Dia dos pais musicais: Leopold Mozart.

Leopold Mozart. Pai de Amadeus Mozart.

Milagre.

João Jorge Leopoldo Mozart nasceu na cidade austríaca de Augsburgo em 1719. Era um homem religioso. Na meia-idade, acreditou estar presenciando um milagre.

São suas as seguintes palavras, escritas em uma carta datada de julho de 1768, quando tinha 49 anos de idade:

“Eu devo esta tarefa a Deus Todo Poderoso, senão serei a mais ingrata de todas as criaturas. E se for meu dever convencer o mundo da veracidade deste milagre, assim será. Especialmente hoje, quando as pessoas estão ridicularizando o que quer que seja chamado de milagre, e negando todos os milagres”.

Esse milagre, que ainda segundo ele “Deus deixou nascer em Salzburgo”, era o imenso e precoce talento musical demonstrado por seus dois filhos, Maria Ana e João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.

Um homem de cultura.

Leopoldo Mozart era um intelectual, o único a viver em Salzburgo em seu tempo. Apesar de não pertencer a uma família aristocrática, teve acesso a uma excelente educação.

Havia freqüentado uma escola Jesuíta em Augsburgo, sua cidade natal.

Mudou-se para Salzburgo aos 18 anos de idade. La ingressou na Universidade Beneditina onde graduou-se em folosofia.

Embora religioso, não era profundamente devoto. Sua educação racional fez dele um homem bastante sóbrio e crítico. Sua religiosidade era temperada pelas idéias do iluminismo, que pouco a pouco ganhavam a Europa.

Porém, quando se deu conta do assombroso talento de seus filhos, sentiu-se como que atingido por um raio.

Aquilo foi para ele uma revelação divina. Mudou substancialmente sua maneira de ver a vida.

Missão.

Foi então que Leopold Mozart decidiu entregar-se totalmente à tarefa que eu citei há pouco: promover o desenvolvimento daqueles talentos.

Aquilo tornou-se para ele era uma obrigação para com Deus.

Segundo sua filha Maria Anna, em 1760, quando estava com 41 anos e no auge de sua criatividade, Leopoldo deixou de lado as aulas de violino e a composição.

Todo o tempo que não era usado para realizar as suas obrigações profissionais, ele dirigia para a educação musical dos dois pequenos.

Nessa altura Leopoldo já havia escrito muita música. Dentre tudo o que conhecemos dele há muita música de ocasião. São peças muito simples encomendadas para situações específicas da corte, como festas ou cerimônias civis e religiosas. Algumas delas são deliciosas de ouvir.

Obra pouco avaliada.

Avaliar a real importância da obra de Leopoldo Mozart no contexto da música erudita européia, é algo que esbarra em dois problemas:

1º) Sabe-se com certeza que muitas de suas partituras se perderam.

2º) Ninguém conseguiu até hoje fazer uma relação cronológica das obras que restaram.

De toda a obra de Leopoldo, o que mais se grava são as obras que pertencem à categoria de … pitorescas.

Aqui vão alguns exemplos:

– Sinfonia dos Brinquedos. Nela são utilizados instrumentos de brinquedos, como tambores, cornetas ou matracas.

-A Sinfonia da Caça. Sua escrita musical imita galopes, pássaros, latidos. Nas execuções costumam ser introduzidos sons de apitos e tiros.

-Uma sinfonia intitulada “O Casamento Campestre”. Nesta ouve-se sons de instrumentos rústicos como gaitas de foles e violas de roda.

E por aí afora…

Esse repertório exótico é bem fácil de encontrar, ao contrário de sua música sacra. Nesta seu talento musical mais elevado teve a oportunidade de se desenvolver.

Segundo uma de minhas fontes preferidas e de alta confiabilidade, o Grove Dictionary of Music and Musicians, um bom exemplo do alto nível em que a música de Leopoldo Mozart chegou é a “Litanie de Venerabili Sacramento”. “Ladainha do Venerável Sacramento”, em português.

Pois acreditem, caros leitores: não encontrei nenhuma gravação dessa obra!

Filho e Filha.

Maria Anna, a filha mais velha de Leopoldo, era tão talentosa quanto o pequeno Amadeus.

Maria Anna Mozart. Irmã de Mozart.

Fez várias viagens com seu pai e irmão. Nelas exibia sua técnica e musicalidade ao piano para platéias de nobres e poderosos em cidades como Munique, Paris e Londres.

Porém, aquela época não favorecia o sucesso professional das mulheres. A partir de 1769, quando completou 18 anos, Maria Anna passou a exibir sua musicalidade apenas dentro de casa. Enquanto isso seu irmão Amadeus viajava e afirmava-se como compositor.

Houve um momento em sua juventude que Maria Anna começou a compor. Sabemos disso graças à correspondência que trocava com seu irmão. Este, aliás, a adorava e a encorajava profundamente.

Contudo, infelizmente nenhuma de suas partituras sobreviveu.

Ela casou-se aos 33 anos de idade com um magistrado da cidade de Saint Gilegen. Teve três filhos, tornando-se uma dona de casa.

Em 1801, aos 50 anos, ficou viúva. Retornou a Salzburgo com seus filhos, para uma vida simples e pacífica.

Lá manteve-se ativa como professora de piano. Muitas pessoas importantes da cidade encaminhavam seus filhos para estudar com a irmã do grande Amadeus Mozart.

Faleceu solitária e pobre em 1829, com 78 anos de idade.

As Viagens de Amadeus.

Leopoldo Mozart é às vezes criticado pelas longas e penosas viagens que fez com o pequeno Amadeus. Credita-se a elas a saúde frágil que ele veio a presentar no futuro.

Essas viagens, contudo, eram penosas também para Leopoldo. Precisava conseguir longos períodos de licença, o que desgastava sua relação com seus patrões. Isso afetava profundamente seu precário equilíbrio financeiro.

Porém o extraordinário desenvolvimento do pequeno Amadeus como artista, e a assombrosa maturidade que alcançou ainda joven, seriam inimagináveis sem essas viagens.

Nelas, além de mostrar seu talento, ele aprendeu muito. Teve também a oportunidade de freqüentar ambientes musicais muito mais ricos que o de sua pequena Salzburgo.

A Itália, principalmente, era a grande referência musical da época. Todo músico em ascenção precisava conhecer a vida musical italiana.

Na Italia o jovem Mozart conheceu Sammartini, Piccini, e principalmente Padre Martini, um dos maiores professores de música daquele tempo.

Obras a Quatro Mãos.

Todo mundo já deve ter ouvido falar que o pequeno Amadeus Mozart compôs sua primeira música aos 5 anos.

Ele realmente começou a escrever pequenos minuetos e outras peças simples nessa idade. Contudo, com certeza, a mão de seu pai Leopoldo o ajudava a segurar a caneta – ou melhor, a pena.

Aliás, todas partituras que Amadeus Mozart escreveu até completar 14 anos, são repletas de reparos e correções feitas com a caligrafia de seu pai.

Papai Amadeus.

Assim como seu pai Leopoldo, Amadeus Mozart teve vários filhos, e só dois chegaram à idade adulta.

Dos dois só um seguiu a carreira musical: Francisco Xavier Mozart. Ele nasceu em 1791, poucos meses antes da morte do pai, e faleceu em 1844, com 53 anos de idade.

Farnz Xaver Mozart. Filho de Mozart.

Francisco Xavier Mozart também demonstrava um grande talento musical. Salieri declarou que ele certamente desenvolveria uma carreira comparável à de seu pai.

Francisco começou a compor muito jovem. Pianista e violinista, aos treze anos fez sua primeira apresentação pública.

Mas não era fácil ser filho de quem era. Francisco, apesar de muito bom músico, sempre subestimava seu próprio talento. Temia que suas obras fossem sistematicamente comparadas com as de seu pai.

Além disso, foi um daqueles compositores que viveu numa época um tanto difícil: a passagem do classicismo para o romantismo, sob a sombra de Beethoven.

Em alguns momentos Francisco Xavier ainda é bastante clássico. Em outros, já soa claramente romântico.

O Mozarteum.

Francisco viveu 20 anos numa cidade alemã chamada Lemberg, lecionando, fazendo recitais, e regendo.

Foi o fundador da 1ª escola de música da cidade.

Aos 47 anos voltou para Viena, e posteriormente mudou-se para Salzburgo. Lá foi nomeado “mestre de capela” do Mozarteum.

O Mozarteum de Salzburgo foi uma associação criada por volta de 1840, graças aos esforços da viúva de Amadeus Mozart. Tinha como missão “o refinamento do gosto musical em relação à música sacra e também à música de concerto”.

As atividades da associacão tornaram-se no século XIX o centro da vida musical da cidade.

Mozarteum de Salzburgo

A associacão cresceu e entre 1910 e 1914 construiu um prédio com duas salas de concerto. Hoje quando se fala no Mozarteum de Salzburgo, refere-se a elas.

O Filho Não Músico.

O irmão mais velho de Francisco Xavier era Carlos Tomás Mozart, que viveu entre 1784 e 1858.

Karl Thomas Mozart. Filho de Mozart.

Carlos estudou piano em Viena quando jovem, e demonstrava muito talento.

Seus interesses, no entanto, oscilavam entre o piano e outras atividades. Em 1810, aos 26 anos, ele desistiu definitivamente da música como profissão. Tornou-se um oficial a serviço do Vice-Rei de Nápoles em Milão.

Desde 1797 radicou-se na Itália e de lá nunca mais saiu.

Nem Carlos nem Francisco tiveram filhos. Terminou com eles a descedência direta de um dos maiores músicos que a humanidade gerou: João Crisóstomo Lupicínio Amadeus Mozart.

A Música de Leopold

Para finalizar, um pouco da música esquecida de papai Leopold Mozart.

Clicando no link abaixo você ouvira um belo concerto para trompete e cordas de sua autoria!

As Cartas de Beethoven.

Beethoven é talvez o melhor exemplo de uma tendência de todos nós que gostamos de música de concerto. Costumamos pensar nos grandes compositores como se não fossem humanos!

É como se fossem quase deuses, seres especiais dotados de um dom invejável. Homens e mulheres que fizeram sua trajetória nesse mundo sem ter que se importar com as pequenas e mundanas coisas do dia a dia, como as tarefas de subsistência.

Para sairmos desse devaneio, nada melhor do que ler os depoimentos que eles deixaram para a posteridade, em cadernos de anotações, margens de livros, cartas, etc.

Esses depoimentos nos trazem informações curiosas, algumas muito importantes, e outras que podem ser muito divertidas.

Neste artigo, algumas linhas escritas pelo próprio punho de Beethoven!

Beethoven
Beethoven com cerca de 30 anos.

Bilhetes enviados a Hummel.

Vamos começar com dois bilhetes de Beethoven, enviados ao colega pianista e compositor Johann Nepomuk Hummel. São muito divertidos!

O 1º bilhete diz o seguinte:

” Não se atreva a procurar-me de novo! És um cão traiçoeiro e que a carrocinha carregue os cães traiçoeiros”

No dia seguinte Beethoven escreveria a Hummel este segundo bilhete…

“Ceninho do meu coração,

Você é um sujeito correto, reconheço que vc estava com a razão; venha, pois, hoje de tarde em casa, Schuppanzigh também estará aqui. Vamos repreendê-lo, amassá-lo e despedaçá-lo de tal maneira que ele vai achar uma delícia.

Beijos do seu Beethoven.”

Mas quem foi Hummel?

Johann Nepomuk Hummel viveu entre 1778 e 1837, tendo nascido 8 anos depois de Beethoven.

Hummel, pianista e compositor,

Foi pianista e compositor muito admirado em seu tempo, embora hoje seja conhecido por poucos.

Hummel foi aluno de Mozart e grande amigo de Beethoven.

E quem foi Schuppanzigh?

Agora vamos ver quem foi Schuppanzig, a quem Beethoven se refere.

Schuppanzigh

Ignaz Schuppanzigh viveu entre 1776 e 1830; era um violinista que se estabeleceu como virtuoso com apenas 21 anos de idade. Foi professor de violino de Beethoven e mantiveram-se amigos por toda a vida.

Apesar de desconhecido, teve um papel importantíssimo na evolução da música européia: foi o líder do primeiro quarteto de cordas profissional da história, o quarteto do Conde Razumovsky.

Antes a música para quarteto de cordas era sempre tocada por amadores.

Beethoven dedicou a Schuppanzigh três quartetos magníficos, os de opus 59 nº 1, 2 e 3, conhecidos justamente por Quartetos Razumovsky.

Cartas para os editores.

Vamos agora a outro capítulo da comunicacão epistolar Beethoveniana: as cartas, muitas, que ele enviava para seus editores.

Neste caso o destinatário era Franz Anton Hoffmeister, e a carta foi enviada em janeiro de 1801.

“… estou às suas ordens e lhe ofereço no momento as seguintes obras:

– o septeto de que lhe fiz menção e que pode ser transcrito para o piano a fim de se obter uma divulgação mais ampla e um lucro maior, por vinte ducados.

– a Sinfonia por vinte ducados.

– o Concerto para piano por 10 ducados.

– grande sonata solo, por vinte ducados.

E agora vamos aos comentários: deve estar espantado por eu não fazer nenhuma distinção entre sonata, septeto, sinfonia quanto ao preço.

Faço-o assim porque sei muito bem que há menos procura por septetos ou sinfonias que por uma sonata, embora uma sinfonia valha muito mais.

Peço apenas 10 ducados pelo concerto porque não o coloco entre minhas obras mais bem sucedidas…”

Veja só aqui caro leitor, um exemplo da severa autocrítica de Beethoven, desmerecendo uma de suas próprias obras.

Beethoven estava se referindo ao concerto para piano nº 1, opus 19, em si bemol maior, que hoje esta catalogado como nº 2

E acrescentava:

“Deveria haver um único mercado de arte no mundo; o artista simplesmente mandaria para lá as suas obras e receberia tanto quanto necessita; da maneira como as coisas são, cada um deve ser meio comerciante acima de tudo….”

E aqui vemos o outro lado: a luta de Beethoven para manter-se como artista independente, vivendo apenas de suas composições.

Na época ainda não havia lei nem arrecadação de direitos autorais; o compositor vendia sua obra por uma quantia específica e não recebia mais nada por ela.

Aliás, este editor com quem Beethoven se comunicou, Franz Anton Hoffmeister, era também compositor. Ele viveu entre 1754 e 1812, deixou 8 óperas, mais de 50 sinfonias, muitos concertos e música de câmara.

Hoffmeister,
Franz Anton Hoffmeister.

Beethoven Marqueteiro?

Seguimos com outro trecho de uma carta enviada ao mesmo Franz Anton Hoffmeister, em abril de 1802.

Ele mostra como já naquela época os editores sucumbiam a toda idéia marqueteira que surgisse e pudesse render um bom dinheiro…

Assim diz Beethoven:

“Será que o diabo está cavalgando na cabeça dos senhores, cavalheiros?

Sugerir que eu deveria escrever uma sonata revolucionária? No tempo da febre revolucionária teria valido a pena considerar a proposta, mas agora, que todas as coisas estão tentando voltar à velha rotina, agora que Bonaparte fez sua concordata com o papa ….nesse caso eu empunharia uma pena e confiaria ao papel um Credo com notas enormes que valeriam uma libra cada.

Mas bom Deus, uma sonata dessa espécie no começo de uma nova era cristã…oh!oh!…. excluam-me disso, pois não resultará em nada!”

Em lugar da tal sonata revolucionária Beethoven escreveu sua belíssima sonata opus 22, e a dedicou a um aristocrata, o conde Bowne.

Fala um aluno de Beethoven.

Vejamos agora não um depoimento do próprio Beethoven, mas de um grande músico que foi muito ligado a ele: Carl Czerny.

Czerny, aluno de Beethoven
Carl Czerny

Czerny é muito conhecido por todo mundo que estudou piano. Ele deixou vários trabalhos pedagógicos, livros com exercícios e estudos para jovens pianistas, que são usados até hoje.

Czerny era vienense, viveu entre 1791 e 1857, e foi aluno de Beethoven.

Eis o que ele deixou escrito sobre seu mestre.

“Encontrei-me pela primeira vez com Beethoven por volta 1798 ou 1799. Tinha 7 ou 8 anos de idade.

Ainda naquela época, entre 1798 e 1799, o mestre não dava o menor sinal de ter dificuldade de audição.

Ele pediu-me para executar algo imediatamente, e tive muita vergonha de começar por uma de suas composições. Então toquei o grande concerto em do maior de Mozart.

Beethoven ficou atento, aproximou-se da minha cadeira e, nas passagens em que me cabia tão somente o acompanhamento, tocou o tema da orquestra na mão esquerda. Suas mãos eram densamente cobertas de pelos, e os dedos, sobretudo nas pontas, eram muito largos.

Quando Beethoven exprimiu sua satisfação, revesti-me de coragem e toquei sua Sonata Patética, que acabara de ser publicada. Quando encerrei, Beethoven virou-se para o meu pai dizendo-lhe: ” o garoto tem talento, eu próprio lhe darei aulas. Mande-o a minha casa uma vez por semana”.

Czerny estudou com Beethoven por 3 anos, e em seguida tornou-se seu assistente e profundo conhecedor da obra do mestre. Era capaz de tocar de memória tudo o que Beethoven havia escrito para piano.

Czerny é o pai da moderna técnica pianística, e é a raiz de várias gerações de pianistas, que chegam até os dias de hoje.

Um exemplo: o maestro e pianista Daniel Barenboim, diretor da Ópera de Berlim, estudou piano com Edwin Fischer, que foi aluno de Martin Krause, que foi aluno de Liszt, que foi aluno de Czerny.

Segue mais um depoimento escrito deixado por Czerny.

“Nas primeiras aulas Beethoven manteve-me ocupado apenas com as escalas em todas as claves, mostrou-me a única posição correta das mãos, que era ainda desconhecida da maioria dos músicos da época, a posição dos dedos, e particularmente o modo de usar o polegar – regras cuja utilidade não avaliei plenamente senão muito tempo depois. Então me fez tocar os exercícios do manual e, principalmente, chamou minha atenção para o legato, que ele próprio dominava de maneira tão incomparável, e que naquela época todos os outros pianistas consideravam inconcebível…”

A Sinfonia Pastoral.

Vamos agora ouvir o que Beethoven pensava sobre sua Sinfonia Pastoral, a partir de um texto que ele deixou registrado em um de seus muitos blocos de anotações.

“Deixe-se ao ouvinte que descubra a situação. Sinfonia característica ou uma reminiscência da vida campestre. Todo tipo de descrição perde muito ao ser transladada em demasia na música instrumental.

Qualquer um que possua a mais tênue idéia da vida campestre não precisará de muitas notas escritas para poder imaginar por si próprio o que o autor pretende. Mesmo sem descrições poderá reconhecer tudo, pois se trata de um registro de sentimentos, em vez de uma descrição em sons.”

É Beethoven nos dizendo que a escuta musical deve ser ativa, participativa. Enquanto ouve, o ouvinte deve deixar sua imaginação trabalhar. A grande música não foi mesmo feita para entrar por um ouvido e sair pelo outro.

A Sinfonia Pastoral é a única que tem um título para cada movimento, criado pelo próprio Beethoven.

São eles:

  1. “Despertar de sentimentos alegres diante da chegada ao campo”
  2. “Cena à beira de um regato”
  3. “Dança campestre”
  4. “A tempestade”
  5. “Hino de ação de graças dos pastores, após a tempestade”

Assim, sugiro ao leitor que sintonize sua mente, imagine que está num campo florido em uma bela manhã de primavera, enquanto ouve o delicado 5º movimento da encantadora Sinfonia Pastoral de Beethoven.

É só clicar no link abaixo!

Mozart e o Classicismo

Muitos musicólogos divergem sobre a definicão desse estilo, mas convergem em um ponto: a obra de dois compositores austríacos são seu grande paradigma, o grande modelo. São eles Joseph Haydn e Wolfgang Amadeus Mozart.

Música clássica: nove sinfonias de Haydn que precisa de ouvir
Joseph Haydn (1832-1809)
Wolfgang Amadeus Mozart: músicas com letras e álbuns | Ouvir na Deezer
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)

Classicismo e Mozart: uma síntese

Os clássicos como Haydn e Mozart fizeram uma síntese de tudo o que acontecia em sua época: o contraponto, que já estava em desuso e remetia ao fim do barroco; o onipresente estilo galante; o estilo sensível; e o sturm und drang -Tempestade e Estresse em português.

Fazendo essa síntese, eles lançaram mão de um ingrediente fundamental: o equilíbrio! – nem o extremo racionalismo da música contrapontística, nem a frivolidade do estilo galante; nem os excessos emocionais do estilo sensível ou do sturm und drang.

Exagerado.

Para entender bem o que foi esse equilíbrio na música do século XVIII, nada como observarmos o oposto.

Clicando no link abaixo você poderá ouvir uma peça de um compositor cujo estilo era considerado “exagerado” por W A Mozart: Anton Schweitzer, alemão que vivweu entre 1735 e 1787. De Schweitzer, a abertura da ópera Alceste.

Concerto Köln. Regente: Michael Hofstetter

Esta peça, caro ouvinte, é uma típica abertura em estilo francês do século XVII, mas foi escrita no final do século XVIII, em 1773. Era algo completamente fora de moda.

Sobre esse compositor Mozart escreveu: “sua música não é natural, tudo nele é exagerado”

Mozart, Moderação

Segundo o musicólogo Daniel Heartz, Mozart recorrentemente ressaltava as virtudes da moderacão, que para ele eram o fio que permitia que os pensamentos musicais se sucedessem com naturalidade.

Talvez essa seja, caro leitor, uma das melhores definições do assim chamado “Classicismo Vienense”.

Para conferir este equilíbrio eu sugiro ouvir o 1º movimento da Sinfonia nº 36, de Mozart, apelidada de Sinfonia “Linz”.

Nesta peça nada é exagerado, nada é “over”, para falar na linguagem da moda. Quando parece que a emocão ou a energia vai transbordar, Mozart a contém e introduz algo de novo.

Scottish Chamber Orchestra. Regente: Sir Charles Mackerras.

Nada de Monotonia.

Este 1º mov da Sinfonia nº 36 de W A Mozart, é uma obra basicamente em estilo galante, mas que nunca cai em monotonia, sempre deixando o pêndulo oscilar para momentos de grandiosidade ou intimismo, mas nunca com exagero.

Para não ficarmos só no campo da Sinfonia, vamos mudar de gênero, indo agora para um concerto de Mozart.

Escolhi como exemplo o 1º movimento do seu Concerto nº 23, em Lá maior.

Este é em minha opinião uma absoluta obra-prima em se tratando de equilíbrio e bom gosto.

Pense em uma viagem…

Já aconteceu com vc, caro leitor, de fazer uma viagem, e na volta, chegando em casa, se sentir cansado e dizer: ufa, finalmente de volta. Isso é muito comum, não é? A praia estava ótima, o restaurante também, a companhia idem, mas quando chegamos em casa é um alívio.

E o contrário? Vc está chegando em casa, e tem aquela sensação de perfeição: a viagem não foi longa demais nem curta demais, nem cansativa. É bom estar de volta, e tudo parece ter sido perfeito.

Pois é isso o que eu sinto quando ouço essa peça.

Deguste cada segundo desta obra de Mozart, e depois me diga se você concorda comigo.

Vladimir Horowitz. Orquestra do La Scala de Milão. Regente: Carlo Maria Giulini.

Emoções.

Pois bem, um leitor pode perguntar: mas Mozart nunca se deixou levar por emoções mais fortes?

Aqui e ali, podemos sim observar essa tendência. Nas sinfonias há apenas um exemplo, a Sinfonia nº 25.

Esta é a única sinfonia de Mozart que se aproxima do estilo sturm und drang, e justamente por ser a única muitos estudiosos advogam que se trata de uma exceção, de um ponto fora da curva em sua produção sinfônica.

Nela, Mozart teria usado os elementos Sturm un Drang como um tempero, um flavorizante especial, nos momentos em que achava necessário.

Clicando no link abaixo, você ouvirá o seu 1o. movimento.

Academy of Sanit-Martin-in-the-Fields. REgente: Neville Marriner.

Minueto grotesco.

Outro exemplo interessante é o 3o. movimento desta mesma sinfonia, um minueto.

Mozart definiu um começo estranho, quase grotesco, muito estranho para uma dança que deve ser elegante. Isso é típico do estilo sturm und drang: chocar o ouvinte.

Mas na parte central da peça o que temos é o mais puro e genuíno estilo galante.

Clique no link abaixo para ouvi-lo.

Academy of Sanit-Martin-in-the-Fields. REgente: Neville Marriner.

Música de Câmara

Vamos agora para a música de câmara de Mozart, com uma peça que eu considero muito especial: o quinteto de cordas em do menor, índice Koechel 406.

O seu 1º movimento tem, em minha opinião, o pé bem fincado no Sturm und Drang: tonalidade menor, ritmo pulsante, harmonias e melodias apaixonadas, momentos de impacto, com grandes silêncios.

Uma peça envolvente, mas …. como sempre, no caso de Mozart …muito equilibrada!

Quarteto Amadeus e Cecil Aranowitz.

Esta é uma obra forte, marcada por elementos do estilo sturm und drang , mas subordinados à mais perfeita ordem e equilibrio classicos …. e porque não dizer …. Mozartianos.

Até a próxima postagem!

Cartas de Mozart – 1

Hoje vamos conhecer um pouco do homem Mozart; veremos o que ele pensava sobre música, família, amizades, suas ambições …. e até fofocas e maledicências.

Como podemos saber de tudo isso? Simples cara leitora ou leitor! A partir da leitura de alguns trechos de muitas das cartas de Mozart que foram preservadas.

Os trechos aqui transcritos são de cartas escritas por Mozart após fixar-se em Viena.

Mozart recém-chegado em Viena

Ele acabara de chegar na capital do Império Austro-Húngaro, um dos maiores centros musicais do mundo, após de pedir demissão de seu medíocre emprego em Salzburgo.

Mozart teve que lutar bravamente para sobreviver em Viena como um músico independente, contra a vontade do próprio pai.

A primeira preocupação era com a própria subsistência.

Nesta carta enviada a seu pai em 16 de junho de 1781, vemos Mozart tratando de dinheiro, e podemos notar como as coisas não mudaram muito para os músicos nos últimos 220 anos…

O senhor sabe bem que, para alguém que quer ganhar dinheiro, esta é a pior estação do ano. As famílias mais distintas viajaram para o interior, e assim não me resta outra coisa senão preparar-me para o inverno.

Neste momento conto apenas com uma aluna, a candessa Rumbeck. Poderia ter mais, é claro, se baixasse o preço, mas se o fizer o meu crédito cai. Calculo 6 ducados por 12 aulas e ainda aviso-lhes que só o faço por favor especial.

Prefiro 3 alunos que paguem muito bem a 6 que paguem mal. Mesmo assim só com essa aluna já dá para sobreviver, e por enquanto isso basta.

Escrevo-lhe isso para que não pense que lhe mando 30 ducados apenas por egoísmo. Fique tranqüilo, mandarei mais assim que tiver – e terei! Porém os outros não precisam saber qual a nossa situação.”

Ou seja: no começo, Mozart sobrevia apenas dando aulas de piano. Mas era um excelente pianista, e sua reputação nesse sentido era muito boa. Logo começou a se apresentar como pianista, tocando seus próprios concertos, e com isso conseguiu um bom dinheiro.

Clicando no link abaixo você poderá ouvir o 30. movimento do Concerto para Piano catálogo Koechel 482. Mozart compôs este concerto em 1785, quando estava em Viena havia 4 anos.

Mozart, Concerto para Piano KV 482, 3o. movimento. Daniel Barenboim e a Filarmônica de Berlim.

A 1a. grande oportunidade de Mozart.

Era agosto de 1781, quando Mozart teve sua primeira grande oportunidade em Viena: foi convidado para musicar um libreto, que resultaria numa de suas mais importantes óperas: O Rapto do Serralho.

Sobre isso Mozart escreveu ao seu pai em 1º de agosto.

Anteontem finalmente o jovem Stephanie me entregou um libreto. Ele pode ser um homem mau para com os outros, não sei e nem me importo com isso, mas devo dizer que comigo se comporta como um verdadeiro amigo. O libreto é bastante bom. É um assunto turco e o título é Belmont e Konstanze ou O Rapto do Serralho.

A abertura, um coro no 1º ato e o coro final escreverei para uma orquestra à moda turca. Estou tão contente com a encomenda que já terminei de escrever a 1ª aria da sra. Cavalieri, que fará um dos papeis principais, e da mesma forma a do sr. Adamberger, e o terceto que encerra o 1º ato.

É verdade que o prazo é curto, pois a intenção é estrear a obra já em meados de setembro, mas as circunstâncias que fazem com que a apresentação se realize nessa época, e também as novas idéias que brotam da minha cabeça, me agitam o ânimo a tal ponto que dirijo-me à escrivaninha sempre com a maior excitação e de lá preferia nem me levantar.

O grão-duque virá a Viena, e foi por isso que Stephanie me pediu para terminar a obra, se possível , em tão pouco tempo. Decerto será um ponto em meu favor eu ter aceito escrevê-la neste prazo tão curto.”

Apesar disso a composição da ópera acabou se extendendo por um ano!

A estréia foi tumultuada, mas o público gostou, e pouco a pouco ela se firmou no repertório.

Abaixo, de O Rapto do Serralho, a belíssima aria Hier soll ich denn sehen – Aqui então eu a verei, Konstanze, minha alegria.

Ryland Davies (BELMONTE), The London Philharmonic Orchestra, maestro Gustav Kuhn.

Idéias de Mozart sobre Estética.

Enquanto compunha o Rapto do Serralho, Mozart escreveu a seu pai em 13 de outubro de 1781, uma carta na qual há um trecho muito especial, um dos poucos textos em que Mozart fala de estética, e que o mostra não só como um músico genial, mas também um artista com um acurado senso teatral.

Agora, sobre o libreto da ópera. O sr. tem razão, mas os versos adequam-se muito bem ao caráter ignorante, grosseiro e mal intencionado do personagem Osmin. Apesar de eu saber que os versos não são perfeitos, eles se enquadram tão bem dentro dos pensamentos musicais que eu já tinha em mente, que acabei gostando deles…

Numa ópera, a poesia deve ser uma criança obediente da música. Por que as óperas cômicas italianas são recebidas por toda parte com tanto sucesso, apesar de todas as misérias que encontramos no texto? Até mesmo em Paris vi isso acontecer!

Porque nelas reina a música, e isso faz esquecer todo o resto. Naturalmente, o sucesso é maior ainda se todo o esquema da peça for bom, se as palavras forem juntadas à serviço da música e não por causa da rimas, que às vezes estragam por estrofes inteiras a concepção do compositor.

É claro que os versos são indispensáveis à música, mas as rimas somente pelas rimas só causam danos. Aqueles senhores que são demasiadamente pedantes nesse sentido certamente desaparecerão com suas músicas. O melhor é quando um bom compositor, que entende de teatro e que sabe ele mesmo dizer o que pretende fazer, e um poeta inteligente se encontram…”

Isso aconteceu na Ópera Don Giovanni, em que a música de Mozart vai além da beleza pura e simples, e acentua com perfeição as situações dramáticas.

É o caso da cena final, quando o fantasma do comendador surge, apavorando o imoral Don Giovanni.

A música de Mozart é soberba, refletindo perfeitamente o pavor de Dom Giovanni.

Don Giovanni (Samuel Ramey) Commendatore (Kurt Moll)

Teatro: uma paixão de Mozart!

Mozart realmente apreciava o teatro. Em 4 de julho de 1781 escreveu uma carta a sua irmã, na qual, entre outras coisas diz o seguinte:

Eu, graças a Deus, estou com boa saúde e com bom humor. Minha única diversão é o teatro. Gostaria que você assistisse aqui a apresentação de uma tragédia. Na verdade, não conheço nenhum teatro onde as peças de qualquer tipo fossem levadas de forma tão excelente como aqui.

Aqui, todos os papéis, mesmo o mais insignificantes, são desempenhados por bons atores, e todas as peças têm duplo elenco“.

Vamos ouvir mais um pouco da música operística de Mozart: da ópera Cosi fan Tutte – assim fazem todas – a aria Come scoglio – como uma rocha.

O texto diz: “Como uma rocha nos mantemos imóveis, suportando os ventos e as tempestades, confiando no amor”.

Fiordiligi: Dorothea Röschmann. Staatsoper Berlin. Daniel Barenboim .

Mozart não era fácil!

Caro ouvinte, apesar de genial – ou talvez por causa disso – Mozart não era fácil

Fofoca e maledicência são muito comuns em sua correspondência!

Veja como, nesta carta de 22 de agosto de 1781, enviada a seu pai, Mozart fala sem papas na língua de um amigo de ambos, um certo senhor Auerhammer , e de sua família.

Em tempos de politicamente correto, isso é totalmente inaceitável!

“O senhor Auerhammer é o melhor dos homens, apenas é um pouco bom demais! Porque lá em sua casa quem usa as calças é sua esposa, que é a mais limitada e boba tagarela do mundo.Quando fala, ninguém tem coragem de abrir a boca. O senhor Auerhammer, das vezes que fomos passear juntos, pediu-me que não contasse às suas mulheres, esposa e filha, que andamos de fiacre ou que tomamos algumas cervejas. Pois bem, como posso confiar em um homem que não pode abrir a boca em casa?”

Na mesma carta, mais adiante lemos:

“Não pretendo descrever a mãe, basta dizer que quando estamos juntos à mesa é difícil não romper em risos. O senhor conhece a sra. Adlgasser aí em Salzburgo? Pois essa peça é ainda pior, pois tem a boca suja também, portanto além de boba é mal intencionada. E agora a filha! Se um pintor quisesse retratar o diabo de modo fiel, bastaria recorrer ao seu rosto! Sua tanto que me causa náuseas, e anda desnuda como se carregasse um papel pendurado dizendo: “por favor, olhem para cá!

“Vade, satanás!”

Pois é! Mozart, compositor de obras sublimes, era uma pessoa com qualidades e defeitos, como qualquer outra.

Mozart e Muzio Clementi.

Em relação a seus colegas compositores, Mozart podia ser ainda mais ferino.

Muzio Clementi, respeitado pianista italiano, admiradíssimo por Beethoven, também não foi poupado, como vemos nesta carta de 7/6/1783.

Agora gostaria de dirigir algumas palavras à minha irmã a respeito das sonatas de Clementi.

Quem as toca ou ouve pode sentir que as composições não são relevantes. Partes que causem assombro ou que chamem atenção elas não possuem, exceto as passagens em sextas ou oitavas.

Peço à minha irmã que não perca muito tempo com isso, que tome cuidado para não estragar a posição correta das mãos, até agora tranqüilas e firmes, e que a mão não perca, por causa disso, sua leveza, agilidade e rapidez contínua.

Pois afinal, que vantagem isso traz? Se fizer as passagens de sextas e oitavas com a máxima velocidade ( o que, aliás, ninguém é capaz de fazer, nem mesmo o próprio Clementi), tudo virará apenas uma terrível monotonia e nada mais! Clementi é um charlatão, como todo italiano. Ele não possui nada – nada – o menor bom gosto ou interpretação, e muito menos sentimento.

Caro ouvinte, aí temos uma grande probabilidade de estarmos diante de um caso de inveja.

Clementi já era um músico internacionalmente famoso, enquanto ainda Mozart lutava por um lugar ao sol.

Clementi, por seu lado, reconheceu a importância de Mozart e aprendeu a admirá-lo.

Mozart tinha o direito de não gostar de Clementi, ou de quem quer que fosse. Contudo, chamá-lo de charlatão…. aí ele exagerou!

Clementi foi um músico excepcional, como pianista e como compositor. Beethoven era um grande admirador de suas sonatas para piano, e deixou-se influenciar largamente por ele.

Clicando no link abaixo podemos ouvir o belíssimo 1o. movimento de sua Sonata no. 25.

Maria Tipo, ao piano.

Mozart era amado em Praga!

Em 15 de janeiro de 1787, Mozart está em Praga – cidade que ele adorava – e de lá escreve uma carta ao seu amigo Barão Gottfried Jacquin, falando de um de seus sucessos.

Querido amigo!

… Ao chegarmos, na quinta-feira, dia 11 ao meio dia, imediatamente já tínhamos muito o que fazer para nos prepararmos até a 1 hora, para o almoço. Às 6 horas fomos de carro com o Conde Conac ao chamado baile de Breitfeld, onde costumam se reunir as flores mais bonitas de Praga. Isso é que teria sido algo de bom para o senhor, meu amigo! Vejo-o na minha imaginação – correndo? será?-não, capengando! atrás das belas mulheres e moças.

Não dancei e nem apalpei as mulheres. Não fiz o 1º porque estava cansado, e o 2º porque sou um tonto de nascença. Mas olhei com grande prazer as pessoas pulando com uma fruição íntima ao ritmo da música da minha Fígaro, transformada em contradança. Pois aqui não falam de outra coisa senão da Fígaro – não tocam, sopram, cantam e assobiam outra coisa senão a Fígaro -não assistem outra ópera senão a Fígaro e para sempre a Fígaro!

Abertura de “As Bodas de Figaro”. Sinfônica de Viena, maestro Fábio Luisi.

Mozart e Salieri numa boa!

A última carta de Mozart foi escrita em 14 de outubro de 1791, para sua esposa, que se encontrava em uma estação de banhos.

Nada nela nos faria pensar que menos de 2 meses depois ele estaria morto. Nesta carta Mozart conta como ficou feliz por ter levado o compositor Antonio Salieri à uma apresentação de sua última ópera, A Flauta Mágica.

Ele diz:

Ontem, dia 13, quinta-feira, às 6 horas, fui de carro buscar Salieri e a sra, Cavalieri, e os acompanhei até o camarote.

Você não pode imaginar como eles foram amáveis e como gostaram não apenas da música, mas também do texto e de tudo mais. Ambos disseram que esta é uma ópera que merece ser apresentada diante do soberano mais importante, por ocasião da cerimônia mais solene.

Salieri acompanhou e observou tudo com muita atenção, e da abertura ao último coro não houve um número sequer que não fizesse com que bravos e bellos partissem de seus lábios.

O trecho mais famoso dessa fantástica obra é sem dúvida a “Aria da Rainha da Noite”.


Diana Damrau. Filarmônica de Viena. Riccardo Muti.

A morte de Mozart.

Mozart viria a falecer no dia 5 de dezembro de 1791, à uma hora da manhã. Em 20 de novembro daquele ano ele deitou-se, mal conseguindo mover os membros do corpo, devido a inchaços dolorosos nas juntas dos braços e pernas. Vomitava muito, e para agravar, foi submetido a várias sangrias, o que pode até ter-lhe causado septicemia – por melhores que fossem as intenções dos médicos da época.

Uma das cunhadas de Mozart, Sophie, presenciou sua morte, e a descreveu anos mais tarde:

“Quando cheguei lá estava Süssmeyr, seu aluno, sentado junto à cama de Mozart. Na colcha estava o Requiem, e Mozart lhe explicava como, em sua opinião, ele deveria ser concluído, após sua morte.”

Essa história é muito contestada por diversos musicólogos, que a enquandram na enorme coleção de histórias fictícias que se sucederam à sua morte.

Para terminar, um trecho do Requiem.

Anna Tomowa-Sintow, Soprano. Helga Müller Molinari, Alto. Vinson Cole, Tenor .Paata Burchuladze, Baixo. Wiener Singverein Wiener Philharmoniker .Herbert von Karajan

Sublime, genial, maldoso, fofoqueiro, invejoso, amoroso, cordial…. humano!

Claude Debussy: o 1o. moderno.

No final do século XIX, o romantismo musical já mostrava sinais de desgaste. Embora muitos compositores de grande estatura tenham se mantido fiéis a ele até o começo do século XX, alguns outros procuravam por novas alternativas, na forma musical e na sonoridade.

Inspirar-se em fontes musicais que haviam por muito tempo sido excluídas da música européia era um dos caminhos possíveis, e um compositor que percebeu isso com muita clareza foi o francês Claude Debussy.

Impressionismo Debussy Arabesque Clair de Lune

Debussy começou a estudar piano com 7 anos de idade, e logo demonstrou enorme talento. Poderia tranqüilamente ter seguido com sucesso a carreira de pianista, mas apaixonou-se pela criação musical, e decidiu tornar-se compositor.

Estudou no Coservatório de Paris, e escreveu suas primeiras peças com 17 anos de idade, sempre contestando as normas acadêmicas. Não gostava de ópera italiana, flertou com o estilo de Wagner, mas logo o abandonou. Estava sempre à procura de sua personalidade como compositor.

Uma das primeiras experiências que lhe abriu as portas para as novas sonoridades que procurava aconteceu em 1889 – portanto quando ele estava com 27 anos.

A tal experiência aconteceu numa das visitas que ele fez à magnífica Exposição Universal realizada em Paris naquele ano.

Paris França Torre  Eiffel

Comemoravam-se os 100 anos da queda da Bastilha, símbolo do início da Revolução Francesa. De maio a outubro daquele ano, 32 milhões de pessoas visitaram as diversas atrações oferecidas, como a recém construída Torre Eiffel, o Diamante Imperial, maior do mundo até então, exposição de locomotivas de última geração, shows diversos como uma representação do “Far West” norte-americano, e por aí afora.

Pois bem, com tudo isso, o que deixou Claude Debussy de boca aberta foi um conjunto musical vindo da Indonésia: um Gamelão!

Gameção Música Oriental

Pixabay

O Gamelão é um conjunto formado basicamente por instrumentos de percussão, principalmente gongos e pratos dos mais variados tipos e tamanhos. E importante: não são afinados segundo os padrões europeus.

Debussy ficou encantado com o que ouviu, chegando a comentar que perto daquilo, os acordes ocidentais pareciam música de criança.

Esses sons da ásia marcaram o compositor para sempre; em 1903 ele iria compôr uma peça para piano chamada Pagodes, numa referência às habitações indonésias que levam esse nome.

É uma peça encantadora. Vale a pena ouvi-la!

Como eu disse há pouco, Debussy ainda muito jovem encantou-se com a música de Liszt e Wagner, que era o que havia de mais moderno na 2ª metade do século XIX; contudo, esse encantamento logo se foi, e ele abriu-se para novas possibilidades.

A música de Gamelão trouxe vários elementos que ele passou a usar com freqüência em várias obras.

Por exemplo, a escala que chamamos de “pentatônica”, ou seja, de cinco notas.

É diferente da escala básica ocidental, nossa velha conhecida, tem 7 notas, do re mi fa sol la si…

“Pagodes”, a peça que você pode ouvir clicando no link acima faz uso dessa escala.

Outro ponto interessante a ser notado, nessa busca pelo afastamento do romantismo musical, é o que lemos na partitura dessa peça.

O próprio Debussy escreveu: “tocar quase sem nuance”.

Nuance, no jargão musical, se refere à intensidade de som. Assim, Debussy quer que a peça seja tocada praticamente no mesmo volume de som, sem “crescendos” ou “diminuendos”, de modo que a ênfase cai sobre os timbres, as cores sonoras, eliminando os excessos expressivos.

Outra informação: Pagodes é na verdade a 1º de uma seqüência de três pecas, uma suíte intitulada “Estampes”.

A 2ª se chama La Soirée dans Grenade, ou em português, a Noite em Granada, em que temos o uso da escala árabe:

Graças a essa escala, Debussy aqui também se afasta do padrão europeu. Granada, como sabemos, é a região da Espanha que talvez tenha retido a maior influência árabe da Península Ibérica. O grande compositor espanhol Manuel de Falla disse sobre a peça: “Não há um único compasso nesta peça que tenha sido retirado do folclore espanhol, mas mesmo assim toda a composição, nos seus mínimos detalhes, retrata admiravelmente a Espanha.”

Clique abaixo para ouvi-la.

Felix Buchmann, piano.

A 3ª e última peça da suíte “Estampas” chama-se “Os Jardins sob a Chuva”. Esta não tem nenhum elemento não europeu, e procura descrever um jardim da cidade de Orbec, na Normandia, durante uma violenta tempestade.

Há muitos elementos descritivos – o vento, os trovões, as gotas de chuva – entremeados com melodias folclóricas.

Outra escala que Debussy passou a usar com o objetivo de se afastar da sonoridade européia foi a escala de tons inteiros.

Um exemplo de peça construída a partir dessa escala é “Voiles” – véus, em português.

Debussy realmente consegue passar a sensação de véus que se movem pela ação do vento, criando um ambiente translúcido.

Stephen Mager, piano

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 6a. parte.

Para encerrar a série sobre o Grupo dos Cinco, veremos agora o mais célebre deles: Nikolay Rimsky-Korsakov.

Música Russa  Rimsky-Korsako Scheherazade Scherazade

A 1a paixão do menino Nikolay não foi a música, mas o mar. Como os outros compositores do grupo dos cinco, ele começou a ter aulas de piano ainda na infância, mas não se entusiasmava muito. Ia levando. O que o fascinava de verdade eram as histórias sobre o mar, as que lia, ou que ouvia, contadas por seu irmão 22 anos mais velho, que era marinheiro e explorador.

Ele nunca havia sequer visto o mar; mas o fascínio era tamanho que em 1856, com apenas 12 anos de idade entrou para a Escola de Navegação da Real Marinha Russa. Formou-se em 1862, e estes foram seis anos admiráveis em sua vida, aprendendo e viajando.

Nikolay Rimsky-Korsakov

Contudo, em 1861, ou seja, um ano antes da formatura, Korsakov foi apresentado a ninguém menos que Mily Balakirev, o líder e mentor do grupo dos cinco.

Aí seu interesse pela música ressurgiu, e algo extraordinário aconteceu: com seus parcos estudos musicais – aulas de piano pelas quais nunca se entusiasmara, e alguns esparsos conhecimentos de composição, Korsakov, incentivado por Balakirev lançou-se à composição de sua primeira obra: uma sinfonia!

Cara leitora ou leitor, pra você ter uma idéia, Johannes Brahms, por exemplo, só se aventurou a compor uma sinfonia aos 40 anos de idade, depois de escrever muita, muita música de outros gêneros. Naquela época, a força das Sinfonias de Beethoven era algo tão avassalador que os compositores nutriam grande cautela pelo gênero.

Pois bem, o jovem Korsakov foi em frente, e auxiliado por Balakirev, concluiu sua sinfonia. E o mais interessante é que ele fez isso durante uma longa viagem de navio pelo planeta, onde chegou até a passar pelo Rio de Janeiro.

Pois bem, a sinfonia fez enrome sucesso; foi o marco inicial de sua carreira, que uniu suas duas paixões: a música e o mar.

Trata-se, em minha opinião, de uma belíssima obra, verdadeiramente contagiante, como eu disse há pouco. Porém, apesar de todo o esforço nacionalista de Balakirev, eu ainda identifico aqui muita influência germânica, muito Beethoven, muito Schumann.

Isso iria mudar com a Sinfonia número 2.

A segunda sinfonia de Kimsky-Korsakov tem um programa, uma história, que foi sugerida ao compositor por dois de seus colegas do grupo dos cinco, Cesar Cui e Modeste Mussorgsky.

Trata-se de um texto do escritor russo-polonês Osip Sennkovsky, que conta a história de Antar, um inimigo da humanidade.

Nikolay Rimsky-Korsakov Antar

Isolado no deserto, Antar salva uma gazela das garras de um pássaro gigante. Cansado da luta com o pássaro, Antar dorme, exausto, e sonha que está no palácio da Rainha de Palmira, a conhecida cidade da Síria. Lá ele descobre que a Rainha é ninguèm menos que a Gazela que ele havia salvo. Como prêmio por tê-la salvo, a Antar é então permitido gozar de três dos maiores prazeres da vida: vingança, poder e amor.

É uma música cheia de exotismo, e com traços orientais, típicos da estética do grupo dos cinco. Muito diferente da 1a Sinfonia.

Korsakov completou sua primeira Sinfonia em 1865, quando tinha 21 anos de idade. A 2a Sinfonia foi concluída em três anos depois, em 1868.

E entre as duas Korsakov produziu Sadko, o 1o poema sinfônico russo.

A 2a Sinfonia já tinha os elementos de um poema sinfõnico, mas Korsakov a estruturou em 4 movimentos separados, como mandava o figurino. Já Sadko é uma obra de um só movimento, compacta, baseada em uma antiga lenda russa.

Mais uma vez temos a presença de Balakirev e do mar.

Balakirev admirava muito uma obra sinfônica chamada “Sinfonia do Oceano”, escrita anos antes por Anton Rubinstein. Rubinstein era, contudo, um compositor acadêmico, germânico, de modo que Balakirev sonhava com uma versão tipicamente russa desta “Sinfonia do Oceano”. Ele conversou com outro ideólogo do nacionalismo russo, o escritor Vladimir Stasov, que sugeriu a lenda de Sadko e criou um roteiro para ser usado na composição.

Nikolay Rimsky-Korsakov Sadko

Sadko era um conhecido personagem da tradição oral russa, que cantava e tocava um intrumento semelhante à lira; um Orfeu russo, digamos. Ele é levado para o Reino dos Mares, onde deve providenciar a música para o casamento da filha do rei. Ele o faz com muito êxito, mas em determinado momento a música começa a ficar demasiadamente frenética, criando ondas gigantescas, que ameaçam afundar todas as embarcaçoes. Para acalmar o mar, ele é obrigado a esmagar sua lira. Tudo se acalma e ele, magicamente, é transportado de volta para o litoral.

A obra fez muito sucesso, e na opinião do próprio compositor isso aconteceu pela originalidade do trabalho, da beleza das melodias e da vivacidade do tema dançante.

Em 1867, mesmo ano em que Kirsakov compôs Sadko, Mily Balakirev planejou um concerto que chamou de pan-eslavo. Na sua concepçao de uma estética musical não germânica havia espaço para o orientalismo, e também para elementos musicais de todos os países do leste europeu.

Haveria neste concerto várias obras com referências a vários países eslavos, de modo que Balakirev pediu a Korsakov que construísse uma obra com melodias sérvias, melodias que ele mesmo, Balakirev, forneceu.

Em sua autobiografia Korsakov confessou que não foi a idéia de um pan-eslavismo o que o motivou a compôr a obra, mas sim a grande beleza das melodias fornecidas por Balakirev.

Finalmente, em se tratando de um post sobre Nikolay Rimsky-Korsakov, não podemos deixar de falar da muito célebre suíte sinfônica Scheherazade.

Nikolay Rimsky-Korsakov Scheherazade Scherazade

Scheherazade não é uma obra de juventude, como todas essas das quais falamos até agora. Foi composta em 1888, quando o compositor tinha 44 anos de idade.

É baseada na coleçao de textos “As Mil e Uma Noites” – textos provenientes da Asia e do Oriente Médio, que foram compilados em árabe entre os séculos 8 e 13.

É um dos melhores exemplos do orientalismo tão estimado pelos compositores do grupo dos cinco.

A obra tem a envergadura de uma grande sinfonia romântica – 4 movimentos, com uma duração total de cerca de 45 minutos. Mas fora isso, não tem mesmo nada a ver com as sinfônias germânicas, e por isso o próprio compositor preferiu chamar a obra de Suíte Sinfônica.

Para cada um dos movimentos ele deu um título.

O primeiro é “O Mar e o barco de Sinbad” – e temos aqui, mais uma vez, o mar, a primeira paixão do compositor.

O segundo movimento é “ O Príncipe Kalandar”.

O terceiro, “O jovem príncipe e a jovem princesa”.

Finalmente, o 4o e último movimento chama-se “Festival em Bagdad. O Mar. O barco choca-se contra um penhasco, sobrepujado por um cavaleiro de bronze.”

DICA DE LEITURA

Eternas, as histórias das Mil e uma noites se espalharam por todo o mundo, sendo contadas para crianças e adultos através dos séculos. A trama é sobre o sultão Shahriar, que, após descobrir a traição da mulher, decide casar-se cada noite com uma jovem diferente, matando-a ao amanhecer. Tal condenação só é desfeita quando Sherazade, a impetuosa filha do grão-vizir, se oferece como noiva do sultão e faz com que as noites se multipliquem ao inebriar o marido com suas histórias envolventes.
Com apresentação de Malba Tahan, esta edição de luxo das Mil e uma noites traz aventuras de mercadores, anedotas, histórias de príncipes e gênios, além dos clássicos Ali Babá, Aladim e Simbá, o marinheiro.

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 5a. parte.

Mily Balakirev

Música Russa Grupo dos Cinco a Turba Poderosa Bakakirev

Mily Balakirev foi um pianista fabuloso, dono de uma excelente leitura à primeira vista, imensa intuição e bom gosto.

Nasceu numa pequena cidade e teve as primeiras aulas de piano com sua mãe. Seu grande talento logo chamou a atenção dos amantes da música da região, que lhe providenciaram aulas com os melhores professores.

Foi praticamente adotado por um conde que mantinha uma pequena orquestra em sua propriedade. Balakirev freqüentava as suas reuniões musicais, onde conheceu as obras dos grandes compositores europeus da época.

Progrediu tanto que aos 15 anos já lhe era permitido ensaiar a orquestra do Conde; e foi aí que ele conheceu as sinfonias de Beethoven. Nessa idade ele compôs suas primeiras obras, entre elas uma Grande Fantasia para Piano e Orquestra sobre Temas Populares Russos.

Ainda jovem, portanto, o compositor já se interessava pela música folclórica de seu país, o que era um prenúncio do que iria acontecer em sua carreira.

Contudo um fato importante iria consolidar seu interesse pela criação de uma música genuinamente russa: o contato com o compositor Mikhail Glinka.

Glinka era cerca de 30 anos mais velho que Balakirev, e foi o pioneiro na utilização de matéria prima russa, quando compôs a ópera “Uma vida pelo Czar”. Suas danças e coros populares fizeram da obra um imenso sucesso.

Balakirev conheceu Glinka em 1855, em São Petersburgo. Tornaram-se próximos e travavam com freqüência sérias discussões sobre o futuro da música russa. Balakirev, a essa altura, já havia decidiu tornar-se o continuador da obra de Glinka.

Como vimos, Balakirev já vinha, desde os 15 anos de idade, introduzindo música popular russa em suas obras. Com Glinka ele descobriu novos recursos, como o Orientalismo.

A história do orientalismo começa com 2a ópera de Glinka, Ruslan e Ludmila. Nela o compositor introduziu vários trechos que remetiam aos países mais ao leste do império russo. Os compositores do Grupo dos Cinco iriam levar adiante essa idéia, de modo o orientalismo tornou-se a sua principal característica.

Orientalismo Bales Russes Diaghilev
Orientalismo nos Balés Russos de Sergei Diaghilev

Num primeiro momento, os compositores usaram melodias dessas regiões distantes. Mas logo eles foram além, e o orientalismo tornou-se veículo para uma simbologia muito interessante. Estabeleceu-se uma dicotomia entre a racionalidade ocidental e a irracionalidade e passionalidade oriental. Referências à vasta extensão do império russo, que se ampliava naquela época, somavam-se à idéia de uma real separação entre a estética musical germânica e a nova estética russa.

Uma das mais importantes obras de Balakirev é toda calcada no orientalismo. Chama-se Tamara.

Orientalismo Música Russa Balakirev Tamara

Ela retrata a história de uma linda jovem, que vivia sozinha em uma torre numa passagem de viajantes na fronteira entre a Rússia e a Geórgia. Ela seduzia e atraia os viajantes, e após passar a noite com eles, os matava e atirava no rio Terek.

Balakirev cria dois ambientes musicais distintos. Um de caráter dionisíaco, com ritmos obsessivos, notas repetidas, e andamentos acelerados. Outro, descreve o desejo sensual, com ritmos irregulares, melodias alongadas, e dissonâncias pouco usuais.

Orquestra Sinfônica de Montreal. Kent Nagano.

DICA DE LEITURA

Nas palavras do romancista Milton Hatoum, Orientalismo é “um ensaio erudito sobre um tema fascinante”: como uma civilização fabrica ficções para entender as diversas culturas a seu redor. Para entender e para dominar. Neste livro de 1978, um clássico dos estudos culturais, Edward W. Said mostra que o “Oriente” não é um nome geográfico entre outros, mas uma invenção cultural e política do “Ocidente” que reúne as várias civilizações a leste da Europa sob o mesmo signo do exotismo e da inferioridade. Recorrendo a fontes e textos diversos – descrições de viagens, tratados filológicos, poemas e peças, teses e gramáticas -, Said mostra os vínculos estreitos que uniram a construção dos impérios e a acumulação de um fantástico e problemático acervo de saberes e certezas européias. A investigação da origem e dos caminhos do Orientalismo como disciplina acadêmica, gosto literário e mentalidade dominadora, vai e volta do século XVIII aos dias de hoje, das traduções das Mil e uma noites à construção do canal de Suez, das viagens de Flaubert e “Lawrence da Arábia” às aventuras guerreiras de Napoleão no Egito ou dos Estados Unidos no golfo Pérsico. Um livro fascinante e indispensável.

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 4a. parte.

Hoje é a vez de Alexander Borodin (1833- 1887)

Música Russa Grupo dos Cinco Borodin

Alexander Borodin foi outro compositor do “Grupo dos Cinco”, a turma de russos barulhentos que viveu na 2a. metade doséculo XIX e batalhou pela criação de uma música genuínamente russa, sem influências alemãs, italianas, francesas, e por aí afora.

Suas principais obras são: duas sinfonias, dois quartetos de cordas , o poema sinfônico Nas Estepes da Ásia Central e a ópera Príncipe Igor.

Houve um tempo em que sua música estava tão na moda, que alguns de seus temas fram usados em um musical americano . Isso aconteceu em 1954. O musical chamava-se “Kismet”, que quer dizer “destino, em Português.

Música Russa Grupo dos Cinco Borodin Kismet

Este é mais um exemplo da mistura entre os mundos da música clássica e da música popular, muito mais frequente do que podemos imaginar!!!

Bordin era médico e químico de profissão e formação, e fez importantes contribuições iniciais para a química orgânica. Embora atualmente seja mais conhecido como compositor, ele considerava a medicina e as ciências como suas principais ocupações, praticando música e composição apenas nas horas vagas ou quando estava doente.

Borodin foi um promotor da educação na Rússia e fundou a Escola de Medicina para Mulheres em São Petersburgo, onde lecionou até 1885.

Clique aqui para ver um vídeo com um trecho da ópera “Príncipe Igor”. Se não conhece, tenho certeza que ficaá encantado!

Na póxima postagem continuamos com o Grupo dos Cinco.

Deixe seu comentário ou pergunta!

Até lá!

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 3a. parte.

A postagem de hoje é sobre Cesar Cui.

Música Russa Grupo dos Cinco Cesar Cui

César Cui é um nome que o amante da música de concerto volta e meia encontra em em revistas especializadas, encartes de CDs, etc.

Mas é fato que sua música é muito pouco conhecida.

E sua vida, da qual sabemos muito pouco, é muito interessante.

A presença de Cui no Grupo dos Cinco é um paradoxo, ou mesmo um mistério.

Ele foi o menos russo dos cinco. Seu pai era francês, um militar do exército de Napoleão que, após a retirada decidiu não voltar para seu país. Havia se apaixonado por uma jovem lituana, de descendência polonesa, e com ela se casou. Estabeleceu-se na cidade de Vilnius, onde conseguiu um trabalho como professor de francês.

Nesta cidade nasceu Cesar Cui, que cresceu aprendendo nada menos que quatro línguas: francês, polonês, lituano e russo. E aí, caro leitor, creio que está a raiz do paradoxo que eu mencionei há pouco. Cui haveria de, entre outras coisas, tornar-se um prolífico crítico e cronista musical, tendo escrito uma grande quantidade de textos sobre música. Nesses textos, ele advogava vigorosamente a criação de uma estética musical genuinamente russa. Contudo a sua música, na maioria dos casos, não materializa essas crenças. Em muitas obras o que ouvimos é um compositor universalista, admirador dos estilos e Chopin e Schumann.

Nikolay Rimsky-Korsakov, que se tornou o mais conhecido do grupo, deixou escrito que Balakirev, o lider do grupo, e o mais radicalmente devotado à causa da estética russa, “permitia um certo grau de liberdade a Cui, tratando com indulgência muitos elementos qua não se afinavam com suas preferências”.

Acontece que o talento de Cui para as pequenas peças era realmente excepcional. Nas suas miniaturas, peças de 2 a 4 minutos, ou até mais curtas, ele conseguia criar com perfeição estados de espírito precisos e climas de absoluto erncanto.

Execução de Philip Edward Fisher.

É um tanto chocante ouvir essa declaração do próprio compositor:

“ Embora Russo, eu sou meio francês, meio lituano, e eu não tenho o sentido da música russa em minhas veias….

Mas há algumas obras de Cui em que o espírito russo está presente, como a Suíte Orquestral no. 3, opus 43, à qual o compositor deu o título de “In Modo Popolari”.

São seis movimentos: Allegro Moderato, Moderato, Vivace, Moderato, Allegretto e Vivace ma non troppo.

Execução da Orquestra Filarmônica de Hong Kong, dirigida por Kenneth Schermerhorn.

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Até a próxima postagem!

Os Nacionalistas: O Grupo dos Cinco, 2a. parte.

Nesta postagem, falo de Modeste Mussorgsky (1839-1881).

Música Russa Grupo dos Cinco Mussorgsky

Mussorgsky foi, como outros dois compositores do Grupo dos Cinco, Cesar Cui e Rimsky-Korsakov, um militar de carrreira.

Mas teve uma vida diferente: nasceu em uma família rica e aristocrática. Estudou piano desde cedo, e ainda na juventude interessou-se profundamente por história e por filosofia alemã.

Tornou-se um jovem adulto culto e refinado.

Aos 17 anos formou-se em na Academia de Cadetes de São Petersburgo, sendo designado para um regimento de elite da Guarda Imperial Russa.

Foi nessa época que ele conheceu outros compositores do Grupo dos Cinco: Alexander Borodin, Cesar Cui e Mily Balakirev.

Balakirev, que era o líder do grupo, impressionou-se fortemente pelo talento muiscal de Mussorgsky, e simplesmente o adotou como seu pupilo.

Música Russa Grupo dos Cinco Balakirev

Balakirev não era exatamente um professor de composição, como os que existiam nos conservatórios alemães, franceses ou italianos.

Era, como Mussorgsky, um pianista extremamente talentoso e muito bem treinado. Mas tinha mais experiência, e ensinou ao jovem tudo os que sabia sobre as principais obras de Beethoven, Schumann, Schubert, e sobretudo sobre Glinka, que havia sido o pioneiro dos nacionalistas russos.

Pois bem, a fortíssima personalidade de Balakirev produziu o efeito esperado: pouco tempo após começar as aulas, Mussorgsky tomou a decisão de deixar a carreira militar e devotar-se inteiramemte à música.

Embora estive sob a tutela artística de Balakirev, um nacionalista ferrenho, a música de Mussorgsky, nessa época, ainda se voltava para modelos estrangeiros. Um exemplo é a sonata para piano a quatro mãos, escrita por ele em 1860, quando estava com 21 anos. Não tem realmente nada de tipicamente russo, mas isso não quer dizer que não mereça ser ouvida. Pelo contrário, é uma obra deliciosa!

Mussorgsky: Sonata para Piano a 4 maõs; 10. movimento, Allegro. Maurizio Baglini · Roberto Prosseda

Pouco tempo depois de compôr esta sonata que acabamos de ouvir, sua família rica e aristocrática viu-se subitamente empobrecida. Mussorgsky, que havia deixado a carreira militar para dedicar-se à música, passou a se sustentar com um emprego no serviço público. Contudo, naquela época, mesmo o serviço público na Rússia não era estável, e Mussorgsky ficava longos períodos sem salário. Para piorar, o hábito de beber bebidas alcólicas pesadamente, que havia adquirido no seu tempo de escola militar acabou resultando em verdadeiro alcolismo.

Na música, mais frustrações. Começou a escrever uma ópera baseada em texto de Gustav Flaubert, mas abandonou o projeto no meio. Dedicou-se a um poema sinfônico que hoje é uma de suas obras mais conhecidas – Uma noite no Monte Calvo – mas como ela foi severamente criticada por seu mestre, Balakirev.

Mussorgsky nunca cheogu a ouvi-la.

Ele só viria a conhecer um real sucesso cerca de 10 anos depois, em 1874, na estréia de Boris Godunov, a única ópera que concluiu. Foram 5 anos de trabalho, entre 1868 e 1783, diversos percalços e rejeições, até o estrondoso sucesso da estréia, no Teatro Mariinsky, em São Petersburgo.

A platéia não parava de aplaudir, e o compositor teve que ir à cena nada menos que 20 vezes!

Nos dias seguintes, ouviam-se trechos da ópera cantados nas ruas da cidade.

Até a próxima postagem!

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