Neste post falo de um tema que eu considero fascinante: o ritmo na música de Bach!
Ritmo remete a dança.
Quando falamos em ritmo, algo que vem logo a nossa mente é a dança.
E dança é algo que sempre teve um papel importantíssimo na assim chamada música clássica, pois durante séculos elas animaram as festas nas cortes do velho mundo.
Mais tarde as danças foram estilizadas pelos compositores do século XVIII, inclusive J. S. Bach.
Assim, transformaram-se em música pura, música para ser tocada e apreciada, e não mais para ser dançada.
J. S. Bach criou muitas danças que são verdadeiras obras primas. As danças são os melhores exemplos da forte presença do ritmo na música de Bach.
Aliás, para muita gente, um dos grandes atrativos na música de Bach é o Ritmo!
Os elementos do ritmo.
Antes de ouvirmos exemplos de Bach, vamos conhecer um pouco melhor o ritmo, começando pelos ritmos básicos, que são o binário e o ternário.
O ritmo binário é aquele em que sentimos uma acentuação a cada duas batidas. 1,2; 1,2; 1,2; etc …
Ouça:
E o ritmo ternário é aquele em que sentimos a acentuação a cada três batidas.
É este aqui:
Perceber essa diferença é fácil e ao mesmo tempo muito importante.
Apesar disso, é surpreendente como muitas pessoas que ouvem música com freqüência não se dão conta disso.
Que tal fazermos alguns testes?
Ainda mais uma coisa, antes de chegarmos à música de Bach.
Vamos tocar alguns trechinhos musicais, e eu proponho que você, caro leitor ou leitira, arrisque dizer se se trata de uma música ternária ou binária.
Você responde e em seguida eu dou a resposta.
Vamos lá!
Teste 1
Binário ou ternário?
Se estiver difícil, procure marcar o ritmo com a mão ou o pé.
Teste 2
Teste 3
Teste 4
Vamos às respostas:
Teste 1: Parabéns a você. Ritmo Ternário.
Teste 2: Asa Branca. Ritmo Binário.
Teste 3: Marcha Soldado. Ritmo Binário
Teste 4: Uma melodia folclórica alemã. Ritmo Ternário.
Se você não acertou, não faz mal!
De qualquer maneira, a partir de agora, quando ouvir música, procure sentir a sua pulsação!
Andamento ou Velocidade do Ritmo.
O segundo elemento ligado ao ritmo, e que tem também grande importância na música é o andamento.
Quanto a isso não há segredo; tem a ver com a música ser mais rápida ou mais lenta.
Com esses dois elementos, ou seja a pulsação binária ou ternária e o andamento, já podemos definir várias danças.
Valsa.
Uma valsa, por exemplo, é sempre em ritmo ternário e andamento rápido.
Este exemplo não é de Bach, mas pudera … no seu tempo a valsa ainda não existia!
Minueto.
Já um minueto é sempre em ritmo ternário e em andamento moderado.
Aqui, um exemplo de Haendel, compositor que viveu na mesma época que Bach.
Padrões rítmicos.
Vamos em frente. Além do ritmo básico e do andamento, há também os padrões ritmicos.
Por exemplo: um choro será sempre binário e com uma sucessão de notas iguais, assim:
Já o samba também é binário, mas tem um padrão ritmico todo recortado:
Palavrões!
Prá finalizar, há ainda os ritmos téticos e os anacrúsicos.
Caro leitor, não se assute com esses palavrões! É fácil.
Pense em Marcha Soldado. Ela começa com um acento:
Mar– cha soldado
Já Asa Branca começa com um impulso para o acento:
Quando-lhei
Quando uma melodia começa na nota acentuada – ou como nós músicos costumamos dizer, no tempo forte do compasso, nós dizemos que ela é tética.
E quando ela começa num impulso para o tempo forte – ou como os músicos costumam dizer, num tempo fraco – nós dizemos que ela é anacrúsica.
Finalmente, o ritmo na música de Bach.
Dito tudo isso, vamos conhecer algumas das danças que estavam em voga no século XVIII e que Bach usou em muitas de suas suítes.
Louré
A Louré era uma dança francesa, usada com freqüencia nos espetáculos teatrais já no século XVII.
Seu ritmo é ternário e seu andamento lento.
No exemplo abaixo, uma Louré da Partita n0. 3 para violino solo de Bach.
Gavota.
A Gavota também é uma dança francesa, mas de origem popular, posteriormente levada às cortes.
Tem andamento moderado e ritmo binário.
Ela é anacrúsica!
Agora um exemplo orquestral: a Gavota da Suíte Orquestral no. 3 de Bach.
Bach costumava usar pedais – notas longas de sustentação – em suas gavotas, criando com isso uma sonoridade típica das gaitas de fole, como que para lembrar-nos sua origem popular.
Isso pode ser facilmente percebido na gavota da Partita no. 3 para violino.
Mais um exemplo de uma Partita para violino solo de Bach.
Minueto.
O minueto também é uma dança francesa , instituida na época de Luis XIV. Foi a mais popular dança das cortes européias, e a que mais tempo sobreviveu.
Quando ninguém mais fazia executar gavotas ou lourés, o ritmo do minueto continuava sendo ouvido, até o comecinho do século XIX.
É uma dança de ritmo ternário, e de andamento moderado.
Na Itália, contudo, passou a ser tocado consideravelmente mais rápido, e foi muito usada em aberturas de óperas.
Bach, no exemplo que ouviremos em seguida, mostra-se fiel ao padrão francês.
Nele ele faz algo muito comum na época: uma forma A B A, em que A é um minueto, e B é outro, que contrasta com o primeiro.
Bourré
A Bourré também é uma dança francesa. É em ritmo binário, tem andamento rápido, e caráter vivo, alegre.
Começa sempre com uma anacruse.
Bach compôs Suítes para Alaúde, um instrumento magnífico.
Abaixo um exemplo.
Giga.
Agora deixemos as danças francesas para conhecer a Giga, uma dança que se popularizou em toda a Europa, mas teve sua origem na Grã-Bretanha.
É sempre ritmo ternário, e de andamento bem rápido.
Era uma dança que, no século XVIII, foi usada pelos compositores com muita liberdade. Havia tipos mais ou menos rápidos, com frases irregulares ou regulares, em estilo contrapontístico ou homofônico.
O que não variava era o ritmo ternário e o andamento vivo, alegre e muitas vezes saltitante.
Todas as suítes para violoncelo solo de Bach terminam com uma Giga.
Sarabanda.
Da Grã-Bretanha vamos para a Espanha, terra natal de uma das mais queridas danças dos séculos XVII e XVIII: a Sarabanda
Muitos musicólogos defendem a tese de que ela surgiu na América latina, chegando posteriormente à Espanha.
De qualquer maneira, da Espanha ela foi para a Itália, e de lá espalhou-se pela Europa.
A sarabanda é uma dança lenta e em ritmo ternário.
No exemplo seguinte, a Sarabanda da Partita para cravo BWV 830, de Bach.
Corrente.
Uma dança em qua as notas fluem soltas, deslizando livremente é a Corrente, ou Courante.
É uma dança rápida, viva, em ritmo é ternário.
No século XVIII havia uma variante italiana, com ritmo mais uniforme, e uma francesa, com maior variedade ritmica, e com textura contrapontística.
Bach, neste exemplo que ouviremos, opta pelo estilo italiano.
Bach compôs 3 partitas para violino solo e um número muito maior de suites e partitas para cravo.
São verdadeiros mananciais de danças do século XVIII. Esse é um repertório muito rico, e muitas danças ficaram de fora deste artigo, como a Alemanda, o Passepied, o Hornpipe, entre outras.
Bach escreveu lindos exemplos de todas elas.
Será assunto para uma próxima portagem!
Espero que tenham gostado da leitura e dos exemplos musicais!
Saudações do maestro J. M. Galindo.
Parabéns, Maestro! Uma de suas melhores publicações. Conteúdo preciso e ótima oportunidade para os iniciantes no aprendizado musical.
Quando possível, publique mais material com a mesma qualidade.
Valeu!!!!
Mais uma interessante aula de seu aparentemente inesgotável repertório. Gostei muito. Parabéns.
Muito rico em detalhes e de fácil assimilação … linguagem acessível para
Nossa, nunca imaginei que houvesse tantas danças diferentes. Muito obrigado Maestro Galindo ! Excelente e didática aula. Abraços, Antonio
Maestro brava explicação!!! Super esclarecedora. Obrigada
Maravilhosa aula, que riqueza musical. Quanta variedade! Muito obrigada. Uma aula especialíssima!
Olá, maestro! Excelente explanação sobre os ritmos. Téticos e anacrúsicos, esses nunca havia ouvido falar e, as danças compostas por Bach!
“ Se Deus deve a alguém aqui na Terra, certamente deve a Bach!”; foi o que ouvi recentemente de um músico na rádio. A cada dia que aprendo sobre sua música acredito mais nessa frase. Que venham mais artigos sobre Johan Sebastian Bach! Obrigada!