OS DIVERTIMENTOS DE MOZART

A cena que descrevo a seguir era muito comum no século XVIII: um aristocrata rico e poderoso recebe em seu palácio um certo número de convidados. Além dos vinhos, do champagne, excelente comida e agradáveis conversas, ele proporciona a seus amigos algumas horas de boa música. E se a ocasião for muito especial, música composta especialmente para ela.

Provavelmente, ninguém parava para prestar atenção; a música ficava ao fundo, exatamente como acontece hoje em qualquer festa ou reunião de amigos. A diferença é que hoje em dia usa-se um bom aparelho de som, e naquela época, como ainda não havia tomadas nas paredes, o jeito era fazer tudo ao vivo.

Todos conhecem uma obra de W. A. Mozart chamada “Pequena Serenata Noturna” Ela foi composta para uma dessas ocasiões.

Mozart: Eine kleine Nachtmusik in G major, KV 525 Concertgebouw Chamber Orchestra

Enquanto esta é muito conhecida, as outras serenatas e divertimentos que ele escreveu são pouco tocadas. É o caso da Serenata Noturna nº Köchel 239. Ela foi composta em 1775, quando Mozart tinha 19 anos, e ainda vivia em Salzburgo.

São três movimentos: Maestoso; Minueto; e Rondó: Allegro, Adagio, Allegro.

Para os contemporâneos de Mozart, peças como essa eram totalmente descartáveis. Contudo, nas décadas seguintes à morte do compositor, elas foram recuperadas e preservadas; hoje são tocadas em concertos freqüentados por amantes da música atentos e silenciosos, e estão gravadas em inúmeras versões.

A maioria delas não são obras de grande valor artístico; mas são música deliciosa de se ouvir!

É interessante pesquisarmos como era incluida a música nesses eventos sociais do século XVIII. Uma boa parte das serenatas de Mozart foi escrita para ser tocada em Salzburgo, ao ar livre , durante o verão. Em geral eram requisitadas para algum evento social de grande importância. Um exemplo era o fim do ano letivo universitário. Em geral acontecia assim: no início da noite os músicos se reuniam e tocavam marchando até a residência de verão do Arcebispo de Salzburgo. Ali tocavam sua serenata, voltavam até a praça da universidade e aí tocavam novamente a serenata, desta vez para os estudantes e os professores.

Algumas obras eram compostas para celebrar o dia onomástico de alguma personalidade – um tipo de celebração muito comum naquela época.

Mas o que é um dia onomástico?

Simples: eu me chamo João; então o dia de São João é o meu dia onomástico.

Mozart compôs um divertimento, catalogado como KV 247, para celebrar o dia onomástico de uma condessa, chamada Antonia Lodron, cuja residência era frequentemente usada para encontros musicais.

Os instrumentos de sopro ocupam um papel especial nesse repertório de músicas de ocasião.

A combinação desses instrumentos sempre se mostrou mais complicada que a das de cordas. Grupos de sopros formados por instrumentos diferentes, como trompa, fagote, clarineta, flauta e oboé, ofereciam uma boa variedade de timbres, mas muita dificuldade quando se desejava um som mais homogêneo. O contrário, um grupo formado por instrumentos iguais, como um quarteto só de trompas, podia oferecer muita homogeneidade, mas pouco contraste. Depois de muitas experiências, os compositores chegaram a uma combinação razoavelmente equilibrada: 2 fagotes, 2 trompas e 2 clarinetas. Num ponto esse grupo de sopros ganhava das cordas: oferecia uma sonoridade mais forte, mais adequada aos grandes jardins e outros espaços ao ar livre da aristocracia.

Em Viena, onde Mozart se instalou ainda jovem, os grupos de sopro deste tipo se limitavam a tocar em tavernas e nos quartéis, até que um membro da corte vienense, o príncipe Schwarzenberg se interessou por eles. Mozart ouviu dizer que o próprio imperador estava se influenciando pelo gosto de Schwarzenberg, e imediatamente compôs uma serenata para sexteto de sopros, catalogada hoje como nø KV 375.

The Scottish National Orchestra Wind Ensemble, dir. Paavo Järvi (1985)

Uma vez eu li uma biografia de W. Amadeus Mozart escrita pelo historiador Peter Gay. Uma frase do livro não saiu mais da minha cabeça. Ele diz: Mozart era incapaz de escrever música ruim; mesmo quando tinha de compor obras de ocasião, que ele sabia que seriam tocadas enquanto os ouvintes comiam, bebiam e conversavam.

Por isso em geral seus divertimentos e serenatas são no mínimo, como eu já disse, música deliciosa de se ouvir, cheia de lirismo e imaginação. E nos melhores casos atingem níveis altíssimos de requinte, inpiração e bom gosto.

É o caso do Divertimento para cordas em Fa maior, índice KV 138, em três movimentos: Allegro, Andante e Presto.

Amsterdam Baroque Orchestra Ton Koopman

Esses divertimentos são verdadeiras jóias mozartianas – obras consideradas menores, mas que , em minha opinião além de agradabilíssimas são uma maravilhosa porta de entrada para quem ainda não conhece a música desse maravilhoso compositor.

Até a próxima vez!

CONCERTO GROSSO

Muita gente estranha este nome, afinal, a palavra grosso em português tem uma certa conotação negativa. Alguém grosso é alguém sem educação….mas em italiano, esse sentido não existe. Em italiano a palavra grosso quer dizer simplesmente “grande”. Portanto concerto grosso é um concerto grande.

Elucidado o nome, a estranheza continua. Já fui procurado por pessoas que me perguntaram: maestro, fui a um espetáculo musical onde tocaram um concerto grosso. De grande ele não tinha nada havia: só 12 pessoas no palco e a música não durou mais que 15 minutos.

Pois é, para nos, acostumados com orquestras de 90, 100 musicos, e concertos que duram mais de 40 minutos, o nome grosso ou grande não parece adequado nesse caso.

Concerto Orquestra

Porém, tudo fica mais fácil de entender se tentarmos nos transportar para o século XVII, época em que o concerto grosso foi criado.

Em primeiro lugar, naquela época, um grupo de 12 , 15 musicos não era considerado pequeno. Não havia ainda espetáculos públicos de música instrumental, e na maioria das vezes esses concertos eram tocados em salas de palácios pertencentes a membros da nobreza. As orquestras sinfônicas ainda iriam surgir e se desenvolver .

Em segundo lugar, o nome concerto grosso está relacionado com a principal característica desse tipo de musica, que é a alternância entre dois grupos instrumentais, um maior e um menor. O compositor escrevia a música como se esses dois grupos estivessem dialogando.

Esse diálogo é muito mais fácil de ser percebido ao vivo que em uma gravação, mas mesmo assim, vamos a um exemplo, o Concerto Grosso opus 8 no. 4 de Arcangelo Corelli.

Early Music Ensemble Voices of Music.

Vários compositores escreveram musica dividindo o conjunto musical em dois grupos e os fazendo dialogar. É o caso dos italianos Giovanni Gabrieli e Alessandro Stradella. Mas o primeiro grande compositor associado ao gênero concerto grosso, e um dos primeiros a usar este título foi Corelli.

Ele nasceu em Ravena, em 1653 e faleceu em Roma em 1713. Viveu por algum tempo na Alemanha, e foi uma das mais importantes personalidades da musica européia em sua época. Foi grande violinista e professor. Como compositor dedicou-se quase que exclusivamente ao seu instrumento, o violino, e aos demais instrumentos de arco. Sua obra é pequena, mas tudo é de um finíssimo artesanato.

Corelli também foi um importante professor, e dentre seus alunos alguns se destacarm como grandes violinistas e compositores. É o caso de Pietro Locatelli, e Francesco Geminiani. Esses e outros compositores da época viram no Concerto Grosso de Corelli um fabuloso modelo a ser seguido. Por volta de 1700, quando houve na Europa uma explosão na impressão e venda de partituras, as obras de Corelli foram impressas e reimpressas numa quantidade que só seria suplantada pelas obras de Haydn, décadas mais tarde. Por exemplo, o opus 1 de Corelli, uma coleção de sonatas, teve 35 edições entre 1681 e 1785. Isso sem contar coletâneas, e arranjos variados.

Vamos ouvir um concerto grosso de um de seus seguidores, seu aluno Francesco Geminiani, compositor que nasceu em Lucca em 1687 e faleceu em Dublin, em 1762.

Concerto Köln. Evgeny Sviridov, violin e direção).

Como já vimos, uma das características do Concerto Grosso era a alternância entre dois grupos musicais distintitos, um pequeno e um maior.

O grupo pequeno era em geral formado por 3 músicos apenas: 2 violinistas e 1 violoncelista, apoiado por um cravo quando necessário. E o grupo maior era em geral uma seção de cordas, sem um número necessariamente definido, e que podia ser por exemplo de três 1ºs violinos, três 2ºs violinos,duas violas, um violoncelo, um contrabaixo e um cravo. Podia ser até maior, desde que essa proporção entre os naipes fosse mantida. Ao grupo pequeno dava-se o nome de concertino – eles eram os concertistas, os solistas da obra. E ao grupo maior dava-se o nome de ripieno, que pode ser traduzido por repleto, cheio.

Com disseminacão das partituras de Corelli pela Europa, não tardou para que outros compositores começassem a modificar a estrutura básica do Concerto Grosso. E se há alguém que fez isso com maestria foi Georg Friedrich Händel.

O opus 3 nº 4 de Händel é um concerto grosso. Foi esse o título que ele deu à obra. Mas já estamos distantes de Corelli. Primeiramente Händel não se restringiu somente aos instrumentos de cordas. Acrescentou ao concertino dois oboés. Só isso já nos apresenta uma cor completamente diferente. Além disso , Händel abre a obra com uma típica abertura em estilo francês, coisa que Corelli provavelmente nunca imaginou.

Mas a marca principal do concerto grosso está lá: a alternância entre o concertino e o ripeno, e a estruturação em movimentos contrastantes.


Orquestra “LORENZO DA PONTE” Direção de ROBERTO ZARPELLON

Corelli definiu o gênero; muitos outros compositores, como Geminiani, seguiram esse modelo, ou o imitaram, no melhor sentido da palavra. Com Handel, esse modelo definido por Corelli foi levado adiante, com a introdução de novidades. Neste caminho que levou ao desenvolvimento do Concerto Grosso, se falamos de Händel, não podemos deixar de falar em J. S. Bach

Bach foi ainda mais adiante. Ele não verdade não escreveu nenhuma obra com o título de concerto grosso. Mas muita gente está de acordo que os seus Concertos de Brandemburgo são de fato “concerti grossi” levados à mais alta elaboracão.

Essas 6 obras foram dedicadas a Christian Ludwig, Margrave de Brandemburgo, que corresponderia hoje ao governador da região de Brandemburgo. Por isso eles têm esse apelido.

Mas o título que o próprio Bach deu a eles foi “Concert avec plusiers instruments”, ou Concerto com Muitos Intrumentos. E essa é efetivamente uma característica marcante da coleção.

Cada um dos 6 concertos possui uma diferente combinação instrumental; alguns são verdadeiros concerti grossi, outros se afastam do padrão original.

É bastante difícil dizer qual é o mais belo, ou mais criativo. São 6 obras primas que coroam o gênero inaugurado por Corelli.

E nos causa ainda mais surpresa saber que não há uma grande distância de tempo entre eles. Corelli escreveu seus primeiros concerti grossi por volta de 1712 e Bach completou sua coleção dos concertos de Brandemburgo não mais que dez anos depois.

J. S. Bach, Concerto de Brandenburgo no. 3. Conjunto Voices of Music.

Com o final do barroco, o concerto grosso vai caindo em desuso. No classicismo, ninguém mais usava a expressão concerto grosso; o cravo vai sendo aos poucos deixado de lado, e o concerto para um único solista e orquestra toma seu lugar. Mas dentre as obras deixadas por Corelli e seus seguidores italianos, e pelos alemães Händel e Bach, há verdadeiras preciosidades que merecem ser conhecidas.

Sou grato pela atencão e até nossa proxima postagem!

CONCERTOS ESPIRITUAIS 2a. parte

Na postagem anterior, vimos o surgimento da série “Concert Spirituel” em Paris, e quais foram os primeiros compositores a ter suas obras executadas. Nos atemos a compositores do período barroco.

Agora vamos aos clássicos.

Começamos com Simon Le Duc, que viveu entre 1742 e 1777. Le Duc foi também violinista e diretor dos Concertos Espirituais por alguns anos.

Le Duc foi elogiado por Leopold Mozart, pai de Wolfgang Amadeus Mozart. Leopold deixou registrado que ele era um violinista muito bom.

Le Duc compôs três concertos para violino e orquestra, algumas sonatas para violino, música de câmara em geral e algumas sinfonias.

Sinfonia no. 1 de Simon Le Duc. Orchestra de Chambre de Versailles; maestro Bernard Wahl.

Esta sinfonia é um exemplo do típico estilo galante ou pré-clássico que havia surgido no início do século XVIII e pouco a pouco ganhava a preferência do púbico.

E se estamos falando de música clássica francesa, um nome não pode ficar de fora: François Gossec, que viveu entre 1734 e 1829.

Infelizmente Gossec é raríssimamete lembrado nos dias de hoje.

A única peça de sua autoria que é tocada, ainda assim muito de vez em quando, é uma pequenina gavota:

Gavota de Gossec executada pelo grande violinista Mischa Elman, acompanhdo ao piano por Joseph Seiger.

É uma pena que Gossec seja lembrado apenas por essa peça que, embora graciosa, não absolutamente nada de especial.

Vale a pena ouvir dele uma obra mais expessiva: a Sinfonia Concertante para violino, violoncello e orquestra em re maior.

Violino: Patrick Cohën-Akenine. Cello: François Poly Orchestra Les Agrémens. Maestro Guy van Waas

Esse tipo de obra, a sinfonia concertante, foi marca registrada dos Concertos Espirituais Parisienses.

A Sinfonia Concertante é, na verdade, uma espécie concerto.

Um concerto é uma obra em mais de um movimento, em que uma orquestra acompanha um solista.

A principal característica da Sinfonia Concertante é o fato de haver quase sempre mais de um solista.

Além disso, a sinfonia concertante parisiense é sempre leve; a música nunca traz grandes cargas de dramaticidade.

A sinfonia, por sua vez, não tem solistas.

Gossec escreveu belas sinfonias. A” Sinfonie à 17 parties” tem o mesmo nível artistico das melhores sinfonias de Joseph Haydn.

Orchestre Symphonique de Liège. Maestro Jacques Houtmann

CONCERTOS ESPIRITUAIS 1a. parte

O surgimento dos concertos púbicos é um tema que raramente passa pela mente dos apreciadores de música clássica.

Existe uma impressão de geral de que os concertos públicos sempre existiram …. evidentemente isso não é verdade.

Vamos então a uma viagem no tempo-espaço, para a época e local onde foi criada a primeira série duradoura de concertos por assinatura, como as que temos hoje: Paris, no início do século XVIII

Durante o século XVII, a França viveu um espetacular processo de centralização do poder, com a figura daquele homem que dizia ser, ele mesmo, a encarnação do estado: Luis XIV.

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L’etat, c’est moi – o estado sou eu!

Há quem diga que Luis XIV pronunciou essa frase em 1655, diante de todos os parlamentares franceses. E há quem diga que ele nunca o fez!

De qualquer modo, uma coisa é certa: alguns anos mais tarde, instalado no gigantesco palácio de Versalhes, fez dele o centro de poder de toda a França.

O Rei Sol cercou-se de uma gigantesca corte, que vigiava e controlava, usando de diversas artimanhas, entre elas, o teatro, a dança e a ópera!

Mas nada de concertos sinfônicos: eles ainda não existiam!

Enquanto isso, em Paris, que fica a quase 30 quilômetros de distância, coisas diferentes aconteciam.

Foi lá que um dia surgiu a idéia de usar os músicos da Orquestra da Ópera – que era bem grande para a época, com seus 48 integrantes – em apresentações puramente musicais.

Esta série de concertos parisiense tem até data certa de nascimento: 18 de março de 1725, 10 anos depois da morte de Luis XIV.

Eram os “Concertos Espirituais”.

A primeira pergunta que vem à mente é: por que esse nome?

Porque a série começou com o objetivo de promover trabalho para os músicos durante o período da quaresma, quando os grandes teatros da cidade ficavam fechados.

Nos primeiros concertos da série a idéia era fazer música sacra, justamente por causa da quaresma.

Um dos compositores que tinha suas obras executadas com frequência era Jean-Joseph de Mondonville.

Mondonville, além de um exímio violinista e compositor de obras para esse instrumento, escreveu óperas e Grandes Motetos, um gênero muito querido dos parisienses.

Jean-Joseph Cassanéa de Mondonville: “Gloria Patri” , parte do Grande Moteto Venite Exultemus.
Quire Cleveland and Les Délices. Maestro Scott Metcalfe.
Solistas: Sarah Coffman e Elena Mullins.

Outro grande compositor francês daquele tempo, cujas obras eram ouvidas nos “Concertos Espirituais” foi Marc-Antoine Charpentier.

Charpentier foi um compositor extremanente prolífico, tendo deixado uma enorme quantidade de obras em diversos gêneros: óperas, Pastorales, música incidental para teatro, balés, peças instrumentais, e música sacra.

Além da quantidade, chama a atenção a qualidade. É mesmo música de primeira.

Charpentier trabalhou com o maior dramaturgo françês de seu tempo, Jean-Baptiste Molière. Foi ele quem compôs a “trilha-sonora”, digamos assim, para uma de seus textos mais conhecidos: O Doente Imaginário.

São muitos os trabalhos para teatro feitos por Charpentier.

Marc-Antoine Charpentier – Intermèdes nouveaux du Mariage forcé (1672). Execução do conjunto “Les Arts Florissants, dirigido por William Christie.

Os Concertos Espirituais faziam sucesso e tornou-se uma série duradoura. Mas mudanças eram necessárias, e elas aconteceram em 1762.

Um novo diretor assumiu e teve uma idéia brilhante: introduzir na programação competições musicais!

Isso criou enorme entusiasmo no público.

Esse novo diretor chamava-se Antoine Dauvergne.

Ele também era compositor da corte de Versalhes, tendo composto óperas e balés. Mas era também exímio violinista e escreveu muita música instrumental. Desta produçao destaca-se um gênero que ele chamou de “Concert de Sinphonies” – que eram na verdade suítes, ou seja, sequências de peças instrumentais. Com essas peças chegamos finalmente à música puramente intrumental executada em concertos públicos!

Dauvergen: Concert de simphonies a IV parties, Op. 3 No. in F Major: VI. Allegro I & II · Cappella Coloniensis · William Christie

Na próxima postagem continuaremos a falar dos Concertos Espirituais parisienses, saindo do barroco e entrando no período clássico!

OUTROS BOLEROS

Já me perguntaram diversas vezes: existem na música erudita outros boleros além do de Ravel?

E se existem, qual a diferença entre eles, e os boleros cubanos?

Esse é um tema interessante! Vamos a ele, portanto!

Para começar digo que o Bolero Cubano não tem mesmo nada a ver com o Bolero Espanhol. A diferença é em essência, ritmica.

O Bolero Espanhol é em ritmo ternário, ou seja, de três tempos, enquanto o bolero cubano é em ritmo binário, de dois tempos.

Vejamos primeiro o bolero cubano, que é muito conhecido. Ele surgiu na américa latina, em Cuba e no México, derivado da Habanera.

A Habanera foi importada pelos compositores eruditos, e seu exemplo mais conhecido é, sem dúvida, aquela que faz parte da ópera Carnem, de Georges Bizet.

Carmen – Habanera (Bizet; Anna Caterina Antonacci, The Royal Opera)

Se fizermos uma pequena alteração no ritmo básico da Habanera, temos o ritmo do Bolero Latino Americano.

Essa pequena alteração feita no ritmo original aconteceu provavelmente por influência africana. Associando-se a ela um outro espírito, geralmente uma canção sentimental, com melodia suave e flexível, estava criado o Bolero da América Latina.

Eis um delicioso exemplo …

Bolero “Total”, de autoria de Ricardo Garcia Perdomo, cantado aqui por Bienvenido Gandra.

Vejamos agora o ritmo do bolero espanhol. Ele é completamente diferente daquele do bolero latino-americano.

O autêntico bolero espanhol nasceu no final do século XVIII. Para conhecê-lo podemos recorrer a um compositor espanhol dessa época, Fernando Sor, que viveu entre 1778 e 1839, ouvindo de sua autoria uma pequena cancão de espírito popular. Seu acompanhamento ao violão faz nitidamente o ritmo do bolero.

Fernando Sor, “Se dices que mis ojos”. Marta Almajano, Soprano. J.M. Moreno, Guitarra.

O bolero rapidamente se disseminou pela Europa e influenciou compositores de outros países. Eu acho especialmente interesante ouvir compositores de outras nacionalidades experimentando com este gênero espanhol.

O compositor francês Daniel Auber, embora esteja esquecido hoje, fez muito sucesso em Paris no início do século XIX, e era muito admirado por Rossini.

A abertura da sua ópera “Le Domino Noir” começa com um delicioso bolero, que depois desemboca em uma valsa. É um excelente exemplo para compararmos os dois gêneros.

Auber: Le Domino noir, Overture · English Chamber Orchestra · Richard Bonynge

Frèdèric Chopin viveu m Paris, na 1ª metade do século XIX, e também é autor de um bolero. Pouca gente sabe disso, visto que esta é uma de suas peças menos conhecidas.

Chopin a compôs em 1833, e há quem diga que ele se inspirou num Bolero composto por Auber alguns anos antes para uma outra ópera.

Os boleros que ouvimos até aqui estão bem próximos do espírito da música popular, mas o de Chopin é bastante diferente. O seu ritmo típico está lá… mas a obra, em seu todo, é de um espírito sofisticado, bem distante da dança popular original.

Chopin: Bolero in A minor, Op. 19. Nicolay Khozyainov.

Franz Liszt era húngaro, também viveu em Paris e foi amigo de Chopin.

Como o Bolero de Chopin, o de LIszt também é muito pessoal, sofisticado, distante do espírito popular, e certamente servia para que ele mostrasse sua assombrosa técnica ao piano.

A peça faz parte de uma obra maior: 6 Soirées Italiennes, ou em Português, 6 noitadas italianas. São 6 movimentos, e o sexto – A cigana espanhola – é justamente um bolero.

Soirees italiennes, S. 411/R. 220: No. 6, La zingarella spagnola: Bolero · Gianluca Luisi

Fiquemos ainda em Paris, para ouvir um bolero de Hector Berlioz. Trata-se de Zaïde, uma peça para soprano, castanholas e orquestra, escrita em 1845. As décadas se passavam e o bolero continuava interessando os compositores da França

Zaïde-Bolero para Soprano e Orquestra. Laura Aikin, Soprano SWR Sinfonieorchester Baden Baden und Freiburg, maestro Sylvain Cambreling.

Agora vamos sair da França, para constatarmos o sucesso do bolero em outros países.

Na Alemanha Carl Maria von Weber havia composto em 1821 a ópera O Franco Atirador, que se tornou um imenso sucesso. Nesta obra tão tipicamente alemã, Weber não deixou de incluir uma belíssima aria em ritmo de bolero…

Carl Maria von Weber: “Ein schlanker Bursch gegangen”, da ópera O Franco Atirador.
Lucia Popp, Orquestra da Rádio de Munique, maestro Hans Zanotelli.

Os Russos também se encantavam pela música espanhola.

Tchaikovsky, por exemplo, incluiu este bolero no seu balé “O Lago dos Cisnes”.

Tchaikovski, “Dança Espanhola”, terceiro ato do balé “O Lago dos Cisnes”.
Nva Filarmônica de Moscou.

Aquelas típicas canções russas para voz masculina super grave ganharam uma belíssima versão em ritmo de bolero, pelas mãos de Mikhail Ivanovich Glinka (1804-1857)

Mikhail Ivanovich Glinka : “Ó, minha linda donzela”
Dmitri Hvorostovsky, baritono. Mikhail Arkadiev, piano.

Até o italianíssimo Giuseppe Verdi gostava de boleros. Um exemplo é aquele que encontramos em uma de suas óperas mais célebres, “I Vespri Sicilian”. É uma aria chamada “Mercè, dilette amiche”.

Giuseppe Verdi: Mercè, dilette amiche, da ópera I Vespri Siciliani.
Maria Calas, Orquestra Filarmonia dirigida pelo maestro Tulio Serafim.

Esses boleros são obras pouco tocadas e nos dão uma boa idéia da evolução e importância desse gênero que inspirou a obra mais conhecida de Ravel!

A sonata barroca

No século XVII, ainda não havia as salas de concerto como conhecemos hoje. Ouvia-se música na Igreja, ou então, em casa. E quem podia – ou seja, o aristocrata rico que morava em um palácio -tinha sua própria orquestra.

Cara leitora, caro leitor, a música doméstica era realmente um luxo, algo para poucos. Mas era efetivamente cultivada, de modo que a prática de manter um grupo de músicos em casa, contratados como parte da criadagem, disseminou-se rapidamente entre as famílias prósperas de diversos países.

Por exemplo, em 1601, o Duque da cidade de Mantua contratou, com o título de “maestro de la camera e de la chiesa”, um dos maiores músicos de todos os tempos: Claudio Monteverdi.

Vejam só: maestro da igreja, e do palácio. Foi nesses dois ambientes que se produziu a música mais sofisticada daquele tempo.

Existia, portanto a música feita para ser tocada nas igrejas, e a música para ser tocada nas casas, nos palácios.

Estamos falando do século XVII, e não custa relembrar que, até o comecinho deste século a música mais sofisticada era vocal; a música instrumental estava apenas começando a se desenvolver.

Naquele tempo as palavras toccata e sonata eram usadas genericamente para se referir a obras puramente instrumentais. Evidentemente, à medida que a música instrumental evoluia, foram surgindo gêneros mais específicos. Dois se destacaram: a sonata da chiesa e a sonata da camera.

Se a música puramente vocal da época se dividia em dois gêneros, a feita para a igreja e a feita para o ambiente doméstico, nada mais natural que o mesmo acontecesse com a música instrumental.

Muitos compositores escreveram sonatas dos dois tipos, de modo que 100 anos depois, no início do século XVIII, chegou-se ao ápice do gênero, com as sonatas de Arcangelo Corelli.

Música barroca Música do Período Barroco Corelli

Nós hoje consideramos o violino com um dos instrumentos musicais mais nobres, mas sofisticados. O líder de toda a orquestra, o spalla, é sempre um violinista; alguns violinos chegam ser tratados como verdadeiras obras de arte, com seus preços chegando a mais de um milhão de dólares.

É difícil portanto, imaginar um tempo em que o violino era um instrumento rústico, usado somente na música folclórica européia. Mas de fato era assim, e no seu admirável processo de amadurecimento, é fundamental a figura de Corelli. Ele foi o primeiro compositor cuja notoriedade foi construída a partir de música instrumental, em especial para o violino. Foi o grande primeiro mestre da sonata barroca, de câmara e de igreja.

A essa altura é preciso responder à pergunta que certamente está agora na cabeça de vários leitores: qual é, ao final das contas, a diferença entre a sonata de câmara e de igreja?

Bem, a idéia geral é simples: a sonata de igreja é mais séria, mais austera que a sonata de câmara.

Muito bem, mas como o compositor estabelece esta diferença?

Em primeiro lugar, usando ritmos de dança na sonata de câmara …. e não os usando na de igreja.

Tomemos então como exemplo a sonata opus 5 no. 9 de Corelli. Ela começa com um movimeto lento de caráter leve, delicado. Em seguida temos duas danças, uma giga, e uma gavotta Entre elas, um breve movimento lento, que dura menos de um minuto. É uma autêntica Sonata da Camera!

Grzegorz Lalek – violino barroco Lilianna Stawarz – cravo

Se a sonata de câmara têm um elemento característico – a presença das danças – é de se deduzir que algo análogo aconteça com a sonata de igreja. E o elemento característico desta é o contraponto, a polifonia

Um dos gêneros musicais mais antigos, que vem dos primeiros tempos da evolução da música instrumental é a dobradinha prelúdio-fuga. Ela está fortemente associada música religiosa tocada ao órgão.

Pois bem, na Sonata opus 5 no. 1 de Corelli há duas dobradinhas prelúdio-fuga. E essas dobradinhas estão separadas por um breve movimento rápido, de apenas um minuto, de caráter brilhante e virtuosístico, em que o violinista demosntra suas habilidades.

Intérpretes: Rémy Baudet, Jaap ter Linden & Pieter-Jan Belder .

Espero que você tenha apreciado essa postagem. Ficarei feliz se você deixar seu comentário!

Saudações Sonoras do maestro João Maurcio Galindo.

Sonata: o que é?

O que é uma Sonata?

A palavra sonata é mais uma daquelas que confunde muita gente; isso porque ela não se refere a um tipo específico de música.

Sonatas podem ser muito diferentes; uma sonata do início do século XVII é muito diferente de uma sonata do início do século XVIII, e as duas são diferentes de uma sonata feita no século XIX.

Neste artigo vamos nos ater à sonata clássica, aquela que se se desenvolveu e consolidou durante a segunda metade do século XVIII.

As sonatas clássicas bem conhecidas pelos amantes de música de concerto dos dias atuais são principalmente as de Wolfgang Amadeus Mozart e Franz Joseph Haydn.

Elas têm um modelo muito bem definido, que é o seguinte: três movimentos, sendo o 1º em andamento rápido, o 2º em andamento lento, e o 3º em andamento rápido.

Mas isso não é tudo!

O 1º movimento é o mais desenvolvido, é aquele em que o compositor mais usa suas habilidades intelectuais, trabalhando inteligentemente o desenvolvimento dos temas.

O 2º movimento é mais afetuoso, emocional.

O 3o. movimento é o mais divertido, quase sempre em ritmo de dança.

Assim, além de andamentos contrastantes, cada um tem uma personalidade própria.

Para compreender bem esse modelo, uma boa idéia é ouvir uma sonata curta, concisa, em que essas características sejam bem claras.

Sugiro assim a sonata para piano de Mozart, catalogada com o número KV 545, conhecida como “Sonata Semplice”.

Eu sugeri esta sonata por ser bem curta, concisa e objetiva.

Mas agora vamos avançar um pouco.

Há duas coisas para dizer:

1ª: a grande maioria das sonatas dessa época eram mais muito mais longas, bem mais desenvolvidas.

2ª: elas não tinham que ser necessariamente para piano.

Esse modelo podia ser aplicado a qualquer instrumento ou combinação instrumental.

Uma combinação consagrada era o piano mais um instrumento melódico qualquer, como o violino, o violoncelo, a flauta, etc.

Sugiro então a audição de uma sonata que tem essas duas características.

Ela dura cerca de 2o minutos – contra 10 minutos da Sonata Semplice de Mozart

Trata-se de uma sonata para Viola e Piano de Johann Nepomuk Hummel, que foi contemporâneo de Beethoven.

Embora seja pouco conhecido hoje em dia, Hummel é um típico representante do classicismo, muito admirado em seu tempo tanto como pianista como compositor.

Aqui temos os três movimentos em links separados.

Este é portanto o modelo, o padrão básico da sonata clássica; mas agora atenção: os padrões da música clássica não são, como muita gente pensa, assim tão rígidos.

Sobre eles são possíveis muitas variações, e é isso que vamos conferir ouvindo uma das sonatas para piano de Beethoven, conhecida pelo apelido de “A Caça”

É a sua sonata de número 18, escrita quando ele tinha 32 anos de idade.

É uma obra que introduz algumas modificações na estrutura da sonata clássica, mas sem perder sua essência.

Em primeiro lugar, temos quatro e não três movimentos.

O primeiro movimento é em andamento rápido.

O segundo movimento não é lento e afetuoso, como seria de se esperar. Também é rápido, mas tem um caráter bem diferente do movimento anterior.

É mais descontraído,contrastando com a seriedade do anterior.

Temos então mais um pequeno desvio da forma original da sonata. O terceiro movimento é um minueto – uma dança, portanto. Mas ele apresenta o caráter delicado e afetuoso que faltou no movimento anterior.

Mantendo o padrão tradicional, a sonata se encerra com um movimento rápido em ritmo de dança.Presto com fuoco: rápido e com fogo!

Espero que as informações tenham sido úteis.

E que a musica lhe tenha sido encantadora!