piano. Infelizmente com essa mesma idade ele viria a falecer, causando uma imensa frustração em todos que previam para ele uma brilhante carreira internacional. Sua música é de grande refinamento e beleza.
Felipe Pedrell
Morto Arriaga em 1826, o domínio musical italiano continuava. E a reviravolta que resultaria no nascimento de uma magnífica escola de composição nacional começou com um homem chamado Felipe Pedrell, que viveu entre 1841 e 1822.
Pedrell, além de compositor de grande mérito, foi musicólogo, escritor e editor responsável por iniciativas da maior importância. Editou as obras completas de Victoria, um dicionário de músicos espanhóis, portugueses e latino-americanos, e é considerado o criador da moderna musicologia espanhola. E além de tudo isso, foi professor de três dos mais importantes compositores espanhóis nascidos na segunda metade do século XIX: Isaac Albéniz, Enrique Granados e Manuel de Falla.
Isaac Albéniz viveu entre 1860 e 1909. Foi menino-prodígio ao piano, e estudou com Franz Liszt na Alemanha. Sua importância como compositor foi tão grande que exerceu forte influência sobre ninguém menos que Debussy e Ravel. De sua obra destacam-se um concerto para piano, um oratório chamado El Cristo, uma ópera notável, Pepita Jimenez, e um grande número de obras para piano solo. Destas, destaca-se sua suíte espanhola, opus 47.
Enrique Granados
Enrique Granados foi contemporâneo de Albéniz: viveu entre 1867 e 1916. Estudou música em Paris, e além de compositor e pianista, foi um talentoso pintor, de estilo semelhante ao de Francisco Goya.
Como Albéniz, Granados compôs muito para o piano, mas tinha um estilo mais lírico, enquanto o de Albéniz era mais enérgico. Granados destacou-se como compositor orquestral. Seus poemas sinfônicos Divina Commedia e La nit del mort, foram pioneiros no sinfonismo espanhol. Também escreveu Zarzuelas.
Admirador que era do pintor Goya, Granados escreveu uma suíte para piano inspirada neste grande artista.
Manuel de Falla
O terceiro aluno destacado de Felipe Pedrell foi Manuel de Falla. Mais jovem que Albéniz e Granados, viveu entre 1876 e 1946. Como eles, foi excelente pianista. Com 31 anos de Falla foi para Paris, onde tornou-se amigo dos compositores Claude Debusy e Paul Dukas, e de inúmeros intelectuais e artistas da época. Seria o compositor de sua geração que mais contribuiria para projetar internacionalmente a música de seu país. Procurou criar música moderna, do mais alto valor artístico, baseada no folclore de seu país, mas sempre esteve aberto à influência francesa.
De sua obra destacam-se a ópera La Vida Breve, a ópera de bonecos O Retábulo de Mestre Pedro, os Balés El Amor Brujo, e El Sombrero de Três picos”, a Cantata cênica Atlântida. Entre as obras puramente instrumentais destaca-se Noites nos Jardins de Espanha, para piano e Orquestra.
Quanto mais a gente conhece esse repertório, menos entende porque muita gente tem a percepção de que a música espanhola ocupa um papel periférico na música erudita europeia. É uma música, aliás, muito próxima do nosso gosto brasileiro, pois afinal, muitas de nossas raízes são ibéricas.
Espero que tenha gostado deste post.
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Saudações Musicais!
Só conhecia esses três últimos, Albeniz, Granados e de Falla, muito através da grande pianista espanhola Alicia de Larrocha. Não conhecia nada dos períodos anteriores. O compositor espanhol, entretanto, que mais admiro é Joaquín Rodrigo. Grato, maestro.
Faço minhas as palavras do Osmar Zambelli. Acrescento que gostei muito de conhecer os anteriores. Sempre me surpreendendo agradavelmente com seus ensinamentos. Obrigada maestro.
Muito instrutivo, maestro. Obrigado.
O texto peca ao não destacar o clássico espanhol para guitarra. Onde indubitavelmente os espanhóis são ícones. Compositores como Fernando Sor, Francisco Tarrega, Frederico Torroba, Albeniz, Joaquim Rodrigo…… deixaram obras para violão magnificas. A alma da Espanha esta no classico para guitarra.
Olá Geraldo.
Este será tema de uma postagem específica!
Abraços do Maestro!