Inspiração em Rossini

No mundo da música de concerto sempre foi muito comum um compositor escrever obras a partir de melodias ou temas de outro compositor. Às vezes, quem não está habituado, até chega a pensar em plágio. Mas não é nada disso. No plágio, um músico está fazendo uma falsificação, normalmente com a intenção de ganhar dinheiro com isso.

Nos casos a que eu estou me referindo, o compositor está externando sua admiração pelo outro, e até mesmo fazendo-lhe uma homenagem. Vamos ver algumas obras inspiradas num dos mais admirados e populares compositores europeus de todos os tempos: Gioacchino Rossini.

Fama

Rossini foi um fenômeno, um furacão musical que varreu a Europa e deixou sua marca para sempre. Seu primeiro sucesso foi a ópera Tancredi, estreada em 1813. Algumas de suas melodias se tornaram tão populares que passaram a ser cantadas pelos italianos em toda a parte, até nas ruas.

Rossini era um jovem de 21 anos. E com apenas 37 anos de idade, rico e internacionalmente famoso, Rossini pode se dar ao luxo de terminar sua carreira de compositor de óperas. Mas suas melodias estão até hoje na mente de milhares de pessoas, tornando-se inesquecíveis.

Niccolò Paganini

Essas melodias inspiraram muitos outros compositores, entre eles seu conterrâneo e contemporâneo Niccolò Paganini. Paganini escreveu várias obras a partir de melodias de Rossini, e a mais conhecida talvez sejam as variações sobre Dal tuo stellato soglio, da ópera Moisés no Egito.

Eis a melodia, como aparece na ópera.

Dal tuo stellato soglio – Rossini 

E agora, as variações de Paganini.

Paganini – Introduction and Variations on “Dal tuo stellato soglio” from Rossini’s Moses in Egypt

E quero aproveitar para destacar alguns dos efeitos especiais que Paganini extrai do violino nessa peça.

Primeiro, os sons “harmônicos”, um efeito produzido quando os dedos da mão esquerda não pressionam a corda, mas apenas tocam-na com muita leveza. O resultado é semelhante a um assobio.

E o efeito produzido quando se toca com o arco em cima do cavalete – aquela pecinha que sustenta a corda. Em italiano se diz “ponticello”. Esses efeitos, muito conhecidos hoje, eram novidade na época de Paganini, e ajudaram a fazer sua fama.

Bohuslav Martinu

Continuemos com Rossini por outros compositores; agora temos um que não foi nem seu conterrâneo, nem seu contemporâneo. Trata-se do checo Bohuslav Martinu, que nasceu em 1890, cerca de 100 anos após Rossini e Paganini.

Martinu foi certamente um dos maiores compositores checos de todos os tempos; e veremos dele as Variações sobre um Tema de Rossini, opus 290, para violoncelo e piano.

A obra é curiosa porque Martinu se baseia nas variações de Paganini citadas acima, mas em vez de usar como tema a melodia original de Rossini, usa a 1ª variação de Paganini.

Bohuslav Martinů – Variations On A Theme of Rossini, H. 290, from SMALL STORMS

Vemos então como um compositor inspira um outro, como uma obra deriva de outra. A melodia original de Rossini motivou Paganini a escrever uma obra, que por sua vez inspirou Martinu a escrever outra.

Benjamin Britten

Mas vamos em frente, ficando no século XX, com o compositor britânico Benjamin Britten. Britten foi um jovem muito precoce e determinado.

Conta-se que quando ele tinha apenas 17 anos, lhe perguntaram qual seria sua profissão, ao que ele respondeu: vou ser compositor. Então seu interlocutor insistiu: sim, mas para ganhar dinheiro você vai fazer o quê?”

A pergunta tinha razão de ser; o compositor norte-americano Charles Ives era vendedor de seguros; Borodin era químico; Tchaikovsky era funcionário público; muitos, como Mahler, eram regentes, outros, como Cherubini e Chopin, professores.

Nunca foi fácil ganhar a vida apenas como compositor. Mas era isso o que Britten estava determinado a fazer; e foi atrás do seu sonho.

Assim, um de seus primeiros empregos consistiu em fazer trilhas sonoras para pequenos filmes. Então, em 1936 foi-lhe encomendado compor a trilha de um documentário chamado “Homens dos Alpes”. Para ele, Britten decidiu orquestrar algumas peças de Rossini.

March

Primeiro, uma marcha que faz parte da ópera Guilherme Tell. Ela está no 3º ato, e tem o título original em francês “Pas de Soldats”.

Guillaume Tell, Act III: Pas de Soldats (Orchestre)

Agora a reorquestração feita por Britten. Chamo a atenção para a imensa diferença entre uma formação orquestral típica do início do século XIX, e outra mais de cem anos à frente: são sonoridades bem distintas.

Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 1. March

Canzonetta

Veremos a peça que Britten chamou de Canzonetta; no original de Rossini ela é uma canção chamada La Promessa. Essa canção não faz parte de nenhuma ópera, mas de uma coleção chamada “Soirées Musicales”.

Rossini: Soirées musicales – 1. La promessa
Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 2. Canzonetta

Podem pensar: mas maestro, era a mesma música? Era, caro leitor, e o fato da versão de Britten ser bem mais lenta que a de Rossini faz com que a gente até tenha a impressão de que são peças diferentes.

Na verdade, Britten não faz a música ficar mais lenta, apenas; ele modifica o ritmo radicalmente, criando um ambiente completamente distinto do da peça original. Os momentos dramáticos do original de Rossini desaparecem, dando lugar a um espírito totalmente contemplativo.

Tirolesa

Outra canção de Rossini, da mesma coleção “Soirées Musicales”, chamada “Pastorella dell’Alpi”, ou em português, a Pastorinha dos Alpes.

Aqui Britten não nos surpreende, como no caso anterior; ele mantém o delicioso caráter de dança popular da canção original. É um show de orquestração, com os mais variados efeitos orquestrais muito bem explorados.

Rossini:: La Pastorella Delle Alpi
Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 3. Tirolese

Bolero

E da mesma coleção “Soirés Musicales” a canção L’invito – O Convite”, em português.

Rossini: L’Invito

Não sei se você vai concordar, mas Britten achou que se tratava de um Bolero, e foi esse o nome que ele deu à sua versão orquestral, há até castanholas….

Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 4. Bolero

Seria originalmente um bolero? Ou essa “bolerização” foi uma licença poética do compositor? Fica a questão pra gente pensar…

Tarantella

Vamos à última dobradinha Rossini – Britten; e mais uma vez o compositor britânico brinca com os ritmos.

Ele partiu de uma peça de caráter religioso: La Carità, para coro e piano, e não teve nenhum pudor em transformá-la em uma autêntica…. Tarantella!

“La Carita” by Gioachino Rossini
Britten: Soirées musicales, Op. 9 – 5. Tarantella

Aqui a diferença de caráter entre as duas obras é tamanha que não seria exagero dizer que a peça de Britten não é apenas uma orquestração da de Rossini, mas sim uma autêntica variação daquela.

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Saudações Musicais!

Evolução Instrumental

Jan Brueghel I & Peter Paul Rubens – Hearing 

Hoje vamos falar um pouco sobre a evolução instrumental na música ocidental. Não é um assunto simples. Antes de se definirem instrumentos com os quais estamos habituados – como violinos, oboés, flautas transversais, trombones – centenas de outros nasceram, se desenvolveram e foram abandonados.

É assunto para um curso universitário. Ao mesmo tempo que é complexo, é fascinante. Vamos então hoje, saber um pouco a respeito.

Sabemos que na evolução da música europeia, a música vocal foi aquela que se desenvolveu primeiro. Havia instrumentos, é claro, mas a maior parte deles era bastante limitada, assim como era também limitada a técnica dos instrumentistas.

Com isso eu quero dizer que eles produziam poucas notas, e apresentavam muitas limitações em relação à intensidade sonora, afinação, timbres, etc.

Assim, esses instrumentos serviam principalmente para acompanhar cantos e danças populares. Aos poucos foram evoluindo, até que passaram a ser usados para acompanhar obras vocais mais sérias.

À medida que evoluíam, passaram a ser utilizados autonomamente, em danças de corte, e finalmente chegaram a ser usados na execução de obras totalmente instrumentais para serem ouvidas, e não dançadas.

Polorum Regina

Vamos acompanhar essa evolução instrumental, e começamos com uma antiga canção popular espanhola, uma melodia bonita porém simples, que é repetida várias vezes. Notem como nela os instrumentos têm um papel muito discreto, apenas de apoio. Temos um instrumento de sopro e um de corda que fazem uma única nota longa, um outro que toca a melodia, para auxiliar canto; e fora isso, temos alguma percussão pontuando aqui e ali.

Polorum Regina

Duzentos anos mais tarde, no século XVI, muitos instrumentos já haviam evoluído consideravelmente.

Passaram então a ter um papel bem mais importante, acompanhando obras vocais mais sofisticadas – às vezes quase que roubando a cena e ofuscando as vozes.

Wer daz Elend bauen wil

Vamos ouvir um exemplo, Wer daz Elend bauen wil – “Onde a pobreza construirá” – uma antiga canção do século XVI, entoada pelos peregrinos de Santiago de Compostela, de autoria do compositor Jobst vom Brandt.

Wer daz elend bauen wil (I)

Aqui temos um uso bem mais sofisticado dos instrumentos. Como eu disse agora há pouco, nesse exemplo eles quase roubam a cena, atraindo para si muito do interesse do ouvinte.

Havia, portanto, uma evolução instrumental paralela à música vocal. E essa evolução se deveu muito à dança. Se a música vocal evoluiu no ambiente religioso, foi no ambiente das cortes, graças a dança, que a música instrumental pode se desenvolver.

Naquela época a educação dos jovens de famílias poderosas não tinha muito a ver com os livros. Poucos sabiam ler ou escrever. Num mundo onde a ameaça de guerra era constante, o jovem aprendia a cavalgar, a esgrimar, a fazer suas próprias armas; mas também se preparava para os tempos de paz, aprendendo a cantar, tocar um instrumento e dançar.

Nesse mundo em que não havia televisão, internet, e mesmo um livro era algo raro, as festas e os bailes eram duas das poucas atividades de lazer possíveis. E aliás, nem eram puro lazer: nos bailes os nobres faziam alianças, e isso incluía até mesmo arranjar casamentos para seus herdeiros. A importância da dança era então muito maior do que imaginamos.

Orchesographie

Orchesographie

Tudo isso está registrado num documento histórico essencial para entendermos a evolução instrumental da música europeia. É um livro chamado Orchesographie, de 1589, escrito por um padre francês chamado Jean Tabourot. O livro contém alguns muitos trechos de partituras musicais da época, mas sobretudo é um tratado de dança. Por meio desse livro, os jovens cortesãos aprenderam a dançar.

Peter Warlock, um compositor inglês que viveu entre 1894 e 1930, fez uma suíte para cordas baseada em algumas danças do livro de Tabourot.

[NYCP] Warlock – Capriol Suite

Warlock, porém, escreveu-as para uma orquestra de cordas moderna. Ouvimos, portanto, uma sonoridade muito diferente da que se ouvia séculos atrás.

Ballet Des Coqs

Como será então que soavam essas danças quando tocadas à época?

Para termos uma ideia, devemos recorrer a um dos grupos que pesquisam seriamente os instrumentos de cada século. É isso que faremos em seguida. Vamos constatar a diferença ouvindo o conjunto sueco Westra Aros Pijpare.

Ballet – Michael Praetorius – Westra Aros Pijpare

Essa foi a peça Ballet Des Coqs, ou balé dos galos, executada pelo conjunto sueco Westra Aros Pijpare, com instrumentos típicos do século XVI: além dos violinos e violoncelos de época – bem diferentes dos de hoje – eles tocam o violone, que é uma viola da gamba grave, a viola da gamba tenor, não tão grave, o alaúde, a teorba , que é um alaúde grave, uma pequena harpa, muito menor que a moderna, um cornetto, flautas doces e transversais, crumhorns – que são instrumentos de sopro ancestrais do fagote – sacabuchas – ancestrais dos trombones – e um grande número de instrumentos de percussão.

Uma coisa muito interessante é que naquela época, ao contrário de hoje, o compositor escrevia apenas as notas musicais, sem dizer quais instrumentos deveriam tocá-las. Cabia aos próprios músicos decidir quais instrumentos utilizar e quando.

A produção de música para as festas e bailes em castelos e palácios era, portanto, muito grande naquele tempo. Em muitas cortes havia compositores residentes que se dedicavam a escrever essas danças, e muitas dessas partituras circulavam pela Europa.

Haveria de chegar um momento em que alguém faria um trabalho decisivo para o desenvolvimento da música instrumental da época; alguém que faria um registro global, um grande volume com todas essas partituras. Esse alguém foi um músico chamado Michael Praetorius.

Terpsichore

Praetorius, além de compositor, foi um prolífico teórico, que escreveu vários volumes abordando diferentes aspectos da música de seu tempo; comentários sobre a música religiosa, um extenso tratado sobre os instrumentos musicais, com muitas ilustrações, e uma coletânea de 312 danças francesas em voga. Esse livro ganhou o nome de Terpsichore, palavra que vem do grego e significa divertir-se com as danças.

O Terpsichore é uma das maiores fontes de estudo para compreendermos a música de dança daquele tempo. Foi tocando esse tipo de música que os instrumentos musicais foram se desenvolvendo, bem como sua técnica.

Quando ouvimos uma obra para orquestra de J. S. Bach, como uma de suas suítes ou um de seus magníficos concertos de Brandemburgo, podemos pensar: mas de onde veio essa música, essa sonoridade orquestral; quais foram as bases de Bach?

Pois uma boa parte dessa base ficou registrada por Praetorius em seu Terpsichore. Além de documento histórico, as partituras contidas nesta obra vão muito além da importância histórica e dão até hoje prazer aos ouvintes.

Praetorius – Ballet du Roy

Como eu disse há pouco, essas danças medievais e renascentistas foram a base da evolução instrumental na música erudita europeia. Graças a elas obras primas puramente instrumentais puderam ser escritas nos séculos seguintes.

Concerto de Brandemburgo nº 1

Um maravilhoso exemplo é o concerto de Brandemburgo nº 1, de Johann Sebastian Bach. Dos seis concertos dessa coleção, este nº 1 é o que tem a mais rica instrumentação, o que nos remete imediatamente a essas antigas danças que eram tocadas com tanta riqueza de timbres.

J.S. Bach: Brandenburg Concerto No. 1 in F Major, BWV. 1046 – I. Allegro

Das peças orquestrais de todo o período barroco, é uma das que apresenta uma maior riqueza de timbres, variedade temática, alterando trechos líricos e de dança, valendo-se ainda do mais refinado tratamento harmônico. Uma das mais sofisticadas obras orquestrais de seu tempo.

Neste texto eu procurei mostrar a vocês que a excelência da música instrumental ocidental veio de uma música muito mais simples, mas que até hoje não perdeu seu encanto: a música de dança da renascença e alta idade média.

Na evolução da música chamada de erudita, mesmo os maiores gênios fizeram música que veio de outra música. Nada surgiu por acaso.

Compreender essa linha evolutiva, e a importância da tradição na música de concerto é algo verdadeiramente encantador.

Espero que tenha gostado deste post sobre a evolução instrumental!

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Saudações Musicais!

Claude Debussy: o 1o. moderno.

No final do século XIX, o romantismo musical já mostrava sinais de desgaste. Embora muitos compositores de grande estatura tenham se mantido fiéis a ele até o começo do século XX, alguns outros procuravam por novas alternativas, na forma musical e na sonoridade.

Inspirar-se em fontes musicais que haviam por muito tempo sido excluídas da música européia era um dos caminhos possíveis, e um compositor que percebeu isso com muita clareza foi o francês Claude Debussy.

Impressionismo Debussy Arabesque Clair de Lune

Debussy começou a estudar piano com 7 anos de idade, e logo demonstrou enorme talento. Poderia tranqüilamente ter seguido com sucesso a carreira de pianista, mas apaixonou-se pela criação musical, e decidiu tornar-se compositor.

Estudou no Coservatório de Paris, e escreveu suas primeiras peças com 17 anos de idade, sempre contestando as normas acadêmicas. Não gostava de ópera italiana, flertou com o estilo de Wagner, mas logo o abandonou. Estava sempre à procura de sua personalidade como compositor.

Uma das primeiras experiências que lhe abriu as portas para as novas sonoridades que procurava aconteceu em 1889 – portanto quando ele estava com 27 anos.

A tal experiência aconteceu numa das visitas que ele fez à magnífica Exposição Universal realizada em Paris naquele ano.

Paris França Torre  Eiffel

Comemoravam-se os 100 anos da queda da Bastilha, símbolo do início da Revolução Francesa. De maio a outubro daquele ano, 32 milhões de pessoas visitaram as diversas atrações oferecidas, como a recém construída Torre Eiffel, o Diamante Imperial, maior do mundo até então, exposição de locomotivas de última geração, shows diversos como uma representação do “Far West” norte-americano, e por aí afora.

Pois bem, com tudo isso, o que deixou Claude Debussy de boca aberta foi um conjunto musical vindo da Indonésia: um Gamelão!

Gameção Música Oriental

Pixabay

O Gamelão é um conjunto formado basicamente por instrumentos de percussão, principalmente gongos e pratos dos mais variados tipos e tamanhos. E importante: não são afinados segundo os padrões europeus.

Debussy ficou encantado com o que ouviu, chegando a comentar que perto daquilo, os acordes ocidentais pareciam música de criança.

Esses sons da ásia marcaram o compositor para sempre; em 1903 ele iria compôr uma peça para piano chamada Pagodes, numa referência às habitações indonésias que levam esse nome.

É uma peça encantadora. Vale a pena ouvi-la!

Como eu disse há pouco, Debussy ainda muito jovem encantou-se com a música de Liszt e Wagner, que era o que havia de mais moderno na 2ª metade do século XIX; contudo, esse encantamento logo se foi, e ele abriu-se para novas possibilidades.

A música de Gamelão trouxe vários elementos que ele passou a usar com freqüência em várias obras.

Por exemplo, a escala que chamamos de “pentatônica”, ou seja, de cinco notas.

É diferente da escala básica ocidental, nossa velha conhecida, tem 7 notas, do re mi fa sol la si…

“Pagodes”, a peça que você pode ouvir clicando no link acima faz uso dessa escala.

Outro ponto interessante a ser notado, nessa busca pelo afastamento do romantismo musical, é o que lemos na partitura dessa peça.

O próprio Debussy escreveu: “tocar quase sem nuance”.

Nuance, no jargão musical, se refere à intensidade de som. Assim, Debussy quer que a peça seja tocada praticamente no mesmo volume de som, sem “crescendos” ou “diminuendos”, de modo que a ênfase cai sobre os timbres, as cores sonoras, eliminando os excessos expressivos.

Outra informação: Pagodes é na verdade a 1º de uma seqüência de três pecas, uma suíte intitulada “Estampes”.

A 2ª se chama La Soirée dans Grenade, ou em português, a Noite em Granada, em que temos o uso da escala árabe:

Graças a essa escala, Debussy aqui também se afasta do padrão europeu. Granada, como sabemos, é a região da Espanha que talvez tenha retido a maior influência árabe da Península Ibérica. O grande compositor espanhol Manuel de Falla disse sobre a peça: “Não há um único compasso nesta peça que tenha sido retirado do folclore espanhol, mas mesmo assim toda a composição, nos seus mínimos detalhes, retrata admiravelmente a Espanha.”

Clique abaixo para ouvi-la.

Felix Buchmann, piano.

A 3ª e última peça da suíte “Estampas” chama-se “Os Jardins sob a Chuva”. Esta não tem nenhum elemento não europeu, e procura descrever um jardim da cidade de Orbec, na Normandia, durante uma violenta tempestade.

Há muitos elementos descritivos – o vento, os trovões, as gotas de chuva – entremeados com melodias folclóricas.

Outra escala que Debussy passou a usar com o objetivo de se afastar da sonoridade européia foi a escala de tons inteiros.

Um exemplo de peça construída a partir dessa escala é “Voiles” – véus, em português.

Debussy realmente consegue passar a sensação de véus que se movem pela ação do vento, criando um ambiente translúcido.

Stephen Mager, piano

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 6a. parte.

Para encerrar a série sobre o Grupo dos Cinco, veremos agora o mais célebre deles: Nikolay Rimsky-Korsakov.

Música Russa  Rimsky-Korsako Scheherazade Scherazade

A 1a paixão do menino Nikolay não foi a música, mas o mar. Como os outros compositores do grupo dos cinco, ele começou a ter aulas de piano ainda na infância, mas não se entusiasmava muito. Ia levando. O que o fascinava de verdade eram as histórias sobre o mar, as que lia, ou que ouvia, contadas por seu irmão 22 anos mais velho, que era marinheiro e explorador.

Ele nunca havia sequer visto o mar; mas o fascínio era tamanho que em 1856, com apenas 12 anos de idade entrou para a Escola de Navegação da Real Marinha Russa. Formou-se em 1862, e estes foram seis anos admiráveis em sua vida, aprendendo e viajando.

Nikolay Rimsky-Korsakov

Contudo, em 1861, ou seja, um ano antes da formatura, Korsakov foi apresentado a ninguém menos que Mily Balakirev, o líder e mentor do grupo dos cinco.

Aí seu interesse pela música ressurgiu, e algo extraordinário aconteceu: com seus parcos estudos musicais – aulas de piano pelas quais nunca se entusiasmara, e alguns esparsos conhecimentos de composição, Korsakov, incentivado por Balakirev lançou-se à composição de sua primeira obra: uma sinfonia!

Cara leitora ou leitor, pra você ter uma idéia, Johannes Brahms, por exemplo, só se aventurou a compor uma sinfonia aos 40 anos de idade, depois de escrever muita, muita música de outros gêneros. Naquela época, a força das Sinfonias de Beethoven era algo tão avassalador que os compositores nutriam grande cautela pelo gênero.

Pois bem, o jovem Korsakov foi em frente, e auxiliado por Balakirev, concluiu sua sinfonia. E o mais interessante é que ele fez isso durante uma longa viagem de navio pelo planeta, onde chegou até a passar pelo Rio de Janeiro.

Pois bem, a sinfonia fez enrome sucesso; foi o marco inicial de sua carreira, que uniu suas duas paixões: a música e o mar.

Trata-se, em minha opinião, de uma belíssima obra, verdadeiramente contagiante, como eu disse há pouco. Porém, apesar de todo o esforço nacionalista de Balakirev, eu ainda identifico aqui muita influência germânica, muito Beethoven, muito Schumann.

Isso iria mudar com a Sinfonia número 2.

A segunda sinfonia de Kimsky-Korsakov tem um programa, uma história, que foi sugerida ao compositor por dois de seus colegas do grupo dos cinco, Cesar Cui e Modeste Mussorgsky.

Trata-se de um texto do escritor russo-polonês Osip Sennkovsky, que conta a história de Antar, um inimigo da humanidade.

Nikolay Rimsky-Korsakov Antar

Isolado no deserto, Antar salva uma gazela das garras de um pássaro gigante. Cansado da luta com o pássaro, Antar dorme, exausto, e sonha que está no palácio da Rainha de Palmira, a conhecida cidade da Síria. Lá ele descobre que a Rainha é ninguèm menos que a Gazela que ele havia salvo. Como prêmio por tê-la salvo, a Antar é então permitido gozar de três dos maiores prazeres da vida: vingança, poder e amor.

É uma música cheia de exotismo, e com traços orientais, típicos da estética do grupo dos cinco. Muito diferente da 1a Sinfonia.

Korsakov completou sua primeira Sinfonia em 1865, quando tinha 21 anos de idade. A 2a Sinfonia foi concluída em três anos depois, em 1868.

E entre as duas Korsakov produziu Sadko, o 1o poema sinfônico russo.

A 2a Sinfonia já tinha os elementos de um poema sinfõnico, mas Korsakov a estruturou em 4 movimentos separados, como mandava o figurino. Já Sadko é uma obra de um só movimento, compacta, baseada em uma antiga lenda russa.

Mais uma vez temos a presença de Balakirev e do mar.

Balakirev admirava muito uma obra sinfônica chamada “Sinfonia do Oceano”, escrita anos antes por Anton Rubinstein. Rubinstein era, contudo, um compositor acadêmico, germânico, de modo que Balakirev sonhava com uma versão tipicamente russa desta “Sinfonia do Oceano”. Ele conversou com outro ideólogo do nacionalismo russo, o escritor Vladimir Stasov, que sugeriu a lenda de Sadko e criou um roteiro para ser usado na composição.

Nikolay Rimsky-Korsakov Sadko

Sadko era um conhecido personagem da tradição oral russa, que cantava e tocava um intrumento semelhante à lira; um Orfeu russo, digamos. Ele é levado para o Reino dos Mares, onde deve providenciar a música para o casamento da filha do rei. Ele o faz com muito êxito, mas em determinado momento a música começa a ficar demasiadamente frenética, criando ondas gigantescas, que ameaçam afundar todas as embarcaçoes. Para acalmar o mar, ele é obrigado a esmagar sua lira. Tudo se acalma e ele, magicamente, é transportado de volta para o litoral.

A obra fez muito sucesso, e na opinião do próprio compositor isso aconteceu pela originalidade do trabalho, da beleza das melodias e da vivacidade do tema dançante.

Em 1867, mesmo ano em que Kirsakov compôs Sadko, Mily Balakirev planejou um concerto que chamou de pan-eslavo. Na sua concepçao de uma estética musical não germânica havia espaço para o orientalismo, e também para elementos musicais de todos os países do leste europeu.

Haveria neste concerto várias obras com referências a vários países eslavos, de modo que Balakirev pediu a Korsakov que construísse uma obra com melodias sérvias, melodias que ele mesmo, Balakirev, forneceu.

Em sua autobiografia Korsakov confessou que não foi a idéia de um pan-eslavismo o que o motivou a compôr a obra, mas sim a grande beleza das melodias fornecidas por Balakirev.

Finalmente, em se tratando de um post sobre Nikolay Rimsky-Korsakov, não podemos deixar de falar da muito célebre suíte sinfônica Scheherazade.

Nikolay Rimsky-Korsakov Scheherazade Scherazade

Scheherazade não é uma obra de juventude, como todas essas das quais falamos até agora. Foi composta em 1888, quando o compositor tinha 44 anos de idade.

É baseada na coleçao de textos “As Mil e Uma Noites” – textos provenientes da Asia e do Oriente Médio, que foram compilados em árabe entre os séculos 8 e 13.

É um dos melhores exemplos do orientalismo tão estimado pelos compositores do grupo dos cinco.

A obra tem a envergadura de uma grande sinfonia romântica – 4 movimentos, com uma duração total de cerca de 45 minutos. Mas fora isso, não tem mesmo nada a ver com as sinfônias germânicas, e por isso o próprio compositor preferiu chamar a obra de Suíte Sinfônica.

Para cada um dos movimentos ele deu um título.

O primeiro é “O Mar e o barco de Sinbad” – e temos aqui, mais uma vez, o mar, a primeira paixão do compositor.

O segundo movimento é “ O Príncipe Kalandar”.

O terceiro, “O jovem príncipe e a jovem princesa”.

Finalmente, o 4o e último movimento chama-se “Festival em Bagdad. O Mar. O barco choca-se contra um penhasco, sobrepujado por um cavaleiro de bronze.”

DICA DE LEITURA

Eternas, as histórias das Mil e uma noites se espalharam por todo o mundo, sendo contadas para crianças e adultos através dos séculos. A trama é sobre o sultão Shahriar, que, após descobrir a traição da mulher, decide casar-se cada noite com uma jovem diferente, matando-a ao amanhecer. Tal condenação só é desfeita quando Sherazade, a impetuosa filha do grão-vizir, se oferece como noiva do sultão e faz com que as noites se multipliquem ao inebriar o marido com suas histórias envolventes.
Com apresentação de Malba Tahan, esta edição de luxo das Mil e uma noites traz aventuras de mercadores, anedotas, histórias de príncipes e gênios, além dos clássicos Ali Babá, Aladim e Simbá, o marinheiro.

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 5a. parte.

Mily Balakirev

Música Russa Grupo dos Cinco a Turba Poderosa Bakakirev

Mily Balakirev foi um pianista fabuloso, dono de uma excelente leitura à primeira vista, imensa intuição e bom gosto.

Nasceu numa pequena cidade e teve as primeiras aulas de piano com sua mãe. Seu grande talento logo chamou a atenção dos amantes da música da região, que lhe providenciaram aulas com os melhores professores.

Foi praticamente adotado por um conde que mantinha uma pequena orquestra em sua propriedade. Balakirev freqüentava as suas reuniões musicais, onde conheceu as obras dos grandes compositores europeus da época.

Progrediu tanto que aos 15 anos já lhe era permitido ensaiar a orquestra do Conde; e foi aí que ele conheceu as sinfonias de Beethoven. Nessa idade ele compôs suas primeiras obras, entre elas uma Grande Fantasia para Piano e Orquestra sobre Temas Populares Russos.

Ainda jovem, portanto, o compositor já se interessava pela música folclórica de seu país, o que era um prenúncio do que iria acontecer em sua carreira.

Contudo um fato importante iria consolidar seu interesse pela criação de uma música genuinamente russa: o contato com o compositor Mikhail Glinka.

Glinka era cerca de 30 anos mais velho que Balakirev, e foi o pioneiro na utilização de matéria prima russa, quando compôs a ópera “Uma vida pelo Czar”. Suas danças e coros populares fizeram da obra um imenso sucesso.

Balakirev conheceu Glinka em 1855, em São Petersburgo. Tornaram-se próximos e travavam com freqüência sérias discussões sobre o futuro da música russa. Balakirev, a essa altura, já havia decidiu tornar-se o continuador da obra de Glinka.

Como vimos, Balakirev já vinha, desde os 15 anos de idade, introduzindo música popular russa em suas obras. Com Glinka ele descobriu novos recursos, como o Orientalismo.

A história do orientalismo começa com 2a ópera de Glinka, Ruslan e Ludmila. Nela o compositor introduziu vários trechos que remetiam aos países mais ao leste do império russo. Os compositores do Grupo dos Cinco iriam levar adiante essa idéia, de modo o orientalismo tornou-se a sua principal característica.

Orientalismo Bales Russes Diaghilev
Orientalismo nos Balés Russos de Sergei Diaghilev

Num primeiro momento, os compositores usaram melodias dessas regiões distantes. Mas logo eles foram além, e o orientalismo tornou-se veículo para uma simbologia muito interessante. Estabeleceu-se uma dicotomia entre a racionalidade ocidental e a irracionalidade e passionalidade oriental. Referências à vasta extensão do império russo, que se ampliava naquela época, somavam-se à idéia de uma real separação entre a estética musical germânica e a nova estética russa.

Uma das mais importantes obras de Balakirev é toda calcada no orientalismo. Chama-se Tamara.

Orientalismo Música Russa Balakirev Tamara

Ela retrata a história de uma linda jovem, que vivia sozinha em uma torre numa passagem de viajantes na fronteira entre a Rússia e a Geórgia. Ela seduzia e atraia os viajantes, e após passar a noite com eles, os matava e atirava no rio Terek.

Balakirev cria dois ambientes musicais distintos. Um de caráter dionisíaco, com ritmos obsessivos, notas repetidas, e andamentos acelerados. Outro, descreve o desejo sensual, com ritmos irregulares, melodias alongadas, e dissonâncias pouco usuais.

Orquestra Sinfônica de Montreal. Kent Nagano.

DICA DE LEITURA

Nas palavras do romancista Milton Hatoum, Orientalismo é “um ensaio erudito sobre um tema fascinante”: como uma civilização fabrica ficções para entender as diversas culturas a seu redor. Para entender e para dominar. Neste livro de 1978, um clássico dos estudos culturais, Edward W. Said mostra que o “Oriente” não é um nome geográfico entre outros, mas uma invenção cultural e política do “Ocidente” que reúne as várias civilizações a leste da Europa sob o mesmo signo do exotismo e da inferioridade. Recorrendo a fontes e textos diversos – descrições de viagens, tratados filológicos, poemas e peças, teses e gramáticas -, Said mostra os vínculos estreitos que uniram a construção dos impérios e a acumulação de um fantástico e problemático acervo de saberes e certezas européias. A investigação da origem e dos caminhos do Orientalismo como disciplina acadêmica, gosto literário e mentalidade dominadora, vai e volta do século XVIII aos dias de hoje, das traduções das Mil e uma noites à construção do canal de Suez, das viagens de Flaubert e “Lawrence da Arábia” às aventuras guerreiras de Napoleão no Egito ou dos Estados Unidos no golfo Pérsico. Um livro fascinante e indispensável.

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 4a. parte.

Hoje é a vez de Alexander Borodin (1833- 1887)

Música Russa Grupo dos Cinco Borodin

Alexander Borodin foi outro compositor do “Grupo dos Cinco”, a turma de russos barulhentos que viveu na 2a. metade doséculo XIX e batalhou pela criação de uma música genuínamente russa, sem influências alemãs, italianas, francesas, e por aí afora.

Suas principais obras são: duas sinfonias, dois quartetos de cordas , o poema sinfônico Nas Estepes da Ásia Central e a ópera Príncipe Igor.

Houve um tempo em que sua música estava tão na moda, que alguns de seus temas fram usados em um musical americano . Isso aconteceu em 1954. O musical chamava-se “Kismet”, que quer dizer “destino, em Português.

Música Russa Grupo dos Cinco Borodin Kismet

Este é mais um exemplo da mistura entre os mundos da música clássica e da música popular, muito mais frequente do que podemos imaginar!!!

Bordin era médico e químico de profissão e formação, e fez importantes contribuições iniciais para a química orgânica. Embora atualmente seja mais conhecido como compositor, ele considerava a medicina e as ciências como suas principais ocupações, praticando música e composição apenas nas horas vagas ou quando estava doente.

Borodin foi um promotor da educação na Rússia e fundou a Escola de Medicina para Mulheres em São Petersburgo, onde lecionou até 1885.

Clique aqui para ver um vídeo com um trecho da ópera “Príncipe Igor”. Se não conhece, tenho certeza que ficaá encantado!

Na póxima postagem continuamos com o Grupo dos Cinco.

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Até lá!

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 3a. parte.

A postagem de hoje é sobre Cesar Cui.

Música Russa Grupo dos Cinco Cesar Cui

César Cui é um nome que o amante da música de concerto volta e meia encontra em em revistas especializadas, encartes de CDs, etc.

Mas é fato que sua música é muito pouco conhecida.

E sua vida, da qual sabemos muito pouco, é muito interessante.

A presença de Cui no Grupo dos Cinco é um paradoxo, ou mesmo um mistério.

Ele foi o menos russo dos cinco. Seu pai era francês, um militar do exército de Napoleão que, após a retirada decidiu não voltar para seu país. Havia se apaixonado por uma jovem lituana, de descendência polonesa, e com ela se casou. Estabeleceu-se na cidade de Vilnius, onde conseguiu um trabalho como professor de francês.

Nesta cidade nasceu Cesar Cui, que cresceu aprendendo nada menos que quatro línguas: francês, polonês, lituano e russo. E aí, caro leitor, creio que está a raiz do paradoxo que eu mencionei há pouco. Cui haveria de, entre outras coisas, tornar-se um prolífico crítico e cronista musical, tendo escrito uma grande quantidade de textos sobre música. Nesses textos, ele advogava vigorosamente a criação de uma estética musical genuinamente russa. Contudo a sua música, na maioria dos casos, não materializa essas crenças. Em muitas obras o que ouvimos é um compositor universalista, admirador dos estilos e Chopin e Schumann.

Nikolay Rimsky-Korsakov, que se tornou o mais conhecido do grupo, deixou escrito que Balakirev, o lider do grupo, e o mais radicalmente devotado à causa da estética russa, “permitia um certo grau de liberdade a Cui, tratando com indulgência muitos elementos qua não se afinavam com suas preferências”.

Acontece que o talento de Cui para as pequenas peças era realmente excepcional. Nas suas miniaturas, peças de 2 a 4 minutos, ou até mais curtas, ele conseguia criar com perfeição estados de espírito precisos e climas de absoluto erncanto.

Execução de Philip Edward Fisher.

É um tanto chocante ouvir essa declaração do próprio compositor:

“ Embora Russo, eu sou meio francês, meio lituano, e eu não tenho o sentido da música russa em minhas veias….

Mas há algumas obras de Cui em que o espírito russo está presente, como a Suíte Orquestral no. 3, opus 43, à qual o compositor deu o título de “In Modo Popolari”.

São seis movimentos: Allegro Moderato, Moderato, Vivace, Moderato, Allegretto e Vivace ma non troppo.

Execução da Orquestra Filarmônica de Hong Kong, dirigida por Kenneth Schermerhorn.

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Até a próxima postagem!

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 2a. parte.

Nesta postagem, falo de Modeste Mussorgsky (1839-1881).

Música Russa Grupo dos Cinco Mussorgsky

Mussorgsky foi, como outros dois compositores do Grupo dos Cinco, Cesar Cui e Rimsky-Korsakov, um militar de carrreira.

Mas teve uma vida diferente: nasceu em uma família rica e aristocrática. Estudou piano desde cedo, e ainda na juventude interessou-se profundamente por história e por filosofia alemã.

Tornou-se um jovem adulto culto e refinado.

Aos 17 anos formou-se em na Academia de Cadetes de São Petersburgo, sendo designado para um regimento de elite da Guarda Imperial Russa.

Foi nessa época que ele conheceu outros compositores do Grupo dos Cinco: Alexander Borodin, Cesar Cui e Mily Balakirev.

Balakirev, que era o líder do grupo, impressionou-se fortemente pelo talento muiscal de Mussorgsky, e simplesmente o adotou como seu pupilo.

Música Russa Grupo dos Cinco Balakirev

Balakirev não era exatamente um professor de composição, como os que existiam nos conservatórios alemães, franceses ou italianos.

Era, como Mussorgsky, um pianista extremamente talentoso e muito bem treinado. Mas tinha mais experiência, e ensinou ao jovem tudo os que sabia sobre as principais obras de Beethoven, Schumann, Schubert, e sobretudo sobre Glinka, que havia sido o pioneiro dos nacionalistas russos.

Pois bem, a fortíssima personalidade de Balakirev produziu o efeito esperado: pouco tempo após começar as aulas, Mussorgsky tomou a decisão de deixar a carreira militar e devotar-se inteiramemte à música.

Embora estive sob a tutela artística de Balakirev, um nacionalista ferrenho, a música de Mussorgsky, nessa época, ainda se voltava para modelos estrangeiros. Um exemplo é a sonata para piano a quatro mãos, escrita por ele em 1860, quando estava com 21 anos. Não tem realmente nada de tipicamente russo, mas isso não quer dizer que não mereça ser ouvida. Pelo contrário, é uma obra deliciosa!

Mussorgsky: Sonata para Piano a 4 maõs; 10. movimento, Allegro. Maurizio Baglini · Roberto Prosseda

Pouco tempo depois de compôr esta sonata que acabamos de ouvir, sua família rica e aristocrática viu-se subitamente empobrecida. Mussorgsky, que havia deixado a carreira militar para dedicar-se à música, passou a se sustentar com um emprego no serviço público. Contudo, naquela época, mesmo o serviço público na Rússia não era estável, e Mussorgsky ficava longos períodos sem salário. Para piorar, o hábito de beber bebidas alcólicas pesadamente, que havia adquirido no seu tempo de escola militar acabou resultando em verdadeiro alcolismo.

Na música, mais frustrações. Começou a escrever uma ópera baseada em texto de Gustav Flaubert, mas abandonou o projeto no meio. Dedicou-se a um poema sinfônico que hoje é uma de suas obras mais conhecidas – Uma noite no Monte Calvo – mas como ela foi severamente criticada por seu mestre, Balakirev.

Mussorgsky nunca cheogu a ouvi-la.

Ele só viria a conhecer um real sucesso cerca de 10 anos depois, em 1874, na estréia de Boris Godunov, a única ópera que concluiu. Foram 5 anos de trabalho, entre 1868 e 1783, diversos percalços e rejeições, até o estrondoso sucesso da estréia, no Teatro Mariinsky, em São Petersburgo.

A platéia não parava de aplaudir, e o compositor teve que ir à cena nada menos que 20 vezes!

Nos dias seguintes, ouviam-se trechos da ópera cantados nas ruas da cidade.

Até a próxima postagem!

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Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 1a. Parte

“Grupo dos Cinco” foi como ficou conhecido um grupo de jovens compositores que trabalharam compartilhando uma mesma idéia; ou talvez seja mais apropriado dizer, uma mesma paixão: a criação de uma genuína música de concerto russa.

Como vimos nas postagens anteriores, durante o século XIX, os compositores dos países do norte da Europa sofriam uma fortíssima influência dos compositores germânicos, como Bach, Mozart, Beethoven, Mendelssohn, Schumann, e Wagner.

Não era pra menos: a obra desses mestres era e é um verdadeiro portento. Não era nada fácil para um músico europeu daquela época escapar desta influência. Contudo era justamente o que queriam os jovens compositores Mily Balakirev, Cesar Cui, Alexander Borodin, Modeste Mussorgsky e Nikolay Rimsky-Korsakov.

O movimento criado por eles começou em 1862, quando todos eram ainda muito jovens: Korsakov, o mais jovem de todos tinha apenas 18 anos, e Borodin, o mais velho, 28.

Mas apesar de mais velho, não era ele o líder. Sim, porque o grupo tinha um líder, que os outros quatro ouviam e obedeciam com grande reverência. Esse líder é, paradoxalmente, o menos conhecido dos cinco atualmente. Seu nome é Mily Balakirev.

Música Russa Grupo dos Cinco Balakirev
Mily Balakirev

De todos, Rimsky-Korsakov é sem dúvida o mais conhecido e mais tocado nos dias de hoje, graças principalmente à sua inspirada suíte sinfônica Sheherazade.

Música Russa Grupo dos Cinco Korsakov
Rimsky-Korsakov

Em segundo lugar vem Mussorgsky, muito lembrado pela obra-prima Quadros de Uma Exposição

Música Russa Grupo dos Cinco Mussorgsky
Modest Mussorgsky

Alexander Borodin é o terceiro da lista em termos de reconhecimento, e sua obra mais tocada é a 2a Sinfonia.

Música Russa Grupo dos Cinco Borodin
Alexander Borodin

Finalmente Cesar Cui e Mily Barakirev são realmente muito menos lembrados atualmente.

Música Russa Grupo dos Cinco Cesar Cui
Cesar Cui

Esses cinco músicos começaram a compor “na raça”, se me permitem a expressão. Isso quer dizer que nenhum deles havia até então estudado composição formalmente, como se fazia nos conservatórios da Itália, Alemanha e França. Não tinham sido treinados em contraponto e harmonia. Podiam ser considerados amadores, auto-didatas em composição.

Evidentemente apoiavam seu trabalhos sobre alicerces germânicos – admiravam Beethoven e Schumann. Mas, de modo bastante arrogante, desprezavam Haydn e Mozart, que consideravam ingênuos e ultrapassados;

De J S Bach, diziam estar já petrificado; não respeitavam Mendelssohn, nem Chopin.

Ou seja, eles não eram nada fáceis, caro leitor!.

Pois bem, o que nós faremos a partir de hoje, é dedicar uma postagem a cada um deles.

Aguarde!

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E até a próxima postagem!

Os Nacionalistas: Smetana

Na geracão que se seguiu à de Chopin e de Glinka, foi a vez da região que hoje faz parte da República Checa entrar para o movimento nacionalista europeu. Isso se deu graças ao compositor Bedřich Smetana, que viveu entre 1824 e 1884.

Música Nacionalista Tcheca Boemia Smetana

Veja só, cara leitora, caro leitor, como certos fatos daquela época na Europa podem parecer surpreendentes para nós brasileiros.

Pois bem: Smetana nasceu numa cidade no interior da atual da República Checa, entre as regiões da Boêmia e a Morávia. Naquela época a tal cidade fazia parte do império Austro-Húngaro; o alemão era a língua oficial do país, de modo que o pai do jovem Bdrich alfabetizou seu filho nesta língua!

Em 1863, com quase 40 anos de idade, Bdrich decidiu engajar-se no movimento nacionalista tcheco, compondo uma ópera dentro do espírito nacional. E para isso – vejam vocês – foi estudar a língua da sua própria terra, que ele não sabia falar nem escrever corretamente.

Muito bem: desse esforço surgiu em 1863 a ópera “Os Brandenburgueses na Boêmia”. A trama é baseada em eventos da história tcheca, e o libreto é em tcheco.

Contudo, Smetana ainda não usou elementos da música folclórica de seu país. Isso só viria acontecer 3 anos mais tarde, quando ele concluiu sua segunda ópera, A Noiva Vendida. Esta sim, tornou-se um marco, tanto da cultura tcheca, quanto do repertório operístico internacional, sendo executada com freqüência até hoje.

Ouça um trecho desta ópera que é conhecidíssimo: a Dança dos Comediantes!

Philharmonia Orchestra. Maestro Jac van Steen. Garsington Opera.

Em outro post falaremos de outro grande compositor checo que sucedeu Smetana: Antonin Dvorak.

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Saudações Musicais!