O compositor alemão Johann Pachelbel, predecessor de J.S. Bach, autor de uma obra imensa e de altíssima qualidade, é lembrado hoje apenas por uma obra, conhecida por “Canon de Pachelbel” uma peça bem escrita agradável de se ouvir, mas que seguramente não está entre o que ele fez de melhor.
Pachelbel merecia ter sua obra mais tocada, mais conhecida. Este é o exemplo mais conhecido de “compositor de uam obra so´”. Mas há muitos ouros! Vamos então falar aqui de um outro compositor com quem acontece algo muito semelhante: o italiano Tomaso Albinoni.
Adagio para Cordas
Tomaso Giovanni Albinoni nasceu em Veneza, no ano de 1671, ou seja, foi como Pachelbel um predecessor de J.S. Bach. E como Pachelbel é lembrado hoje em dia por uma única obra: o Adagio para cordas, órgão e violino solista.
Esse adagio foi um dos maiores sucessos da indústria fonográfica na 2ª metade do século XX. Muitas orquestras o gravaram e ganharam muito dinheiro com isso, até mesmo a mais sagrada de todas: a Filarmônica de Berlim, quando era dirigida pelo maestro Herbert von Karajan.
Pelo menos isso é o que está escrito na capa do disco; na verdade hoje sabemos que essa peça não é de Albinoni.
Remo Giazotto
Para entendermos a história desse Adagio precisamos voltar no tempo, até março de 1945, quando houve um grande bombardeio sobre a cidade de Dresden, na Alemanha.
Na ocasião, a biblioteca da cidade foi destruída. Muitos documentos importantes desapareceram, entre eles muitos manuscritos de obras de Albinoni que nunca haviam sido editadas.
Pois bem, alguns anos depois, um musicólogo italiano chamado Remo Gaziotto disse ter obtido um fragmento de uma partitura de Albinoni que havia sobrevivido ao bombardeio, e que a partir desse fragmento reconstruíra um movimento de uma sonata do compositor.
A obra foi lançada em 1958, e fez muito sucesso. Porém, à medida que outras peças de Albinoni foram sendo descobertas, percebeu-se que o tal adagio não parecia em nada com elas.
Pressionado, Gaziotto acabou admitindo que se tratava mesmo de uma composição sua.
No link abaixo, você pode ouvir uma obra genuína de Albinoni.
Como você certamente notou, um estilo nada parecido com o Adagio de Remo Giazotto. Nada daquela dramaticidade gigantesca do Adagio, do sentimentalismo exacerbado, desesperado, do final do século XIX, mesclado com os padrões harmônicos dos compositores barrocos, cuja obra estava sendo descoberta aos poucos, e fazendo muito sucesso.
Casos Similares
O italiano Remos Giazotto não foi único a criar Frankensteins musicais como esse. Existem muitas obras do gênero, como dois concertos para viola do francês Henri Casadesus, um atribuído a Handel, outro a J.S. Bach. Seu irmão, Marius Casadesus, compôs um Concerto para Violino e disse que era de Mozart.
E o violinista austríaco Fritz Kreisler compôs mais de 15 peças que atribuiu divertidamente a vários compositores, como Couperin, Boccherini, Tartini e muitos outros.
Durante algum tempo acreditou-se que se tratavam de obras originais, mas pouco a pouco, a verdade foi vindo à tona. E o interessante é que muitas dessas peças tem qualidades musicais e são tocadas com frequência.
Vida e Obra
A vida de Albinoni foi uma exceção entre os compositores de seu tempo. Ao contrário de 99% deles, que vinham de famílias pobres, e precisavam de um bom emprego para sobreviver, Albinoni era filho de uma família rica.
Graças a essa condição, decidiu dedicar-se inteiramente à música, do modo como desejava, ou seja, sem ter que atender os gostos de seus patrões.
Inicialmente estudou violino e canto, e a maior parte de sua obra é de música vocal.
Escreveu mais de 80 óperas; sabemos o nome de todas elas, e quando estrearam. Porém, a maioria das partituras se perdeu, muito provavelmente na destruição da biblioteca de Dresden. Lamentavelmente, dessas 80 óperas, restaram as partituras completas de meia dúzia.
“Vespetta e Pimpinone”
Vejamos um exemplo, “Vespetta e Pimpinone”. Trata-se de um “Intermezzo”, palavra usada naquele tempo para uma ópera pequenina, leve e de caráter cômico. A trama de Vespetta e Pimpinone era muito comum e serviu de base para outros compositores como Pergolesi e Telemann.
Uma jovem bonita e esperta vai trabalhar como empregada na casa de um senhor idoso, rico e… bobo. Acaba, graças à sua astúcia, casando-se com ele e consequentemente, mudando de nível social.
Repertório Instrumental
A música instrumental de Albinoni teve mais sorte que sua obra operística. Muitas partituras de seus concertos foram preservadas até hoje, e muitos deles foram gravados.
Ele deixou nada menos que 99 sonatas, 59 concertos e 9 sinfonias, e boa parte dessas partituras foi, felizmente, preservada.
Esse repertório instrumental foi bem divulgado, atraindo a atenção de outros músicos de fora da Itália, até mesmo de J.S. Bach, que escreveu fugas baseadas em temas de Albinoni.
Albinoni foi violinista e é natural que a maioria de seus concertos seja para violino solista. Contudo, ele deixou uma imensa contribuição para o repertório do oboé.
Aparentemente foi o 1º compositor italiano a utilizar o oboé como instrumento solista, e também um dos primeiros a utilizar os oboés como parte integrante da orquestra. Dos seus concertos para o oboé, o mais tocado é o Opus 9, nº 2.
Pena que uma grande parte das obras de Albinoni tenha se perdido durante a 2ª Guerra. Mas os musicólogos estão por aí, trabalhando, e quem sabe outras cópias dessas obras não serão descobertas?
Espero que tenha gostado deste post!
E aqui vai uma sugestão de CD para que conheça mais sobre a obra de Albinoni!
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Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!
Saudações Musicais!
Muito obrigado Maestro Galindo. Fiquei sabendo não só de Albinoni como Kreisler e outros.
Maestro Galindo, postagens de altíssimo nível. Muito obrigado! É um privilégio poder acompanhá-lo nestes tempos.
Muito obrigado, Nelson.
Sua leitura muito me honra.
Apareça sempre, toda semana tem postagem nova.
Abraços musicais!
Pode ser que a Arte seja a única e mais impressionante forma humana de se fazer Infinito…
Excelente saber da verdadeira história de algumas músicas!!!
Grato por mais um excelente artigo, Maestr!!!!
Caiu o mundo!!! O adágio de Albinoni não é de Albinoni???
Quem seria o verdadeiro compositor?
O italiano Remos Giazotto ??
Sim, o compositor é Remo Giazotto!
Mas o mundo não caiu. Continue curtindo a música do mesmo modo!
Abraços musicais!
Muito obrigada por sua generosidade ao dividir conhecimento. Gostei muito e fiquei surpresa com a história do Albinoni e seu (não seu) Adagio.
Maestro o Sr. sempre nos dando lindos presentes para aumentarmos nossos conhecimentos. Muito obrigada.
A música Adágio, isto a primeira é uma das minhas favoritas. Se jamais pensaria que não seria Albinoni. Obrigada por contar. Achei a mentira mais legal de todas as suas aulas. Obrigada Maestro.
Muito esclarecedor, Maestro!
Belo Post!!!
Obrigado
Excelente texto, como sempre, maestro. Sempre que ouço o Adagio lembro-me do filme Rollerball e sua impactante trilha musical. Músicas de filmes distópicos – como Rollerball, Soylent Green, Blade Runner e inúmeros outros – em geral são de alta qualidade. Seriam um bom tema para um dos seus artigos?
Olá Arnaldo.
Sim, inclusive já fiz algusn cursos online sobre música e cinema, abordando Morte em Veneza, Amadeus, Ensaio de Orquestra, e alguns outros.
Obrigado pelas sugestões!
Como sempres, o maestro Galindo trazendo histórias das orgens das compsições que mais nos chama a atenção e apreço.
Obrigado, Antonio!
Albinoni foi contemporâneo de J. S. Bach. Por quê você diz que foi predecessor a Bach?
Maestro, Como sempre nos auxiliando a melhorar nossa apreciação da boa musica e seus compositores. Divulgar estas informações é um importante trabalho seu que deve ser reconhecido e aplaudido.
Obrigado
Obrigada Maestro, por passar o conhecimento da música erudita para nós.
Gratidão
Maria Alba.