Música é algo que traz alegria e encantamento.
Pensando nesta palavra – encantamento – eu me lembrei de uma experiência espetacular realizada muitas décadas atrás, que encantou e continua encantando muita gente. Trata-se do longa metragem “Fantasia”, de Walt Disney.
Fantasia foi concluído pelos estúdios Disney em 1940. É o 3º da lista de clássicos de animação da empresa, tendo sido precedido por Branca de Neve e os Sete Anões e Pinóquio. É um sucesso perene, um filme que nunca foi esquecido e conquista mais e mais fãs à medida que o tempo passa.
Em Fantasia a união de cinema e música de concerto, concebida de modo criativo e extremamente profissional, foi benéfica para estes dois mundos.
Por isso eu acredito que, se quiserem, profissinais de TV ou rádio criativos e competentes, poderão sempre inventar maneiras modernas e inovadoras de mesclar música de concerto com a linguagem ágil dos grandes meios de comunicação de massas…. E com isso, levar a boa música a muito, muito mais gente.
As seguintes palavras são assinadas pelo próprio maestro Leopold Stokowsky e podem ser lidas na edição em vinil da trilha Sonora do filme:
“Fantasia levou a música de mestres como Bach, Beethoven, Stravinsky para milhões de pessoas em todo o mundo, que, de outra maneira, poderiam não ter oportunidade ou inclinação para ouvi-la e apreciá-la. Mais ainda, a música é igualada pelo gênio altamente imaginativo de Disney e os artistas a ele associados”.
Assim, caros leitores, não sou eu o único a acreditar que a boa música pode ser levada a um número de pessoas cada vez maior. O maestro Stokowsky está comigo.
Vamos saber algumas coisas sobre o filme, e sobre as maravilhosas peças músicas nele presentes.
Atenção: no final do post, você encontrará um link que lhe possibilitará ouvir essas maravilhas.
Comecemos com a Tocata e Fuga em ré menor, de Johann Sebastian Bach.
Esta é a primeira música apresentada no filme. Bach criou a peça originalmente para órgão, e Stokowsky fez dela uma brilhante orquestração, que regeu frente a Orquestra da Filadélfia. A versao foi regravada pela Orquestra dos Estúdios Disney, dirigida pelo maestro Irwn Kostal, em 1982.
Diferente das outras obras musicais utilizadas no filme, a Tocata e Fuga não descreve nada; é uma peça totalmente abstrata. Assim, Disney e sua equipe ficaram livres para criar as imagens que quiseram. No início da música surgem imagens da própria orquestra, como violinos e trompetes, que vão se dissolvendo e se tornando cada vez mais abstratas à medida que a música caminha para o final.
Depois da Tocata e Fuga em ré menor, o filme Fantasia segue com trechos da Suíte do Ballet Quebra Nozes, de Tchaikovski.
São ouvidos os seguintes números: Dança da Fada Açucarada, Dança Chinesa, Dança dos Mirlitons, Dança Árabe, Dança Russa e Valsa das Flores. Os produtores do filme decidiram omitir a abertura e a marcha, e alteraram a ordem dos movimentos.
Aqui Disney e sua equipe não tinham uma música abstrata, mas sim um ballet com uma história muito concreta.
Imaginaram então um ballet da natureza, dançado por cogumelos, flores. folhas e orquídeas.
Fantasia recebeu dois Oscars honorários por ser um trabalho tão inovador. E também um prêmio especial do New Yok Film Critics Awards.
As inovações não aconteceram apenas no âmbito artístico, mas também no tecnológico. A sua gravação foi pioneira numa forma ainda rudimentar de estereofonia, que tinha o nome de Fantasound.
Imaginem vocês que naquela época ainda não havia surgido o disco de vinil – e creio que alguns ouvintes ainda se lembrem dos discos que então existiam, aqueles de cera, pesados, e que se quebravam facilmente.
Mas voltemos a falar da música, com poema sinfônico “O Aprendiz de Feiticeiro, de Paul Dukas” .
Trata-se de de uma peça orquestral escrita em 1897, baseada numa obra homónima do escritor Johann von Goethe. Esta é mais uma obra que, apesar de sua grande qualidade, talvez estivesse esquecida, se não fosse o filme Fantasia.
No filme surge o rato Mickey, no papel de um aprendiz de feiticeiro trapalhão, incapaz de controlar os efeitos de seu feitiço.
Em 1938, os estúdios Disney procuravam um papel especial para o rato Mickey. A obra de Paul Dukas parecia ser algo especialmente talhado para isso, uma musica encantadora. Mas era, em termos de animação, um desafio muito grande. Teria de ser dirigida, tocada e gravada de modo impecável.
Dentro da equipe de Disney, pensava-se em quem poderia dirigir essa obra, e que orquestra poderia tocá-la. Por obra do destino, aconteceu de Leopoldo Stokowsky, um dos mais importantes maestros radicados nos Estados Unidos à época, visitar os estúdios Disney. Quando o projeto lhe foi explicado, ele concordou imediatamente em unir-se à equipe.
Assim, foi com o Aprendiz de Feiticeiro que nasceu Fantasia.
Agora vamos à Sagração da Primavera, composta em 1912 por Igor Stravinsky.
Estreada em Paris em 1913, foi uma música totalmente inovadora para a época- mais que inovadora, causou escândalo. Muitos a consideraram selvagem, brutal, e não foram poucas as vaias que recebeu. Ainda em 1938, ano em que Fantasia começou a ser concebido, havia muita resistência a ela por parte do público. Por isso, a decisão de incluir a Sagração pode ser considerada também uma tremenda ousadia.
Stravinsky declarou que o pretexto para a criação da obra era um panorama da pré-história russa, um pré-histórico nascer da primavera. Assim, para Disney e sua equipe, tratava-se de um drama da vida de nosso planeta, que envolvia forças gigantescas. A animação inicia-se com uma explosão solar, que emite uma massa de gás que irá se tornar o planeta terra. As imagens de Disney, mostrando o nascimento do planeta e o surgimento da vida na Terra, são magistrais.
Depois dessa obra que mostra as forças mais viscerais da natureza, segue-se outra em que a natureza é vista de um modo totalmente oposto: a Sinfonia Pastoral, de Beethoven.
Para essa obra, Disney concebeu como cenário o Monte Olimpo, a morada dos Deuses Gregos. Como contraponto às forças telúricas, temos aqui uma referência ao impulso civilizatório, uma força humana.
Surgem criaturas mitológicas, como centauros, cupidos, cavalos alados.
Baco, o Deus do vinho, Zeus, o Deus dos Deuses, Apolo, Diana. O que vemos na tela é um dia no Olimpo, que termina com o anoitecer.
O filme continua com outras peças encantadoras e divertidas, como a Dança das Horas de Amilcare Ponchielli e Ave Maria de Schubert … mas dessas nós iremos falar no próximo post, que será a continuação deste.
Espero que tenham apreciado …. e se encantado!
Ah! Ouça a música aqui:
Fascinante!! Trabalho brilhante e genial. Obrigada, maestro.