Qual seria a relação entre Bach e Vivaldi? Relação pessoal nós sabemos que não houve; Bach nunca saiu da Alemanha; Vivaldi, até onde se sabe, nunca foi até lá.
Além disso, não há nenhuma carta trocada entre os dois mestres. Mesmo assim, sabemos que J. S. Bach conheceu a música de Vivaldi.
Isso é absolutamente certo, porque Bach transcreveu para cravo e para órgão, concertos de Vivaldi escritos originalmente para um ou mais violinos e orquestra.
Essas partituras de Bach ficaram para posteridade, são autênticas, e, portanto, provam que Bach não só conhecia, mas apreciava a música de seu contemporâneo italiano.
Numa rápida pesquisa, eu levantei 10 obras de Bach feitas a partir de Vivaldi.
A mais comentada é o concerto para 4 cravos, catálogo BWV 1065, que é uma transcrição do Concerto para 4 violinos de Vivaldi op. 3 nº 10.
Até mesmo para quem já conhece as duas obras é uma experiência interessante ouvi-las em seguida, e compará-las.
Na versão original, de Vivaldi, temos quatro violinos solistas acompanhados por uma pequena orquestra. Esta orquestra é formada por 1ºs violinos, 2ºs violinos, violas, violoncelos, contrabaixos e cravo.
Transcrição
Em sua transcrição, Bach manteve a mesma formação orquestral. Os quatro solistas, contudo, são quatro cravos, em lugar de quatro violinos.
Trata-se do primeiro concerto escrito para quatro instrumentos de teclado, acompanhados por orquestra. Bach manteve escrupulosamente a mesma forma estabelecida por Vivaldi.
Fazendo uma analogia, poderíamos dizer que, se o concerto de Vivaldi fosse um texto literário, o concerto de Bach seria exatamente o mesmo texto, com a mesma história, com o mesmo número de parágrafos e frases. Haveria algumas palavras a mais, que deixariam o texto um pouco mais ornamentado, mas nada seria mudado em sua essência.
Diferenças
Falei como Bach ateve-se escrupulosamente à partitura original de Vivaldi, introduzindo algumas alterações puramente ornamentais. Indo além, podemos também refletir um pouco sobre as diferentes sonoridades obtidas.
Violino e cravo têm diferenças marcantes, e eu chamo a atenção para duas delas.
A primeira é a possibilidade do violino tocar notas muito mais longas que o cravo. No cravo, o instrumentista pressiona uma tecla, uma nota é gerada e dura poucos segundos, até esvair-se totalmente.
O violino, por sua vez, é capaz de emitir uma nota muito longa, muito mais longa que a do cravo. Se o violinista utilizar o arco com cuidado, poderá até simular uma nota de duração indefinida.
Por isso, em alguns trechos, para compensar a falta de sustentação sonora do cravo, Bach, no lugar das notas longas originais, escreve muitas notas em seguida, em fragmentos de escalas ou arpejos.
A segunda grande diferença entre cravo e violino é que o cravista pode tocar várias notas ao mesmo tempo, coisa que no violino é bem complicada,
Assim, em alguns trechos onde Vivaldi escreve para o violino apenas uma nota por vez, Bach escreve para o cravo duas ou mais linhas melódicas simultâneas.
Esses são exemplos das tais diferenças ornamentais que eu citei há pouco.
Órgão
Vamos agora, caro leitor, para outra obra de Vivaldi, transcrita por Bach. Trata-se de um concerto para dois violinos, acompanhados por pequena orquestra, também formada por 1ºs violinos, 2ºs violinos, violas, violoncelos, contrabaixos e cravo.
Bach transcreveu este concerto não para cravos solistas, como no caso anterior. Ele escolheu para isso o órgão – apenas um órgão.
Este único órgão toca a parte dos dois violinos solistas e também da orquestra – que Bach simplesmente dispensou.
Como eu dizia há pouco, Bach conseguiu transcrever para um órgão apenas, as notas tocadas pelos dois violinos solistas e pela orquestra.
O leitor pode perguntar: mas isso é possível?
É, caro leitor. Acontece que o órgão é um instrumento de muitos recursos. A partitura desta peça que acabamos de ouvir é escrita em três pentagramas: um para a mão direita, outro para a mão esquerda outra para os pés do organista.
Além disso, o órgão pode fazer as tais notas longas, sustentadas, que o cravo não pode. Comparamos, portanto, duas obras de Vivaldi para violinos solistas e orquestra, com duas transcrições de Bach bem distintas, uma para cravos solistas acompanhados por orquestra, e outra para órgão solo.
Em ambas, o texto musical original, de Vivaldi, foi cuidadosamente respeitado; as modificações introduzidas por Bach têm caráter puramente decorativo. O que variou e muito foram as sonoridades obtidas em cada caso.
Benedeto Marcello
Bach conhecia a obra de muitos outros compositores italianos além de Vivaldi. Isso era natural, pois a música Italiana era apreciada e divulgada em toda a Europa, exercendo quase que uma hegemonia naquele tempo.
Vivaldi era de Veneza, cidade onde se fazia muita boa música há séculos, e outros compositores notáveis foram seus contemporâneos.
Um deles foi Benedeto Marcello, de quem Bach transcreveu para cravo solo um concerto original para violino solo e orquestra.
Espero que tenha gostado deste post.
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Ah, e não vá embora sem antes deixar um comentário!
Saudações Musicais!
Interessante postagem. Dá oportunidade para nós que gostamos da música clássica e não somos musicistas apreciarmos e aprendermos.
Prezado,
Vivaldi compôs a melhor obra que conheço para o encontro teclado e orquestra: O RV 542 (concerto com (orgão obligatto; violino e orquestra)…A Obra dele era experimentada com outros instrumentos dentro e fora da Italia!
Saudações, caro maestro e todos que o acompanham por neste apreço que tem por nós. Senti agora mais nitidamente que o Orgão deve já ter sido tão explorado em contextos funebres que ficou difícil imaginar outra situação. Tem algum exercício para ampliar este instrumento para outras direções e sensações. Não toco instrumentos, me desculpem caso esteja equivocada.
Oi Susana,
Sim, eu diria, respeitosamente, que você está equivocada.
O órgão está fortemente associado à música religiosa, mas não à música fúnebra.
São coisas diferentes!!! 🙂
Abraços do maestro!