Escolhi esse assunto porque não é pequeno o número de pessoas que me perguntam a respeito, curiosos por saber qual é a ligação entre esses instrumentos. Muita gente acha que o violino e a viola moderna evoluíram a partir das violas de gamba, ou seja, que seriam gambas melhoradas, coisa que está absolutamente longe da verdade.
O fato é que a viola da gamba e a viola moderna são instrumentos de famílias distintas, com características básicas muito diferentes. Desde o século XVI essas duas famílias instrumentais estavam em pleno uso, mas em situações muito diversas. Imagino que pouca gente saiba que naquela época o violino era considerado um instrumento rústico, usado apenas em música improvisada para dança, e não em obras mais sérias; enquanto as violas da gamba eram usadas nas cortes e nas casas de famílias ricas, e contava um repertório importante.
Família
E o mais interessante é que algum tempo depois esses papéis se inverteram: as violas de gamba caíram em total esquecimento, sendo substituídas pelo violino e demais membros de sua família, a viola e o violoncelo.
O que conhecemos hoje por viola da gamba é um dos membros de uma família que possuía instrumentos de vários tamanhos: uma muito pequena, que se chamava pardessus de viola; uma pequena, a viola da gamba soprano; daí em diante, em tamanhos cada vez maiores, existiram as violas contralto, tenor pequena, tenor, baixo e contrabaixo, também chamada violone. As mais usadas eram as violas soprano, tenor e baixo.
Viola da gamba quer dizer viola de perna, e essa expressão as diferenciava de uma outra família de instrumentos de cordas; as violas da braccio, ou seja, violas de braço, das quais o violino é o membro mais conhecido.
Como sempre acontece na terminologia musical, aqui existe uma grande confusão. O violoncelo é tocado entre as pernas, mas faz parte das famílias das violas da braccio. E a pardessu de viola, ou seja, a viola de gamba super aguda, por ser pequenina era tocada apoiada no ombro, como o violino. O que diferencia as duas famílias não é, portanto, a maneira de tocar, mas o modo como os instrumentos são construídos.
Marin Marais
Marin Marais foi exímio gambista e compositor francês que viveu em Paris entre 1656 e 1728. Além de óperas notáveis, Marais compôs mais de 550 obras para vilas de gamba.
As peças acima fazem parte de sua suíte nº 4 para viola da gamba tenor e cravo. Vamos comparar esse som da viola da gamba tenor com a viola soprano, a dessus de viole. Nesta obra também de Marain Marais, a dessus de viole está acompanhada por uma flauta doce e um cravo.
Origem
Uma característica interessante sobre as violas da gamba é que elas provavelmente surgiram a partir da mistura de elementos de dois instrumentos muito distintos: a rebeca, instrumento de arco medieval e a vihuel espanhola, instrumento espanhol de cordas dedilhadas.
Nas partituras francesas antigas para violas de gamba conservadas em museus, há anotações de dedilhados iguais aos do alaúde. E se eu escolhi até aqui dois exemplos do repertório francês, isso não foi à toa. Na França as possibilidades da gamba como instrumento solista foram exploradas ao máximo, e além de Marin Marais, outros gambistas ficaram para a história, como Antoine e Jean-Baptiste Forqueray e Saint-Colombe, professor de Marais.
Henry Purcell
Fora da França as violas da Gamba foram tratadas de maneira distinta, mas não menos interessante. De todos os outros países europeus além da França, a Inglaterra foi o que cultivou e criou um repertório as violas de gamba do mais alto nível.
Tudo parece ter começado em 1540, quando o rei Henrique VIII contratou um grupo de violistas italianos e os instalou em sua corte. Esse início abriu caminho para um grande repertório de obras para conjuntos de violas, chamados de consorte – uma derivação da palavra italiana concerto. Os maiores compositores ingleses dos séculos XVI e XVII escreveram obras para consorts de violas, entre eles William Byrd, John Jenkins, William Lawes e acima de todos, Henry Purcell.
Purcell compôs dezenas de obras neste gênero, algumas de excepcional riqueza harmônica. Esse gosto pelo conjunto – ou consort- de violas era tipicamente inglês, bem diferente do tratamento solístico que os franceses deram ao instrumento.
Diferenças
Eu disse agora há pouco que as expressões “viola da gamba” e “viola da braccio” eram imprecisas e não revelavam as principais diferenças entre os instrumentos. Essas diferenças se revelavam obviamente em sonoridades muito diferentes, e o que motivava essa diferença era a maneira como cada instrumento era construído.
As violas da gamba são mais leves que as violas da braccio, um fundo de madeira plana, enquanto as da braccio tinham um fundo abaulado. Eram mais largas e usavam trastes como violões. E sobretudo os arcos das violas da gamba eram construídos e tocadas de maneira muito diferente.
As violas da gamba possuíam um som mais delicado, mais introvertido e mais uniforme que o som das violas da braccio. Então à medida que a música ia deixando de ser feita apenas em salas pequenas ou de grande reverberação, como eram as salas dos palácios aristocráticos europeus, e passou a ser tocada em salas maiores, para públicos maiores, o som das violas da gamba se revelou insuficiente. E assim as sonoridades mais potentes do violino, viola e violoncelo acabaram por substituir os sons delicados das gambas.
Acima pudemos ouvir a sonoridade da viola da braccio, no belíssimo concerto em sol maior de Georg Phillip Telemann, com o conjunto de Música Antiga da Cidade de Colônia, Alemanha, um dos mais respeitados grupos que procura reviver as sonoridades de época. O solista será Florian Deuter, tocando em uma viola construída no ano de 1650.
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