A cena que descrevo a seguir era muito comum no século XVIII: um aristocrata rico e poderoso recebe em seu palácio um certo número de convidados. Além dos vinhos, do champagne, excelente comida e agradáveis conversas, ele proporciona a seus amigos algumas horas de boa música. E se a ocasião for muito especial, música composta especialmente para ela.
Provavelmente, ninguém parava para prestar atenção; a música ficava ao fundo, exatamente como acontece hoje em qualquer festa ou reunião de amigos. A diferença é que hoje em dia usa-se um bom aparelho de som, e naquela época, como ainda não havia tomadas nas paredes, o jeito era fazer tudo ao vivo.
Todos conhecem uma obra de W. A. Mozart chamada “Pequena Serenata Noturna” Ela foi composta para uma dessas ocasiões.
Enquanto esta é muito conhecida, as outras serenatas e divertimentos que ele escreveu são pouco tocadas. É o caso da Serenata Noturna nº Köchel 239. Ela foi composta em 1775, quando Mozart tinha 19 anos, e ainda vivia em Salzburgo.
São três movimentos: Maestoso; Minueto; e Rondó: Allegro, Adagio, Allegro.
Para os contemporâneos de Mozart, peças como essa eram totalmente descartáveis. Contudo, nas décadas seguintes à morte do compositor, elas foram recuperadas e preservadas; hoje são tocadas em concertos freqüentados por amantes da música atentos e silenciosos, e estão gravadas em inúmeras versões.
A maioria delas não são obras de grande valor artístico; mas são música deliciosa de se ouvir!
É interessante pesquisarmos como era incluida a música nesses eventos sociais do século XVIII. Uma boa parte das serenatas de Mozart foi escrita para ser tocada em Salzburgo, ao ar livre , durante o verão. Em geral eram requisitadas para algum evento social de grande importância. Um exemplo era o fim do ano letivo universitário. Em geral acontecia assim: no início da noite os músicos se reuniam e tocavam marchando até a residência de verão do Arcebispo de Salzburgo. Ali tocavam sua serenata, voltavam até a praça da universidade e aí tocavam novamente a serenata, desta vez para os estudantes e os professores.
Algumas obras eram compostas para celebrar o dia onomástico de alguma personalidade – um tipo de celebração muito comum naquela época.
Mas o que é um dia onomástico?
Simples: eu me chamo João; então o dia de São João é o meu dia onomástico.
Mozart compôs um divertimento, catalogado como KV 247, para celebrar o dia onomástico de uma condessa, chamada Antonia Lodron, cuja residência era frequentemente usada para encontros musicais.
Os instrumentos de sopro ocupam um papel especial nesse repertório de músicas de ocasião.
A combinação desses instrumentos sempre se mostrou mais complicada que a das de cordas. Grupos de sopros formados por instrumentos diferentes, como trompa, fagote, clarineta, flauta e oboé, ofereciam uma boa variedade de timbres, mas muita dificuldade quando se desejava um som mais homogêneo. O contrário, um grupo formado por instrumentos iguais, como um quarteto só de trompas, podia oferecer muita homogeneidade, mas pouco contraste. Depois de muitas experiências, os compositores chegaram a uma combinação razoavelmente equilibrada: 2 fagotes, 2 trompas e 2 clarinetas. Num ponto esse grupo de sopros ganhava das cordas: oferecia uma sonoridade mais forte, mais adequada aos grandes jardins e outros espaços ao ar livre da aristocracia.
Em Viena, onde Mozart se instalou ainda jovem, os grupos de sopro deste tipo se limitavam a tocar em tavernas e nos quartéis, até que um membro da corte vienense, o príncipe Schwarzenberg se interessou por eles. Mozart ouviu dizer que o próprio imperador estava se influenciando pelo gosto de Schwarzenberg, e imediatamente compôs uma serenata para sexteto de sopros, catalogada hoje como nø KV 375.
Uma vez eu li uma biografia de W. Amadeus Mozart escrita pelo historiador Peter Gay. Uma frase do livro não saiu mais da minha cabeça. Ele diz: Mozart era incapaz de escrever música ruim; mesmo quando tinha de compor obras de ocasião, que ele sabia que seriam tocadas enquanto os ouvintes comiam, bebiam e conversavam.
Por isso em geral seus divertimentos e serenatas são no mínimo, como eu já disse, música deliciosa de se ouvir, cheia de lirismo e imaginação. E nos melhores casos atingem níveis altíssimos de requinte, inpiração e bom gosto.
É o caso do Divertimento para cordas em Fa maior, índice KV 138, em três movimentos: Allegro, Andante e Presto.
Esses divertimentos são verdadeiras jóias mozartianas – obras consideradas menores, mas que , em minha opinião além de agradabilíssimas são uma maravilhosa porta de entrada para quem ainda não conhece a música desse maravilhoso compositor.
Até a próxima vez!